Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6-B/1992.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: PROPRIEDADE
USUCAPIÃO. INVERSÃO DO TITULO DE POSSE
FRACCIONAMENTO DA PROPRIEDADE RÚSTICA
ALTERAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T. J. POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 1260, 1262, 1265, 1287, 1376, 1406 CC, 659 Nº3, 690-A Nº1 B), 712 Nº1 A) CPC
Sumário: 1.- A resposta do tribunal de 1ª instância a matéria da base instrutória que vai contra facto admitido por acordo das partes, enferma de erro, e impõe a alteração da matéria de facto pelo tribunal da Relação, nos termos do artº 659 nº 3 do C.P.C., tratando-se de facto subtraído à livre apreciação do juiz.

2.- Não fazendo a Recorrente a correspondência de cada um dos factos que impugna, num total de 14 pontos de facto, com os meios probatórios que, no seu entender, impõem diferente resposta por parte do tribunal, não cumpre o ónus imposto pelo artº 690-A nº 1 b) do C.P.C., o que determina a rejeição do recurso da matéria de facto no que a tal matéria respeita.

3.- Não é necessária a inversão do título da posse, nos termos do artº 1406 nº 2 do C.Civil, tendo ocorrido a divisão dos prédios, há mais de 30 anos e sendo a actuação dos RR., como proprietários exclusivos de uma parcela dividida dos mesmos, situação que já se verificava, à data da sentença da partilha proferida no processo de inventário (que só formalmente determinou a compropriedade) e continuou a verificar-se a partir daí, nunca os RR. tendo actuado como comproprietários.

4.- A limitação ao fraccionamento prevista no artº 1376 do C.Civil não se impõe no caso da aquisição da propriedade por usucapião.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

AC (…) e CM (…), intentaram a presente acção especial de divisão de coisa comum contra JM (…) e JF (…), na qualidade de únicos e universais herdeiros de DJ (…) e AF (…), MH (…)  e FC (…), OF (…) e CM (…), MF (…) e MC (…), PM (…) e MP (…), alegando, em síntese, que em processo de inventário que correu termos neste Tribunal lhes foram adjudicados 8 prédios, em comunhão com os Réus, nas proporções assinaladas na petição, não podendo os mesmos, atenta a sua natureza e áreas, ser divididos em substância. Terminam pedindo que se proceda à adjudicação ou venda de tais prédios.

            Os RR. foram citados. Apresentaram os Réus (…) a sua contestação, arguindo a excepção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu MP (…) a excepção dilatória de ilegitimidade passiva dos Réus JM (…) e JF (…) aduzindo ainda que os prédios identificados pelos Autores se encontram delimitados desde 1981, por marcos cravejados no solo, colocados por acordo entre todos os herdeiros de (…), pais e sogros de Autores e Réus, ainda em vida daqueles, tendo as partes passado a usufruir das respectivas parcelas, à vista de toda a gente, sem interrupção e sem oposição, com a convicção de serem donos de cada um desses prédios, distintos do prédio mãe, tendo-os adquirido por usucapião. Concluem pela procedência das excepções dilatórias invocadas e pela improcedência da acção, peticionando ainda a condenação dos Autores como litigantes de má fé.

            Foram seguidos os termos subsequentes à contestação, do processo comum, adequados à forma de processo sumário. Os Autores apresentaram a sua resposta, tendo requerido a intervenção principal provocada de AM (…), impugnando os factos invocados pelos Réus relativamente à ilegitimidade passiva de (…).. Pugnaram pela improcedência da excepção dilatória de ilegitimidade dos Réus (…), assim como pela condenação dos Réus em multa e indemnização por litigarem de má fé.

Por decisão de 11 de Abril de 2006 foi admitida a intervenção principal provocada, como Ré, de AM (…).

Por sentença de 7 de Maio de 2009 proferida no Apenso C, foi julgado procedente o incidente de habilitação de herdeiros intentado pela Autora (…) contra os Réus e, em consequência, aquela foi habilitada para, em substituição do Autor (…), com ela prosseguir a acção principal.

            Por sentença de 6 de Outubro de 2009, proferida no Apenso D, foi julgado procedente o incidente de habilitação de herdeiros intentado pela Autora (…) contra os Réus e, em consequência, (…) foi habilitado para, em substituição do Réu (…), com aquele ser prosseguida a acção principal

Por decisão de 12 de Junho de 2010, foi admitida a intervenção principal provocada, como Réus, de SN (…) e CS (…).

            Os chamados SN (…) e CS (..) intervieram no processo, tendo feito seu o articulado oferecido pelos Réus.

            Foi proferido despacho saneador, no qual foi afirmada a validade e a regularidade da instância, tendo sido organizada a matéria de facto assente e a base instrutória.

Por sentença de 9 de Maio de 2012, já transitada em julgado, foi homologada a desistência da instância, na parte referente aos prédios das alíneas D) e G) da matéria assente, tendo nessa parte sido declarado cessado o processo.

