Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
60/09.9TBMGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: FIANÇA
NULIDADE
Data do Acordão: 02/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Legislação Nacional: ARTS.280, 292, 627, 628 CC
Sumário: I- O artigo 280º do CC comina com a nulidade o negócio jurídico indeterminável, mas não o negócio jurídico indeterminado, desde que este seja determinável, o que será feito de acordo com o artigo 400º do mesmo código.

II- O acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº4/2001 veio consagrar este entendimento relativamente à fiança genérica relativa a obrigações futuras onde não existam elementos que permitam determinar o seu objecto.

III- Numa fiança que tem por objecto garantir a obrigação dos devedores num contrato com objecto determinado, mas com a declaração de se afiançar também todas as alterações futuras que vierem a ser introduzidas pelos devedores principais e pelo credor, a validade da primeira parte do objecto da fiança não é prejudicada pela eventual invalidade da segunda parte do mesmo, por não se ter provado, nos termos do artigo 292º do CC, que o contrato não teria sido concluído sem a parte viciada e não cabendo apreciar dessa eventual invalidade parcial, por a quantia reclamada na acção não resultar de alteração do contrato.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Por apenso à acção executiva que Banco (…) SA intentou contra A (..) M (…), R (…) e V (…), vieram os dois últimos executados deduzir oposição alegando, em síntese, que a fiança que prestaram no contrato de mútuo, que constitui o título executivo, é nula nos termos do artigo 280º do CC, uma vez que o seu objecto permite qualquer alteração do contrato à sua revelia, contra a doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ nº4/2001 de 23/1.  

Concluíram, pedindo a declaração de nulidade da fiança, a extinção da execução relativamente aos oponentes, por via da sua ilegitimidade passiva.

O exequente contestou, alegando, em síntese, que os oponentes não alegam ter existido qualquer alteração ao contrato e que o objecto da fiança está bem determinado, sendo o seu alcance perfeitamente determinável a partir do documento complementar que faz parte da escritura.

Concluiu pedindo a improcedência da oposição.

A oposição foi julgada improcedente no despacho saneador, que ordenou o prosseguimento da execução.  

                                                            *    

Inconformados com esta decisão, os oponentes interpuseram recurso e alegaram, apresentando as seguintes conclusões:

1ª- Os termos em que foi prestada a fiança sub judice colocam ilimitadamente os recorrentes à mercê do livre arbítrio FUTURO da recorrida e devedores principais (…)e (…), pois o teor a mesma integra obrigações futuras derivadas de “QUAISQUER MODIFICAÇÕES CONTRATUAIS QUE VENHAM A SER CONVENCIONADAS” por aqueles recorrida e devedores principais:

   a) Sem assegurar qualquer conhecimento ou controlo prévio pelos recorrentes;

   b) Sem definir qualquer limite ou critério para as referidas “alterações contratuais”. 

2ª- Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” errou, em virtude de, conforme decorre dos trechos da Douta Sentença recorrida transcritos em I, apenas ter analisado tal fiança com referência às obrigações principais dela contemporâneas (correspondentes ao contrato de mútuo vertido no mesmo acto notarial que titula tal garantia), esquecendo que do teor da mesma resultam obrigações FUTURAS, cujos critérios de determinação correspondem à pura vontade aleatória e subjectiva de terceiros (recorrida e devedores principais).

3ª- A fiança que integra a causa de pedir, relativamente aos recorrentes, na execução, é, assim, nula, nos termos do artº 280º do C. Civil, o que expressamente se argui e deveria ter sido declarado pelo Tribunal “a quo”, pois:

    a) Abrange na sua previsão obrigações futuras, ou seja, “quaisquer modificações de taxa de juro, prazo de empréstimo, ou outras alterações que VENHAM A SER convencionadas entre” a recorrida e os devedores principais;

    b) Consigna a mera vontade de terceiros (recorrida e devedores principais) como susceptível de determinar o conteúdo de tais obrigações futuras, sem estabelecer qualquer limite ou mecanismos de fiscalização dessa vontade;

    c) Do teor da mesma resulta ser aquela vontade aleatória e ilimitada de terceiros o único “critério” de determinação do conteúdo das obrigações futuras afiançadas.     

