Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
181/10.5GBAND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
FALTA DE TÍTULO
Data do Acordão: 05/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - ANADIA - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ART.º 69º, DO C. PENAL
Sumário: Deve ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor o condutor não habilitado com título de condução, que incorra na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Decisão Texto Integral: Processo nº 181/10.5GBAND.C1
I. Relatório:

No âmbito do Processo Abreviado n.º 181/10.5GBAND que corre termos na Comarca do Baixo Vouga, Anadia – Juízo de Instância Criminal, foi imputada ao arguido RF... a prática de: um crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo artigo 208.º, n.º 1, do C. Penal; um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 3 de Janeiro; um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do C. Penal.
Realizado o julgamento, por sentença de 5/11/2010, foi decidido condenar o arguido da seguinte maneira:
- crime de furto de uso de veículo – 90 dias de multa;
- crime de condução de veículo sem habilitação legal – 90 dias de multa;
- crime de condução de veículo em estado de embriaguez - 60 dias de multa;
- em cúmulo jurídico – 150 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, num total de 750 euros (correspondente a 100 dias de prisão subsidiária).
Foi, ainda, decidido absolver o arguido da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, al. a), do C. Penal.
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Inconformado, parcialmente, com a decisão, dela recorreu o Ministério Público, em 29/11/2010, defendendo que o arguido deve ser condenado na pena acessória prevista no artigo 69.º, n.º 1, al. a), do C. Penal, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. Resulta do artigo 69.º, n.º 1, al. a), do C. Penal, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é sempre aplicada ao agente que seja condenado por condução de veículo em estado de embriaguez, não fazendo a lei depender de tal condenação da titularidade ou não de licença ou carta de condução.
2. Decorre, também, claramente, do artigo 126.º, n.º 1, al. d), do C. Estrada, que quem não é titular de licença/carta de condução pode ser proibido de conduzir.
3. Por outro lado, tendo em conta a natureza penal e as finalidades de prevenção que estão na base da aplicação da proibição de conduzir (assegurar, de forma reforçada, a tutela dos bens jurídicos e evitar que o agente do crime volte a praticar factos semelhantes), não faria qualquer sentido que o legislador quisesse apenas impô-la quando o condenado fosse titular de um documento que o habilitasse a conduzir, na medida em que, estando-o ou não, persistem as razões de política criminal que justificam a necessidade da sua imposição.
4. Acresce que o agente que conduzir sem carta ou licença e estiver proibido de o fazer por força da sua condenação na dita pena acessória viola dois bens jurídicos distintos: a segurança da circulação rodoviária (protegido pela condução em estado de embriaguez) e a autoridade pública, mais precisamente o interesse na não frustração de uma sanção imposta por sentença criminal (protegido pelo crime de violação de proibições inserto no artigo 353.º, do C. Penal), cometendo, nessa medida, em concurso efectivo, (aqueles) dois ilícitos criminais.
5. Para além disso, a imposição desta pena acessória justifica-se, também, pela necessidade de evitar um tratamento desigual dos condutores que conduzam em estado de embriaguez e a concessão de um injustificado privilégio a quem praticou um comportamento mais grave (por conduzir em estado de embriaguez e sem título de condução).
6. No caso em apreço, uma vez que o arguido foi condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriagues, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do C. Penal, deve ser-lhe aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.º, n.º 1, do C. Penal, cuja medida concreta, atendendo aos critérios do artigo 71.º, do C. Penal, se deve fixar em período não inferior a 5 meses.
7. Não o entendendo assim e deixando de condenar o arguido nos moldes referidos, a sentença recorrida violou a norma constante do artigo 69.º, n.º 1, al. a), do C. Penal.
8. Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra que condene o arguido nos termos explanados.
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O arguido não respondeu ao recurso, tendo este sido, em 4/2/2011, admitido.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 24/2/2011, emitiu douto parecer em que acompanhou, na íntegra, o recurso.
Cumprido que foi o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Decisão Recorrida (com relevo para o recurso):
“(…)
I – O Tribunal julga provados os seguintes factos:
1. No dia 27/3/2010, entre as 00h30m e a 1h00, o arguido RF...dirigiu-se a um veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca OPEL, com a matrícula …, propriedade de DS..., que se encontrava estacionado na Rua …, em Anadia.
