Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2032/10.1PBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PERDA A FAVOR DO ESTADO
Data do Acordão: 05/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL – SEVER DO VOUGA, DA COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 109º CP
Sumário: 1.- O instituto da perda dos instrumentos e produtos do crime funda-se em razões de prevenção de futuros crimes, em razão da perigosidade daqueles instrumentos e produtos;

2.- São por isso requisitos da declaração de perda:

- Que os objetos tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico ou; que tenham sido o produto, o efeito do facto ilícito típico;

- A perigosidade dos objetos.

3.- Relativamente ao primeiro requisito, a referência a «estivessem destinados a servir» permite concluir que o perdimento não depende da consumação do facto e a referência a «facto ilícito típico» em substituição de «crime» veio explicitar que a aplicação do instituto não depende da existência de culpa;

4.- Relativamente ao segundo requisito, são razões de ordem preventiva que estão na base da declaração de perda.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


 

I. RELATÓRIO

No Juízo de Instância Criminal – Sever do Vouga, da Comarca do Baixo Vouga, mediante despacho de pronúncia, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido A..., com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática, em autoria material e concurso real, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153º, nºs 1 e 2, e 155º, nº 1, a), do C. Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Por acórdão de 13 de Julho de 2012 foi o arguido absolvido da prática do imputado crime de ameaça agravada e condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 3º, nº 4, a) e 86º, nº 1, d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de € 6, perfazendo a multa global de € 1.440.


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            Inconformado com a decisão, recorre o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            “ (…).

            1. Entende o Arguido que o Tribunal lhe aplicou uma pena muito elevada.

2. Em nosso entender a pena aplicada não pode ser fixada em 240 dias por manifestamente excessiva atentos os factos provados devendo ser reduzida.

3. A determinação da medida da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências da prevenção nos termos do art° 71ºo nº 1, do C.P.

4. A pena aplicada não levou em consideração as condições económicas, pessoais e sociais do Arguido;

5. O Arguido tem antecedentes criminais, vide fls... dos autos, decorrentes de condenações anteriores por crimes que pela sua natureza são diferentes dos que estão a ser apreciados nos presentes autos.

6. Nenhuma delas por detenção de arma ou sequer por crimes violentos.

                7. Acresce que para determinação da moldura penal não podemos olvidar que está sem trabalho, este facto deverá ser tido em conta para a fixação do quantitativo diário a aplicar ao arguido uma vez que não tem rendimentos.

8. Igualmente que o Tribunal não considerou na sua apreciação que duas das armas detidas pelo arguido estavam totalmente inutilizadas, identificadas no ponto 2 f) e n) da matéria de facto, a saber a carabina Mauser (a fls. 60 verso) e a pistola sem marca nem número, do tipo de tiro a tiro (fls. 59-72) e reportagens fotográficas (fls. 80-96 e 97-134).

9. Porquanto são armas cuja função esta totalmente obsoleta, sem capacidade de funcionar como tal, devendo ser vistas como mera sucata pois deixam de oferecer qualquer perigosidade.

10. O mesmo ocorre com as facas identificadas no ponto 2 m) e ponto 3 a) e b) da matéria de facto dada como provada, já que são facas desprovidas de gumes cortantes, pelo que não podem ser consideradas como destinadas a agressão.

11. Tais objetos (carabina e pistola e ainda facas) acima identificados não oferecem qualquer perigosidade, pois não têm o condão de atentar contra a segurança das pessoas, por se encontrarem inutilizadas as primeiras e sem fio cortante as segundas, devendo tal facto pesar em favor do arguido na apreciação e determinação das necessidades de prevenção especial.

12. Ainda, o arguido é caçador e sobre as suas características pessoais, depuseram as testemunhas arroladas pelo Arguido, melhor identificadas nos autos a fls... , foram as mesmas unânimes quanto ao facto de o arguido ser caçador e não ser um individuo violento ou conflituoso.

13. Tais factos deveriam ter sido refletidos, a favor o arguido, na determinação da medida da pena.

14. Entende o arguido que o facto de ser caçador, ser conhecedor e gostar de armas não o pode prejudicar na determinação das necessidades de prevenção especial e determinação da medida da pena.

15. O arguido não usou nenhuma das armas, apenas as detinha, pelo que as necessidades de prevenção especial devem ser consideradas diminutas.

                16. As necessidades de prevenção geral e especial e a reintegração do Arguido na sociedade, se poderá fazer de forma mais equilibrada, mediante a aplicação de uma pena menos gravosa ao arguido;

17. Devendo por via disso ser reduzida os dias de multa fixados ao arguido, cuja fixação deverá ser próxima dos 120 dias de multa;

18. Da análise de todos estes factos resulta que o quantitativo diário fixado pelo Tribunal terá de ser reduzido para o seu valor mínimo de 5,00 € por dia, já que em face das condições económicas do arguido que se encontra desempregado.

19. Tudo ponderado, ao abrigo do disposto no art° 71º, 143º, nº 1 do Código Penal, entendemos adequada a aplicação ao Arguido de uma pena de multa a fixar em 120 dias à taxa de € 5,00 por dia, o que perfaz a quantia de € 600,00 (seiscentos euros) o que será suficiente para satisfazer de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

20. No que se reporta aos objetos apreendidos, às armas Winchester e Pioneer RG (ponto 2 a) e b) da matéria dada como provada) e identificadas a fls. 59 e seguintes e ainda do registo fotográfico a fls 81 e seguintes, ora apesar de tais armas se encontrarem na residência do arguido as mesmas não lhe pertencem.

21. Entendemos que o tribunal não pode ordenar que sejam perdidas a favor do Estado devendo as mesmas serem restituídas ao seu proprietário, irmão do arguido, nos termos do art. 110º do Código Penal.

22. A carabina Mauser e pistola sem marca, identificadas no ponto 2 f) e n) da matéria de facto, estas armas estão totalmente obsoletas, sem capacidade de funcionar como tal, não oferecem qualquer perigosidade.

