Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1818/17.0T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: AVAL – SEU CONTEÚDO OBRIGACIONAL.
MEIOS DE DEFESA DO AVALISTA
Data do Acordão: 11/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE COIMBRA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 7º E 32º DA LULL
Sumário:
a) A obrigação cambiária do avalista consubstancia uma garantia autónoma, cuja extensão e conteúdo se afere pela obrigação do avalizado (arts.7º e 32º LULL), mas não assume a mesma figura cambiária deste.

b) Pelo aval constituem-se dois grupos de relações: as do portador com o avalista e as do avalista com o avalizado e obrigados precedentes.

c) O avalista não pode opor, como o fiador, os meios pessoais de defesa do devedor principal contra o portador, as excepções pessoais nos termos do art. 17º LULL, já que de contrário seria negar a natureza do aval, como acto cambiário abstracto.

d) Ao avalista apenas é lícito opor as excepções derivadas da relação causal existente entre si e o portador, nos termos gerais do direito cambiário.

e) Sendo a obrigação do avalista autónoma, em princípio não pode defender-se com as excepções do avalizado atinentes à relação subjacente, salvo quanto ao pagamento, porque o avalista presta uma garantia à obrigação cambiária do avalizado e não directamente à obrigação causal subjacente.

f) Porém, o avalista está legitimado a excepcionar o preenchimento abusivo se ele próprio interveio no pacto de preenchimento, cabendo-lhe o respectivo ónus de alegação e prova por se tratar de excepção material.

g) O avalista presta uma garantia à obrigação cambiária do avalizado e não directamente à obrigação causal subjacente.

Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 1818/17.0T8CBR-A.C1
( 3ª Secção Cível)
Relator – Jorge Arcanjo
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO
1.1.- O exequente – Banco B..., SA – instaurou acção executiva, para pagamento de quantia certa, contra os executados – M... e P...
Com base em duas livranças subscritas por E... e avalizadas pelos executados, reclamou o pagamento da quantia de €36.805,35.
1.2. – Os executados deduziram oposição à execução por embargos de executado contra o exequente, alegando, em resumo:
Impugnam a genuinidade do título executivo, negando a autoria das assinaturas.
Aquando da celebração dos contratos de crédito ao consumidor com E..., nos quais os embargantes assumiram a qualidade de fiadores, não lhe foi entregue cópia, o que implica a nulidade dos contratos.
A obrigação não se mostra líquida e exigível, porque tendo o crédito do exequente sido reconhecido no processo de insolvência de E..., desconhecem qual o montante que já foi satisfeito.
Os executados desconhecem os critérios de preenchimento da livrança, sendo que não comunicou nem informou das cláusulas contratuais gerais inerentes ao contrato de crédito ao consumo.
A obrigação é inoponível, porque os executados assumiram a qualidade de fiadores.
O exequente/embargado contestou defendendo-se, em síntese, por impugnação.
1.3.- No saneador julgou-se improcedentes as excepções arguidas considerando a obrigação certa, líquida e exigível.
1.4.- Realizada audiência de julgamento, foi proferida (11/2/2018) sentença a julgar improcedentes os embargos de executado.
1.5.- Inconformados, os embargantes recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:
1)Houve erro de julgamento quanto aos factos 4, 8 a 39, 43 a 44, 53, 54, 57.
2)Estando perante contratos de adesão, dá-se a inversão do ónus da prova, para efeitos do art.1 nº3 do DL nº446/85, de 25/10, que estabelece que o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.
3)Foram violados os arts.5 e 590 CPC porque se decidiu que sobre os embargantes impendia o ónus de alegar as cláusulas que lhes foram comunicadas.
4) A sentença violou os arts. 5ºdo DL 446/85 e 590º do CPC

O exequente contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O objecto do recurso
A impugnação de facto;
A responsabilidade dos executados/embargantes.
2.2. Os factos provados (descritos na sentença)
1. A exequente “Banco B..., S.A.” é portador de duas livranças no valor de €8.158,27 euros e de €26.997,72 euros, com data de emissão em 06-01-2016 e com vencimento em 21-01-2016, respectivamente (cfr. dois originais juntos aos autos executivos).
2. As referidas livranças têm apostas no verso os dizeres seguintes: “Dou o meu aval ao subscritor” e uma assinatura manuscrita com o nome “P...” e “M...” (v. originais juntos ao processo principal).