2. Fê-lo depois de ter pedido as chaves da viatura a MF..., funcionário do proprietário do veículo e a quem este tinha dado autorização para a sua utilização.
3. Uma vez chegado ao aludido veículo, cerca da 1h00, o arguido entrou no mesmo e conduziu-o, sem autorização e contra a vontade do respectivo proprietário e do seu detentor na ocasião, pela Rua …, em Anadia (freguesia de Arcos), com uma taxa de álcool no sangue de 1,70g/l e sem estar legalmente habilitado para a condução daquele veículo na via pública, tendo sido interveniente em acidente de viação.
4. O arguido quis utilizar o veículo nas circunstâncias “supra” descritas, bem sabendo que o fazia sem autorização e contra a vontade do seu proprietário.
5. Conhecia a natureza e as características do veículo e do local onde conduzia, bem sabendo que tinha uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l e que não estava legalmente habilitado para a condução daquele veículo na via pública; não obstante, quis conduzi-lo nas referidas circunstâncias.
6. Sabia, igualmente, que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
7. O arguido confessou parcialmente os factos e mostrou arrependimento.
8. Circulou cerca de 2Km até ao momento em que ocorreu o acidente do qual apenas resultaram ferimentos para o arguido.
9. O arguido é solteiro, vive com a mãe, encontra-se desempregado, recebe 319 euros mensais de subsídio de desemprego, tem o 8.º ano de escolaridade, contribui para o sustento da casa com quantia aproximada a 100 euros mensais.
10. Do registo criminal do arguido não consta qualquer inscrição.
(…)
Sobre a pena acessória:
Embora seja questão jurisprudencialmente controvertida, em nosso entender, não há lugar à aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, do C. Penal, a quem, embora praticando um dos crimes aí elencados, não esteja legalmente habilitado para a condução de veículos na via pública (neste sentido, a título de exemplo, o acórdão do TRE, de 3/2/2004, em www.dgsi.pt – Processo n.º 2294/03-1).
Deste modo, não terá lugar a aplicação de tal pena acessória.
(…)”
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III. Apreciação do Recurso:
De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
A questão a conhecer é a seguinte:
- Saber se o arguido deve ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
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No que diz respeito à questão suscitada neste recurso, passamos a citar, com a devida vénia, o Acórdão do TRP, de 7/7/2010, Processo n.º 1/09.3PCMTS.P1, relatado pela Exma. Desembargadora Adelina Oliveira, em www.dgsi.pt:
O art. 69.º, n.º 1 do Código Penal estabelece que: «É condenado em proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado em entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º. (…)». Ora, considerando que o arguido foi condenado pela prática de um crime p. e p. pelo art. 292.º do Código Penal, o mesmo deveria ter sido condenado também na pena acessória de proibição de veículos com motor, ainda que não seja titular de carta de condução. A presente questão tem vindo a ser tratada na jurisprudência com algum cuidado e atenção e até com alguma profundidade. Assim transcrevemos pois o já explanado e defendido por nós no Ac da Relação do Porto – processo nº 1189/09.9 PAPVZ.P1: A Relação de Évora, em acórdão de 10 de Dezembro de 2009 (processo 83/09.8GBLGS.E1, in www.dgsi.pt), tratou da matéria de forma aprofundada. Escreveu-se nesse acórdão: «Se é pacífico que, com a entrada em vigor do Código Penal de 1995, a condução de um veículo em estado de embriaguez é punível não apenas com a pena cominada no artigo 292.º daquele diploma como também da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.º, tem-se discutido, nomeadamente em sede jurisprudencial, a aplicação desta pena acessória no caso de condutor que, conduzindo veículo em estado de embriaguez, não é titular de carta de condução. O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 12 de Março de 2003 (processo 03P505, disponível em www.dgsi.pt/) e expressando o entendimento preponderante, concluiu em sentido afirmativo, salientando que do próprio preceito em si (artigo 69.º do Código Penal, na redacção então vigente) não resulta de modo nenhum, nem expressa nem sequer implicitamente, que a sanção aí prevenida só possa ser aplicada a quem já possua carta de condução ou documento que o habilite a conduzir veículos motorizados. Bem pelo contrário, como aliás se alcança do próprio teor do seu n.