Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FREDERICO CEBOLA | ||
Descritores: | PENA PRISÃO SUBSTITUIÇÃO MULTA PAGAMENTO PARCIAL | ||
Data do Acordão: | 02/09/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 3º J | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 43º, 49º CP | ||
Sumário: | O cumprimento parcial da pena de multa que resultou da substituição da pena de prisão, deve determinar não o cumprimento da totalidade da pena de prisão, mas a redução proporcional da pena de prisão a cumprir. | ||
Decisão Texto Integral: | I – Relatório Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo, com o n.º 198/03.6gafig-A, que corre termos no Tribunal Judicial da Figueira da Foz, 3º Juízo, por despacho de 21/01/2010, certificado de fls. 30/32, o M.mo Juiz a quo decidiu que não tendo o arguido (condenado numa pena de prisão substituída por pena de multa, e tendo-lhe sido concedida a faculdade de proceder ao pagamento da pena substitutiva em prestações), pago a totalidade das prestações, terá que cumprir a pena de prisão na sua totalidade. De tal decisão interpôs recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «1- O Tribunal a quo decidiu que, não obstante o arguido MG... ter pago 8 das 10 prestações da multa de substituição em que foi condenado, terá, caso não prove que a situação de incumprimento não lhe é imputável, que cumprir integralmente a pena de prisão principal de 150 dias aplicada na sentença. 2 - Isto porque considera que esta é a posição que melhor se coaduna com a letra e o espírito inserto no artigo 43.°, n.° 2, do Código Penal, já que desta forma não há possibilidade de confusão dogmática entre a natureza e as finalidades da pena de multa enquanto pena de substituição e a prisão subsidiária. 3 - Porém, considera o Ministério Público, tal como havia promovido nos autos, que tal não será a intenção do legislador, não devendo o Tribunal desconsiderar a pena de multa já paga no momento em que renova a pena de prisão principal. 4 - No nosso ordenamento jurídico a pena de prisão não superior a um ano é obrigatoriamente substituída por pena não privativa da liberdade, apenas podendo o julgador decidir de forma diferente se a prisão se mostrar necessária face ás exigências de prevenção especial de socialização. 5 - Esta imposição decorre da reconhecida necessidade de combater o cumprimento efectivo de penas curtas de prisão, posto que as mesmas acarretam uma danosidade pessoal e social superior ao seu efeito dissuasor. 6 - A pena de multa surge como uma das penas de substituição possíveis da qual o julgador se pode socorrer no momento da substituição da pena de prisão não superior a um ano. 7 - Mas a pena de multa de substituição não se confunde com a pena de multa original. 8 - Apesar de se aplicarem à pena de multa de substituição os mesmos critérios e princípios subjacente à sua determinação, no que concerne aos limites de duração e quantitativo diário, e à possibilidade conferida ao condenado de proceder ao seu pagamento fraccionado. 9 - As diferenças entre a pena de multa principal e a pena de multa substitutiva notam-se ao nível do incumprimento de cada uma delas. 10 - A pena de multa principal não cumprida pode ser cobrada coercivamente e não sendo possível a sua satisfação por esta via, o condenado tem que cumprir pena de prisão subsidiária de duração igual a 2/3 do tempo da pena de multa (artigo 49.°, n.° l, do Código Penal). 11 - Porém, o condenado pode a todo o tempo obstar ao cumprimento da prisão subsidiária, pagando o valor da pena de multa, no todo ou em parte, sendo que se for pago apenas em parte será feito o respectivo desconto na pena de prisão subsidiária (artigo 49.°, n.° 2, do Código Penal). 12 - Outra via possível para não cumprir a prisão subsidiária é provar que o cumprimento não é imputável ao condenado e aceitar a suspensão da pena de prisão condicionada ao cumprimento de deveres ou regras de conteúdo não económico ou financeiro (artigo 49.°, n.° 3, do Código Penal). 13 - Na pena de multa de substituição o não pagamento implica o cumprimento da pena aplicada na sentença, a menos que se verifique o condicionalismo do artigo 49.°, n.° 3, do Código Penal, para o qual o artigo 43.°, n.° 2, remete expressamente. 14 - O facto de não se remeter para os demais números do artigo 49.° do Código Penal não implica que não se proceda ao desconto da pena de multa já paga no momento em que se determina o cumprimento da pena de prisão. 