4ª- A obrigação principal garantida ab initio poderá ser livremente alterada pelos recorrida e devedores principais, logo no momento temporal subsequente à sua constituição inicial, podendo estes livremente ampliar o seu âmbito ou torná-la mais onerosa, através de “quaisquer alterações contratuais futuras”, ou seja, posteriores ao acto constitutivo inicial – ficando os recorrentes fiadores, atentos os temos da fiança, completamente à mercê daqueles.

5ª- A Douta Sentença recorrida violou e interpretou erradamente o artº 280º, nº1 do C. Civil e ainda o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 4/2001, de 23/01 (publicado no DR, 1ª Série, nº57, de 08 de Março), os quais deveria ter interpretado e aplicado in casu, de harmonia a declarar conforme teor das conclusões 1ª a 4ª.

6ª- Deve, assim ser revogada, julgando-se, no presente recurso, integralmente procedente a oposição à execução e declarando-se conforme antecedentes conclusões.

                                                            *

O recorrido contra alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e formulando as seguintes conclusões:

1- Alegam os recorrentes que a fiança é nula porque apenas intervieram no momento inicial do contrato, ou seja, na escritura que constitui o título executivo, tendo declarado que “…desde já, dão, ainda o seu acordo, a quaisquer modificações de taxa de juro, prazo do empréstimo ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os primeiros outorgantes e aquele banco…” não se convencionando a intervenção dos recorrentes nas referidas alterações contratuais.

2- No entanto os opoentes não alegaram terem existido quaisquer alterações ao contratado na escritura e respectivo documento complementar que faz parte integrante da mesma de que os opoentes declararam expressamente ter conhecimento

3- É uma fiança puramente típica, com o objecto perfeitamente determinado a partir do documento complementar que faz parte da escritura pública de que os recorrentes são outorgantes.

4- Nada existe, assim, na obrigação exequenda que não seja determinável a partir desse mesmo título, falecendo por completo qualquer interpretação que leve a concluir pela nulidade da fiança, não havendo qualquer obrigação futura em causa, mas apenas e só as obrigações que emergem de um único contrato de mútuo incorporado no mesmo título onde consta a fiança.

5- A fiança está definida em função da pessoa do mutuário e da operação a realizar, como está suficientemente determinado o limite quantitativo da responsabilidade assumida pelos fiadores e o limite temporal de validade dessa responsabilidade por referência assumida pelo fiadores e o limite temporal de validade dessa responsabilidade por referência ao dito contrato e, como tal, não pode ser havida como nula. 

                                                            * 

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.

                                                            *

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

A questão a decidir consiste em saber se a fiança é válida.

                                                            *

FACTOS.

São os seguintes os factos considerados provados pela decisão recorrida:

1) Por escritura pública de empréstimo com hipoteca e fiança, outorgada no dia 4 de Setembro de 2001 no Cartório Notarial da ......, lavrada de fls 129 verso a fls 131 verso do Livro de notas para escrituras diversas nº178-B, os executados (…) e mulher (…), na qualidade de primeiros outorgantes, constituíram, a favor do banco exequente, hipoteca voluntária sobre o seguinte imóvel: fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar frente destinado a habitação, com garagem individual nas traseiras identificada com a mesma letra da fracção, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo nº ...... e descrito na Conservatória do Registo Predial da ...... sob o nº ...... (doc. fls 6-11 da acção executiva).

2) Na mesma escritura, os referidos executados confessam-se devedores ao mesmo exequente da importância de cinco mil contos que dele receberam a título de empréstimo (mesmo doc.).

3) A quantia mutuada foi creditada na conta de depósito à ordem nº ...... aberta em nome dos primeiros outorgantes no Banco (…) SA (mesmo doc.).

4) Declararam ainda tais executados, na mencionada escritura, que constituíram a hipoteca sobre o prédio referido em 1) para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada, e bem assim dos respectivos juros, à taxa anual e efectiva de 6,56%, acrescidos de uma sobretaxa até 4,00% ao ano em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas judiciais e extrajudiciais fixadas para efeitos de registo em duzentos mil escudos (mesmo doc.). 

5) Na dita escritura ficou estipulado que o empréstimo e a hipoteca se regulam pelas disposições legais aplicáveis e pelas condições constantes do documento complementar, de que os outorgantes têm perfeito conhecimento e que inteiramente aceitaram, elaborado de harmonia com o nº2 do art. 64º do Código do Notariado (mesmo doc.).

