Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
178/20.7TXCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: PERDÃO DE PENA
Data do Acordão: 09/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS – JUIZ 3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 2.º DA LEI N.º 9/2020, DE 10 DE ABRIL
Sumário: O perdão previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só pode ser aplicado a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor, excluindo os condenados que não tenham ainda ingressado fisicamente no estabelecimento prisional.
Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

A – Relatório

1. Pelo Tribunal de Execução das Penas de Coimbra (Juízo de Execução das Penas de Coimbra – Juiz 3), foi proferido despacho, a 8.5.2020, julgando perdoada a pena aplicada ao condenado ST, no âmbito do processo nº 110/15.0GGCBR, ao abrigo da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril.

2. Inconformado com tal despacho, veio o Ministério Público interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

- O perdão previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só pode ser aplicado a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor, excluindo os condenados que não tenham ainda ingressado fisicamente no estabelecimento prisional;

- O artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, de 6 de Abril, suspendeu todos os prazos para a prática de actos processuais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19;

- Pelo que, enquanto durar a situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, está suspensa toda a tramitação processual tendente à emissão e execução de mandados de captura na sequência de condenação transitada em julgado;

- Desta forma se evitará que, durante esse mesmo período, ingressem no estabelecimento prisional novos reclusos, e assim se logrará garantir que não seja ocupado o espaço prisional deixado livre pela libertação dos reclusos abrangidos pelo perdão;

- Restringir a aplicação do perdão previsto na Lei n.º 9/2020 aos condenados que se encontram já recluídos à data da entrada em vigor daquela mesma lei, excluindo os condenados ainda não recluídos, não viola o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa;

- Ao perdoar a pena de prisão aplicada ao arguido ST no âmbito do Processo nº 110/15.0GGCBR, não estando este preso à data da entrada em vigor da Lei n. º 9/2020, o tribunal proferiu decisão ilegal, por violação no disposto no artigo 2º, n.º 1, desse mesmo diploma legal.

3. O arguido respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela confirmação do despacho recorrido, concluindo que:

-  O recurso do Digno Ministério Público está centrado na impugnação da decisão proferida no dia 8 de maio de 2020, que julgou perdoada a pena aplicada no âmbito do Processo nº 110/15.0GGCBR, nos termos do nº 1 do artigo 2º da Lei nº. 9/2020 de 10 de abril.

- O Digno Ministério Público não concordou com a douta decisão, mencionando que “Da literalidade da norma resulta desde logo que no âmbito da aplicação subjetiva da mesma se restringe a “reclusos”, condenados que se encontrem presos por decisão transitada em julgado”.

- A Lei nº 9/2020 de 10 de abril estatui no seu artigo 2º que “1 – São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos. 2 - São também perdoados os períodos remanescentes das penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração superior à referida no número anterior, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos, e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena. 3 - O perdão referido nos números anteriores abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única.”

- O crime pelo qual arguido foi condenado não é um dos crimes excluídos do referido perdão nos termos do nº 6 do artigo 2º da mencionada Lei e, por outro lado, a pena que lhe foi aplicada é inferior a dois anos de prisão.

- Porém, o arguido não se encontra recluído em estabelecimento prisional.

- Considera-se não se poder concordar com o teor do recurso do Digno Ministério Público quando refere que resulta do artigo 2º, nº1, da Lei nº 9/2020 de 10 de Abril que “o âmbito de aplicação subjetivo da mesma se restringe a “reclusos”, condenados que se encontrem presos por decisão transitada em julgado.”.

- Perdoando penas a reclusos que se enquadrem na lei e nos seus requisitos de aplicação, considera-se que se aplica também a condenados que ainda não estejam a cumprir efetivamente a pena de prisão.

- Caso contrário, a Lei nº 9/2020 de 10 de abril potenciaria diferença de tratamento entre as pessoas que se encontrassem em posições materialmente idênticas, lesando dessa forma o princípio constitucional da igualdade decorrente do artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa.

