Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1767/05.5TBCTB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PRECLUSÃO
Data do Acordão: 02/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.728 CPC
Sumário: 1. O termo do prazo para a dedução de oposição faz precludir o direito de o executado invocar, na execução, os meios de defesa que nela pudesse opor, para o efeito de a extinguir, total ou parcialmente.

2. Vindo a ser sustada tal execução por efeito de existência de penhora anterior, e e reclamado tal crédito na execução da penhora prioritária, o executado não pode aí impugnar a reclamação mediante a invocação de algum meio de defesa de que se pudesse ter socorrido na execução.

Decisão Texto Integral:











Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de Reclamação de Créditos que correm por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que o Banco (…) instaurou contra J (…) e M (…) , veio a P (…), S.A., reclamar o seu crédito no valor de 7.447,19 €, invocando a existência de uma penhora a seu favor efetuada no âmbito de uma execução por si instaurada contra os aqui executados, sustada ao abrigo do disposto no art. 874º CPC.

O executado/reclamado J (…) veio deduzir oposição a tal reclamação, defendendo a improcedência da mesma, com os seguintes fundamentos que assim se sintetizam:

a livrança apresentada como título que baseia a reclamação de créditos está prescrita, sendo a reclamação de créditos é extemporânea;

não é a sua letra nem a sua assinatura que constam do verso da livrança apresentada para fundamentar a reclamação de créditos.

A credora reclamante respondeu no sentido da improcedência da intempestividade da reclamação e da exceção de prescrição, alegando ainda que no processo executivo n.º 16919/05.0YYPRT, onde a livrança foi acionada, o executado não deduziu oposição à execução com fundamento na falsidade da assinatura.

Realizou-se audiência prévia na qual se concluiu pela improcedência da exceção de prescrição e pela improcedência da arguida extemporaneidade da reclamação.

Realizada audiência final, foi proferida sentença que, decidindo ter precludido o direito do executado a deduzir impugnação que ponha em causa a o crédito do exequente reclamante, julgou verificado o crédito, graduando-o em segundo lugar, após o crédito exequendo.


*

Inconformado com tal decisão o executado/reclamado dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui reproduzimos por súmula[1]:

(…)