º 3 ("... condenado que for titular de licença de condução...", o que faz pressupor contemplar também quem o não seja), e do que de todo em todo resulta do seu n.º 5 (não se aplica a inibição quando houver lugar a «interdição da concessão de licença», o que pressupõe a possibilidade de existência de falta de habilitação para conduzir), perfila-se como de todo em todo incontornável e inquestionável que a proibição de conduzir veículos motorizados, prevista e consagrada no artigo 69.º do Código Penal, de modo nenhum reclama ou exige que o condenado seja já possuidor de carta de condução ou esteja já habilitado a conduzir tais veículos. Aliás a própria lei é clara e inequívoca ao indexar apenas a condenação à prática dos crimes referenciados nas alíneas a) e b) do n.º 1, e no condicionalismo aí consignado, o que surge como natural e adequada resposta a todo um pensar e querer legislativos em termos de acautelamento e de prevenção da perigosidade revelada pelo agente naqueles casos concretos, o que não deixa de se configurar de significativa relevância mesmo no plano da prevenção geral. Esta decisão reporta-se à redacção inicial do artigo 69º, nº 3, do Código Penal, nos termos da qual "a proibição de conduzir é comunicada aos serviços competentes e implica, para o condenado que for titular de licença de condução, a obrigação de a entregar na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial que a remeterá àquela". Esta norma foi alterada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho - que estabeleceu a sua actual redacção ("No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquele, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo"). Esta alteração sustentou o entendimento de que, em face da actual redacção do artigo 69.º, n.º 3 do Código Penal, a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados apenas é aplicável a quem está habilitado a conduzir. Este entendimento é defendido, entre outros, no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, proferido em 3 de Fevereiro de 2004, no âmbito do processo n.º 2294/03-1, disponível na base de dados antes mencionada. Aí se dá conta que "a aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria" ao agente que seja condenado pela prática de qualquer dos crimes previstos no art.º 69.º, n.º 1, als a) a c) do CP, quando o agente não seja titular de carta de condução, oferece algumas dúvidas, principalmente depois da alteração introduzida ao artº 69.º, n.º 3 do CP pela Lei 77/2001, de 13.07. De facto, enquanto na anterior redacção se estabelecia que a proibição implicava, "para o condenado que for titular de licença de condução, a obrigação de a entregar..." - o que pressupõe que podia o condenado não ser titular de licença de condução - na actual redacção estabelece que "o condenado entrega na secretaria do tribunal... o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo", o que parece levar a concluir que só será condenado em tal sanção acessória quem for titular de título de condução. (...) Reconhecemos que a questão não é pacífica, como nos dá conta o acórdão da RC de 28.05.2002, in CJ, Ano XXVII, t. 3, 45, onde se decidiu que "o crime de condução em estado de embriaguez do art.º 292º do CP é punido com a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, mesmo que o condenado não seja titular da necessária habilitação legal para conduzir", defendendo que se mantêm válidos os argumentos a favor da utilidade prática da aplicação de tal sanção que eram utilizados na vigência do art.º 69.º do CP, redacção anterior à Lei 77/2001. No mesmo sentido: - O comentário, a propósito, de Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, 1995, 541: "Na Comissão Revisora a consagração da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados... foi referida como correspondendo a uma necessidade de política criminal. A sua necessidade, mesmo para os não titulares de licença de condução, foi justificada para obviar a um tratamento desigual que adviria da sua não punição, tendo-se procurado abranger essa hipótese com a redacção dada ao n.º 3. (...) mesmo no caso da falta de licença, a sanção não será inútil, já que ficará fazendo parte do cadastro do condenado, poderá, se vier a habilitar-se no prazo, ser aplicável efectivamente e é-o sempre também em relação aos veículos cuja condução exija aquela licença"; - O facto de a inibição abranger qualquer veículo motorizado (e não apenas os veículos automóveis), sendo que o agente pode não estar habilitado para conduzir determinada categoria de veículos e estar habilitado para conduzir outra ou outras categorias; - A redacção do art.