- Ao interpretar a mencionada norma da Lei 9/2020 de 10 de abril como somente aplicável àqueles que já estão a cumprir a pena em estabelecimento prisional, estar-se-ia a devolver à liberdade pessoas com tempo prisão para cumprir inferior ou igual a dois anos para, depois, ocupar o espaço prisional deixado livre por esses com a reclusão de pessoas autores de factos idênticos aos libertados e punidos com penas iguais – ou até inferiores.

- Desta forma, considera-se que a única interpretação aceitável da Lei nº 9/2020 de abril é a do perdão ser aplicável a todos os cidadãos punidos com penas e crimes abrangidos pelo âmbito da norma com decisões transitadas em julgado à data da entrada em vigor da Lei nº 9/2020 de 10 de abril.

- Para além de tudo o mencionado, é importante voltar a referir que o arguido Simão requereu o pagamento da pena de multa de que foi condenado em 3 prestações mensais, as guias já foram emitidas e já procedeu a pagamento da primeira prestação.

4. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que não conceda ao arguido o perdão da pena de 77 dias de prisão subsidiária em que foi condenado no processo n.º 110/15.0GGCBR, ao abrigo do art.º 2.º, n.º 1 da Lei n.º 9/2020, de 10/04, por à data da sua entrada em vigor, não se encontrar ainda na situação de recluso. Entende que a decisão recorrida é ilegal, por fazer uma interpretação extensiva de uma norma contida numa lei de perdão, já por si uma lei excepcional, para vigorar num período excecionalíssimo, num período de duração limitada e, como tal, a norma do artigo 2º, nºs 1 e 3, tem de ser interpretada em sentido estrito, nos exactos termos em que se encontra redigida, ou seja, aplicável apenas a condenados, com trânsito em julgado que, à data da entrada em vigor da lei, para evitar o contágio pelo Covid-19, se encontrassem já recluídos, a cumprir pena de prisão igual ou inferior a 2 anos, o que não era o caso do arguido ST.

(…)

6. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

7. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.


*

B - Fundamentação

 1. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que dispõe que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

São, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº 2, e 410º, nº 3, do mesmo diploma legal).

O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28.12.1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11.7.2019, in www.dgsi.pt; de 25.06.1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28.04.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193; e cfr. ainda Acórdãos da RC de 13.3.2019, proferido no âmbito do recurso nº 1131/16.0T9CBR.C1; de 13.1.2016, proferido no âmbito do recurso nº 53/13.1GESRT.C1 e da RP de 24.10.2018, proferido no âmbito do recurso nº 76/16.9PEPRT.P1, todos em www.dgsi.pt).

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

- se o perdão previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só pode ser aplicado a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor, excluindo os condenados que não tenham ainda ingressado no estabelecimento prisional; e

- se o arguido pode beneficiar do perdão previsto no artigo 2º da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril.

 

3. Para decidir das questões supra enunciadas, vejamos o despacho recorrido que tem o seguinte teor:

“ST foi condenado, por decisão proferida no âmbito do processo nº 110/15.0GGCBR, transitada em julgado em 07/04/2016, na pena de 200 dias de multa, por crime de furto qualificado na forma continuada.

Por decisão proferida em 17/91/2018, transitada em julgado em 29/10/2018, foi a dita pena convertida em 77 dias de prisão subsidiária, tendo sido emitidos mandados de detenção.

O condenado ainda não iniciou o cumprimento da aludida pena.

Do exame do respectivo CRC resulta que o condenado não tem qualquer outra pena de prisão para cumprir.