            Por sentença de 17 de Dezembro de 2012, já transitada em julgado, foi homologada a desistência da instância, na parte referente aos prédios das alíneas A) e J) da matéria assente, tendo nessa parte sido declarado cessado o processo.

            Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com respeito pelo formalismo legal, tendo a matéria de facto sido respondida por despacho que não foi objecto de reclamação.

            Foi proferida sentença que julgou a acção improcendente, absolvendo os RR. do pedido.

            Não se conformando com a sentença proferida vem a A. CM (…) interpor recurso de apelação de tal decisão, apresentando as seguintes conclusões:

1) A matéria de facto constante das alíneas ii) a xx) deverá ser dada como não provada.

2) Os depoimentos de parte e declarações das testemunhas estão gravados.

3) De toda a prova assim produzida resulta que nenhum prédio foi dividido, pois nunca houve acordo.

4) Os próprios contestantes excluem da divisão o prédio identificado sob a letra l) da matéria assente e identificado sob o nº 8 do artigo 1º da P.I.

5) As testemunhas apenas referem o prédio denominado V (...), mas mesmo quanto a tal as versões são divergentes, além de serem filha e genro dos demandados (…)

6) Também nenhuma testemunha referiu ter assistido à colocação dos marcos, dizendo apenas que lá estão, não sabendo quem os lá colocou.

7) As testemunhas referiram apenas alguns actos de posse em tal prédio, por alguns comproprietários, mas tal resulta dos seus direitos como tal.

8) Mesmo que alguma vez tivesse existido divisão dos prédios, o que, como já se referiu não ocorreu, por falta de acordo, tal divisão sempre seria nula e de nenhum efeito (artigo 1376º do C. Civil).

9) Por outro lado, o uso da coisa comum por um ou mais comproprietários, não constitui posse exclusiva de quota superiores às deles, salvo se tiver existido inversão do título da posse (artigo 1406º do C. Civil e Acórdão da R. C. de 27 de Março de 2012 C 7 nº 237, Tomo II 2012, pág. 299).

10) A inversão do título da posse pode ocorrer nas situações previstas no artigo 1265º do C. Civil.

11) No caso dos autos, nenhum dos demandados, alegou qualquer factualidade, neste sentido.

12) Para existir uma divisão válida, teriam de todos os comproprietários acordar na mesma (neste sentido o Acórdão supra referido).

13) Mas para que a situação de compropriedade cessasse, cada um dos comproprietários teria de alegar e provar uma forma originária de aquisição sobre a sua parcela resultante da divisão.

14) Situação que não ocorreu nos presentes autos, pois só tem legitimidade para tal aquele que invoca a sua qualidade de proprietário exclusivo da parcela resultante da divisão.

15) A D. Sentença ora recorrida faz errada aplicação da lei, violando o disposto nos artigos 1406º, 1376º e 280º nº 1 do C. Civil e artigos 7º e 17º do C. Registo Predial.

Os RR. não apresentaram contra-alegações.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.

- do erro na decisão da matéria de facto reflectido nos factos que foram considerados provados e que constam das alíneas ii) a xx) da sentença recorrida;

- da inexistência de compropriedade sobre os prédios por divisão e usucapião.

III. Fundamentação de facto

São os seguintes os factos que foram considerados provados na 1ª instância (com a correcção da resposta aos artº 1º a 12º, 22º e 24º a 34º da base instrutória que se reportam ao prédio identificado em l) da matéria assente e aditando um ponto aos factos provados, na sequência da avaliação feita por este tribunal):

a) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o n.º 5679/20050314, um prédio rústico sito em F (...), freguesia de A (...), composto por terra de cultura e mato, com a área total de 2 970 m2, a confrontar do norte com herdeiros de JG (...), do sul com ribeiro, do nascente com AG (...) e do poente com JF (...), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 5445.º.

b) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o n.º 5680/20050314, um prédio rústico sito em V (...), freguesia de A (...), composto por terra com mato e pinheiros, com a área total de 2 800 m2, a confrontar do norte com JB (...), do sul com JC (...), do nascente com JF (...) e do poente com AS (...), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 5915.º.

c) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o n.º 5681/20050314, um prédio rústico sito em L (...) freguesia de A (...), composto por terra com oliveiras, estacas e figueira, com a área total de 1 390 m2, a confrontar do norte e poente com caminho, do sul com DF (...) e do nascente com JP (...), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 6285.º.

d) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o n.º 4994/20011227, um prédio rústico sito em C (...), freguesia de A (...), composto por terra com oliveiras, estacas, figueiras, mato, pinheiros e medronheiros, com a área total de 10 000 m2, a confrontar do norte com MR(...), do sul com A (...), do nascente com JB (...) e do poente com AS (...), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 6394.º.

e) A aquisição do prédio descrito em d), na proporção de ¼, encontra-se registada a favor do chamado SN (…), mediante “compra” a (…) e aos Réus JM (…) e JM (…), mediante a respectiva ap. 8 de 2004/06/17.