23. Não existindo qualquer funcionalidade como arma e não ser adequada à prática de um facto ilícito, previsto no art. 109º do CP, entendemos, que as mesmas deverão ser restituídas ao arguido.

24. No que se refere as facas de ornamentação, designadamente as duas facas de fabrico artesanal destinadas a ornamentação (ponto 3 a) e b) da matéria dada como provada).

25. Não faz qualquer sentido declará-las perdidas devendo antes serem restituídas ao arguido na medida em que não têm gumes cortantes, não são armas construídas para agressão, devendo ficar excluídas do âmbito da aplicação da Lei nº' 5/2006 de 23 de Fevereiro e alterada pela Lei nº 17/2009 de 6 de Maio e restituídas ao arguido.

                26. O mesmo acontece com a faca de comprimento total de 38 cm, constante da matéria de facto dada como provada ponto m), não tem fio cortante, não oferece perigosidade, não é uma arma destinada a agressão aliás é uma peça que se encontra em venda livre por catálogo, devendo em nosso entender ser igualmente restituída ao arguido.

                27. Devem os objectos agora identificados ser restituídos, por não serem objectos adequados à prática de um facto ilícito (art. 109º do CP), conjuntamente com aqueles que constam do despacho de fls. 199 dos autos.

                No provimento do recurso pede a alteração da decisão no sentido proposto.

                Nestes termos e nos demais de direito que Vexas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado provido, e em consequência:

                - Ser reduzida a pena de multa que lhe foi aplicada e ainda

                - Serem restituídas para além das armas referidas no despacho de fls. 199 as acima elencadas.

                Assim se fazendo Justiça!

            (…)”.


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, alegando que o grau de ilicitude do facto decorrente do número de armas detidas pelo arguido justifica plenamente a pena determinada, que o montante diário da multa, situado próximo do mínimo, é adequada à sua situação económica e financeira e que, não tendo o arguido impugnado a matéria de facto, atentos os factos provados, deve manter-se a decisão de perdimento de objectos proferida, e conclui pela improcedência do recurso.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer acompanhando a motivação da Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância e concluiu pela manutenção do acórdão recorrido.


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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

           

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

            Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A excessiva medida da pena de multa e do respectivo quantitativo diário;

- A indevida declaração de perdimento de alguns dos objectos apreendidos nos autos.

 


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o teor do acórdão recorrido, na parte relevante. Assim:

            A) Dele constam os seguintes factos provados:

            “ (…).

            1) No dia 23 de Agosto de 2010, pelas 22h30m, em Esgueira, Aveiro, o arguido dirigiu-se a B... e teve com ela conversa não apurada.

2) No dia 25 de Janeiro de 2011, o arguido detinha no interior da sua residência, sita na (...), Sever do Vouga, as seguintes armas: a) uma espingarda marca Winchester, com o n.º K150632, com dois canos, calibre 12 mm; b) uma espingarda marca Pioneer RG, com o n.º 24633, tipo semiautomática, com um cano de alma lisa, calibre 12 mm; c) uma espingarda marca Benelli, com o n.º 127133, com um cano de alma lisa, calibre 12 mm; d) uma carabina marca Savage, com o n.º F362849, com um cano de alma estriada, calibre 300 Win. Mag.; e) uma espingarda marca Benelli, com o n.º M509968, com um cano de alma lisa, calibre 12 mm; f) uma carabina marca Mauser, com o n.º 9813, com um cano de alma estriada, calibre 8 mm Mauser; g) uma espingarda marca Winchester, com o n.º K150604, com dois canos, calibre 12 mm; h) uma espingarda marca Merkel, com o n.º 644204, com dois canos, calibre 12 mm; i) uma espingarda marca Ugartechea, com o n.º 56169, com dois canos, calibre 12 mm; j) uma espingarda marca Ugartechea, com o n.º 64719, com dois canos, calibre 12 mm; k) uma espingarda marca Ranger, com o n.º A1087, com dois canos, calibre 12 mm; l) uma faca composta por um cabo de plástico preto, tendo uma das faces dois botões, um deslizante que funciona como patilha de segurança e outro de pressão de ar para activar a lâmina, encerrando o seu cabo uma lâmina de aço inox de 10 cm de comprimento e com um gume cortante, cuja disponibilidade pode ser obtida instantaneamente por acção de uma mola sob tensão; m) uma faca, com o comprimento total de 38 cm, com o n.º 06526, constituída por uma lâmina em forma de adaga, com o comprimento de 24,5 cm, tendo uma empunharra em aço inox com talas em madeira de nogueira escura, onde na sua extremidade tem uma ranhura e um botão de pressão que serve de sistema de encaixe de uma arma de fogo; n) uma pistola, sem marca, sem número, do tipo arma de tiro a tiro, com dois canos de 10 cm de comprimento, com cães, de bigatilho, alma lisa, calibre 14 mm; o) uma munição para arma de fogo, de calibre 7,92x57 mm, também denominado por calibre 8 mm Mauser XRC, com projéctil encamisado, de percussão central; p) três munições para arma de fogo, de calibre 7,62x51 mm, com projéctil encamisado, de percussão central; q) cento e setenta e duas munições de calibre 9x19 mm, com projéctil encamisado, de percussão central; r) quatro mil e dezoito munições para arma de fogo, de calibre 22 RL, com projéctil em chumbo pintado, de percussão anelar; s) duas munições para arma de fogo, de calibre 7,7x62 mm, com projéctil em chumbo pintado de verde e branco, de percussão central; t) três munições para arma de fogo, de calibre 8x56 mm, com projéctil em chumbo, de percussão central; u) dezanove munições para arma de fogo, de calibre 300 Win. Mag., com projéctil em chumbo, de percussão central; v) quarenta e quatro cartuchos para arma de fogo, de calibre 12 mm, com diversos projécteis em chumbo, de percussão central; x) quinhentos e trinta e oito cartuchos para arma de fogo, de calibre 12 mm, com diversos projécteis em chumbo, de percussão central;