15 - Entendemos pois que entendimento diverso não respeita os princípios da igualdade e da proporcionalidade que também disciplinam a determinação das penas. 16 - Por outro lado, a razão da não remissão integral para o artigo 49.° visa evitar, como sucedia no regime anterior à alteração decorrente do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, que o condenado que não cumpra a pena de multa de substituição possa vir a beneficiar da redução de 1/3 do tempo de prisão. 17 - Mas esta não remissão não impede que não se tenha em consideração o valor da multa já paga pelo condenado. 18 - E o Tribunal ao descontar este tempo na pena de prisão não contende com a natureza e finalidades da pena curta de prisão, nem anula as diferenças das duas penas de multa. 19 - Na verdade as diferenças são mantidas porque neste caso, de multa de substituição, não há qualquer redução na duração de pena de prisão e o condenado não pode a todo o tempo proceder ao pagamento da multa e, desta forma, obstar ao cumprimento da pena de prisão. 20 - A coerência do próprio modelo de penas de substituição impõe que se faça esse cômputo da quantia já paga, pois que também na pena de substituição criada com a revisão do Código de 2007, a pena de proibição do exercício de profissão, função ou actividade, se tem que atender, no momento de revogar a pena e determinar o cumprimento da pena principal, ao tempo cumprido de pena de substituição (artigo 43.°, n.° 7 e 8 do Código Penal). 21 - A posição que aqui se defende é secundada na doutrina pelo Dr. Paulo Pinto de Albuquerque que, no Comentário do Código Penal, em análise ao artigo 43.°, diz expressamente "6. Portanto, se a multa que substitui a prisão não for paga na totalidade, o condenado cumpre a pena de prisão por inteiro. Mas se a multa não for paga em parte, o condenado cumpre a pena de prisão correspondentemente reduzida dos dias de multa já cumpridos". 22 - E na Jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça que, no processo 513/06.0GTEVR-A, por acórdão proferido a 21 de Julho de 2009, decidiu, num caso em tudo semelhante ao dos autos, julgar procedente a providência de Habbeas Corpus e restituir de imediato o condenado à liberdade, por entender que as prestações de multa de substituição que o mesmo havia pago deveriam ser consideradas e descontadas aquando da determinação do tempo de prisão a cumprir. 23 - O Tribunal deverá assim ter em consideração, no momento em que seja determinado o cumprimento da pena de prisão principal, as 8 prestações de multa que o arguido já pagou, o que implica que o mesmo cumpra apenas 30 dias de prisão e já não os iniciais 150 dias. V. Ex.as, porém, O arguido não apresentou resposta.
Cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417.º, do Código de Processo Penal, o arguido nada disse. II – Fundamentação Conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19 de Outubro de 1995, publicado in D.R. Série I-A de 28 de Dezembro de 1995, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade da sentença e as previstas no art.º 410.º, nº. 2, do Código de Processo Penal – v. ainda, entre outros, o acórdão do STJ de 3.2.99, em BMJ n.º 484, pág. 271; o acórdão do STJ de 25.6.98, em BMJ n.º 478, pág. 242; o acórdão do STJ de 13.5.98, em BMJ n.º477, pág. 263; Simas Santos/Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, pág. 48; Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal”, III, pág. 320 e 321. * Cumpre decidir. Entende o Ministério Público que o arguido terá de cumprir o remanescente da pena principal de 150 dias de prisão, que se cifra em 30 dias, em conformidade com o disposto no artº 43º, nº 2 do Código Penal, cuja redacção é idêntica à do artº 44º, nº 2 do mesmo diploma, vigente à data da prática dos factos. Salvo o devido e merecido respeito, não concordamos com tal posição. Com efeito, o artº 44º, nº 2 do CP - vigente à data dos factos e cuja redacção se manteve com a Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro, apenas se tendo procedido à alteração do número do artigo, sendo presentemente o artº 43º, nº 2 - regula a substituição da pena de prisão, estabelecendo que: "Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no nº 3 do artigo 49.