Em 11 de Abril de 2020 entrou em vigor a Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, que no artigo 2º estatui que “1 - São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos./ 2 – São também perdoados os períodos remanescentes das penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração superior à referida no número anterior, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos, e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena./3 – O perdão referido nos números anteriores abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única./4 - Em caso de condenação do mesmo recluso em penas sucessivas sem que haja cúmulo jurídico, o perdão incide apenas sobre o remanescente do somatório dessas penas, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos./5 - Relativamente a condenações em penas de substituição, o perdão a que se refere este artigo só deve ser aplicado se houver lugar à revogação ou suspensão./6 - Ainda que também tenham sido condenados pela prática de outros crimes, não podem ser beneficiários do perdão referido nos n.ºs 1 e 2 os condenados pela prática: a) Do crime de homicídio previsto nos artigos 131.º, 132.º e 133.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, na sua redação atual; b) Do crime de violência doméstica e de maus tratos previstos, respetivamente, nos artigos 152.º e 152.º-A do Código Penal; c) De crimes contra a liberdade pessoal, previstos no capítulo IV do título I do livro II do Código Penal; d) De crimes contra a liberdade sexual e autodeterminação sexual, previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal; e) Dos crimes previstos na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 210.º do Código Penal, ou previstos nessa alínea e nesse número em conjugação com o artigo 211.º do mesmo Código; f) De crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, previstos no título III do livro II do Código Penal; g) Dos crimes previstos nos artigos 272.º, 273.º e 274.º do Código Penal, quando tenham sido cometidos com dolo; h) Do crime previsto no artigo 299.º do Código Penal; i) Pelo crime previsto no artigo 368.º-A do Código Penal; j) Dos crimes previstos nos artigos 372.º, 373.º e 374.º do Código Penal; k) Dos crimes previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na sua redação atual; l) De crime enquanto membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas ou funcionários e guardas dos serviços prisionais, no exercício das suas funções, envolvendo violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena; m) De crime enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas; n) Dos crimes previstos nos artigos 144.º, 145.º, n.º 1, alínea c), e 147.º do Código Penal. /7 – O perdão a que se referem os n.ºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei e sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce a pena perdoada. /8 - Compete aos tribunais de execução de penas territorialmente competentes proceder à aplicação do perdão estabelecido na presente lei e emitir os respetivos mandados com caráter urgente. /9 - O perdão a que se referem os n.ºs 1 e 2 só pode ser aplicado uma vez por cada condenado.”

Questão que se coloca, assim, é a de se saber se o predito perdão concedido pela citada Lei é, ou não, aplicável no caso dos autos.

Com efeito, o crime por que o arguido foi condenado no processo nº 110/15.0GGCBR, não é um daqueles excluído do referido perdão nos termos do citado artigo 2º, nº 6 e, por outro lado, a pena que lhe foi aplicada e que terá de cumprir é inferior a dois anos de prisão.

No entanto, o mesmo, neste momento, não se encontra ainda recluído em estabelecimento prisional.

Salvo o devido respeito, na esteira do que defende o Sr. Desembargador José Quaresma – em artigo publicado em e-book do CEJ, em edição actualizada em 22 de Abril de 2020, disponível na página do CEJ – pugnar que no caso dos autos não é aplicável o perdão, não se afigura constituir orientação conforme de um ponto de vista constitucional.

Com efeito, a mesma potencia diferenças de tratamento entre pessoas situadas em posições materialmente idênticas, como tal lesando drasticamente o principio constitucional da igualdade decorrente do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

De facto, o uso legal da expressão recluso nos preceitos constantes da Lei 9/2020 mais não poderá significar do que reportar-se à situação daquelas pessoas cuja decisão condenatória já transitou em julgado e a quem foi aplicada pena susceptível de ser executada em estabelecimento prisional e, assim, passíveis de serem objecto de mandados de detenção para cumprimento da referida pena.

Note-se que, neste momento e apesar da cessação do estado de emergência, ainda não foi publicado o diploma legal a que alude o art. 10º da L 9/2029, de 10 de Abril e que haverá de determinar a cessação da vigência da lei citada.

Na verdade, a defender-se a interpretação da norma que apenas integre no seu âmbito de destinatários efectivos aqueles já em cumprimento de pena, estaria criada a possibilidade de se estar a devolver à liberdade pessoas com tempo de prisão para cumprir inferior ou igual a dois anos para, depois, ocupar o espaço prisional assim deixado livre com a reclusão de pessoas autores de factos idênticos aos libertados e punidos com penas iguais – ou até inferiores. Além de a solução ser manifestamente indefensável de um ponto de vista material e constitucional, faria gorar a intenção do legislador de criar condições de salubridade no meio prisional, dado que impediria a criação do espaço suficiente para permitir uma gestão sanitariamente adequada da prisão.