º 126.º do Código da Estrada, onde se estabelece - como requisito para a obtenção de título de condução - que o candidato não esteja a cumprir proibição ou inibição de conduzir, o que permite concluir que a inibição a quem não possui licença é uma inibição à posterior obtenção de licença". No acórdão a que se vem fazendo referência afirma-se a perda de actualidade destes argumentos, face às alterações introduzidas pela Lei 77/2001: "Por um lado, temos que presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil) e que a interpretação da lei deve ter em conta as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (mesmo artigo, n.º 1). Por outro lado, e face a isso, o legislador - quando alterou o artº 69.º, n.º 3 do CP - não podia deixar de saber da polémica jurisprudencial que então existia quanto à aplicação (ou não) da sanção acessória da proibição de conduzir ao condenado, por qualquer dos crimes previstos no artº 69.º do CP, que não fosse titular de licença de condução; não obstante, e sabendo que um dos argumentos relevantes para concluir pela aplicação de tal sanção era a redacção que tinha o artº 69.º, n.º 3 do CP (onde se admitia a possibilidade de o condenado não ser titular de licença de condução), não deixou de alterar tal disposição, retirando tal argumento e deixando claro que o condenado "entrega... o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo", o que afasta a ideia da aplicação da sanção acessória ao agente que não esteja habilitado com "título de condução". Por outro lado, não pode esquecer-se que licença de condução (expressão utilizada no n.º 3 do artº 69.º do CP, redacção anterior) não se identifica com "título de condução" - expressão utilizada na actual redacção do artº 69.º, n.º 3 do CP - pois o título de condução pode ser carta de condução, licença de condução ou outros títulos de habilitação a conduzir veículos a motor, como se vê dos art.ºs 122.º a 125.º do Código da Estrada; o uso de tal expressão não pode deixar de ser entendido, assim, como referindo-se ao título de condução que habilita o agente a conduzir o veículo com o qual cometeu o crime pelo qual foi condenado, pois é essa perigosidade do agente que se pretende evitar, sendo que bem pode acontecer que o mesmo esteja habilitado com outros títulos - significa isto, em suma, que a obrigação de entregar o título de condução (determinado) supõe a habilitação do condenado com um título de condução e que o mesmo não esteja apreendido, o que também resulta do facto do legislador, com a alteração que introduziu no art.º 69.º, nº 1, al. a) do CP pela Lei 77/2001, deixar de sancionar com a proibição de conduzir o crime de condução sem habilitação legal, o que hoje parece pacífico, pelo menos na Secção Criminal desta Relação. Por outro lado, os argumentos da Comissão Revisora acima sintetizados parecem afastados pela nova redacção dada ao art.º 69.º, n.º 3 do CP, argumentos a que o legislador, ao efectuar tal alteração, não podia ser alheio, sendo certo que não vemos aqui qualquer desigualdade, porque são distintas as situações. Por outro lado, ainda, o disposto no art.º 126.º do CE, que se mantém em vigor, não afasta este entendimento, designadamente se tivermos em conta que aí se prevêem os requisitos para obtenção de título de condução e bem pode acontecer que o agente (habilitado com determinado título de condução) esteja inibido ou proibido de conduzir e pretenda obter outro título, para outra categoria de veículo, diferente daquele, tendo então justificação a proibição prevista no art.º 126.º do CE. Contudo, mesmo no âmbito da actual legislação prevalece o entendimento contrário. A este propósito e a título exemplificativo, salienta-se o acórdão também da Relação de Évora, proferido em 26 de Maio de 2009, no âmbito do processo n.º 141/07.3GBASL.E1, igualmente disponível na base de dados www.dgsi.pt/.» Neste acórdão de 26 de Maio de 2009 diz-se: «A jurisprudência mais recente, que está publicada, continua maioritariamente a defender a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir a quem não possua habilitação legal e cometa os crimes prevenidos nos art. 291.º e 292.º do CP. Vejam-se, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 12.09.2007, in Rec.4743/2007 - 3.ª secção, de 26.07.2007, in Rec. 5103/2007 - 3.ª Secção, de 24.01.2007, in Rec.7836/2006, 3.ª secção, todos acessíveis in www.dgsi.pt/jtrl, da Relação de Coimbra de 22 de Maio de 2002, in C.J. ano XXVII, tomo 3.