3) O arguido detinha ainda nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas: a) uma faca de fabrico artesanal, com comprimento total de 114 cm, com uma lâmina com dois gumes cortantes de 83 cm de comprimento destinada à ornamentação; b) uma faca de fabrico artesanal, com uma lâmina de dois gumes não cortantes com 61 cm de comprimento, fixa a um cabo em metal, com um comprimento total de 74 cm, destinada à ornamentação;

4) À data dos factos, o arguido não era titular de licença de uso e porte de arma;

5) O arguido não desconhecia as características das armas que lhe foram apreendidas, bem sabendo que não as podia deter, vender ou adquirir, trazer com ele ou guardar, ou obter por fabrico ou transformação;

6) Agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal;

7) O arguido tem como habilitações literárias o 8.° ano de escolaridade;

8) O arguido vive com os pais, em casa destes, não contribuindo para a economia doméstica;

9) O arguido não tem filhos;

                10) O arguido despediu-se do último emprego há ano e meio, não recebendo subsídio de desemprego nem tendo ocupação desde então;

11) O arguido tem um Opel Corsa de 1992;

12) O arguido tem os seguintes antecedentes criminais: pela prática, em 30/01/2009, de um crime de importunação sexual, p. e p. pelo art. 170.° do Código Penal, e de um crime de ameaça, p. e p. pelos arts. 153.° e 155.°, n.º 1, al. a) do Código Penal, foi condenado, por sentença de 24/05/2011, transitada em julgado em 29/06/2011, na pena única de 160 dias de multa à taxa diária de € 5,50 (Processo Comum Singular n.º 24/09.2GAETR da Comarca do Baixo Vouga, Estarreja – Juízo de Instância Criminal); pela prática, em 01/07/2010, de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.° do Código Penal, foi condenado, por sentença de 01/06/2011, transitada em julgado em 23/09/2011, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 5,00 (Processo Comum Singular n.º 240/10AGBSVV da Comarca do Baixo Vouga, Sever do Vouga – Juízo de Instância Criminal).

(…).”.

B) Dele consta a seguinte fundamentação quanto à medida da pena:

“ (…).

Na determinação da medida concreta da pena, nos termos do referido art. 71º do Código Penal, o tribunal levara em conta:

- o grau de ilicitude do facto, que se considera de elevada gravidade, pela perigosidade derivada da detecção de variadas armas e munições que as tornariam adequadas para utilização;

- a intensidade do dolo, que se revela elevada, uma vez que o arguido agiu com dolo directo;

- o modo de execução dos factos, sem sofisticação, dando até a conhecer a terceiros que tinha as armas consigo, o que veio a permitir às autoridades a detecção da situação;

- a sua situação económica, assim com a sua condição social e familiar;

- a existência de antecedentes criminais, por crimes praticados anteriormente a estes factos.

No que concerne às exigências de prevenção geral, consideram-se as mesmas elevadas, dada a danosidade social de situações como as dos autos, quer pela frequência com que ocorrem estes ilícitos, quer pelas consequências negativas que implicam para a segurança (traduzida na criminalidade associada).

No caso concreto, o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 86.°, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro é punido com pena de prisão de um mês até 4 anos, que é a moldura geral, resultante da aplicação do art. 41.°, n.º 1 do Código Penal, já que o próprio artigo não a estabelece ou pena de multa de 10 a 480 dias, que é a moldura geral, resultante da aplicação do art. 47.°, n.º 1 do Código Penal, já que o próprio artigo não a estabelece.

O art. 70° do Código Penal regula que "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

                Este artigo fornece ao julgador o critério de orientação para a escolha, quando ao crime são aplicáveis pena privativa ou pena não privativa da liberdade, e traduz vincadamente o pensamento legislativo do Código de reagir contra penas institucionalizadas ou detentivas, sempre que os fins das penas possam atingir-se por outra via, Isto é particularmente válido para as penas curtas de prisão.

No caso em apreço, atentas as circunstâncias dos factos sendo praticados sem preparação e a existência de antecedentes criminais, mas por crimes de natureza particular e semi-pública, e ainda que o arguido se encontra familiarmente inserido, o Tribunal entende que a pena de multa se revela adequada, satisfazendo as exigências de prevenção quanto ao crime de detenção de arma proibida, sendo algo ténues as exigências comunitárias de punição deste tipo de condutas em pena de prisão.

Atendendo a todas as circunstâncias já enumeradas, o Tribunal julga ajustada aplicar ao arguido a pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa pela prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86°, n.º 1, alínea d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.


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Quanto à pena de multa aplicada ao arguido, cabe dizer que todas as considerações antecedentes, atinentes quer à culpa, quer à prevenção, devem exercer unicamente influência sobre a determinação do número de dias de multa, não sobre o quantitativo diário que se torna agora necessário fixar.

Nos termos do disposto no artigo 47.°, n.º 2 do Código Penal, na redacção actual, que é a aplicável em função do já explicitado adoptando-se a ponderação unitária de regimes, "cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5,00 (cinco euros) e € 500,00 (quinhentos euros), que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais".

Contudo, a fixação do montante diário da pena de multa, dentro dos limites legais, "não deve ser doseada por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade" – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 13/07/1995, publicado na CJ), 1995, Tomo IV, p. 48.

Assim, de acordo com o exposto, ponderando, no caso concreto, a situação sócio-económica do arguido (sem actividade laboral, mas sem problemas que justifiquem tal, sem encargos habitacionais e sem encargos familiares, não tendo menores a cargo), fixa-se o quantitativo diário da multa para o arguido em € 6,00 (seis euros), perfazendo um total de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros), ou, subsidiariamente, 160 (cento e sessenta) dias de prisão, nos termos do art. 49.°, n.º 1 do Código Penal.


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                V – DOS OBJECTOS

Dispõe o art. 109°, n° 1 do Código Penal que "são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos." "Se a lei não fixar destino especial aos objectos perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio." (art. 109°, n° 3 do CP).

