Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1383/10.0T2AVR-H.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
EFEITOS
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO DO COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 85.º E 196.º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO
Sumário: O plano de insolvência só produz efeitos jurídicos após o trânsito em julgado da decisão que o homologar.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

No processo de insolvência, que corre termos no Juízo de Comércio de Aveiro, da comarca do Baixo Vouga, em que se declarou insolvente A... L.da, foi proferida sentença homologatória do plano de insolvência.

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1.ª - O Plano de Insolvência aprovado e homologado por sentença ao prever, quanto aos créditos fiscais:

- a constituição de segunda hipoteca voluntária sobre o bem inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha, sobre o número 5043/20000120, no prazo de 90 dias, após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;

- o pagamento em 120 mensalidades postecipadas de termos de capital constante, vencendo-se a primeira prestação, um mês após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano; e,

- não prevendo, as consequências da falta de pagamento das prestações,

- Derroga a vontade expressa nos autos pela Administração Fiscal, pelo que não pode manter-se.

2.ª Na verdade, o plano de insolvência, homologado por sentença, não oferece garantias idóneas e suficientes à Administração Fiscal da satisfação dos seus créditos, uma vez que:

- vem estabelecer uma moratória não prevista na lei - ou seja, o diferimento do início do pagamento das prestações do capital e dos juros - para data posterior ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de insolvência, em desrespeito ao preceituado nos artigos 85.º n.º 3 e 196.º ambos do CPPT;

- vem estabelecer a constituição de garantias - constituição de segunda hipoteca voluntária - sobre o bem inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha, sobre o número 5043/20000120 – num prazo de 90 dias, após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de insolvência, quando tais garantias, em conformidade com o disposto no artigo 199.º do CPPT, devem ser prestadas no decurso do mês seguinte, à data da aprovação do plano de insolvência;

E, não prevê, por seu turno, as consequências da falta de pagamento das, prestações o que integra a inobservância do disposto no artigo 200.º, do CPPT, com a eventual constituição de novas dívidas fiscais.

3.ª Violando, desta feita, ostensivamente, os normativos previstos nos artigos 30.º, n.os 2 e 3, e 36.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT), nos artigos 85.º, n.os 1, 2 e 3, 196.º, 199.º e 200.º, do CPPT e, ainda, o preceituado no artigo 125.º, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.

4.ª Dispõe o n.º 2, do artigo 30.º, da LGT., que o crédito tributário tem natureza indisponível, "só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção, com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária", não sendo violado, tal normativo legal, apenas e se, os créditos fiscais forem, por força dele, tratados diferentemente dos restantes créditos comuns.

5.ª Sendo que, o n.º 3, deste mesmo preceito legal, aditado agora, por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12 (Lei do Orçamento de Estado para 2011), vem acrescentar "que o disposto no número anterior (n.º 2, de tal preceito), prevalece sobre qualquer legislação especial".

6.ª Determinando, em consequência, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, quer sobre as disposições consignadas no CIRE, quer noutra qualquer legislação especial, ou seja, o legislador quis deixar bem expresso, que o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução, extinção, ou prestação de garantias do pagamento dos seus créditos, com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, regra esta, com prevalência sobre qualquer legislação especial e consequentemente sobre o CIRE. 

7.ª Conforme as alterações legislativas operadas pelos artigos 123.º e 125.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.1, a rejeição do plano de insolvência pela Administração Fiscal, não foi ultrapassada pela última alteração operada a esse mesmo plano, pois que, se impõe, princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, não apenas no que respeita à não possibilidade da sua redução, como ainda, no que concerne às normas de legislação fiscal que regem o seu pagamento, nomeadamente:

- no que respeita ao pagamento prestacional e às datas dos vencimentos das prestações, designadamente, quanto ao momento do vencimento da primeira prestação;

- no que respeita à forma e à data da prestação das garantias que lhe estão inerentes.

8.ª E, o plano de insolvência assim homologado por sentença, não se mostra conforme as normas acima enunciadas, quer quanto ao momento da prestação das garantias, quer quanto à data do início do pagamento das prestações, quer revelando-se omisso quanto às consequências da falta de pagamento de uma ou mais prestações.