6) No referido documento complementar, ficou convencionado que o empréstimo era concedido pelo prazo de 288 meses a contar do dia da outorga da escritura pública, sendo amortizado em 288 prestações mensais de capital e juros, a primeira com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes em igual dia dos meses subsequentes (doc. fls 12-17).

7) Ficou ainda ajustado que o empréstimo vencia juros sobre o capital em dívida, calculados dia a dia e cobrados postecipadamente ao mês, à taxa resultante da Euribor a 90 dias, que vigore no seguindo dia útil anterior ao início do período de contagem de juros, acrescida de 2,00%, com arredondamento para o quarto ponto percentual imediatamente superior, sendo trimestrais os períodos de contagem de juros (mesmo doc.).

8) A taxa nominal na data da aprovação do empréstimo, tal como ficou a constar do referido documento complementar, era de 6,2%, à qual corresponde a taxa anual efectiva de 6,56%, calculada nos termos do DL nº220/94, de 23/08 (mesmo doc.). 

9) Em caso de mora, nos termos ajustados, os juros seriam contados dia a dia e calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida de uma sobretaxa de 4% ao ano, a título de cláusula penal (mesmo doc.).

10) A hipoteca referida em 1) encontra-se definitivamente registada a favor do banco exequente pela inscrição C-2 mediante a Ap. nº16 de 31.10.2001 (doc. fls 18-21).

11) A referida hipoteca garante até ao limite de capital de 5 000 000$00 e juro anual calculado à taxa de 6,56% acrescido 4% em caso de mora e despesas no valor de 200 000$00, sendo montante máximo, em termos de capital e acessórios do crédito, de 6 784 000$00 (mesmo doc.).

12) Nos termos ajustados no dito documento complementar, a mencionada hipoteca podia ser executada se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importava o vencimento imediato de todas (doc. fls 12-17).

13) Os executados não pagaram a prestação vencida em 15 de Setembro de 2006, cessando as prestações a que se obrigaram, não tendo provisionado a conta aberta para o efeito (acordo).

14) Na data da constituição em mora, e com referência ao empréstimo consubstanciado na escritura referida em 1), os executados deixaram por pagar a quantia de 21 782,61 euros a título de capital, acrescida de juros no montante de 5 458,59 euros (correspondendo a juros remuneratórios calculados à taxa de 6,941% de acordo com o DL nº220/94, de 23/08, acrescidos da sobretaxa de 4%, ou seja, 10,941%) e imposto de selo no montante de 218,34 euros, no montante global de 27 459,54 euros (acordo).

15) Os executados (…) e (…) outorgaram a escritura referida em 1) na qualidade de terceiros outorgantes, subscrevendo o referido documento complementar, tendo declarado na dita escritura que:

“Que solidariamente afiançam todas as obrigações que os Mutuários assumam a título do presente empréstimo, e que na qualidade de fiadores e como principais pagadores, se obrigam perante o Banco ao cumprimento das mesmas, renunciando desde já e expressamente ao benefício da excussão prévia, bem como ao benefício do prazo, previsto no artigo 782º do Código Civil, sendo-lhes, por isso, imediatamente exigível o cumprimento antecipado das obrigações emergentes deste empréstimo, sempre que o Banco o possa exigir dos Mutuários.

 Que, desde já, dão, ainda, o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro, prazo do empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os primeiros outorgantes e aquele Banco” (doc. fls 6-11).

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                                                            *

ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

Os recorrentes invocam a invalidade da fiança prestada, por o respectivo objecto ser indeterminável.

A fiança é uma forma de garantia especial das obrigações, por via da qual, nos termos do nº1 do artigo 627º CC, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”, sendo que, nos termos do nº2 do mesmo artigo, “a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor” e, de acordo com o nº2 do artigo 628º, “não obsta o facto de a obrigação ser futura ou condicional”.

Tal como em qualquer outro negócio jurídico, o objecto da fiança deverá obedecer aos requisitos legais de validade.

Assim, impõe a norma do artigo 280º do CC, no nº1, que “é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física e legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável” e, no nº2, que “é nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”.