No caso dos autos, sendo o arguido condenado pelo crime de detenção de arma proibida, determina-se a perda das armas e munições apreendidas a favor do Estado (art. 94° da Lei n° 5/2006 de 23/02), com excepção daquelas que já foi ordenada a restituição ao arguido por despacho de fls. 199.

(…)”.


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            Da medida da pena de multa e do respectivo quantitativo diário

            1. Alega o arguido que, tendo antecedentes criminais, nenhum se refere a crime de detenção de arma proibida ou a crimes violentos, que não existe referência a factos típicos praticados após os que constituem o objecto dos autos, que a espingarda Mauser e a pistola tiro a tiro, sem marca nem número, estão inutilizadas e totalmente obsoletas, sendo mera sucata e não oferecendo, por isso, qualquer perigo para a segurança das pessoas, que também as facas identificadas nos pontos 2 m) e 3 a) e b) da matéria de facto provada, porque desprovidas de gumes cortantes, não podem ser consideradas como destinadas à agressão, e não constituem, também, qualquer perigo, que é caçador e apreciador e conhecedor de armas e que apenas as detinha, o que determina que as necessidades de prevenção especial sejam diminutas, devendo por isso a pena de multa ser fixada próximo dos cento e vinte dias.

            Vejamos.

1.1. Prevenção – geral [protecção de bens jurídicos] e especial [reintegração social do agente] – e culpa são os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida (art. 40º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto. A culpa, dirigida à pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável da pena (Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 214 e ss.). A pena concreta vai então resultar da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos em cada caso – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de integração] –, temperada pela necessidade de reintegração social do agente [prevenção especial positiva de socialização], sempre com respeito pelo limite inultrapassável da medida da culpa.

Em suma, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, pág. 81). 

O C. Penal de 1982 apostou – aposta mantida pelas suas reformas de 1995 e 2007 – na preferência pela pena de multa, em detrimento da pena de prisão, relativamente ao tratamento da pequena e da média criminalidade, como resulta do critério de escolha da pena principal – prisão ou multa – previsto no art. 70º do C. Penal. É que, quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, determina a lei que o tribunal dê preferência a esta última, sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

           

Escolhida a pena, há que passar à determinação da sua medida concreta. A moldura penal abstracta de cada crime é fixada pelo legislador, tendo em conta todas as formas e graus de cometimento do facto típico, fazendo corresponder aos de menor gravidade o limite mínimo da pena e aos de maior gravidade o limite máximo da pena. Com estes limites, a determinação da medida concreta da pena é feita, como se disse, em função das necessidades de prevenção e da culpa do agente, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). E, entre outras circunstâncias, haverá que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

1.2. O arguido foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 3º, nº 4, a) e 86º, nº 1, d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto. Este crime é punível com pena de prisão até quatro anos ou com pena de multa até 480 dias [a redacção da Lei nº 5/2006, dada pela Lei nº 12/2011, de 27 de Abril, manteve esta moldura penal]. O tribunal colectivo, na escolha da pena, optou por pena de multa, opção que ninguém sindicou. 

O crime de detenção de arma proibida é um crime de perigo ou seja, um crime em que a realização do tipo não exige a lesão mas a simples colocação em perigo do bem jurídico tutelado, e um crime de perigo abstracto pois o perigo não integra o tipo, sendo apenas o motivo da proibição isto é, a lei presume, de forma inilidível, o perigo, independentemente de a conduta do agente o ter efectivamente criado.

1.2.1. Este crime tutela, num primeiro plano, a segurança da comunidade face aos riscos da livre detenção de armas proibidas, e por via dela, mediatamente, bens jurídicos pessoais. O seu cometimento causa, normalmente, alarme social porque, não raras vezes, se encontra associado a criminalidade violenta, e é frequente a sua prática, o que eleva as necessidades de prevenção geral.

1.2.2. O arguido sofreu duas condenações por factos cometidos anteriormente aos que constituem o objecto dos autos, e em ambas foi sancionado com pena de multa. É certo que nenhuma dessas condenações teve por objecto crime de detenção de arma proibida, mas uma delas reporta-se a um crime contra a liberdade pessoal e a um crime contra a liberdade e autodeterminação sexual.

Por outro lado, ainda que não conste dos factos provados, resulta da motivação de facto do acórdão recorrido que o arguido confessou, ao menos de forma parcial, os factos provados, embora se admita que com um relativo relevo para a descoberta da verdade, uma vez que foi detido em flagrante delito, no decurso da busca realizada à sua residência e onde foram aprendidas as armas ilegais. Acresce que o arguido, ainda que não exerça, actualmente, qualquer actividade profissional, vive com os pais, estando, por isso, familiarmente inserido. Assim, não sendo efectivamente elevadas, não deixam de começar a notar-se as necessidades de prevenção especial.

1.2.3. O número de armas proibidas detidas pelo agente releva em sede do grau de ilicitude do facto. Daí, a alegação do arguido relativamente a duas armas de fogo e a três armas brancas que detinha. Vejamos.

Relativamente à pistola do tipo tiro a tiro, referida no ponto 2 n) dos factos provados, cumpre dizer que a sua obsolescência não consta como provada, sendo certo que neste recurso o arguido não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto [o que sempre teria que fazer nos termos prescritos no art. 412º, do C. Processo Penal]. Consta, no entanto, do auto de exame de fls. 59 a 72 [que contribuiu para a formação da convicção do tribunal colectivo] que tal pistola se encontra em mau estado de conservação e não funcional, com os canos rebentados e separados do punho. Certo é, porém que, objectivamente, nada impede a reparação da arma.

Relativamente à carabina Mauser referida no ponto 2 f), também a sua obsolescência não consta dos factos provados, embora no citado auto de exame se leia que se encontra em mau estado de conservação e não funciona por ter o cano obstruído e a câmara com um invólucro no interior. Por isso, também quanto a esta arma vale a afirmação de que, objectivamente, nada impedirá a sua reparação.