Pois, sem o consentimento da Administração Fiscal, afastou e derrogou normas legais imperativas, nos termos expressos nas conclusões 3.ª a 7.ª, acima descritas.

9.ª O Plano de insolvência, e a sentença que o homologou, violam, pois, as disposições contidas nos artigos 30.º, n.os 2 e 3, 36.º,n.º 3, da LGT, e nos artigos 196.º, n.os 1, 3 e 5, 199.º, n.º 1 e 200.º, do CPPT, e, como consequência, violam ainda, o disposto nos artigos 192.º, n.º 2, 194.º, n.º 1, e 197.º, alínea a), do CIRE, pelo que, deverá tal Plano vir a ser declarado nulo, na parte em que vincula os créditos fiscais e, ilegal, a sentença que o homologou, por violação directa das normas legais acima elencadas.

10.ª Decorrente da derrogação das normas tributárias referidas nos números anteriores, assumida expressamente no plano de insolvência, sem a concordância da Fazenda Nacional, tal violação legal implica, desde logo, a nulidade do Plano, relativamente aos créditos fiscais, e a consequente ilegalidade da sentença de homologação, por violação de normas tributárias imperativas.

No sentido pugnado, vejam-se os Acórdãos da Relação do Porto, designadamente nos Processos de Insolvência n.os 1911/09.2TBLSD.H.P1 de 14-11-2011 e n.º 554/10.3TBPRD-H.P1 de 25-10-2011; o Acórdão da Relação de Coimbra, de 29-11-2011, no Processo de insolvência n.º 588/08.8TBFND-D.C1; o Acórdão da Relação de Guimarães, de 20-10-2011, no Processo de insolvência n.º 4044/10.6TBGMR; e, ainda, o Acórdão do S. T.J., de 15-12-2011, no Processo n.º 467/09.ITYVNG.

11.ª O artigo 215.º, do CIRE, confere ao Tribunal o papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do Plano, quer as que dizem respeito a aspectos de procedimento, quer as que dizem respeito ao conteúdo do Plano (as respeitantes à sua parte dispositiva e, para além destas, as que fixam os principias a que o Plano deve imperativamente obedecer, e os que definem os temas que a proposta deve apresentar).

12.ª À auto-regulação consagrada no CIRE, impõem-se normas em vigor no nosso ordenamento jurídico, que fixam limites, e exigências formais e materiais, que não foram respeitados na a sentença homologatória do plano de insolvência ora em crise (neste sentido, vg, ainda. o Ac. da Relação de Lisboa, proferido no Proc. 1.192/2007.3TYLSB, em 25-02-2010).

Termina pedindo que seja revogada "a douta Sentença proferida pelo Tribunal "a quo", que homologou o Plano de insolvência".

Não foram apresentadas contra-alegações.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se o plano de insolvência, no que se refere ao crédito da Fazenda Nacional:

a) estabelece "uma moratória não prevista na lei - ou seja, o diferimento do início do pagamento das prestações do capital e dos juros - para data posterior ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de insolvência, em desrespeito ao preceituado nos artigos 85.º n.º 3 e 196.º ambos do CPPT";

b) estabelece "a constituição de garantias - constituição de segunda hipoteca voluntária - sobre o bem inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha, sobre o número 5043/20000120 – num prazo de 90 dias, após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de insolvência, quando tais garantias, em conformidade com o disposto no artigo 199.º do CPPT, devem ser prestadas no decurso do mês seguinte, à data da aprovação do plano de insolvência".

c) "não prevê, por seu turno, as consequências da falta de pagamento das, prestações o que integra a inobservância do disposto no artigo 200.º, do CPPT".[1]


II

1.º


Para a decisão do presente recurso importa realçar os seguintes factos:

1- a sociedade A... L.da foi declarada insolvente.

2- na assembleia de credores, reunida a 28 de Junho de 2011, "o plano de insolvência recolheu votos favoráveis de 71,24% dos credores presentes" e o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, e a Caixa de Crédito Agrícola de Oliveira de Azeméis Crl requereram prazo para apresentarem o sentido de voto por escrito.

3- nessa assembleia o Meritíssimo Juiz proferiu o seguinte despacho:

"Atento a votação já obtida a favor da aprovação do plano de insolvência, superior aos 2/3 previstos no art.º 212.º n.º 1 do C.I.R.E, considero aprovada a proposta de plano de insolvência.