f) A aquisição do prédio descrito em d), também na proporção de ¼, encontra-se registada a favor do Autor AC (…), mediante “partilha judicial” decorrente dos óbitos de (…), mediante a respectiva ap. 11 de 2005/10/28.

g) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o n.º 5682/20050314, um prédio rústico sito em R (...), freguesia de A (...), composto por terra de semeadura com oliveiras, mato, pinheiros e medronheiros, com a área total de 2 630 m2, a confrontar do norte com MS(...), do sul com MR(...), do nascente com JB (...) e do poente com JF (...), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 6396.º.

h) A aquisição do prédio descrito em g), na proporção de ¼, encontra-se registada a favor do Autor AC (…) mediante “partilha judicial” decorrente dos óbitos de (…), mediante a respectiva ap. 11 de 2005/10/28.

i) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o n.º 5683/20050314, um prédio rústico sito em AV (...), freguesia de A (...), composto por terra de cultura com oliveiras, com a área total de 1 250 m2, a confrontar do norte com AB (...), do sul com AM (...), do nascente com VF (...) e do poente com JG (...), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 6798.º.

j) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o n.º 5684/20050314, um prédio rústico sito em F (...), freguesia de A (...), composto por terra com mato e pinheiros, com a área total de 3 920 m2, a confrontar do norte com ribeiro, do sul com LJ (...), do nascente com JJ (...) e do poente com AF (...), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 9428.º.

l) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o n.º 5011/20020125, um prédio urbano sito em PV (...), freguesia de A (...), composto por casa de habitação, dependência e terreno anexo, com a área coberta de 140 m2 e descoberta de 40 m2, a confrontar do norte com caminho e do sul, nascente e poente com herdeiros de AF (...), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1231.º.

m) DJ (…) faleceu no dia 17 de Dezembro de 2002, no estado de casada com AF (…)

n) AF (…) faleceu no dia 1 de Julho de 2004, no estado de viúvo de DJ (…)

o) O Réu JM (…) nasceu no dia 29 de Outubro de 1993, sendo filho de AF (…) e DJ (…)

p) JF (…) faleceu no dia 16 de Dezembro de 2008, filho de AF (…) e DJ (…)

q) Por sentença de 23 de Junho de 1995, já transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo de Inventário n.º 6/1992, a que os presentes autos se encontram apensos, que correu termos neste Tribunal e Juízo por óbito de (…), foi homologada o mapa de partilha constante de fls. 89 a 90 do referido processo, tendo sido adjudicados aos interessados os bens que lhes ficaram a caber em preenchimento dos respectivos quinhões.

r) Assim, os prédios identificados em a), b) e j) foram adjudicados na proporção de ¼ para o falecido AC (…), de ¼ para o falecido AF (…) e de ¼ para cada um dos Réus PM (…) e MH (…).

s) Por sua vez, os prédios identificados em c) e l) foram adjudicados na proporção de ¼ para o falecido Autor AC (…), de ¼ para o falecido AF (…) e de ¼ para cada um dos Réus OF (…) e NH (…)

t) Os prédios identificados em d) e g) foram adjudicados na proporção de ¼ para o falecido Autor AC (…), de ¼ para o falecido AF (...), de ¼ para a Ré MH (…) e de 1/8 para cada uma das Rés MF (…) e OF (…).

u) O prédio identificado em i) foi adjudicado na proporção de ½ para o falecido Autor AC (…) e de ½ para o Réu MP (…).

v) No dia 10 de Maio de 2004, no Cartório Notarial de Ansião, foi outorgada a escritura a que se reporta o documento de fls. 87 a 90, com o título “Compra e Venda”, da qual consta, designadamente, que os falecidos AF (…) e JF (…)e o Réu JM (…), “vendem ao segundo outorgante…”, o chamado SN (…) que declarou aceitar, “…pelo preço de QUINZE MIL EUROS que dele já

receberam, UMA QUARTA PARTE de um prédio rústico composto por terra com oliveiras, estacas, figueiras, mato, pinheiros e medronheiros com a área de dez mil metros quadrados sito no C (...), dita freguesia de A (...), inscrito na matriz respectiva sob o artigo 6.394 (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o número quatro mil novecentos e noventa e quatro da freguesia de A (...)”, mencionado em D).

x) No dia 8 de Abril de 2008, no Cartório Notarial de Ansião, foi outorgada a escritura a que se reporta o documento de fls. 192 a 195, com o título “Compra e Venda”, da qual consta, designadamente, que o falecido AC (…) e a Autora CM (…), “VENDEM à segunda outorgante…”, a chamada CS (…) que declarou aceitar, “…pelo preço total de DEZ MIL EUROS que dela já recebeu, os imóveis seguintes situados na dita freguesia de A (...) (…): “UMA QUARTA PARTE de um prédio rústico composto por terra com oliveiras, estacas, figueiras, mato, pinheiros e medronheiros com a área de dez mil metros quadrados sito no C (...), inscrito na matriz respectiva sob o artigo 6.394 (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o número quatro mil novecentos e noventa e quatro da freguesia de A (...)”, mencionado em d); e “UMA QUARTA PARTE de um prédio rústico composto por terra de semeadura com oliveiras, mato, pinheiros e medronheiros com a área de dois mil seiscentos e trinta metros quadrados sito no R (...), inscrito na matriz respectiva sob o artigo 6.396 (…), descrito na dita Conservatória sob o número cinco mil seiscentos e oitenta e dois da freguesia de A (...)”, mencionado em g)

z) MF (…)  e IM (…), por óbito de quem correu termos neste Tribunal e Juízo o Processo de Inventário n.º 6/1992, lavraram e cavaram os prédios identificados em b), c), i e l).

