Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
400/13.6TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: PENA DE MULTA
ARGUIDO DETIDO
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 49.º, N° 3, DO CP
Sumário: I – Não sendo o arguido titular de património ou rendimentos anteriormente à situação de reclusão, é por demais evidente que, após esta, não se lhe podem exigir rendimentos para o pagamento da multa. Nem condições para os adquirir.

II – Sendo a pena de multa aplicada concomitantemente com a pena de prisão e tendo o arguido que cumprir esta, é manifestamente inviável ou impossível para este obter rendimentos para o pagamento da multa.

III – Não se pode interpretar que a condenação do arguido em pena de prisão significa uma vontade do arguido em colocar-se numa situação de incumprimento da multa.

Decisão Texto Integral:




           

 Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

  Nos autos de processo supra identificados, em que é arguido A... , melhor identificado nos autos.

  1. Na sequência das penas parcelares aplicadas ao arguido e do cúmulo jurídico entretanto realizado, foi o mesmo condenado na pena única de 12 anos de prisão e na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 6,00€, no total de 360,00€.

  2. Esta multa foi liquidada e o arguido, notificado para a pagar, não procedeu ao seu pagamento.

  3. O arguido não requereu o pagamento em prestações, nos termos do art. 47º, n.º 3 do Código Penal nem requereu a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade nos termos do disposto no art. 48º do mesmo Código.

Por despacho de 9.2.2017 foi determinado o cumprimento, pelo arguido, de 40 dias de prisão subsidiária bem como indeferida a pretendida suspensão da execução desta prisão subsidiária.

  5. O arguido A... não se conformando com esta decisão, dela recorre formulando as seguintes conclusões:
1. O Recorrente impugna a decisão vertida no Despacho recorrido, não se conformando com o indeferimento da requerida Suspensão da Execução da Prisão Subsidiária.
2. O Recorrente não tem meios económicos para fazer face ao pagamento da pena de multa e por tal motivo frustrou-se o pagamento coercivo.
3. O Recorrente está privado da liberdade, não possui bens nem qualquer rendimento e está impossibilitado de o obter, dada a sua reclusão.
4. Não pode o Recorrente prestar trabalho em substituição de pena de multa, face à sua Reclusão.
5. O facto de o Recorrente não pagar a pena de multa não lhe pode ser imputável.
6. O Douto Tribunal a quo violou o disposto no nº 3 do artigo 49º do Código Penal.
7. O Despacho recorrido deverá ser substituído por outra decisão judicial que aprecie e defira a Suspensão da Execução da prisão Subsidiária.
8. Com o que o douto Tribunal ad quem fará Justiça

            6. Respondeu o Ministério Público dizendo:

            1. O arguido não logrou provar que o pagamento da multa lhe não é imputável.

            2. Não é equacionável aplicação, in casu, do disposto no artigo 49º, nº3, do Código Penal.

            3. Mostra-se correta a decisão de não suspensão da prisão subsidiária pelo que deve ser mantida.

            7. Nesta Instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

            8. Foram os autos a vistos e realizou-se a conferência.     

                                                           II

Questão a apreciar:

A verificação ou não verificação dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão subsidiária aplicada ao recorrente.

                                                            III

1. O despacho recorrido tem o seguinte teor:

Compulsados os autos constata-se que realizado cúmulo jurídico, foi o arguido A... condenado na pena única de 12 anos de prisão e na pena de multa de 60 dias à taxa diária de 6,00€, no total de 360,00€.

            A referida multa foi liquidada e o arguido, notificado para tanto, não procedeu ao seu pagamento e nada requereu quanto a tal.

            Dos autos resulta que o arguido não tem quaisquer condições económicas para proceder ao seu pagamento – facto admitido pelo próprio – não havendo por isso condições para diligenciar pelo seu pagamento coercivo.

            No caso em apreço, a falta de condições económicas do arguido para pagar a referida multa resultando do facto de o mesmo estar em cumprimento de pena de prisão não pode deixar de ser considerada como imputável, uma vez que resulta de uma conduta dolosa do arguido consubstanciadora dos crimes pelos quais foi condenado.