Assim sendo, a única leitura admitida pela norma em causa – sobre o ponto de vista constitucional, mas também pragmático – é a do perdão ser aplicável a todos os cidadãos punidos com penas e crimes abrangidos pelo âmbito da norma com decisões transitadas em julgado à data da entrada em vigor do examinado instrumento legal.

Dir-se-á, todavia, que as objecções supra referidas serão ultrapassadas desde que a emissão dos mandados e a detenção assim ordenada sejam suspensos, ficando a aguardar a cessação da vigência da L 9/2020. Dessa forma, de facto, a actual situação – legalmente impeditiva da entrada de condenados em penas iguais ou inferiores a dois anos nos estabelecimentos prisionais – deixará de existir, permitindo a prisão posterior dos arguidos nessas referidas condições.

Considera-se, no entanto, que tal hipotética actuação não se coaduna com os ditames do estado de direito, bem como desatende as razões que motivaram a existência do perdão constante da Lei 9/2020.

Começando pela última das afirmações efectuadas, deve assinalar-se que o perdão de penas se legitimou pela condição sanitária provocada pela pandemia Covid 19 e foi adoptado no contexto da declaração do estado de emergência. É certo que, entretanto, terminou o estado de emergência, mas infelizmente tal não representou o afastamento integral da pandemia e a restauração de uma situação de inexistência da possibilidade de propagação do vírus que a causa.

Assim sendo, a delicada situação de saúde do país e o condicionalismo específico dos estabelecimentos prisionais continuarão a justificar a adopção de especiais cautelas contrárias a uma qualquer espécie de gestão temporal de mandados de detenção. Com efeito, o estado de saúde pública do país – e particularmente o de espaços públicos como as prisões – manterá a necessidade de se observar prudência nos contactos e cautelas com a segurança de todos, desaconselhando a normal densidade de ocupação dos estabelecimentos prisionais.

Por outro lado, a sustação e adiamento da emissão dos mandados de detenção são práticas de passiveis de, também elas, colidirem frontalmente com as implicações do principio da igualdade. Equivalem, até, a uma manobra feita propositadamente para impedir que um eventual condenado com decisão transitada em julgado, cuja pena ainda não tenha começado a respectiva execução, seja tratado de forma diferente de outro, eventualmente condenado até em pena mais grave, com emissão de mandados de detenção mais lesta e, por isso, já recluso.

Ora tal prática não pode, em caso algum, ser admitida.

Sempre se dirá ainda que também não faz qualquer sentido deter e conduzir a estabelecimento prisional condenados na situação daquele em causa nos autos, pois nesse momento já se encontrariam na situação de “reclusos” a quem então poderia ser aplicado o perdão previsto na L 9/2020 de 10 de Abril, ainda vigente.

Finalmente, acrescenta-se, nos termos da L 9/2020 cabe ao TEP a declaração do perdão previsto na lei citada.

Assim, face ao exposto, julga-se a pena aplicada no âmbito do processo nº 110/15.0GGCBR, perdoada nos termos dos mencionados preceitos, mas sob condição resolutiva do beneficiário não praticar infracção dolosa no ano subsequente, caso em que, a pena aplicada a tal infracção, acrescerá à agora perdoada.

Notifique.

Comunique ao registo criminal.”


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4. Cumpre agora apreciar e decidir.

A primeira questão que cumpre apreciar é a de saber se o perdão previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só pode ser aplicado a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor, excluindo os condenados que não tenham ainda ingressado no estabelecimento prisional.

Defende o tribunal a quo que o uso legal da expressão recluso nos preceitos constantes da referida Lei mais não poderá significar do que reportar-se à situação daquelas pessoas cuja decisão condenatória já transitou em julgado e a quem foi aplicada pena susceptível de ser executada em estabelecimento prisional e, assim, passíveis de serem objecto de mandados de detenção para cumprimento da referida pena.