aa) Tendo neles plantado milho, trigo, couves, batatas, adubado, estrumado, roçado mato e colhido frutos.

bb) Tendo habitado a casa mencionada em l), nela dormido, confeccionado, tomado refeições e recebido amigos e familiares.

cc) Tudo durante mais de trinta anos.

dd) À vista da generalidade das pessoas residentes nas imediações e por quem quer que fosse.

ee) Ano a ano, dia a dia, sempre que o entenderam, sem qualquer intervalo no tempo.

ff) Sem violência, quer de início, quer posteriormente.

gg) Sem oposição de quem quer que fosse.

hh) Agindo os falecidos MF (…) e IM (…)convictos que exerciam poderes próprios e que os seus actos não lesavam outrem.

ii) Há mais de 20 anos que os prédios identificados em b), c) e i) divididos e delimitados entre si por marcos cravejados no solo.

jj) Tendo os marcos sido colocados por acordo entre alguns dos herdeiros de MF (…) e IM (…)e em vida destes, nomeadamente os falecidos (…), assim como com o falecido (…).

ll) Há pelo menos 30 anos que o prédio identificado em b) se encontra separado em 4 partes: uma do lado sul que coube a AF (…), a seguir a que coube a PM (…), a seguir a que coube a AF (…) e a do lado norte que coube a MH (…).

mm) Há pelo menos 30 anos que o prédio identificado em c) se encontra separado em 4 partes: uma que coube a AF (…), outra que coube a AF (…) outra à Ré MH (…) e a outra à Ré OF (…).

nn) eliminado

oo) Há pelo menos 30 anos que o prédio identificado em i) se encontra separado em 2 partes: uma que coube ao Réu MP (…) e a outra que coube a AF (…).

pp) Os sujeitos identificados em ll), mm) e oo) plantaram e cortaram pinheiros e eucaliptos, extraíram resina e colheram o mato nas partes que lhes couberam.

qq) Avivaram ainda as estremas.

rr) Semearam e colheram couves, nabos, nabiças, beterrabas, milho, alfaces e tomates.

ss) Limparam as oliveiras e colheram a respectiva azeitona.

tt) Podaram a vinha e colheram as uvas.

uu) O que sempre fizeram à vista de toda a gente e uns dos outros.

vv) Dia após dia e sem qualquer interrupção.

xx) Convictos de que estavam a exercer poderes próprios.

zz) A Autora não aceita qualquer divisão, bem como nunca colocou qualquer marco, por falta de acordo quanto ao modo de dividir.

aaa) O prédio referido em l) não se encontra dividido. (aditado).

IV. Razões de Direito

- do erro na decisão da matéria de facto reflectido nos factos que foram considerados provados e que constam das alíneas ii) a xx) da sentença recorrida.

O recurso da matéria de facto da Recorrente desdobra-se em dois pontos distintos que se apreciarão separadamente.

Por um lado, vem a Recorrente impugnar a decisão da matéria de facto no que se refere aos pontos ii) a xx) dos factos provados, que a mesma entende deverem ser considerados não provados, em face da prova produzida nos autos.

Por outro lado, vem a mesma dizer que são os próprios requeridos que, na sua contestação referem que o prédio identificado sob o nº 8 na petição inicial não foi dividido. E que, só por lapso, é que pode ter considerado ter havido divisão de tal prédio.

Começando por apreciar esta última questão, desde já se verifica que a Recorrente tem razão quanto a ela.

Senão vejamos.

Está em causa o prédio identificado pelos Requerentes no artº 1º da petição inicial sob o nº 8: “Casa de habitação de pedra e cal antiga em mau estado, sita no lugar de PV (...), freguesia de A (...), com a área de 100 m2, uma dependência com 40 m2 e logradouro com 40 m2, a confrontar de norte com caminho, de nascente, sul e poente com o próprio, inscrito na matriz sob o artº 1231.”

Os Requeridos, na contestação que apresentam referem e aceitam que o prédio identificado sob o nº 8 no artº 1º da petição inicial não foi dividido.

Pronunciam-se sobre tal prédio nos artº 27º, 31º e 60º da contestação, do que resulta a admissão de que tal imóvel não foi objecto de divisão.