            Assim sendo, vistas as concretas circunstâncias deste arguido - que se encontra em cumprimento daquela pena única de 12 anos de prisão - e em consonância com o que dispõe o art. 49º, nº 1 do CP, determina-se o cumprimento, de 40 dias de prisão subsidiária.

            Quanto à peticionada suspensão da execução da referida pena de prisão subsidiária, tendo em atenção a situação de reclusão do arguido não se mostra viável tal suspensão, pelo que se indefere a requerida suspensão”.

2. Dos autos resulta ainda o seguinte, para além dos elementos já supra expostos, com interesse para a apreciação da questão:

Promoção do Ministério Público:

Procedendo então à liquidação da pena única de 12 anos de prisão, verificamos que o arguido alcançará:

- o seu meio (6A) em 3-12-2018,

- os dois terços (8A) em 3-12-2020,

- os seus cinco sextos (10A) em 3-12-2022 e

- o termo da pena em 3-12-2024.

3. Esta liquidação da pena teve a concordância judicial – v. fls. 1082.          

                                                                IV

Apreciando:

1. A questão a dirimir subsume-se à interpretação e aplicação do disposto no nº 3 do artigo 49º, do Código Penal, que diz o seguinte:

            “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta”.

            Ou seja, resume-se à possibilidade legal de ser suspensa a execução da pena de prisão subsidiária aplicada ao recorrente, a qual lhe foi negada pelo Tribunal recorrido.

            Tal indeferimento resulta do facto de o julgador a quo ter considerado que o não pagamento ou capacidade de não pagamento da multa é imputável ao arguido recorrente.             Retira esta conclusão (o julgador a quo), não por o arguido ter esbanjado qualquer património que o tivesse colocado nessa situação, de deixar de trabalhar e ficar desempregado e como tal não conseguir pagar a multa mas apenas pelo facto de se encontrar a cumprir uma pena de prisão efetiva de 12 anos.

            Na verdade não é posta em causa a insuficiência económica do arguido para o pagamento da multa a quem não é conhecido igualmente qualquer património nem rendimentos[1].     

            Também se sabe que o mesmo não requereu a substituição da multa por prestação de trabalho, o que se afigurava inviável face à sua situação de reclusão. Nem requereu o pagamento da multa em prestações, pios não tendo o arguido qualquer rendimento, esta solução não seria igualmente viável.

            2. Entende-se que a decisão recorrida se afigura manifestamente temerária ao concluir que a impossibilidade do pagamento da multa se deve a facto imputável ao arguido (a culpa do arguido), ao considerar que sendo o mesmo o responsável por se encontrar detido a cumprir uma pena de prisão de 12 anos é, deste modo, o responsável por não poder pagar a multa

            Ou seja, não está em causa a impossibilidade do pagamento da multa pelo arguido recorrente. O que se discute é tão só a causa que está na origem dessa impossibilidade.

            Uma coisa é certa: o simples facto da reclusão do arguido não é por si só fundamento para a impossibilidade do pagamento da multa. O arguido, apesar da situação de reclusão, poderia ter uma boa condição económica ou patrimonial que lhe permitisse pagar a multa. Mas não é o caso.

            Outra situação se poderia equacionar: o arguido poderia não estar a cumprir pena de prisão, mas encontrar-se desempregado e sem rendimentos. Situação que se traduziria igualmente numa impossibilidade do pagamento da multa. E, a ocorrer, não lhe poderia ser imputado a título de culpa o não pagamento, a não ser que o desemprego resultasse de facto imputável ao arguido: desempregar-se de sua iniciativa, não aceitar um emprego sem fundamento ou outra… Mas são hipóteses não verificáveis in casu.

            A situação em análise é óbvia quanto ao seguinte: não sendo o arguido titular de património ou rendimentos anteriormente à situação de reclusão, é por demais evidente que, após esta, não se lhe podem exigir rendimentos para o pagamento da multa. Nem condições para os adquirir.

            A entender-se como se entendeu na decisão recorrida, significaria que, nestas situações, o arguido teria que cumprir sempre a prisão subsidiária.