Por sua vez, entende o recorrente que o perdão previsto no artigo 2º da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, não se aplica aos condenados que não tenham ingressado fisicamente no estabelecimento prisional.

Vejamos.

A Lei nº 9/2020, de 10.4, que estabelece um regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, dispõe no artigo 2º, nº 1, “que são perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos”.

Nos termos do nº 2 da mesma norma legal “são também perdoados os períodos remanescentes das penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração superior à referida no número anterior, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos, e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena”.

O nº 3 da mesma norma esclarece que “o perdão referido nos números anteriores abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única”.

Como resulta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 23/XIV, que deu origem à Lei nº 9/2020, “a Organização Mundial de Saúde qualificou, no dia 11 de março de 2020, a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 como uma pandemia internacional, e como calamidade pública. Face a essa qualificação e ordenado pelo fundamento final de conter a expansão da doença, o Presidente da República decretou, no dia 18 de março o estado de emergência. Portugal tem atualmente uma população prisional de 12 729 reclusos, 800 dos quais com mais de 60 anos de idade, alojados em 49 estabelecimentos prisionais dispersos por todo o território nacional”.

Mais consta no mesmo diploma que “As especificidades do meio prisional, quer no plano estrutural, quer considerando a elevada prevalência de problemas de saúde e o envelhecimento da população que acolhe, aconselham que se acautele, ativa e estrategicamente, o surgimento de focos de infeção nos estabelecimentos prisionais e se previna o risco do seu alastramento. … Neste contexto de emergência, o Governo propõe a adoção de medidas excecionais de redução e de flexibilização da execução da pena de prisão e do seu indulto, que, pautadas por critérios de equidade e proporcionalidade, permitem, do mesmo passo, minimizar o risco decorrente da concentração de pessoas no interior dos equipamentos prisionais, assegurar o afastamento social e promover a reinserção social dos reclusos condenados, sem quebra da ordem social e do sentimento de segurança da comunidade. Estas medidas extraordinárias constituem a concretização de um dever de ajuda e de solidariedade para com as pessoas condenadas, ínsito no princípio da socialidade ou da solidariedade que inequivocamente decorre da cláusula do Estado de Direito”.

É, pois, neste contexto que deve ser interpretado o artigo 2º da referida lei, sendo indiscutível que toda a norma jurídica carece de ser interpretada, mesmo nos casos em que parece evidente um claro teor literal.

A interpretação a efectuar deve atender a todos os elementos de interpretação, como o gramatical, histórico, sistemático e teleológico (este a impor que o sentido da norma se determine pela ratio legis) e permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao sentido possível do texto (letra) da lei – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2015 de 24-03-2015, in http://bdjur.almedina.net/.

Com efeito, estipula o artigo 9º do Código Civil, com a epígrafe Interpretação da Lei, que:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Resulta, assim, deste artigo do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Porém, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; sendo de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Como refere Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 188 e ss., citado no Ac. do STJ supra aludido “a interpretação não deve cingir-se à letra mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”. Contrapõe-se letra (texto) e espírito (pensamento) da lei, declarando-se que a actividade interpretativa deve – como não podia deixar de ser – procurar este a partir daquela.

A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do artigo 9.º, nº 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador. Não significa isto que se não possa verificar a eventualidade de aparecerem textos de tal modo ambíguos que só o recurso a esses elementos externos nos habilite a retirar deles algum sentido. Mas, em tais hipóteses, este sentido só poderá valer se for ainda assim possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto infeliz que se pretende interpretar”.

Continua o mesmo aresto afirmando que, “ainda pelo que se refere à letra (texto), esta exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas. Com efeito, nos termos do artigo 9.º, nº 3, o intérprete presumirá que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo”.

Interpretando, agora, a referida norma legal e começando pela sua letra.

Relembra-se que, segundo a letra da lei, são perdoadas as penas de prisão de reclusos.

Ora, o termo recluso significa o que está preso, encarcerado.

É isso que resulta igualmente do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, mormente do artigo 8º, com a epígrafe Deveres do recluso, sendo o primeiro desses deveres o de permanecer ininterruptamente no estabelecimento prisional até ao momento da libertação, salvaguardados os casos de autorização de saída.