3. As duas livranças não foram pagas.
4. As assinaturas apostas no verso dos originais das duas livranças juntas ao processo principal foram apostas pelo punho do executado/embargante P... e pelo punho da executada/embargante M...
5. O embargante P... é marido da embargante M...
6. E é irmão de E..., subscritor das duas livranças.
7. Em 18 de Junho de 2013, a solicitação do referido E..., foi celebrado contrato de mútuo, por via do qual aquele recebeu efectivamente e mobilizou em seu proveito a quantia de 7.561,02 €.
8. A taxa de juro aplicável à remuneração do empréstimo concedido era variável, correspondendo a euribor a 3 meses, acrescida de 7,5%, sendo a TAEG de 8,6%, a Taxa anual nominal de 7,701% (Cfr. doc. 4).
9. O montante total imputado ao referido mutuário era de 10 279,40 € (Cfr. doc. 4).
10. Não existia comissão de processamento da prestação (Cfr. doc. 4).
11. O empréstimo tinha a duração de 72 meses, sendo a periodicidade das prestações mensal (Cfr. doc. 4).
12. O valor residual (a acrescer à última prestação) era de 2 268,31 € (Cfr. doc. 4).
13. Nos termos das condições gerais que integravam o dito contrato, a utilização do crédito era imediata, na data de produção de efeitos do contrato, por transferência para a conta vinculada, que aparece identificada nas condições particulares (Cfr art. 2º das condições gerais do doc. 4).
14. O regime da taxa de juro aparecia densificado no art 3º das condições gerais do doc. 4, nos termos ali vertidos e que aqui se dão por integrados e reproduzidos.
15. Os juros eram liquidados, contados e pagos com a periodicidade fixada para as prestações (cfr. doc. 4 art. 5º das condições gerais).
16. Sendo o empréstimo reembolsado em prestações sucessivas, tal como fixado nas condições particulares, e por débito na conta vinculada, que o mutuário se comprometia manter suficientemente aprovisionada (Cfr doc. 4, art 6º das condições gerais).
17. Podendo o ora embargante, para efectivação do pagamento de qualquer dívida emergente do contrato, debitar qualquer conta da titularidade do mutuário, bem como proceder à compensação de qualquer dívida emergente do contrato com qualquer outro crédito do mutuário sobre o banco (Cfr. doc. 4, condições gerais, art. 7º). 1
8. Do artigo oitavo das condições gerais do documento 4 decorria que para garantia do capital emprestado, juros devidos, despesas e demais encargos emergentes do contrato, o mutuário subscrevia e entregava livrança em branco ao ora embargante, avalizada – in casu, pelos ora embargantes – e autorizando (mutuário e ora embargantes) o ora embargado , em caso de resolução do contrato, a completar a livrança em todos os elementos em falta, nomeadamente quanto a vencimento, local de pagamento e valor a pagar, consistente nos valores em dívida do mutuário, aquando da utilização, decorrente de capital em dívida, juros vencidos, acréscimo de juros por via da mora, encargos e demais despesas decorrentes do contrato.
19. Antes da assinatura aposta pelos ora embargantes, ficou por estes mencionado que: “Declaro(amos) que aceito(amos) ser avalista(s) da livrança em branco referida no Artigo Oitavo das Condições Gerais do presente contrato de mútuo, constante em anexo, mais declarando ter conhecimento de todas as restantes condições constantes do anexo deste documento. Consequentemente, fica o Banco B... S.A. irrevogavelmente autorizado a proceder ao seu preenchimento, nos termos previstos no referido Artigo”.
20. Tal livrança foi, efectivamente e na mesma ocasião, para além de subscrita pelo mutuário, avalizada pelos embargantes – ainda em branco (cfr. se alcança do doc. 5) e, depois de preenchida, foi dada à execução como doc. 1.
21. Em caso de mora, os juros moratórios eram computados no valor dos juros remuneratórios, acrescidos de 4%, a título de cláusula penal (Cfr. doc. 4, art. 9 das condições gerais).
22. Previa-se no artigo 10º, das condições gerais, do doc 4, o elenco das circunstâncias que legitimavam a resolução por iniciativa do ora embargante, em termos que se dão aqui por integrados e reproduzidos, a qual seria realizada mediante o envio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de 15 dias em relação à data em que o pagamento de todos os valores em dívida deveria ser efectuado, e que corresponderia à data de vencimento da livrança.