*

O Reclamante apresentou contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir serão as seguintes:
1. Se o executado pode discutir no apenso de reclamação de créditos a exequibilidade do título do credor garantido por penhora efetuada no âmbito de execução sustada.
2. Em caso afirmativo, se é de alterar a decisão recorrida.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Se o executado/reclamado pode deduzir oposição no apenso de reclamação de créditos pondo em causa a exequibilidade do título do credor garantido por penhora efetuada no âmbito de execução sustada.
Os factos dados como provados pelo juiz a quo e com interesse para a decisão em apreço são os seguintes:
1. Em 23 de Agosto de 2005 deu entrada execução comum a que foi atribuído o n.º 1676/05.5TBCTB em que era exequente “Banco (…), S.A.” e executados J (…) e M (…) para garantia da quantia exequenda de € 30.020,42, tendo na sua base uma livrança no valor de € 29.444,61.
2. No processo principal foi penhorada a Fração autónoma designada pela letra “J” – quarto andar esquerdo e arrecadação nº 6 no forro, do prédio sito à w (...) , Lote 4, inscrito na matriz sob o artigo 5724 e descrito na Conservatória do Registo Predial de x (...) sob o nº 35/19841107 da freguesia de x (...) .
(…)
6. Em 20 de Julho de 2005, o “B (…), S.A.” instaurou execução para pagamento de quantia certa contra L (…) e J (…)  tendo na sua base a livrança referida no ponto anterior, o que deu origem ao processo n.º16919/05.0YYPRT dos juízos de execução do Porto, 2º juízo, 3ª secção.
7. Por documento particular denominado “Contrato de Cessão de Créditos” datado de 29 de Março de 2012 o “B (…), S.A.” cedeu o crédito referido em 5. à “P (…) S.A.” passando esta a ser a portadora da referida livrança.
8. O aqui executado e reclamado, J (…) foi citado no âmbito do processo n.º 16919/05.0YYPRT, na qualidade também de executado, em 26 de Fevereiro de 2008, e não deduziu oposição com fundamento na falsidade da letra e assinatura constantes da livrança.
9. No âmbito do processo n.º 16919/05.0YYPRT foi penhorado o prédio identificado em 2, primeiro pela AP. 28 de 2007/11/28, entretanto cancelada pela AP. 29 de 2008/07/21, e depois pela AP. 30 de 2008/07/21 a favor do “B (…), S.A.” para garantia da quantia exequenda de € 5.054,84.
10. Por despacho de 28 de Novembro de 2015 a execução no âmbito do processo de execução n.º 16919/05.0YYPRT foi sustada quanto ao prédio referido em 2. na sequência da existência da penhora anterior – AP. 19 de 2007/12/18 – efetuada no âmbito da execução a que estes autos são apensos.
11. Em 10 de Novembro de 2016, a “P(…), S.A.” apresentou a sua reclamação de créditos nos presentes autos.
(…)
19. Sobre a fração autónoma identificada em 2. incidem atualmente as seguintes inscrições:
- AP. 48 de 2006/05/08 - Penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia do pagamento de € 82.529,20, em que é sujeito passivo J (…).
- AP. 42 de 2007/06/18 - Penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia do pagamento de € 48.041,66, em que é sujeito passivo J (…).
- AP. 19 de 2007/12/18 - Penhora a favor do “Banco (…) S.A.” para garantia do pagamento de € 30.020,42, em que é sujeito passivo J (…)
-AP. 30 de 2008/07/21 – Penhora a favor do “B (…), S.A.” para garantia do pagamento de € 5.054,84.
- AP. 536 de 2010/03/22 – Aquisição a favor de M (…), casada com N (…) no regime da separação de bens, por doação de J (…) e mulher M (…)
(…).
*
Considerou a sentença recorrida que, não tendo o executado deduzido oposição com fundamento na falsidade da letra e assinatura, na execução na qual foi efetuada a penhora aqui invocada, se encontra precludido o direito de, no processo executivo, o executado invocar factos que impliquem a impugnação do crédito consolidado.
Insurge-se o Apelante, e desde já adiantamos que, sem qualquer razão, contra o decidido, argumentando que a reclamação de créditos é um verdadeiro processo declarativo de estrutura autónoma, não se encontrando o executado sujeito a qualquer ónus de oposição à execução – a não dedução de oposição não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão, no processo executivo, de um direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso, mas sem que se possa falar em caso julgado a impor-se noutra ação posterior ou de um efeito preclusivo para além do processo executivo.
Na argumentação por si despendida está a resposta à questão controvertida, resposta esta que, contudo, não é no sentido defendido pelo Apelante: o argumento por si utilizado está correto, consistindo na reprodução (parcial) do afirmado por Lebre de Freitas[2]. Contudo, a solução a que conduz a sua aplicação ao caso em apreço é precisamente a oposta à defendida pelo apelante.
Dispõe a tal respeito, o referido autor:
“Constituindo petição de uma ação declarativa e não contestação duma ação executiva, a dedução de oposição à execução não representa a observância de qualquer ónus cominatório (ónus da contestação, ónus da impugnação especificada), a cargo do réu na ação declarativa: nem a omissão de oposição produz a situação de revelia nem a omissão de impugnação dum facto constitutivo da causa de pedir da execução produz qualquer efeito probatório, não fazendo sentido falar, a propósito, de prova de factos alegados pelo exequente ou de definição de direito decorrente do título executivo, o qual continua, após o decurso do prazo para a oposição como até ai, a incorporar a obrigação exequenda, com dispensa, em principio, de qualquer indagação prévia sobre a sua real existência.[3]
Nesta parte do seu raciocínio apenas se discute a suficiência do título, reportada à ideia de que não é a ausência de impugnação que tem efeitos sobre o direito a exercitar na ação executiva – o direito já está incorporado no título.
Ou, como afirmava Anselmo de Castro:
“A ação executiva existe para realizar o direito, com tanto se bastando, e não para o declarar; logo, também esse fim não pode ser assinado à execução, e impor-se ao executado o ónus de a deduzir.
A oposição está instituída, na e para a execução, tão só para os fins que a lei lhe fixa, quando o executado a queira deduzir, de suspender ou anular a execução, e não para que em todo o caso seja tornado ou fique certo o direito do credor[4]”.
Já quanto às consequências do decurso do prazo da oposição sem que o executado deduza embargos de executado, afirma José Lebre de Freitas:
“Mas, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excecionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso.”
Tal argumentação é despendida por Lebre de Freitas a propósito da possibilidade de o executado vir em posterior ação autónoma, máxime, numa ação de restituição indevida, invocar causas de pedir (exceções) não invocadas nos embargos de executado.
Já quanto aos efeitos da ausência de oposição na própria ação executiva, a não dedução de embargos de executado no prazo assinalado para o efeito impede-o de se socorrer das exceções que pudesse invocar em sua defesa para o efeito de lograr a extinção (total ou parcial) da execução.
A oposição à execução é o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa ou de contradição perante o pedido do exequente. Decorrido o prazo estabelecido por lei para o efeito, fica precludido o direito do executado de se defender na execução, de invocar os meios de defesa de que pudesse gozar, para o efeito de a extinguir total ou parcialmente.
Voltando ao caso em apreço.
Não tendo deduzido oposição na execução que contra si foi instaurada pelo aqui credor reclamante, ficou indiscutida na execução a exequibilidade do título.
E quando, pelo facto de aquela execução ter sido sustada por motivo de existência de uma outra penhora prioritária, o aí exequente é obrigado a vir reclamar o seu crédito nos presentes autos, é ainda o direito exequendo exercitado em tal execução e que se tornou aí indiscutido, que aqui se pretende ver graduado – o reclamante pede aqui a realização coativa do seu direito que se encontra a ser exercitado na execução por si instaurada, invocando a penhora aí efetuada. Temos assim um “concurso” de execuções sobre o mesmo bem.
O credor que viu a sua execução sustada por efeito da existência de uma outra penhora mais antiga goza da faculdade de se apresentar a reclamar o crédito exequendo na execução em que a penhora seja mais antiga, invocando a sua preferência no pagamento decorrente da garantia real consistente na penhora efetuada a seu favor.
Assim sendo, se os demais credores que concorrem entre si pelo pagamento através de um determinado bem (credores reclamantes e exequente) gozam de ampla liberdade na impugnação dos demais créditos reclamados e das respetivas garantias, podendo ainda, inclusivamente, deduzir impugnação ao crédito exequendo, o executado (a quem lhe foi já atempadamente concedido prazo para deduzir oposição a tal crédito na execução sustada), apenas poderá aqui invocar os meios de defesa atinentes à própria reclamação de créditos (ex., extemporaneidade da reclamação) ou que sejam posteriores ao termo do prazo de oposição na 1ª execução[5].
Confirmando-se o sustentado na sentença recorrida, de que o direito do executado a deduzir impugnação que ponha em causa o crédito exequendo se encontra precludido pela ausência de oposição na ação executiva que deu origem à garantia real que aqui se pretende fazer valer, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo apelante relativamente à falsidade da assinatura aposta pelo executado na livrança exequenda.