Contudo, no que diz respeito à determinabilidade do objecto do negócio, o artigo 400º do mesmo código, estabelece, no seu nº1, que “a determinação da prestação pode ser confiada a uma outra pessoa das partes ou a terceiro; em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados” e, no seu nº2, que “se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal, sem prejuízo do disposto acerca das obrigações genéricas e alternativas”.

Deste modo, o artigo 280º apenas proíbe o negócio com objecto indeterminável, mas não proíbe o objecto indeterminado, desde que determinável.

Assim, por força do artigo 280º, é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja indeterminável; mas é válido o negócio jurídico com objecto indeterminado, que seja determinável com recurso à forma prevista no artigo 400º do CC (cfr. A. Varela “Das Obrigações em Geral”, 5ª ed., vol. I, página 762, Mota Pinto “Teoria Geral do Direito Civil”, 1976, página 431).

E o facto de o artigo 400º prever que a determinação da prestação pode ser feita só por uma das partes ou por terceiro, ou pelo tribunal e segundo juízos de equidade, não afasta a proibição do objecto indeterminável imposta pelo artigo 280º, pois só haverá possibilidade de fixação por uma das partes ou por terceiro se a obrigação for válida segundo os critérios deste último artigo, ou seja, se estiverem já fixados critérios para que essas pessoas possam determinar a obrigação (cfr. ainda, mais recentemente, Pedro Soares Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte “Garantias de Cumprimento”, 2006, páginas 98 e 99).

A conciliação destas duas normas vinha ser interpretada maioritariamente pela jurisprudência de acordo com o entendimento acima exposto, tendo a 23/01/2001 sido proferido o acórdão do STJ nº4/2001, invocado pelos recorrentes, que, perfilhando este entendimento e uniformizando a jurisprudência, decidiu, relativamente à fiança, que “é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha”.

A questão da determinabilidade do objecto na fiança tem como razão de ser a necessidade de, mesmo quando tal objecto ainda não está determinado, o fiador saber quais os parâmetros da sua obrigação e do compromisso que vai assumir e coloca-se, quando estamos perante a garantia de prestações futuras, quanto às fianças genéricas, que são frequentemente adoptadas pelas instituições bancárias, de forma a agilizar as operações de crédito (cfr.Pedro Soares Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, obra citada, páginas 97 e 98).

Tem-se entendido considerar como fiança geral aquela que visa garantir qualquer obrigação do devedor principal, seja qual for o título e como fiança omnibus a que visa garantir as obrigações provenientes de determinado tipo de determinadas ou determinadas relações jurídicas (cfr. Calvão da Silva, “Estudos de Direito Comercial”, página 332, ac STJ 19/12/2006, RP 18/06/2008, ambos em www.dgsi.pt).

Ora, quanto às obrigações presentes, já constituídas, qualquer uma destas fianças, geral ou omnibus, será válida, pois a determinabilidade do seu objecto se aferirá pelas obrigações já existentes.

Já quanto às obrigações futuras e de acordo com o entendimento doutrinal e jurisprudencial acima indicado, nomeadamente o do acórdão 4/2001, este tipo de fiança só será válido se existirem, no momento da sua constituição, elementos que permitam oportunamente determinar o seu objecto, como é o caso, por exemplo, de limitações de prazo, ou de taxa de juro, ou limitações máximas de valor (sendo certo que a possibilidade de determinação do objecto da fiança será sempre mais difícil no caso da fiança geral do que na fiança omnibus).

E a existência ou não desses elementos que permitam determinar o objecto da fiança terá de ser apreciada caso a caso, com a interpretação casuística de cada contrato (cfr. ac. RP de 18/06/2006, acima mencionado, em www.dgsi.pt).     

Regressando ao caso dos autos, relembremos o texto do contrato, na parte em que os ora recorrentes declararam prestar a fiança, que consta no ponto 15 dos factos provados da sentença recorrida e que é o seguinte:

Que solidariamente afiançam todas as obrigações que os Mutuários assumam a título do presente empréstimo, e que na qualidade de fiadores e como principais pagadores, se obrigam perante o Banco ao cumprimento das mesmas, renunciando desde já e expressamente ao benefício da excussão prévia, bem como ao benefício do prazo, previsto no artigo 782º do Código Civil, sendo-lhes, por isso, imediatamente exigível o cumprimento antecipado das obrigações emergentes deste empréstimo, sempre que o Banco o possa exigir dos Mutuários.