Sucede que a decisão instrutória de fls. 296 a 305 não pronunciou o arguido, além do mais, pela prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, a), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro que lhe era imputado na acusação, por ali se ter entendido que a carabina Mauser, não podendo ser utilizada, é uma arma da classe F, cuja detenção não licenciada preencheria apenas a contra-ordenação p. e p. pelo art. 97º da mesma lei. O Mmo. Juiz de Instrução entendeu também que esta contra-ordenação estaria consumida pelo crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro pelo qual, além do mais, pronunciou o arguido, o que determinaria que a detenção ilícita da Mauser iria relevar em sede da medida da pena a aplicar, e por isso fez constar da pronúncia, no ponto 3.3.6., que «No dia 25 de Janeiro de 2011, o arguido detinha no interior da sua residência (…) uma carabina marca Mauser, com o nº 9813, com um cano de alma estriada, calibre 8mm Mauser (…)». Dependendo a qualificação desta concreta carabina como arma da classe F, da qualidade de arma de fogo inutilizada quando destinada à ornamentação (art. 3º, nº 8, c), da mesma lei) deveria constar do despacho de pronúncia a concreta factualidade demonstrativa da inutilização da carabina, sendo certo que o art. 2º, nº 1, r), da mesma lei define «Arma de fogo inutilizada» como a arma de fogo a que foi retirada ou inutilizada peça ou parte essencial para obter o disparo do projéctil e que seja acompanhada de certificado de inutilização emitido ou reconhecido pela Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública – não constando dos autos a existência deste certificado – e do seu destino (a ornamentação, para este efeito, encontra-se definida na alínea ae), do nº 5, do art. 2º, da mesma lei).   

Em todo o caso, tendo o arguido sido despronunciado da prática do acusado crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, a), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, cujo objecto seria a detenção da carabina Mauser, e tendo sido entendido que esta detenção preenchia a contra-ordenação p. e p. pelo art. 97º da mesma lei, consumida pelo pronunciado crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, não pode tal detenção contribuir para a determinação da medida da pena do crime pelo qual foi o arguido pronunciado e condenado, precisamente porque foi configurada como um ilícito de natureza não criminal.

Relativamente à faca referida no ponto 2 m), aí não consta que não tenha o gume cortante. Por outro lado, consta como provado que a mesma tem uma lâmina em forma de adaga com 24,5 cm de comprimento e uma empunharra com um sistema de encaixe em arma de fogo.

Assim, esta arma branca, no exactos termos em que está definida na matéria de facto provada, não se destina a ser usada na actividade doméstica, na actividade agrícola e na actividade venatória, não tem aplicação definida, e pode ser usada como meio de agressão.

As facas referidas nos pontos 3 a) e b) são descritas como facas de fabrico artesanal, destinadas à ornamentação, a primeira com lâmina com dois gumes cortantes e a segunda com lâmina com dois gumes não cortantes. Mas basta atentar nos documentos fotográficos de fls. 115 e 118 para concluir que antes se trata de espadas ou, melhor dito, de réplicas de espadas antigas.

Temos portanto, duas réplicas de espadas, de fabrico artesanal, destinadas à ornamentação. Estas armas brancas integram a classe F, (art. 3º, nº 8, a), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro), pelo que a sua detenção não licenciada preenche a contra-ordenação p. e p. pelo art. 97º da mesma lei. Isto mesmo se concluiu na decisão instrutória de fls. 296 a 305 onde, pelas razões supra expostas relativas à detenção da carabina Mauser, se entendeu não pronunciar o arguido pela prática desta contra-ordenação, relevando a detenção das espadas em sede da determinação da medida da pena a aplicar pelo pronunciado crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Como atrás deixámos dito, também aqui entendemos que a detenção das réplicas de espadas não pode contribuir para a determinação da medida da pena do crime pelo qual foi o arguido pronunciado e condenado, precisamente porque tal detenção foi configurada como um ilícito de natureza não criminal.

Assim, porque a detenção da carabina Mauser e das duas réplicas de espadas fica excluída da determinação do grau de ilicitude do facto, este terá que ser aferido em função do objecto do crime pelo qual o arguido foi condenado ou seja, relativamente a armas, a detenção dolosa de: uma espingarda marca Winchester, com o n.º K150632; uma espingarda marca Pioneer RG, com o n.º 24633; uma espingarda marca Benelli, com o n.º 127133; uma carabina marca Savage, com o n.º F362849; uma espingarda marca Benelli, com o n.º M509968; uma espingarda marca Winchester, com o n.º K150604; uma espingarda marca Merkel, com o n.º 644204; uma espingarda marca Ugartechea, com o n.º 56169; uma espingarda marca Ugartechea, com o n.º 64719; uma espingarda marca Ranger, com o n.º A1087; uma faca composta por um cabo de plástico preto, tendo uma das faces dois botões, um deslizante que funciona como patilha de segurança e outro de pressão de ar para activar a lâmina, encerrando o seu cabo uma lâmina de aço inox de 10 cm de comprimento e com um gume cortante, cuja disponibilidade pode ser obtida instantaneamente por acção de uma mola sob tensão; uma faca, com o comprimento total de 38 cm, com o n.º 06526, constituída por uma lâmina em forma de adaga, com o comprimento de 24,5 cm, tendo uma empunharra em aço inox com talas em madeira de nogueira escura, onde na sua extremidade tem uma ranhura e um botão de pressão que serve de sistema de encaixe de uma arma de fogo; uma pistola, sem marca, sem número, do tipo arma de tiro a tiro.

Deste modo, estando em causa, além do mais, a detenção ilegal, de onze armas de fogo e duas armas brancas, é evidente que o grau de ilicitude do facto é muito elevado.

O arguido agiu com dolo intenso.

Militam a seu favor a inserção familiar e a modesta situação económica.