            Tanto mais que, sendo a pena de multa aplicada concomitantemente com a pena de prisão e tendo o arguido que cumprir esta, é manifestamente inviável ou impossível para este obter rendimentos para o pagamento da multa. Importa questionar, pois, como seria (será) possível ao arguido adquirir rendimentos de uma forma legal para o pagamento da multa, se esses rendimentos não existirem previamente à reclusão!

            Por sua vez, a seguir a solução propugnada na decisão recorrida, seria uma forma indireta ou enviesada da violação do princípio da culpa, na medida em que o recorrente só deve responder, por cada caso concreto ou cumprir determinada sanção, segundo a sua culpa, não podendo a pena ultrapassar esta – artigo 40º, nº 2, do Código Penal.

            Concretizando:

            O arguido foi condenado por outros crimes em penas que, em cúmulo jurídico, resultaram numa pena de 12 anos de prisão, que está a cumprir. Subjacente a esta pena está a sua conduta dolosa/culposa.

            Concomitantemente com a apreciação da culpa quanto àquela pena única de prisão de 12 anos está a apreciação da culpa no que respeita à pena de multa aplicada[2].

            Ora, concluindo-se que o não pagamento da multa emerge apenas e tão só do facto de o arguido ter sido condenado na pena de prisão efetiva, imputar-lhe tal impossibilidade de pagamento da multa, seria estar a responsabilizá-lo por factos que não ocorreram de sua livre vontade, para os quais o mesmo tenha (tivesse) a disponibilidade de opção.

            O julgador a quo não distinguiu duas situações que são de per si, de diferente natureza:

            - A culpa/responsabilização pela pena de prisão, que apenas ao arguido é imputável. Pena que está a cumprir.

            - A culpa pela não possibilidade do pagamento da multa.

            Sendo manifesta esta impossibilidade do pagamento da multa, é também manifesto que este não pagamento é imputável a uma causa objetiva, a reclusão do arguido que, a partir da condenação em pena de prisão efetiva, deixou de estar na sua disponibilidade, conseguir obter rendimentos para pagar a dita multa.

            Uma coisa é a culpa pela prática dos crimes que determinaram a pena efetiva de prisão ao arguido. Outra é imputar-lhe a título de culpa, a sua insuficiência económica para o (não) pagamento da multa.

            Sabendo-se que esta impossibilidade do pagamento da multa se deve apenas à situação de reclusão, entende-se que este não pagamento não lhe é imputável. Não se pode interpretar que a condenação do arguido em pena de prisão significa uma vontade do arguido em colocar-se numa situação de incumprimento da multa.

            Como se decide no ac. desta Relação de Coimbra de 22/05/2013 proferido no proc. nº 93/05.4TACBR, citado pelo arguido,

            “O recorrente só pode ver-lhe negado qualquer meio substitutivo da pena de prisão se não for permitido concluir que a falta de pagamento da multa lhe é imputável, ou seja, se os elementos constantes dos autos permitirem concluir que os seus proventos económicos são suficientes para o pagamento da multa.

            Importa então que o tribunal recorrido averigúe a situação patrimonial actual do recorrente, concretize os factos apurados e fundamente a sua decisão sobre a suspensão requerida.

            Com efeito, o que importa é a situação que o arguido mantém na época em que se lhe impõe a prisão subsidiária, pois só a sua capacidade económica nesta altura releva para a suspensão da prisão subsidiária[3].

                       

            É manifesta a incapacidade económica do arguido. Esta situação é verificada/constatada/confirmada, quando o mesmo se encontra numa situação de reclusão. Não era conhecida qualquer situação patrimonial anterior ao arguido que lhe permitisse pagar a multa em causa e que, de algum modo, o mesmo tivesse agido para se colocar em situação de não pagamento da respetiva multa.

            Pelo que, é de concluir que o não pagamento da multa pelo arguido se enquadra no disposto no artigo 49º, nº3, do Código Penal, quando exige que:

            “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro”.