Aí referem em concreto:

Artº 27: “Os prédios em questão, com excepção do identificado em 8) do artº 1º da p.i., há mais de 24 anos que se encontram separados nas seguintes partes iguais…”

Artº 31: “E desde essa data até ao presente, com excepção do prédio urbano referido em 8) do artº 1º da p.i. que cada um deles, na parte que lhe foi adjudicada, tem possuído, em nome próprio, as suas parcelas e sobre elas tem exercido todos os actos materiais que caracterizam a posse.”

Artº 60: “Pelo que, face às razões de facto e de direito que vêm de ser expostas, os ora AA. carecem de causa de pedir em tudo quanto exceda o prédio urbano identificado no nº 8 do artº 1º da p.i, uma vez que relativamente a todos os outros não se verifica a situação de compropriedade.”

Constata-se assim que os Requeridos põem em causa a existência de compropriedade relativamente a todos os imóveis cuja divisão é peticionada pelos Requerentes, com excepção do imóvel a que se reporta o nº 8 do artº 1º da p.i. relativamente ao qual admitem que não houve divisão.

Tal imóvel é o que está identificado na alínea dos l) dos factos assentes. Ora, considerando o acordo das partes quanto ao facto do imóvel em causa não estar dividido, nem invocando os Requeridos quanto a ele a aquisição de parte do mesmo por usucapião, como fazem relativamente aos restantes imóveis cuja divisão é peticionada, já se vê que as respostas do tribunal à matéria da base instrutória que vai contra aquele facto enfermam de erro, por irem contra facto admitido por acordo, factos estes que devem ser considerados pelo tribunal, conforme estabelece o artº 659 nº 3 do C.P.C., estando subtraídos à livre apreciação do juiz (aliás, em face do acordo das partes e da alegação dos Requeridos, os factos relacionados com tal imóvel que constam da base instrutória- o que só poderá ter acontecido por lapso-  carecem de suporte, por não terem sido invocados).

A apreciação desta questão de facto está aliás no âmbito do conhecimento oficioso deste tribunal, atento o disposto no artº 712 nº 1 b) do C.P.C. que permite que a Relação altere a matéria de facto decidida pelo tribunal de 1ª instância quando, entre outros casos, os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (referida al. b)).

Os factos relativos ao prédio identificado na alínea l) têm de ser tidos como assentes, atento o acordo das partes e o disposto no artº 490 nº 2 do C.P.C., que a propósito do ónus de impugnação, dispõe que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível a confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito. Tal acordo das partes tem força vinculativa que, no caso, não foi respeitada pelo tribunal de 1ª instância. Os elementos fornecidos pelo processo impõem, desta forma, decisão diversa quanto aos factos relacionados com o prédio em questão.

Nestes termos, impõe-se a alteração da decisão de facto, de forma a considerar os factos aceites pelas partes quanto ao prédio identificado na al. l) da matéria assentes, nos seguintes termos:

- adita-se um novo facto, no sentido de que tal prédio não se encontra dividido (facto admitido por acordo), nos termos do disposto no artº 713 nº 2 e 659 nº 3 do C.P.C.;

- altera-se a resposta do tribunal aos artigos da base instrutória que se reportam ao prédio em causa e que contrariam tal facto, delas eliminando a referência ao imóvel identificado e que consta da al. l) da matéria assente que, nessa parte, não podem ser considerados provados por serem contraditórios com o acordo das partes. Estão nesta situação os artº 1º a 12º, 22º e 24º a 34º da base instrutória que se reportam também ao prédio identificado em l).

Vejamos agora a impugnação da matéria de facto que a Recorrente faz, invocando que, face à prova produzida nos autos, não podia ter sido considerada provada a matéria de facto que consta das al. ii) a xx) da sentença proferida.

No caso e por se tratar de acção intentada antes de 1 de Janeiro de 2008 e tendo sido a decisão sob recurso proferida antes de 1 de Setembro de 2013, há que ter em conta que o regime de recursos que se aplica é o anterior ao Decreto Lei 303/2007 de 24 de Agosto.

Nos termos do nº 1 do artigo 712º do Cód. Proc. Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º- A, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Por seu turno, o artº 690- A impunha um ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo que, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, deve o Recorrente especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

O nº 2 deste artigo acrescenta que: “No caso previsto na alínea b) do artigo anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado em acta, nos termos do disposto no nº 2 do artº 522- C.

Verifica-se, contudo, que a Recorrente nas suas alegações de recurso apresentadas não dá cumprimento ao disposto no artº 690- A nº 1 b) e nº 2 do CPC, o que constitui um obstáculo à reapreciação da matéria de facto que foi objecto de impugnação e que implica, nos termos da norma mencionada, a rejeição do mesmo, no que à impugnação da matéria de facto se refere.

Senão vejamos.

Refere a Recorrente que não pode aceitar a matéria de facto constante das alíneas ii) a xx) da sentença por todos os depoimentos prestados levarem a conclusão diversa, já que as testemunhas referiram que não houve acordo quanto à divisão dos prédios. Procede à identificação dos depoimentos das testemunhas que identifica e transcreve em pequenos trechos, para concluir: “Temos pois que nunca houve acordo quanto à divisão pelo que nunca alguém poderá invocar que está convicto que exerce direito próprio.”