Vejamos o pensamento legislativo, o espirito da lei.

Como se disse supra, pretende-se minimizar o risco de contágio da doença Covid 19, decorrente da concentração de pessoas no interior dos equipamentos prisionais. O objectivo é, pois, retirar dos estabelecimentos prisionais alguns reclusos de forma a assegurar o afastamento social.

Assim, quer pelo espírito da lei, quer pela sua letra, conclui-se que o perdão deve ser aplicado aos reclusos, sendo estes os que cumprem pena em estabelecimentos prisionais.

A ser assim, ficam de fora os condenados em pena de prisão, por sentença transitada, que não sejam reclusos, que se encontrem em liberdade.

A letra da lei está em conformidade com o seu espírito, não sendo o caso do legislador não expressar correctamente o seu pensamento.

 Poder-se-ia dizer, como consta no despacho recorrido que, a ser assim, violar-se-ia o princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da CRP, já que a lei iria potenciar diferenças de tratamento entre pessoas situadas em posições materialmente idênticas. Para obviar a tal, a expressão recluso, nos preceitos constantes da Lei nº 9/2020, teria que significar as pessoas condenadas, por decisão já transitada em julgado, a quem foi aplicada pena susceptível de ser executada em estabelecimento prisional e, assim, passíveis de serem objecto de mandados de detenção para cumprimento da referida pena.

Isto é, no entender do despacho recorrido, seria recluso o arguido que se encontra em liberdade mas condenado em pena de prisão por sentença transitada em julgado.

Ora, não se vê que reclusos e arguidos em liberdade, mesmo que condenados por sentença transitada, se encontrem em posições materialmente idênticas. Dir-se-ia que, de facto, encontram-se em posições bem distintas, senão mesmo opostas, como a liberdade e a reclusão.

Acresce que o princípio da igualdade postula que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente.

Como consta no Ac. do TC 437/06,[1] “O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º Vol., págs. 7 e segs.)”.

Por um lado, reclusos e condenados em pena de prisão, mesmo que por sentença transitada, que se encontram em liberdade, são situações distintas. Por outro lado, a opção legislativa não é de forma alguma arbitrária tendo em vista a finalidade da Lei nº 9/2020, supra explanada.

Também não colhe a alegação de que, se assim não fosse, estar-se-ia a gorar a intenção do legislador de criar condições de salubridade no meio prisional, dado que impediria a criação do espaço suficiente para permitir uma gestão sanitariamente adequada da prisão.

Não se pode olvidar que enquanto a Lei nº 9/2020 estiver em vigor, será aplicado o perdão a todos os condenados/reclusos que preencham os requisitos para o efeito. Isto é, se um condenado em pena de prisão se encontrar em liberdade não lhe será aplicado o perdão mas se esse mesmo condenado passar à situação de reclusão, em virtude de mandado já emitido ou mesmo, quiçá, por apresentação pelo próprio para cumprimento da pena, pode ver a pena perdoada se preencher os necessários pressupostos para o efeito.

Como refere José Quaresma in e-book intitulado Estado de Emergência – Covid 19 – Implicações na Justiça, 2ª ed., pág. 571, publicado pelo CEJ, “o perdão beneficiará o recluso que, na data em que a lei entrou em vigor ou em qualquer um dos dias em que vigorar, vier a preencher a totalidade dos pressupostos, substanciais e temporais, de concessão do perdão, desde que com base em condenação transitada em jugado anteriormente e nunca para além do fim da sua vigência, nesta data ainda indeterminado”.

A ser assim, não se pode afirmar que seja gorada a intenção do legislador uma vez que, aos condenados/reclusos que preencherem os pressupostos será aplicado o perdão.

Não será, no entanto, aplicado o perdão ao condenado que se encontre em liberdade, quiçá fora do alcance da justiça, uma vez que esse não irá em nada contribuir para o afastamento social nos estabelecimentos prisionais, não vendo assim premiada a sua situação.