23. O referido mutuário deixou de cumprir com o plano prestacional a que se obrigara, por via do contrato, e foi declarado insolvente (cfr. consulta do processo nº. ..., do Juízo do Comércio de Coimbra), tendo o contrato, em obediência ao cânone contratual, sido resolvido por cartas registadas de 08-01-2017 (doc. 7), e pedido o pagamento de todos os montantes em dívida até 21-01-2016, no montante de € 8.158,27 (o montante que consta da livrança dada à execução como doc. 1), com a expressa referência à titulação da quantia por livrança, e recurso à via judicial.
24. Conforme consta do doc. 8, foram igualmente os ora embargantes advertidos do montante em dívida, titulação por livrança por si avalizada, e do recurso à via judicial.
25. As cartas datavam (Cfr. doc. 8) de 6 de Janeiro de 2016 – e das mesmas constava o código DCRC - P. 13650.01 – DC.
26. Também na mesma data de 18 de Junho de 2013, a solicitação do referido E..., foi celebrado contrato de mútuo, por via do qual aquele recebeu efectivamente e mobilizou em seu proveito a quantia de 25 021,32 € (cfr. doc. 9).
27. A taxa de juro aplicável à remuneração do empréstimo concedido era variável, correspondendo a euribor a 3 meses, acrescida de 7,5%, sendo a TAEG de 8,6%, a Taxa anual nominal de 7,701% (Cfr. doc. 9). 28. O montante total imputado ao referido mutuário era de 34 005,60 € (Cfr. doc. 9).
29. Não existia comissão de processamento da prestação (Cfr. doc. 9).
30. O empréstimo tinha a duração de 72 meses, sendo a periodicidade das prestações mensal (Cfr. doc. 9).
31. O valor residual (a acrescer à última prestação) era de 7.506,40 € (Cfr. doc. 9).
32. Nos termos das condições gerais que integravam o dito contrato, a utilização do crédito era imediata, na data de produção de efeitos do contrato, por transferência para conta vinculada, que aparece identificada nas condições particulares (Cfr art. 2º das condições gerais do doc. 9).
33. O regime da taxa de juro aparecia densificado no art 3º das condições gerais do doc. 9, nos termos ali vertidos e que aqui se dão por integrados e reproduzidos.
34. Os juros eram liquidados, contados e pagos com a periodicidade fixada para as prestações (cfr. doc. 9 art. 5º das condições gerais), sendo o empréstimo reembolsado em prestações sucessivas, tal como fixado nas condições particulares, e por débito na conta vinculada, que o mutuário se comprometia manter suficientemente aprovisionada (Cfr doc. 9, art 6º das condições gerais).
35. Podendo o ora embargante, para efectivação do pagamento de qualquer dívida emergente do contrato, debitar qualquer conta da titularidade do mutuário, bem como proceder à compensação de qualquer dívida emergente do contrato com qualquer outro crédito do mutuário sobre o banco (Cfr. doc. 9, condições gerais, art. 7º).
36. Decorria do artigo oitavo das condições gerais do documento 9 que para garantia do capital emprestado, juros devidos, despesas e demais encargos emergentes do contrato, o mutuário subscrevia e entregava livrança em branco ao ora embargante, avalizada – in casu, pelos ora embargantes – e autorizando ( mutuário e ora embargantes) o ora embargado, em caso de resolução do contrato, a completar a livrança em todos os elementos em falta, nomeadamente quanto a vencimento, local de pagamento e valor a pagar, consistente nos valores em dívida do mutuário, aquando da utilização, decorrente de capital em dívida, juros vencidos, acréscimo de juros por via da mora, encargos e demais despesas decorrentes do contrato.
37. Logo antes da assinatura aposta pelos ora embargantes, refere-se “Declaro(amos) que aceito(amos) ser avalista(2) da livrança em branco referida no Artigo Oitavo das Condições Gerais do presente contrato de mútuo, constante em anexo, mais declarando ter conhecimento de todas as restantes condições constantes do anexo deste documento. Consequentemente, fica o Banco B... S.A. irrevogavelmente autorizado a proceder ao seu preenchimento, nos termos previstos no referido Artigo” Tal livrança foi, efectivamente e na mesma ocasião, para além de subscrita pelo mutuário, avalizada pelos embargantes – ainda em branco – conforme se alcança do doc. 10, por cujo número mecanográfico se constata ser a mesma que, depois de preenchida, foi dada à execução como doc. 2.