            Neste sentido v. ac. TRP de 7-03-2012, CJ, T2, 2012, pág.209:

            “O não pagamento da multa, aplicada em substituição de uma pena de prisão, não é imputável ao condenado que está preso na data em que tal multa lhe é aplicada e se mantém preso quando se determina o cumprimento da prisão assim substituída”.      

            3. Concluindo-se, pois, que a razão do não pagamento da multa não é imputável ao arguido, estão reunidos os pressupostos para que a execução da prisão subsidiária possa ser suspensa por um período de 1 a 3 anos. No entanto, tal suspensão deve ser subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro – nº3 do artigo 49º, do Código Penal.

            O arguido encontra-se a cumprir pena. Poderá questionar-se: nesta situação será possível subordinar a suspensão ao cumprimento de deveres?

            Entende-se que sim.

            A pena a cumprir pelo arguido tem uma duração bastante alargada – 12 anos.

            Durante o cumprimento da pena e segundo o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro, o recluso pode frequentar o ensino, formação profissional, trabalho, programas e atividade ocupacional.

            Pelo que, pese embora a situação de reclusão do recorrente, é possível a aplicação de deveres a este, tendo em conta a panóplia de atividades que podem ser desenvolvidas no interior do Estabelecimento Prisional. Que se adequam perfeitamente à imposta subordinação do cumprimento desses deveres como condição da suspensão da execução da prisão subsidiária.

            Deveres ou regras de conduta que poderão porventura ter continuação fora do Estabelecimento Prisional tendo em conta nomeadamente a duração do prazo da suspensão e eventual alteração da situação processual do recorrente, nomeadamente se lhe for concedida a liberdade condicional durante o cumprimento da pena de prisão.

            Importa, todavia, antes da aplicação destes deveres, averiguar quais as reais e efetivas atividades que poderão ser realizadas ou desenvolvidas no estabelecimento prisional onde o recorrente se encontra a cumprir pena bem como eventual adequação dessas atividades à concreta situação, interesse, habilitações e condições do recorrente. Pelo que se justificará ouvi-lo para esses efeitos.

            Diligências a realizar em primeira instância.  

IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se:

Conceder provimento ao recurso do arguido A... e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que suspenda a execução da pena de prisão subsidiária subordinada à fixação e cumprimento de deveres nos termos apontados, realizando-se para o efeito as diligências prévias necessárias.

Sem custas.

Coimbra, 21.06.2017

(Luís Teixeira – relator)

(Vasques Osório – adjunto)


[1] Esta possibilidade pode verificar-se independentemente da instauração executiva para o efeito como se entende nomeadamente no acórdão do Tribunal da relação de Coimbra de 6-02-2013:
“A lei - art.º 49º, do Cód. Penal - não faz depender a aplicação da prisão subsidiária da instauração de processo executivo, mas da impossibilidade de obter o pagamento coercivo que, como é óbvio, abrange tanto os casos em que se instaurou a execução e através dela não se conseguiu obter o pagamento da multa como aqueles em que a impossibilidade de pagamento coercivo resulta «ab initio», ou seja, por não existirem bens que permitam pelo menos tentar obter o pagamento.

[2] A pena de multa aplicada ao arguido resulta dos seguintes factos, crime e sentença:

            Processo Comum singular n.º 427/08.0GASXL:

            Data dos Factos: 30.7.2008

            Data da Sentença: 6.5.2011

            Data do Trânsito em Julgado: 16.3.2015

            Pena aplicada: 60 dias de multa à taxa diária de 6,00 Euros, no total de 360,00

Euros

            Crimes: Um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1

do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1.

[3] Também no ac. TRC de 6-02-2013 citado na nota 1), se decide:
“Se os elementos constantes dos autos permitirem concluir que os seus proventos económicos não são suficientes para o pagamento da multa, não deve o condenado ver-lhe negada a suspensão da execução da prisão subsidiária, prevista no n.º 3, do referido art.º 49º.
E, para o efeito, o que interessa é a situação que o arguido mantém na época em que se lhe impõe a prisão subsidiária, pois só a sua capacidade económica nesta altura releva para a suspensão da execução da prisão subsidiária”.