º, pág.45, de 24.05.2006, in Rec. 919/06 e de 10.12.2008, in Rec.17/07.4PANZR, acessíveis in www.dgsi.pt/jtrc, da Relação do Porto de 09.07.2008, in Rec. 12897/08, de 01.04.2009, in Rec. 963/08.8PAPVZ, publicados in www.dgsi.pt/jtrp. Os argumentos aduzidos no sentido da condenação do infractor não habilitado que pratique crime de condução de veículo em estado de embriaguez são, no essencial, os seguintes: - Seria "um contra-senso que o condutor não habilitado legalmente a conduzir, podendo vir a obter licença ou carta de condução logo pouco depois da sentença condenatória, não se visse inibido de conduzir, quando o já habilitado fica sujeito a tal sanção" - Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/09/95, CJ Ano XX, 1995, Tomo IV, pág. 147. - Após a publicação da Lei n.º 77/2001, o Código da Estrada foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28-09, tendo este diploma mantido como um dos requisitos para a obtenção do título de condução a circunstância de o requerente não se encontrar a cumprir decisão que tenha imposto a proibição de conduzir [cf. art. 126.º n.º1, alínea d) do C.E.]. A manutenção deste requisito para a obtenção da carta de condução pressupõe que a proibição de conduzir possa [deva] ser aplicada a quem não for dela titular. - No mesmo sentido aponta o facto de o conteúdo material da sanção em causa ser o da imposição de uma proibição de conduzir e não o da previsão de uma suspensão dos direitos conferidos pela titularidade da carta de condução. - A aplicação da proibição de conduzir visa não só assegurar de uma forma reforçada a tutela dos bens jurídicos como também evitar que o agente de tal crime volte a praticar factos semelhantes. - Acresce, ainda, o facto de o art.º 353.º do Código Penal criminalizar a violação de proibições impostas por sentença criminal a título de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade. Da violação dessa proibição pode resultar para o agente, ainda que não seja titular de carta de condução, a responsabilização pela prática, em concurso efectivo, de um crime do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01, e de um crime do referido art. 353.º, pois que este tipo legal visa tutelar a autoridade pública e não a segurança das comunicações. - A não aplicação da pena acessória num caso como este traduzir-se-ia num privilégio injustificado para quem teve um comportamento globalmente mais grave do que a [simples] condução em estado de embriaguez (cf., entre outros, o acórdão da Relação de Lisboa de 12-09-2007, acima mencionado). Na doutrina, Germano Marques da Silva (in Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, pág. 32 e nota 54) também entende que "a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pode ser aplicada a agente que não seja titular de licença para o exercício legal da condução; o condenado fica então proibido de conduzir veículo motorizado, ainda que entretanto obtenha licença" e acrescenta ainda que "diferentemente quando for aplicada a medida de segurança de cassação e o agente não seja titular de licença, caso em que ao agente não pode ser concedida licença durante o período de interdição", dado que "a proibição de conduzir veículo motorizado não pressupõe habilitação legal". O art. 10.º do DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, que veio alterar o Código da Estrada, prevê no seu art. 10.º que a Direcção-Geral de Viação deve assegurar a existência de registos nacionais de condutores, de infractores e de matrículas, organizados em sistema informático, nos termos fixados em diploma próprio, com o conteúdo previsto nos art. 144.º e 149.º do Código da Estrada no que se refere ao registo dos condutores. Para dar cumprimento ao referido normativo foi publicado e já está em vigor o DL n.º 98/2006, de 6 de Junho, que regula o registo de infracções de não condutores (infractores não habilitados). Neste diploma, o legislador, no art. 4.º, enumera vários elementos que deverão constar no registo de infracções do não condutor (RIO) e um dos elementos é a pena acessória aplicada pelo tribunal relativa a crimes praticados no exercício da condução. Parece-nos, face ao conjunto de argumentos aduzidos e considerando, nomeadamente a criação do registo de infracções de não condutores, que o legislador, com as alterações operadas ao art. 69.º do Código Penal, não quis excluir da condenação na pena acessória de proibição de conduzir os infractores não habilitados com carta de condução que cometam os crimes mencionados nas diversas alíneas do n.