38. Em caso de mora, os juros moratórios eram computados no valor dos juros remuneratórios, acrescidos de 4%, a título de cláusula penal (Cfr. doc. 9, art. 9 das condições gerais).
39. Previa-se no artigo 10º, das condições gerais, do doc 9 o elenco das circunstâncias que legitimavam a resolução por iniciativa do ora embargante, em termos que se dão aqui por integrados e reproduzidos, a qual seria realizada mediante o envio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de 15 dias em relação à data em que o pagamento de todos os valores em dívida deveria ser efectuado, e que corresponderia à data de vencimento da livrança.
40. O referido mutuário deixou de cumprir com o plano prestacional a que se obrigara, por via do contrato e foi declarado insolvente (cfr. consulta electrónica do processo nº. ..., do Juízo do Comércio de Coimbra), tendo o contrato sido resolvido por cartas registadas de 08-012017 (doc. 11), e pedido o pagamento de todos os montantes em dívida até 21-01-2016, no montante de 26.997,72€ (o montante que consta da livrança dada à execução como doc 2), com a expressa referência à titulação da quantia por livrança, e recurso à via judicial.
41. Conforme consta do doc. 11, foram igualmente os ora embargantes advertidos do montante em dívida, titulação por livrança por si avalizada e do recurso à via judicial.
42. As cartas datavam (Cfr. doc. 11) de 6 de Janeiro de 2016 – e das mesmas constava o código DCRC - P. 13650.01 – DC. 43. Em 16 de Janeiro de 2016 (cfr. doc. 1), e na sequência de contactos preliminares, os aqui embargantes dirigiram-se, por correio electrónico, ao ora embargado e contestante, assumindo a sua qualidade de “fiadores/avalistas”.
44. Na mesma ocasião (cfr. doc. 1), deram conta de se saberem e reconhecerem devedores, perante o embargado, da quantia de 35.155,99€ - ou seja, o montante das livranças dadas à execução.
45. No mesmo escrito (doc. 1), comunicaram os embargantes a intenção de procederem ao pagamento da referida quantia, em 195 prestações mensais (um pouco mais de dezasseis anos), no valor unitário de 180 euros.
46. Tal proposta não foi aceite pelo embargado.
47. Em 19 de Outubro de 2016, em nova comunicação (doc. 2), os embargantes solicitaram ao embargado uma “solução” para a situação que obviasse o accionamento judicial.
48. Em 20 de Dezembro de 2016, e acedendo aos desejos dos embargantes, o embargado enviou proposta de reestruturação financeira (doc. 3) e ficou à espera de resposta.
49. Que não foi dada pelos embargantes.
50. Em 3 de Janeiro de 2017, e ante a ausência de resposta, seguiu nova comunicação (cfr. doc. 3) onde se resumiam as condições da solução encontrada: financiamento a restituir e remunerar em 120 meses, à taxa remuneratória Euribor a 6 meses, acrescida de 4% e com previsão de “floor 0”, sendo a remuneração e reembolso efectuada em 120 prestações mensais e sucessivas, variáveis, crescente e fraccionadas de capital e juros, com factor de progressão de 50€/ano.
51. Mais se referia a necessidade de subscrição de livrança caução pelos aqui embargantes (cfr. doc. 3) e de seguro de vida (cfr. doc. 3).
52. Na mesma comunicação (cfr. doc. 3) constava a necessidade de abertura de uma conta, titulada pelos dois embargantes, e apelava-se à confirmação da aceitação dos termos propostos, sob pena de accionamento judicial (Cfr. doc. 3), não tendo sido obtida resposta pelos embargantes.
53. Os dois contratos de mútuo, acima referidos, serviram para o mutuário Eduardo Rosa liquidar outros créditos relacionados com a sua actividade profissional como galerista, sobretudo, no âmbito da aquisição de obras de arte.
54. E foi entregue uma cópia dos mesmos ao aludido mutuário.
55. No referido processo de insolvência nº. ..., no Juízo do Comércio de Coimbra, relativo ao insolvente E..., foi elaborado o mapa de rateio e a aqui embargada “Banco B...” recebeu apenas 97,87 euros, permanecendo ainda em dívida €58.978,22 euros, tendo reclamado o crédito total de € 59.076,09 euros (cfr. consulta desse autos de insolvência, via electrónica).
56. Por decisão de 30-11-2015, foi declarado encerrado o referido processo de insolvência após a realização do rateio final (cfr. consulta desse autos de insolvência, via electrónica).