Por outro lado, não constam da matéria de facto provada a invocada qualidade de caçador em os conhecimentos e gosto do arguido por armas, pelo que tais circunstâncias não contribuíram, e muito menos, negativamente, para a determinação da medida da pena.

 

1.3. Resulta do que antecede que as circunstâncias agravantes sobrelevam às circunstâncias atenuantes, que são elevadas as necessidades de prevenção geral e que se fazem já notar as necessidades de prevenção especial pelo que, face à moldura penal aplicável – multa de 10 dias a 480 dias –, a pena fixada no acórdão recorrido de 240 dias de multa, para além perfeitamente suportada pela culpa do arguido, se crítica merece, será pela sua manifesta benevolência.

Deve pois manter-se a pena aplicada pela 1ª instância.

2. Alega ainda o arguido que o quantitativo diário da pena de multa deveria ser reduzido para € 5, face às suas condições económicas e situação de desempregado.

Vejamos.

Dispõe o art. 47º, nº 2 do C. Penal:

Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”.

A amplitude dada ao montante diário da multa é consequência da realização do princípio da igualdade de ónus e sacrifícios, com vista ao esbatimento da crítica apontada a esta pena, de que tem distintos pesos, conforme a situação económica do agente (cfr. Cons. Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 8ª Ed., pág. 307).

A aplicação de uma pena de multa deve sempre assegurar a verdadeira função de uma pena. Deve constituir um real sacrifício para o condenado pois, só assim ele sentirá o juízo de censura que a condenação significa, bem como, só assim será dada satisfação às exigências de prevenção.

A aplicação da pena de multa não pode retirar ao condenado o mínimo necessário e indispensável à satisfação das suas necessidades básicas e às do seu agregado familiar, sem esquecer, no entanto, que a lei prevê mecanismos de flexibilização do cumprimento da pena, quando tal se mostre justificado (cfr. art. 47º, nºs 3 e 4 do C. Penal).

É pois neste sistema de pesos e contrapesos, e tendo-se em conta que a multa, enquanto pena principal, devendo constituir um sacrifício, não podendo, por isso, ser fixada em montantes insignificantes, que deve ser encontrado o seu quantitativo diário. 

            Posto isto.

            Com relevo para a questão suscitada provou-se que o arguido tem o 8º ano de escolaridade, vive em casa dos pais, não contribui para as despesas domésticas, não tem outros encargos familiares, despediu-se do emprego há ano e meio, não recebe qualquer subsídio, não exerce qualquer ocupação desde então e é dono de um Opel Corsa com vinte anos.

            Como é evidente, a situação económica e financeira do arguido não é desafogada nem prometedora. Mas também não é uma situação de indigência pois o arguido é dono de um veículo automóvel, ainda que modesto e idoso, e tem meios para manter a posse de variadas armas de fogo.

            Assim, a fixação da taxa diária da pena de multa em € 6, porque muito próxima já do limite mínimo previsto na lei, é criteriosa e ajustada às capacidades do arguido, não merecendo, por isso, censura.

Mantém-se pois, quantitativo diário da pena de multa fixado pela 1ª instância.


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            Do perdimento de alguns dos objectos apreendidos

            3. Alega o arguido que as espingardas Winchester e Pioneer RG, referidas em 2 a) e b) da factualidade provada, a carabina Mauser e a pistola referidas no ponto 2 f) e n) da factualidade provada e as facas referidas nos pontos 2 m) e 3 a) e b) da factualidade provada, não deveriam ter sido declaradas perdidas a favor do Estado, as duas primeiras porque pertencem ao seu irmão, as terceira e quarta porque estão obsoletas e sem capacidade de funcionar, e as três últimas porque são desprovidas de gumes cortantes, não podendo ser consideradas como destinadas a agressão, e conclui pedindo que sejam restituídas, para além das armas referidas no despacho de fls. 199, as supra mencionadas, sendo as duas primeiras ao irmão do arguido.

            No acórdão recorrido, de forma sintética, aliás, foi decidido que, tendo o arguido sido condenado pela prática de crime de detenção de arma proibida, havia lugar à perda das armas e munições apreendidas a favor do Estado, com excepção daquelas cuja restituição havia sido determinada a fls. 199, sendo invocadas para fundar a declarada perda as normas dos arts. 109º do C. Penal e 94º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

            Como ponto prévio, deixa-se referido que, tendo o despacho de fls. 199, proferido na fase de inquérito, determinado a restituição ao arguido de alguns dos bens apreendidos, verificado que fosse certo circunstancialismo temporal. Porque o acórdão recorrido não decretou o perdimento destes bens, é evidente que não cabe apreciar neste recurso e muito menos, proferir decisão tendo por objecto o seu destino.

            Posto isto, vejamos então se assiste razão ao recorrente.

            3.1. O perdimento dos instrumenta sceleris e dos producta sceleris encontra-se previsto no art. 109º, nº 1, do C. Penal nos termos do qual, são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.

O instituto da perda dos instrumentos e produtos do crime funda-se em razões de prevenção de futuros crimes, em razão da perigosidade daqueles instrumentos e produtos.

São por isso requisitos da declaração de perda:

- Que os objectos tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico ou; que tenham sido o produto, o efeito do facto ilícito típico;

- A perigosidade dos objectos.

Relativamente ao primeiro requisito, impõem-se duas notas. A primeira, para dizer que a referência a «estivessem destinados a servir» permite concluir que o perdimento não depende da consumação do facto. A segunda, para dizer que a referência a «facto ilícito típico» em substituição de «crime» veio explicitar que a aplicação do instituto não depende da existência de culpa (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 619 e Cons. Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 8ª Ed., pág. 474).

Relativamente ao segundo requisito, deixámos já referido que são razões de ordem preventiva que estão na base da declaração de perda. Como decorre da lei, nem todos os instrumenta sceleris e os producta sceleris devem ser declarados perdidos, mas apenas aqueles instrumentos ou produto que, atenta a sua natureza intrínseca, isto é, a sua específica e co-natural utilidade social, se mostrem especialmente vocacionados para a prática criminosa e devam por isso considerar-se, nesta acepção, objectos perigosos (Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 621). 