Constata-se que o que a Recorrente pretende é que dos depoimentos das testemunhas ouvidas se retire a conclusão de que não houve acordo na divisão dos prédios.

Esta questão suscita-nos duas apreciações. Uma meramente formal e uma substantiva.

Quanto à primeira, o que se constata é que a Recorrente não faz a correspondência de cada um dos factos que impugna com os meios probatórios que, no seu entender, impõem diferente resposta por parte deste tribunal. A Recorrente impugna os factos constantes das alíneas ii) a xx) da sentença, num total de 14 pontos de facto e depois não faz qualquer correspondência dos depoimentos de cada uma das testemunhas que invoca, com cada um daqueles factos, cuja resposta pretende ver alterada. Antes se limita a invocar os depoimentos, transcrevendo pequenos excertos dos mesmos (na parte que se refere à divisão dos prédios, acordo e colocação de marcos) concluindo que não houve acordo quanto à divisão dos prédios. Atenta tal falta de correspondência de cada um dos factos com os meios probatórios referidos, não é possível avaliar em que medida é que os mesmos podem ser considerados incorrectamente julgados, com fundamento naqueles.

Quanto à segunda, verifica-se que o tribunal “a quo” também considerou, conforme pretende a Recorrente, que não houve acordo de todos os herdeiros na divisão dos prédios. Isso resulta, desde logo, do facto que resultou provado e que consta da al. zz) da sentença e que dispõe que: “A Autora não aceitou qualquer divisão, bem como nunca colocou qualquer marco, por falta de acordo quanto ao modo de dividir.”

Por outro lado, também os artigos da base instrutória que se referiam à existência do alegado acordo entre todos os herdeiros mereceram resposta restritiva por parte do tribunal “a quo”. Na resposta ao artº 11º foi apenas dado como assente a existência de acordo só por alguns dos herdeiros; e o 31º que perguntava se não havia oposição de quem quer que fosse, inclusive dos AA., resultou não provado.

Isto para dizer que o tribunal “a quo” parece ter concluído nos termos pretendidos pela Recorrente: que não houve acordo de todos os herdeiros à divisão dos prédios.

Em face do que fica exposto e uma vez que a Recorrente não cumpre o ónus estabelecido no artº 690- A nº 1 b) do C.P.C., pois não refere os concretos meios probatórios que constam do processo e que determinam decisão diferente com referência a cada um dos factos que pretende ver alterados, impõe-se a rejeição do recurso no que à matéria de facto em causa respeita.

- da inexistência de compropriedade sobre os prédios por divisão e usucapião.

Começa a Recorrente por referir que, pelo facto de nunca ter havido o acordo de todos na divisão, não pode falar-se de uma divisão válida e eficaz capaz de levar à extinção da compropriedade.

Contrariamente ao que parece fazer crer a Recorrente, o reconhecimento da divisão dos prédios e do direito de propriedade autonomizado de cada um dos “consortes” sobre uma parcela dos prédios não se funda na existência de qualquer acordo unânime das partes na divisão dos mesmos, que aliás o tribunal considerou não ter existido, pelo menos da parte da A.

Pelo contrário, o que resulta da sentença sob recurso é a aquisição do direito de propriedade de cada um dos RR. sobre uma parte delimitada de cada um dos terrenos, por usucapião.

Senão vejamos.

O artº 1287 do C.Civil dá-nos a noção de usucapião, ao referir que: “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação.” Acrescenta o artº 1288 que, invocada a usucapião, os seus efeitos, retrotraem-se à data da posse.

            Temos assim que, de acordo com tal norma, o direito de aquisição da propriedade de imóvel por usucapião faz-se através da posse ininterrupta, pública e pacífica, e com o decurso do tempo.

            O prazo para aquisição pode variar, consoante a posse tenha sido titulada ou não titulada, com registo ou sem registo, de boa ou de má fé.

            A pose titulada, de acordo com o artº 1259 nº 1 do C.Civil é aquela que se funda em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer o direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico, tendo a sua existência que ser provada por quem a invoca, nos termos do nº 2.

Diz-se que a posse é de boa fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava direitos de outrem, conforme o disposto no artº 1260 nº 1 do C.Civil, acrescentando o nº 2 que a posse titulada se presume de boa fé e a não titulada de má fé.

Tal como nos dizem Pires de Lima e Antunes Varela, in. Código Civil anotado, Vol III, pág. 5, em anotação ao artº 1251: “A actuação de facto correspondente ao exercício do direito, por parte do possuidor, constitui o corpus da posse. (…) Para que haja posse, é preciso alguma coisa mais do que o simples poder de facto; é preciso que haja por parte do detentor a intenção (animus) de exercer como seu titular, um direito real sobre a coisa, e não um mero poder de facto sobre ela.”