A apelação será de improceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pelo Apelante.                

                                                                Coimbra, 27 de fevereiro de 2018

Maria João Areias ( Relatora )

Alberto Ruço

Vítor Amaral


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. O termo do prazo para a dedução de oposição faz precludir o direito de o executado invocar, na execução, os meios de defesa que nela pudesse opor, para o efeito de a extinguir, total ou parcialmente.
2. Vindo a ser sustada tal execução por efeito de existência de penhora anterior, e e reclamado tal crédito na execução da penhora prioritária, o executado não pode aí impugnar a reclamação mediante a invocação de algum meio de defesa de que se pudesse ter socorrido na execução.


[1] Face ao nítido incumprimento do dever de nelas sintetizar os fundamentos do recurso, imposto pelo nº1 do artigo 639º CPC.
[2] “Concentração da defesa e formação de caso julgado em embargos de executado”, in Estudos Sobre Direito Civil e Processo Civil”, Coimbra Editora 2002, p. 465.
[3] José Lebre de Freitas, “Concentração da Defesa e Caso Julgado (…), p. 465, e “A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, Fevereiro 2014, p. 214.
[4] “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, Coimbra Editora 1970, p.299.
[5] Como salientava José Alberto dos Reis para uma situação similar, se os créditos reclamados podem ser impugnados por qualquer credor, pelo exequente, pelo executado e pelo seu cônjuge, e se os demais credores reclamantes podem, inclusivamente, impugnar o crédito do exequente, o executado não pode, nesta fase impugnar o crédito do exequente visto que já teve à disposição os meios de oposição à execução. “Quando o processo chega à fase dos arts. 864º e ss., o crédito do exequente já está verificado e reconhecido, ou implicitamente, porque o executado não deduziu oposição alguma, ou explicitamente, porque foi julgada improcedente a oposição deduzida.” – “Processo de Execução”, Vol. 2º, Coimbra Editora Lda./1985, p. 270.