º" O artº 49º, nº 3 do mesmo diploma preceitua que: " Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da pena subsdiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta". A este propósito, expende Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado, Almedina, 16ª edição, 2004, págs. 185-186: " A disposição do nº 2 significa em primeiro lugar que se a multa aplicada em substituição da prisão não for paga, o condenado cumprirá, em regra, a prisão aplicada na sentença, como se esta não tivesse decretado a substituição(...). A remissão para o nº 3 do art. 49º, parece não ser total, pois se assim fosse ficaria em contradição com a 1ª parte do nº 1, que exige o cumprimento total da pena de prisão aplicada na sentença, enquanto que o nº 3 do art.º 49.º, por se referir à pena subsidiária, imporia a redução a 2/3. Cremos que a solução a perfilhar é a do cumprimento total, não só porque é isso que se impõe na 1ª parte do nº 2 do artº 44, como também devido ao uso do advérbio correspondentemente. Significa isto que a remissão para o nº 3 do art.º 49º é tão só para a possibilidade de suspensão condicionada e para a declaração de extinção da pena quando os deveres e as regras de conduta forem cumpridos". Esta linha de interpretação é também comungada pelo Prof. Figueiredo Dias, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 125.º, no que tange à pena de multa de substituição (vide nota 27, pág. 206). Significa isto que o arguido não tendo pago integralmente a pena de multa de substituição, seja de uma só vez ou em prestações, tem que cumprir na totalidade a pena de prisão - pena principal - que lhe foi aplicada na sentença. Cremos que esta é a posição que mais se coaduna com a letra e o espírito da lei inserta no artº 43º, nº 2 do CP, pois entendendo-se assim não há possibilidade de confusão dogmática entre a natureza e as finalidades da pena de multa enquanto pena de substituição e a prisão subsidiária. * Termos em que, e ao abrigo do disposto no artº 49º, nº 3 "ex vi" do artº 43º, nº 2 do Código Penal, ordeno a notificação do arguido para, no prazo de 10 dias, esclarecer nos autos, querendo, as razões ou fundamentos que o impossibilitam de poder pagar as duas prestações em falta, sob a cominação expressa de nada dizendo ou não liquidar tais prestações, em tal prazo, ter que cumprir a pena de prisão que lhe foi aplicada no acórdão, ou seja, 150 dias de prisão. Notifique pessoalmente o arguido, através do opc competente. Notifique igualmente a defensora oficiosa.» Apreciando. Sustenta o recorrente que as prestações de multa substitutiva devem ser computadas na pena de prisão e que, consequentemente, o arguido deverá apenas cumprir o remanescente da pena de prisão. Diga-se, desde já, que assiste razão ao recorrente. Com efeito, o art.º 43.º, n.º 2, do Código Penal dispõe que “Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49.º.” Parece-nos, contudo, manifesto que tal artigo tem que ser interpretado no sentido de que, ocorrendo cumprimento parcial da pena de multa, deve a pena de prisão a cumprir ser reduzida na devida proporção. Com efeito, não existe na Lei Penal nenhuma situação em que o cumprimento parcial de uma pena não deva ser relevado. E até mesmo as medidas de coacção devem ser objecto de redução da pena a cumprir, nos termos do art.º 80.º do Código de Processo Penal. E se assim é e devendo o intérprete na fixação do sentido e alcance da lei ter especialmente em consideração o conjunto de normas em que se integra a norma a interpretar, outra interpretação não é possível extrair senão aquela que o recorrente defende, o que significa que se o arguido procedeu ao apagamento de 360,00 €, terá que cumprir tão-somente 30 dias de prisão [450,00-360,00=90,00:3=30]. Em abono desta posição e tal como refere o Ministério Público na 1ª instância, cita-se na doutrina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, em análise ao art.º 43.º «6. Portanto, se a multa que substitui a prisão não for paga na totalidade, o condenado cumpre a pena de prisão por inteiro. Mas se a multa não for paga em parte, o condenado cumpre a pena de prisão correspondentemente reduzida dos dias de multa já cumpridos.». E na Jurisprudência o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido, a 21 de Julho de 2009, no âmbito do processo 513/06.0GTEVR-A, disponível em www.dgsi.pt, que em decisão de Habbeas Corpus determinou o desconto na prisão correspondente às prestações que haviam sido pagas. Por tudo o que se deixa dito o recurso procede.
III – Decisão Nos termos expostos, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, determinando que o arguido cumpra 30 dias de prisão, sem prejuízo do disposto no art.º 49.º, n.º 3, do Código Penal. FREDERICO CEBOLA (RELATOR) |