Transpondo estes critérios para o caso concreto, verifica-se que, por parte dos RR. houve não só a prática de actos materiais de posse, correspondentes ao corpus da posse: procederam à divisão dos terrenos, com a colocação de marcos, semearam e colheram na parte que lhes coube, usufruindo da parcela que lhes foi atribuída, fazendo-o à vista de todos, há mais de 30 anos; como também o animus revelando os factos, que os RR. se assumiram nesse período de tempo como proprietários da parcela do terreno que consideravam seu, em face da divisão firmada.

A divisão dos prédios, que resultou provada que foi feita com a colocação de marcos, ainda que sem o acordo de todos, terá adquirido relevância no futuro comportamento dos RR., pois determinou o uso que cada deu aos terrenos após tal divisão, comportando-se como se seus proprietários fossem e levando à sua aquisição por usucapião o que retroage à data da posse. Os factos provados revelam que os RR. há mais de 30 anos que actuam sobre cada uma das parcelas de terreno que passaram a usar após a divisão, como verdadeiros proprietários que se consideravam, de uma forma pública, de acordo com o disposto no artº 1262 do C.Civil porque exercida à vista de toda a gente e de uma forma pacífica por ter sido adquirida sem violência, nos termos do artº 1261 do C.Civil.

É certo que tiveram a oposição dos AA. que nunca aceitaram a divisão, nem colocaram quaisquer marcos, por não estarem de acordo quanto ao modo de dividir, contudo, a relevância da falta do acordo em causa faz-se sentir só para efeitos de qualificar a posse como não titulada e de má fé, apenas com influência no decurso do tempo necessário para a aquisição do direito por usucapião.

A posse dos RR. sobre cada uma das parcelas de terreno, exercida de forma correspondente ao direito de propriedade, atento o lapso de tempo decorrido, mais de 20 anos, permite concluir pela aquisição do direito de propriedade sobre as mesmas por usucapião.

Invoca a Recorrente que, no caso, não houve lugar à inversão do título da posse, nos termos do artº 1265 do C.Civil, o que nem sequer foi alegado pelos RR., condição necessária para que se possa dizer que o uso da coisa comum por parte do comproprietário não constitui posse exclusiva, conforme dispõe o artº 1406 nº 2 do C.Civil. Conclui que, por isso, tem de entender-se que os RR. actuavam como comproprietários.

A propósito do uso da coisa comum, diz-nos o artº 1406 nº 1 do C.Civil que: “Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito” Isto significa que qualquer comproprietário pode usar livremente a coisa, independentemente do valor da sua quota mas o uso da coisa comum por um deles não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título de posse, nos termos dos artigos 1406º, n.º 2; 1265º e 1290º do Código Civil- neste sentido, vd. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2013, in. www.dgsi.pt

Pode ser difícil determinar se a posse que os RR. invocam deve ser considerada como correspondente à posse de comproprietário exercida sobre o terreno indiviso, ou antes à de proprietário individual sobre uma parte determinada do terreno. Para obviar precisamente a essa dificuldade ou a equívocos é que o artº 1406 nº 2 do C.Civil estabelece que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior, salvo se tiver havido inversão do título.

A inversão do título da posse, nos termos do artº 1265 do C.Civil, pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse. Tal como nos dizem Pires de Lima e Antunes Varela, in. Código Civil Anotado, Vol III, pág. 26: “A inversão do título da posse supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio. A uma situação sem relevo jurídico especial vem substituir-se uma posse com todos os seus requisitos e com todas as consequências legais. (…) Torna-se necessário um acto de oposição contra a pessoa em cujo nome possuía. (…) O detentor há-de tornar directamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía a sua intenção de actuar como titular do direito.”

No caso em presença, é certo, conforme alega a Recorrente, que não resultou provado, nem foi alegado pelos RR. que tenha havido inversão do título da posse. Contudo, o que se constata é que face ao alegado pelos RR. e aos factos provados, a exigência da inversão do título da posse não tem aqui aplicação- em situação similar, vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/01/2008, in. www.dgsi.pt .

É que, os RR. invocam a posse sobre cada uma das parcelas dos terrenos muito anterior à partilha dos bens ocorrida no inventário, em Junho de 1995, e que adjudicou aos herdeiros uma quota dos prédios em questão que formalmente deu origem à compropriedade, o que veio a resultar da discussão da causa.

Os factos provados revelam que, desde há mais de 30 anos que os prédios se encontram separados, tendo os RR. colocado marcos a dividi-los e desde aí actuando como proprietários, respectivamente, sobre cada uma das parcelas dos prédios divididos, exercendo a posse correspondente à propriedade individual e não a posse de um comproprietário sobre um imóvel comum. Resulta da matéria apurada que, desde a divisão dos prédios, há mais de 30 anos é assim a actuação dos RR., como proprietários exclusivos de uma parcela dividida dos mesmos, pelo que o início do prazo para a aquisição da propriedade por usucapião retroage a essa data. Esta situação já se verificava, por isso, à data da sentença da partilha proferida no processo de inventário e continuou a verificar-se a partir daí.