Relembra-se que a Lei nº 9/2020 é uma lei excecional e, como tal, não comporta aplicação analógica – artigo 11º do CC. Deve ser interpretada e aplicada nos seus precisos termos, sem extensões nem restrições que nelas não venham expressas.

Neste sentido veja-se o Ac. do STJ de 25.10.2001, in www.dgsi.pt., a propósito das leis de amnistia, com a mesma natureza, onde se refere que “É pela natureza excepcional de tais normas que elas «não comportam aplicação analógica» - artigo 11.º do Código Civil -, sendo pacífico e uniforme o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que, pela mesma razão, não admitem as leis de amnistia interpretação extensiva ou restritiva, «devendo ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas. … A amnistia e o perdão devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliação nem restrições”.

No mesmo aresto refere-se ainda que “sendo, assim, insusceptíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa, em que «não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo» - Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, Coimbra, 1978, p. 147. Na interpretação declarativa «o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo» - Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, p. 185”.  

Pelo exposto, reafima-se que o perdão previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só pode ser aplicado a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor, excluindo os condenados que não tenham ainda ingressado fisicamente no estabelecimento prisional.

Apesar do pouco tempo de vigência da dita lei, já a doutrina se pronunciou no mesmo sentido.

Nuno Brandão, in A libertação de reclusos em tempos de COVID-19 - Um primeiro olhar sobre a Lei n.º 9/2020, de 10/4, pág. 7, artigo publicado em Julgar on line, defende que “de fora deste perdão ficarão ainda aqueles que hajam sido condenados por decisão já transitada em julgado aquando do início de vigência da Lei n.º 9/2020, 11.04.2020, mas que nessa data ainda não haviam ingressado num estabelecimento penitenciário para iniciar a execução da pena de prisão que lhes foi aplicada”.

Este Tribunal da Relação entende, como se disse, que de fora do perdão ficam, de facto, aqueles que não ingressaram no estabelecimento prisional. Contudo, podem vir a ingressar na vigência da lei e verem preenchidos todos os pressupostos para beneficiarem do perdão.

A interpretação no sentido de que tais pressupostos têm que se encontrar totalmente verificados no início da vigência da lei não tem correspondência no texto legal. Se fosse essa a intenção do legislador teria resultado do texto da lei, o que não aconteceu. Como também não tem acolhimento no seu espírito, face à intencionalidade do legislador e ao período de vigência da lei.

Como se refere no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, nº 10/20, consultável em ministeriopublico.pt, “A linha de fronteira, entre quem beneficia do perdão e quem está excluído do mesmo, passa, portanto, pela condição de recluso na sequência de uma sentença transitada em julgado à data da entrada em vigor da lei (11 de abril de 2020). Apenas aqueles que ingressaram no estabelecimento prisional e aí se mantém coartados da sua liberdade, em consequência da condenação, por sentença transitada em julgado, estão incluídos”.

Aliás, se assim não fosse, a Lei nº 9/2020, no seu artigo 2º, nº 8, não teria atribuído competência exclusiva para aplicar o perdão aos Tribunais de Execução das Penas; teria atribuído igualmente competência aos tribunais da condenação para os casos de condenados não reclusos.

Aqui chegados e respondendo à segunda questão colocada, não se encontrando verificados todos os pressupostos para a aplicação do perdão ao arguido, previsto no artigo 2º da Lei nº 9/2020 de 10.4., este não pode, obviamente, beneficiar de tal perdão.

Consequentemente, deve ser julgado totalmente procedente o presente recurso e ser revogado o despacho recorrido.

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C – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em conceder total provimento ao recurso interposto e, em consequência, decide-se revogar o despacho recorrido, devendo o tribunal a quo substituí-lo por outro que reconheça a inaplicabilidade ao arguido do perdão previsto no artigo 2º da Lei nº 9/2020 de 10.4.


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Sem custas.

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Notifique              

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Coimbra, 9 de Setembro de 2020.

(Elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).

Rosa Pinto – Relatora

Orlando Gonçalves – Adjunto

                            


[1] consultável em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060437.html