A perigosidade deve ser considerada de um ponto de vista objectivo. Há que atender à perigosidade do objecto em si mesmo, face às suas próprias características, e desligado da pessoa que o detém.   

Mas a perigosidade deve ser avaliada em função das concretas condições em que o objecto pode vir a ser utilizado. E esta relação entre a perigosidade objectiva do objecto e as concretas circunstâncias do caso pode, como alerta o Prof. Figueiredo Dias, determinar uma referência ao próprio agente implicando, nesta medida, que na avaliação da perigosidade intervenha também um ponto de vista subjectivo (ob. cit., pág. 623).

O ponto de partida é sempre a perigosidade objectiva do objecto, à qual se devem juntar as concretas circunstâncias do caso e a personalidade do agente que através da prática do facto se revela, para, numa análise global, se concluir a final, pela perigosidade ou não e consequente perda ou não, do objecto.

            3.2. Aqui chegados, devendo as armas objecto da declaração de perda ter servido para a prática do crime de detenção de arma proibida, art. 86º, nº 1, d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, é evidente que apenas as armas cuja detenção dolosa preencheu este tipo de ilícito pelo arguido poderão ser declaradas perdidas a favor do Estado ao abrigo do art. 109º, nº 1, do C. Penal.

            Como se deixou dito no ponto 1.2.3., que antecede, a detenção pelo arguido da carabina Mauser referida no ponto 2 f) da factualidade provada, e das réplicas de espadas referidas no ponto 3 a) e b) da mesma factualidade, não preencheu o tipo do crime de detenção de arma proibida, mas apenas a contra-ordenação p. e p. pelo art. 97º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro [contra-ordenação que se considerou consumida pelo crime de detenção de arma proibida, cometido pelo arguido através da detenção de outras armas e munições].

            O Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas [RGCOC], aplicável subsidiariamente, por via do disposto no art. 105º, nº 1, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, prevê no seu art. 21º, nº 1, a), a aplicação da sanção acessória de perda de objectos pertencentes ao agente, desde que a lei, simultaneamente com a coima, a determine. A Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro não pune a contra-ordenação prevista no seu art. 97º com esta sanção acessória. Prevê sim, a «Perda da arma» no seu art. 94º – integrado no Capítulo X, Secção II, Penas acessórias e medidas de segurança, portanto, no âmbito da responsabilidade criminal – quando entregue na PSP, na sequência de aplicação de pena acessória ou medida de segurança.

            Por outro lado, não cremos que as armas em questão representem, pela sua natureza e características, grave perigo para a comunidade, ou exista risco sério na sua utilização na prática de crime ou de outra contra-ordenação, pelo que, pelo menos, de momento, não se mostra preenchida a previsão do art. 22º do RGCOC.

            A detenção de armas da classe F, classe onde, como vimos, a decisão instrutória integrou a carabina Mauser e as réplicas de espadas referidas nos pontos 2 f) e 3 a) e b) da factualidade provada, respectivamente, carece de licença de uso e porte de arma desta classe (arts. 10º, nº 2 e 12º, nº 1, f), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro), a ser concedida aos cidadãos que reúnam as condições previstas no art. 17º, da mesma lei. Acresce que, como dissemos já, o art. 2º, nº 1, r), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro define arma de fogo inutilizada como a arma de fogo incapaz de disparar, por não ter ou estar inutilizada peça ou parte essencial que impossibilita o disparo, mas desde que seja acompanhada de certificado de inutilização emitido ou reconhecido pela Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, certificado cuja existência os autos não evidenciam.

            Não sendo o arguido titular de licença de uso e porte de arma da classe F a qual, relativamente á espingarda Mauser, pressupõe a existência do certificado previsto art. 2º, nº 1, r), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, a entrega ao mesmo destas armas implica a imediata prática de nova contra-ordenação, p. e p. pelo art. 97º daquela lei.

Assim, atento o que se deixou exposto, não havendo lugar, pelo menos, de momento, ao perdimento de tais armas, deve o arguido ser notificado para os efeitos previstos no art. 185º, nº 3, do C. Processo Penal, mas com a específica menção de que deverá apresentar a necessária licença de uso e porte de arma da classe F, decidindo-se, depois, em conformidade.   

3.3. A detenção dolosa pelo arguido das espingardas Winchester e Pioneer RG, referidas em 2 a) e b) dos factos provados, face à factualidade provada, e não impugnada, preencheu, juntamente com a detenção de outras armas e munições, o tipo do crime de detenção de arma proibida pelo qual foi condenado.     

A «Detenção de arma» é definida, no art. 2º, nº 5, f), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, como, o facto de ter em seu poder ou na sua esfera de disponibilidade uma arma. A detenção de arma, enquanto conduta típica, não se confunde, embora possa coincidir, com a propriedade da arma.

Pois bem, tendo a busca à residência do arguido e apreensão das armas e munições tido lugar a 25 de Janeiro de 2011 [cfr. fls. 56 e verso], em 3 de Fevereiro de 2011, C..., oficial do Exército Português e irmão do arguido, veio aos autos dar conta de que algumas das armas apreendidas lhe pertenciam [cfr. fls. 168] e em 7 de Fevereiro de 2011 identificou como suas as espingardas de caça Winchester nº 150632 e Renato Gamba nº 24633 e 26352, as quais se encontravam em casa de seus pais [cfr. fls. 171]. Para prova do alegado, juntou cópia do Bilhete de Identidade de capitão do Quadro Permanente do Exército Português e dos livretes de manifesto de armas daquelas espingardas [fls. 172 a 174]. Ouvido em declarações em 2 de Março de 2011, o capitão C... reafirmou pertencerem-lhe as duas espingardas, juntou de novo cópias dos respectivos livretes e explicou que as armas se encontravam em casa de seus pais, onde sempre estiveram, por aí também residir [fls. 192 a 193].  