º 1 daquele preceito, não obstante os sinais contraditórios espelhados nalgumas normas postas em destaque.» Acresce, ainda, o que se diz no mencionado acórdão de 10 de Dezembro de 2009: «Para a sua sustentação aponta-se também o confronto do artigo 69º, nº 1 e nº 7, com o artigo 10.º, n.º 4, do Código Penal, cujo teor anteriormente se deixou enunciado. A conjugação destas normas evidencia que, ao estabelecer a pena acessória, o artigo 69º, na sua redacção actual, prevê a condenação nessa pena mesmo em relação ao condutor não habilitado e a sua exclusão quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a interdição da concessão do título de condução, na certeza de que esta interdição pressupõe que o agente não é titular de título de condução. Considerando os elementos apontados e contrariando o entendimento expendido pelo arguido, não se afigura que estejamos perante uma argumentação meramente literal e sem sustentação, sendo antes a interpretação correcta do quadro legal que se deixou enunciado.» Daí concluir-se, no referido acórdão da Relação de Évora, de 10 de Dezembro de 2009, que deve ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir o condutor não habilitado que incorra na prática do crime de condução em estado de embriaguez.”
**** Perante a argumentação desenvolvida nos acórdãos que acabamos de citar, que consideramos profunda, clara e plenamente convincente, resta-nos dizer que aderimos, sem reservas, à posição jurisprudencial transcrita, tanto mais que a mesma foi, uma vez mais, recentemente seguida por este Tribunal da Relação de Coimbra - ver Acórdão do TRC, de 9/2/2011, Processo n.º 43/09.9GATBU.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Orlando Gonçalves, em www.dgsi.pt.
**** Decidido que, em face da condenação do arguido RF...pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º1, do Código Penal, deve ser-lhe aplicada a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, al. a), do C. Penal, importa agora determinar a sua medida concreta. O bem jurídico protegido no crime de condução perigosa de veículo em estado de embriaguez é a segurança da circulação rodoviária e a tutela de bens jurídicos que se prendem com essa segurança como a vida, a integridade física de outrem e os bens patrimoniais de valor elevado. Quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal. Na graduação da pena principal e da pena acessória, deve atender-se à culpa do agente, às exigências de prevenção (geral e especial) e a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (art.71.º do Código Penal). Em primeiro lugar, a ilicitude do facto é média/alta, considerando a TAS apresentada – 1,70g/l. Em segundo lugar, o arguido agiu com dolo directo e intenso, o que suscita um forte juízo de censura. Em terceiro lugar, circulou cerca de 2 Km até ao momento em que ocorreu um acidente de viação do qual resultaram ferimentos apenas para si. Em quarto lugar, conduzia, na altura daquele, um veículo automóvel na via pública sem que fosse possuidor de título que o habilitasse a conduzir. Em quinto lugar, confessou parcialmente os factos, mostrou arrependimento e não tem antecedentes criminais. Em sexto lugar, é de modesta condição social e económica, encontrando-se inserido na família e está desempregado. Considerando por um lado o grau de perigosidade do arguido que resulta dos factos provados e, por outro, a ausência de antecedentes criminais, concluímos que as razões de prevenção especial são médias. Já as razões de prevenção geral são elevadas considerando a forte influência de condutas como a do arguido na sinistralidade rodoviária, com os inerentes dramas diariamente relatados no nosso País. Conjugando todo o exposto, o Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no art.69.º, n.º1, do Código Penal, entende condenar o arguido na pena acessória de cinco meses de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria. Procede, deste modo, o recurso interposto pelo Ministério Público.
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IV. Decisão: Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em dar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, alterando a sentença recorrida quanto à sanção acessória, condena-se o arguido RF..., nos termos conjugados dos artigos 292.º, n.º1, e art. 69.º, n.º1, al. a), do Código Penal, na inibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria, pelo período de 5 (cinco) meses. A secretaria do Tribunal de 1ª instância comunicará, oportunamente, a decisão (art.69.º, n.º 4, do C.P.).
Sem custas.
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José Eduardo Martins (Relator)
Isabel Valongo