Conclui-se assim que, no caso, não há lugar à exigência da inversão do título da posse prevista no artº 1406 nº 2 do C.Civil.

Vejamos agora finalmente se se verifica o obstáculo, suscitado pela Recorrente, à aquisição da propriedade singular de uma parte dos prédios, por força do impedimento relativo ao fracionamento, previsto no artº 1376 do C.Civil.

Entendeu a este propósito a sentença sob recurso que a indivisibilidade prevista no nº 1 desta norma não é absoluta e que, sendo a usucapião uma forma de aquisição originária da propriedade e não de transmissão, rompe com as limitações legais que tenham a coisa possuída como objecto.

Tem vindo a ser considerado pela nossa jurisprudência de forma dominante, que a limitação ao fracionamento não se impõe no caso da aquisição da propriedade por usucapião. Neste sentido, pronunciaram-se, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/09/2006 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/09/2009, ambos in. www.dgsi.pt referindo-se neste último, com citação de mais jurisprudência, o seguinte: “Ora a jurisprudência tem entendido que sendo a usucapião uma forma de aquisição originária de propriedade, não deve ela ser condicionada por limitações ao direito de propriedade que antes dela e independentemente dela oneravam a propriedade.”

Também Pires de Lima e Antunes Varela se manifestam neste sentido, in. Código Civil anotado, Vol. III, pág. 269, onde referem: “se, através de um negócio jurídico nulo (v.g., por falta de forma) se realizar um fraccionamento ou uma troca contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º, e se, na sequência disso, se constituírem as situações possessórias correspondentes, aqueles preceitos não obstam a que estas situações se consolidem por usucapião, logo que se verifiquem todos os requisitos legais.”

Esta interpretação, com a qual se concorda, e seguida também na decisão recorrida, encontra a sua razão de ser, por um lado, no facto do direito de propriedade proporcionar ao seu titular, de modo pleno e exclusivo, o uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence, conforme resulta do artº 1305 do C.Civil e por outro lado na protecção conferida ao direito adquirido com base na posse exercida no decurso de longo tempo decorrido. A usucapião faz com que a coisa passe para a esfera jurídica do adquirente com as mesmas características da posse que, durante certo lapso de tempo exerceu sobre ela, não estando tal direito que se constituiu no decurso de longos anos limitado por uma norma genérica de limite de emparcelamento.

Assim, ao regime da usucapião não se aplica a norma limitativa do emparcelamento dos terrenos, prevista no artº 1376 do Civil, que desta forma não constitui obstáculo à aquisição do direito de propriedade por essa via.

Importa finalmente referir que a presunção de compropriedade resultante do registo e estabelecida pelo artº 7º do C. Registo Predial, resultou ilidida em face dos factos provados.

A posse dos RR. sobre cada uma das parcelas de terreno, exercida de forma correspondente ao direito de propriedade, atento o lapso de tempo decorrido, permite concluir pela aquisição do direito de propriedade sobre as mesmas por usucapião, tendo ficado assim ilidida a presunção de compropriedade resultante do registo relativamente aos prédios identificados nas alíneas b), c) e i) da sentença recorrida.

V. Sumário

1. A resposta do tribunal de 1ª instância a matéria da base instrutória que vai contra facto admitido por acordo das partes, enferma de erro, e impõe a alteração da matéria de facto pelo tribunal da Relação, nos termos do artº 659 nº 3 do C.P.C., tratando-se de facto subtraído à livre apreciação do juiz.

2. Não fazendo a Recorrente a correspondência de cada um dos factos que impugna, num total de 14 pontos de facto, com os meios probatórios que, no seu entender, impõem diferente resposta por parte do tribunal, não cumpre o ónus imposto pelo artº 690-A nº 1 b) do C.P.C., o que determina a rejeição do recurso da matéria de facto no que a tal matéria respeita.

3. Não é necessária a inversão do título da posse, nos termos do artº 1406 nº 2 do C.Civil, tendo ocorrido a divisão dos prédios, há mais de 30 anos e sendo a actuação dos RR., como proprietários exclusivos de uma parcela dividida dos mesmos, situação que já se verificava, à data da sentença da partilha proferida no processo de inventário (que só formalmente determinou a compropriedade) e continuou a verificar-se a partir daí, nunca os RR. tendo actuado como comproprietários.

4. A limitação ao fracionamento prevista no artº 1376 do C.Civil não se impõe no caso da aquisição da propriedade por usucapião.

VI.  Decisão:

Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela A., revogando-se em parte a sentença recorrida no que se refere ao prédio identificado na alínea l) da mesma e relativamente ao qual os autos devem prosseguir nos termos legais, o que se determina, mantendo-se no mais o decidido.

Custas por A. e RR. na proporção do decaimento.

Notifique.

                                                           *

                                               Coimbra, 18 de Fevereiro de 2014

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                               Fernando Monteiro (1º adjunto)

                                               Luís Cravo (2º adjunto)