Assim, independentemente da provada detenção destas espingardas pelo arguido, certo é que as mesmas são propriedade de C..., seu irmão, igualmente residente em casa dos pais, como também se provou, relativamente ao arguido [ponto 8 dos factos provados].

Sendo proprietário das espingardas e nessa medida, afectado pela declaração de perdimento, o capitão C... não foi notificado do acórdão recorrido.

Por outro lado, encontram-se tais armas, ao menos, aparentemente, manifestadas, e tem o seu proprietário, na qualidade de oficial do Quadro Permanente do Exército Português, direito à detenção, uso e porte de arma de qualquer natureza [como se pode ler na cópia do Bilhete de Identidade do Exército Português de fls. 172], pelo que deve entender-se que tais armas não colocam em perigo a segurança das pessoas nem oferecem risco sério de serem utilizadas no cometimento de novos crimes.

Assim, entende-se não haver lugar, pelo menos, de momento, ao perdimento destas duas espingardas, devendo o capitão C..., identificado a fls. 168, ser notificado para os efeitos previstos no art. 185º, nº 3, do C. Processo Penal, com a específica menção de que deverá apresentar os originais dos livretes de manifesto das espingardas bem como documento original idóneo para demonstrar o direito à detenção, uso e porte de arma, decidindo-se, depois, em conformidade.   

3.4. A declaração de perdimento de objectos proferida no acórdão recorrido, porque genérica – apenas excepcionou, dos objectos apreendidos nos autos, aqueles cuja entrega havia já sido ordenada a fls. 199 – abrange necessariamente pistola referida no ponto 14 da acusação, descrita como uma pistola marca IMBEL, com o nº 36425, de tipo semi-automático, calibre 38, em cuja detenção se fundou a imputação ao arguido da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, c), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro. É que na decisão instrutória de fls. 296 a 305 foi entendido não se encontrar indiciado o dolo do arguido relativamente à detenção da pistola IMBEL, descrita no ponto 14 da acusação e decidido não o pronunciar pela prática do imputado crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, c), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro. Não obstante, nada se determinou na decisão instrutória quanto ao destino da pistola. 

No dia em que foi realizada a busca e apreendidas as armas, o OPC apreendeu também a declaração de fls. 78, emitida em 30 de Outubro de 2001, pelo Adido do Exército e Aeronáutica da Embaixada do Brasil em Portugal, da qual consta que a pistola IMBEL, nº 36425, dois carregadores e estojo foi oferecida pelo Exército Brasileiro ao aluno finalista 1º classificado da Academia Militar em 2001, alferes C....

Como vimos, este oficial do exército, já capitão, alguns dias depois da apreensão veio aos autos informar, além do mais, que a arma lhe pertencia. E em declarações prestadas em 2 de Março de 2011, esclareceu que a pistola não se encontra manifestada [fls. 192 a 193]. 

Assim, é inquestionável que a pistola em questão é propriedade do capitão C... que, como vimos, não foi notificado do acórdão recorrido. Enquanto oficial do Quadro Permanente do Exército Português, tem o mesmo direito à detenção, uso e porte de arma de qualquer natureza, pelo que, também aqui deve entender-se a arma não coloca em perigo a segurança das pessoas nem oferece risco sério de ser utilizada no cometimento de novos crimes.

Face ao que antecede, entende-se não haver lugar, pelo menos, de momento, ao perdimento da pistola, devendo o capitão C..., identificado nos autos, ser notificado para os efeitos previstos no art. 185º, nº 3, do C. Processo Penal, com a específica menção de que deverá apresentar o original do livrete de manifesto da pistola ou, pelo menos, comprovar já ter requerido o seu manifesto junto da PSP – caso em que se deverá aguardar pela decisão desta autoridade –, bem como documento original idóneo para demonstrar o direito à detenção, uso e porte de arma, decidindo-se, depois, em conformidade.   

3.5. Não consta dos factos provados que a pistola referida no ponto 2 n) da factualidade provada esteja incapaz de funcionar e obsoleta, como também não consta dos factos provados que a faca referida no ponto 2 m) da matéria de facto provada não tem fio cortante, não oferecendo por isso, perigosidade.

Deve, aliás, notar-se, aferindo a perigosidade destas armas que, atento o auto de exame de fls. 59 a 72, a pistola não é licenciável, e a faca é, antes, uma baioneta. 

Por outro lado, pelas razões supra expostas, a detenção dolosa pelo arguido destas duas armas, preencheu, com a detenção de outras armas e munições, o tipo do crime de detenção de arma proibida pelo qual foi condenado. 

Assim, nos termos do art. 109º, nº 1, do C. Penal, deve manter-se a declaração de perdimento destas armas.


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            II. DECISÃO

           

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

A) Revogam o acórdão recorrido na parte em que declarou o perdimento a favor do Estado, da espingarda Winchester, nº K150632, referida no ponto 2 a) dos factos provados do mesmo acórdão, da espingarda Pioneer Renato Gamba nº 24633, referida no ponto 2 b) dos mesmos factos, da carabina Mauser nº 9813, referida no ponto 2 f) dos mesmos factos, da faca artesanal com 83 cm de lâmina, referida no ponto 3 a) dos mesmos factos, da faca artesanal com 61 cm de lâmina, referida no ponto 3 b) dos mesmos factos, e da pistola IMBEL nº 36425, referida no ponto 14 da acusação de fls. 200 a 204, e;

Determinam que a 1ª instância proceda à notificação do arguido e do capitão C..., identificado a fls. 168, nos termos e para os efeitos assinalados nos pontos 3.2., 3.3., e 3.4., que antecedem, decidindo-se, depois, em conformidade. 

            B) Confirmam, quanto ao mais, o acórdão recorrido.



            C) Recurso sem tributação, atento o parcial provimento (art. 513º, nº 1, do C. Processo Penal).


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 (Heitor Vasques Osório - Relator)

 (Fernando Chaves)