 Que, desde já, dão, ainda, o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro, prazo do empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os primeiros outorgantes e aquele Banco”.    

Deste texto desde logo se retira uma conclusão óbvia.

É que a primeira parte da declaração de fiança tem como objecto o contrato de mútuo celebrado pelo ora exequente e pelos devedores principais e está perfeitamente determinado, como se vê pelas várias cláusulas descritas na matéria fáctica constante da sentença.

Quanto a esta primeira parte, a fiança é perfeitamente válida, não contendo objecto indeterminável, nem sequer indeterminado.

Aliás, os próprios recorrentes cingem o seu recurso e alegações ao objecto da fiança, respeitante à segunda parte da declaração.

E, na verdade, só nesta segunda parte, quando é dado o acordo para quaisquer modificações do contrato, o objecto da fiança respeita a uma obrigação futura indeterminada, podendo levantar-se a questão de não ser determinável, principalmente na última parte, onde se menciona “outras alterações que venham a ser convencionadas entre os primeiros outorgantes e o banco”, sem que se enunciem critérios ou limitações para a fixação dessas alterações.

Só que, como pertinentemente defende o exequente – já na sua contestação e agora também nas contra alegações do presente recurso – não está alegado nem provado que a quantia ora reclamada na execução resulta de qualquer alteração do contrato.

Pelo contrário, dos factos provados (pontos 13 e 14), retira-se que a quantia exequenda provém de prestações não pagas, nada indicando que resulte de alguma alteração do contrato.

Sendo assim, o objecto da execução, a que os ora recorrentes se vieram opor, respeita à dívida do mútuo na parte em que a fiança tem objecto determinado e onde não se levanta qualquer dúvida sobre a sua validade, não respeitando à parte da fiança em que se poderão levantar problemas de validade.

E, como prescreve o artigo 292º do CC, “a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”, sendo certo que cabe à parte que invoca a invalidade da totalidade do negócio o ónus de provar que o contrato não teria sido celebrado sem a parte ora posta em causa e nada tendo sido alegado e provado pelos oponentes nesse sentido (cfr. STJ 19/12/2006 acima mencionado e ainda ac. RL 17/09/2009, também em www.dgsi.pt ).

Mas, pese embora a nulidade seja de conhecimento oficioso (artigo 286º do CC), não caberá ao Tribunal conhecer dessa eventual nulidade parcial da fiança dos autos, na medida em que a mesma não é objecto da presente acção, só devendo ser discutida em acção própria para o efeito, ou caso venha a ser reclamada a quantia mutuada com base numa alteração do contrato e os ora oponentes pretenderem deduzir oposição invocando a nulidade, que, nesse caso, já seria objecto da acção.

Sendo válida a fiança na parte relevante para os presentes autos, improcede a oposição à execução dos ora recorrentes, devendo manter-se a sentença recorrida, com a ressalva de que não se conhece da eventual nulidade parcial da fiança, por tal invalidade não ser objecto da acção.  

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SUMÁRIO.

I- O artigo 280º do CC comina com a nulidade o negócio jurídico indeterminável, mas não o negócio jurídico indeterminado, desde que este seja determinável, o que será feito de acordo com o artigo 400º do mesmo código.

II- O acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº4/2001 veio consagrar este entendimento relativamente à fiança genérica relativa a obrigações futuras onde não existam elementos que permitam determinar o seu objecto.

III- Numa fiança que tem por objecto garantir a obrigação dos devedores num contrato com objecto determinado, mas com a declaração de se afiançar também todas as alterações futuras que vierem a ser introduzidas pelos devedores principais e pelo credor, a validade da primeira parte do objecto da fiança não é prejudicada pela eventual invalidade da segunda parte do mesmo, por não se ter provado, nos termos do artigo 292º do CC, que o contrato não teria sido concluído sem a parte viciada e não cabendo apreciar dessa eventual invalidade parcial, por a quantia reclamada na acção não resultar de alteração do contrato.

                                                            *

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DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e manter a sentença recorrida nos termos supra expostos.   

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Custas pelos recorrentes.