57. Os dois embargantes tomaram conhecimento das cláusulas relativas às condições gerais e particulares dos dois contratos de mútuo acima aludidos
2.3.- A impugnação de facto
...
Em resumo, num juízo de valoração, porque a prova indicada não impõe decisão diversa, improcede a alteração de facto, mantendo-se intangível a factualidade descrita.
2.4. Os títulos executivos (livranças) e as responsabilidade dos executados/embargantes (avalistas)
Nos termos do art.10 CPC (anterior art.45) toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da acção executiva.
O título executivo, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda, assume uma função delimitadora (por ele se determinam o fim e os limites, objectivos e subjectivos), probatória e constitutiva, estando sujeito ao princípio da tipicidade.
A causa de pedir não se confunde com o título, sendo antes a obrigação exequenda (pressuposto material) nele certificada ou documentada, pelo que a desconformidade objectiva e absoluta entre o pedido e o título situa-se ao nível da inviabilidade por inexistência de título, o que significa a ausência de direito à prestação e consequentemente a absolvição, não da instância, mas do pedido. Dito de forma mais sugestiva, “o título executivo é o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão do direito que está dentro” ( Ac STJ de 19/2/2009 ( proc. nº 07B427 ), em www dgsi.pt ). E dentro só pode estar uma obrigação ( exequibilidade intrínseca), enquanto condição material de efectivação coactiva da prestação.
São títulos executivos os “títulos de crédito”, nomeadamente as livranças ( art.703 nº1 c) actual CPC).
Os subscritores e os avalistas de uma livrança são todos solidariamente responsáveis para com o portador, o qual tem o direito de accionar todas as pessoas individual ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que eles se obrigaram ( art.47 e art.77 da LULL.).
Segundo o art.30 LULL, o pagamento de uma livrança pode ser em todo ou em parte garantido por aval, configurando-se a obrigação do avalista como uma obrigação de garantia autónoma, cuja extensão e conteúdo se afere pela obrigação do avalizado (arts.7 e 32 LULL).Com efeito, dada a natureza jurídica do aval, quer o mesmo seja havido como uma “fiança com regime jurídico especial”, quer se lhe atribua o carácter de uma “garantia objectiva”, sempre se trata de uma garantia autónoma, distinta de qualquer outra obrigação cambiária (cf., por ex., Gonsalves Dias, Da Letra e da Livrança, vol.VII, pág.329, Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, III, pá.205).
E o facto de o avalista responder da mesma maneira que o avalizado (art.32 LU), apenas pretende significar que o conteúdo da obrigação do avalista é o mesmo que a da obrigação do avalizado. Daqui resulta que embora a obrigação do avalista seja igual à do avalizado, não assume a mesma figura cambiária deste.
Pelo aval constituem-se dois grupos de relações: as do portador com o avalista e as do avalista com o avalizado e obrigados precedentes.
O avalista não pode opor, como o fiador, os meios pessoais de defesa do devedor principal contra o portador, as excepções pessoais nos termos do art. 17 LULL, já que de contrário seria negar a natureza do aval, como acto cambiário abstracto.
Ao avalista apenas é lícito opor as excepções derivadas da relação causal existente entre si e o portador, nos termos gerais do direito cambiário.
Há que ter presente, contudo, que a inoponibilidade não é absoluta, pois tem-se entendido que o princípio da independência das obrigações cambiárias e das obrigações do avalista e do avalizado não obsta a que o avalista possa opor ao portador a excepção de liberação, por extinção da obrigação do avalizado ( cf. Vaz Serra, RLJ ano 113, pág.187, Ac STJ de 23/1/86, BMJ 353, pág.482). Neste caso, o avalista usa de um meio de defesa que longe de ser pessoal do principal obrigado ( atende-se ao regime do art.17 LULL ) se comunica aos que solidariamente estejam adstritos ao pagamento da prestação, ou seja, nas hipóteses em que a doutrina qualifica como “ falta de causa” ou “falta de fundamento jurídico” do possuidor.
Entre o Banco B... e E... foram celebrados (18/6/2013) dois contratos de mútuo e para garantia do pagamento o mutuário subscreveu duas livranças em branco, avalizadas pelos aqui embargantes, e, em regra, a emissão de uma letra ou livrança não importa a novação, consubstanciando uma “datio pro solvendo” (art.840 CC), ficando a existir, para além da relação subjacente, uma relação jurídica cambiária, destinada a tornar mais segura a satisfação dos interesses do credor.
O contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária. A sua inobservância é inoponível ao portador mediato, o único a quem aproveita a boa fé, conforme resulta do texto do art.10 L.U., a menos que se verifique a “exceptio doli” prevista no art.17 (in fine) L.U.
Sendo a obrigação do avalista autónoma, em princípio não pode defender-se com as excepções do avalizado atinentes à relação subjacente (por ex., preenchimento abusivo, nulidade ou incumprimento do contrato, etc.), salvo quanto ao pagamento, conforme entendimento jurisprudencial uniforme, porque o avalista presta uma garantia à obrigação cambiária do avalizado (subscritora da livrança) e não directamente à obrigação causal subjacente. Porém, já estará o avalista legitimado a excepcionar o preenchimento abusivo se ele próprio interveio no pacto de preenchimento, cabendo-lhe o respectivo ónus de alegação e prova ( art.342 nº2 CC ), por se tratar de excepção material ( cf., por ex., Ac STJ de 12/2/2009, de 11/2/2010, 13/4/2011, disponíveis em www dgsi.pt ).
Pois bem, os embargantes alegaram a falta de entrega do exemplar do contrato de crédito, nos termos do art.12 DL nº 133/2009, de 2/6, e, por consequência, violação do dever de comunicação das cláusulas contratuais.
Importa acentuar que os embargantes partem de um pressuposto errado, sem qualquer substrato factual, que é o de serem fiadores, confundindo o aval com a fiança. Já se referiu que o aval é uma obrigação cambiária, e assume a natureza de garantia autónoma, distinguindo-se, também por isso, da fiança.
Como é sabido, a fiança consubstancia uma garantia pessoal das obrigações (art.627 e segs. CC), cujos elementos essenciais e específicos reconduzem-se à identificação da dívida garantida, ao devedor, ao credor e tempo de vinculação, questionando-se se o dever de comunicação, que impende sobre o proponente das cláusulas gerais apostas num contrato de mútuo, por adesão ( regime do DL nº 446/85 de 25/10) , é ou não aplicável ao fiador do mutuário, com posições jurisprudenciais distintas.
Mesmo entendendo-se que o dever de comunicação se impõe ao fiador ( cf., por ex., Januário Gomes, “A fiança no quadro das garantias pessoais”, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, vol.III, pág.101 e 102; também em “Assunção Fidejussória de Dívida”, pág.693 e segs.; ., Ac STJ de 9/7/2015 ( proc. nº 1728/12), em www dgsi.pt.), esta obrigatoriedade não se estende ao avalista, pela diferente natureza, finalidade e princípios da literalidade e abstração.
Acresce que o avalista presta uma garantia à obrigação cambiária do avalizado e não directamente à obrigação causal subjacente ( neste caso, o mútuo).
2.5.- Síntese conclusiva
a) A obrigação cambiária do avalista consubstancia uma garantia autónoma, cuja extensão e conteúdo se afere pela obrigação do avalizado ( arts.7 e 32 LULL ), mas não assume a mesma figura cambiária deste.
b) Pelo aval constituem-se dois grupos de relações: as do portador com o avalista e as do avalista com o avalizado e obrigados precedentes.
c) O avalista não pode opor, como o fiador, os meios pessoais de defesa do devedor principal contra o portador, as excepções pessoais nos termos do art. 17 LULL, já que de contrário seria negar a natureza do aval, como acto cambiário abstracto.
d) Ao avalista apenas é lícito opor as excepções derivadas da relação causal existente entre si e o portador, nos termos gerais do direito cambiário.
e) Sendo a obrigação do avalista autónoma, em princípio não pode defender-se com as excepções do avalizado atinentes à relação subjacente, salvo quanto ao pagamento, porque o avalista presta uma garantia à obrigação cambiária do avalizado e não directamente à obrigação causal subjacente.
f) Porém, o avalista está legitimado a excepcionar o preenchimento abusivo se ele próprio interveio no pacto de preenchimento, cabendo-lhe o respectivo ónus de alegação e prova por se tratar de excepção material.
g) O avalista presta uma garantia à obrigação cambiária do avalizado e não directamente à obrigação causal subjacente.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.
2)
Condenar os Apelantes nas custas.
Coimbra, 6 de Novembro de 2018.
( Jorge Arcanjo )
( Teresa Albuquerque )
(Manuel Capelo)