Atenta a referida aprovação, torna-se inútil a concessão de prazo para votação por escrito, indeferindo-se por isso ao requerido.

Concedo, no entanto, o prazo de 10 dias, aos credores que requereram a votação por escrito, e também aos demais, para requererem o que tiverem por conveniente nos termos do art. 215.º do CIRE."

4- a Fazenda Nacional veio a pronunciar-se no sentido de que só aceitaria o plano de insolvência se este fosse alterado nos termos que então mencionou.

5- a 8 de Novembro de 2011 o Meritíssimo Juiz proferiu despacho em que decidiu que:

"Tendo em conta o disposto nos arts. 30.º/3 da LGT, na redacção introduzida pela L. n.º 55-A/2010, de 31-12, no art. 125.º desta Lei e 196.º do CPPT, determino se notifique o Sr. administrador do requerimento de fls. 704 ss, a fim de que, em sete dias, altere o plano de pagamentos (designadamente, contemplando um plano de pagamento em 120 mensalidades) ou, não sendo esse o caso, se pronuncie nos termos que tiver por convenientes."

6- o Administrador da Insolvência manifestou então o entendimento de que era necessário "alterar o plano de insolvência para que este cumpra escrupulosamente a legislação vigente", apresentando um plano de insolvência, em que introduziu modificações em relação àquele que tinha sido objecto de votação na assembleia de 28 de Junho de 2011.

7- neste plano consta, nomeadamente, que:

"f) Crédito do Estado:

Pagamento integral do capital e juros reconhecidos, por dispor o número 2 do artigo 30.º da Lei Geral Tributária, que o crédito tributário é indisponível;

Juros vincendos à taxo fixa de 4% ao ano;

Liquidação integral do capital e juros;

Manutenção das garantias existentes;

Constituição de segunda hipoteca voluntária sobre o bem inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sobre o número 5043/20000120, no prazo de 90 dias após o trânsito em Julgado da Sentença de homologação do plano;

Pagamento em 120 mensalidades postecipadas de termos de capital constante, vencendo-se a primeira prestação um mês após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;

Pagamentos dos juros postecipados e mensais, vencendo-se o primeiro pagamento em simultâneo com as prestações mensais."

7- face a este plano, a 24 de Janeiro de 2012, o Meritíssimo Juiz proferiu despacho determinando:

"Notifique as alterações ao plano de insolvência aos credores que votaram favoravelmente a aprovação do plano, a fim de que, em dez dias, se pronunciem ou requeiram o que for tido por conveniente, com indicação de que, em caso de silêncio, se entenderá que mantém o seu sentido de voto.

Notifique nos mesmos termos o M. P.."

8- nada foi dito por todos os credores que tinham votado favoravelmente o plano de insolvência na assembleia de 28 de Junho de 2011.

9- o Ministério Público juntou declaração da Fazenda Nacional em que esta manifesta um "voto desfavorável" ao plano de insolvência pelas razões que aí expõe.

10- a 1 de Março de 2012 o Meritíssimo Juiz proferiu a sentença recorrida, em que afirma:

"Foi apresentado plano de insolvência, por parte do Sr. administrador, a fls. 607 ss, alterado na própria assembleia de apreciação e que nesta, tendo recebido votos favoráveis de 71,24% dos credores presentes, constituindo eles 87,03% do universo dos créditos reconhecidos, mereceu despacho de aprovação.

A fls. 705 ss dos autos, manifestou a Fazenda Nacional o seu voto desfavorável ao plano de insolvência, exigindo para a sua aceitação: a) pagamento em regime prestacional nos termos do art. 196.º do CPPT, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte à data de aprovação do plano; b) a redução dos créditos fiscais apenas se dará por juros de mora nos termos do DL nº73/99, de 16-3; c) inexistência de redução de coimas e custas; d) constituição de garantia idónea – hipoteca voluntária e/ou garantia bancária – e suficiente, nos termos do art. 199.º do CPP, a prestar pela devedora no mês seguinte à data de aprovação do plano.

Na sequência, e após proferido o despacho de fls. 740, o Sr. administrador apresentou plano de insolvência alterado, a fls. 751ss, o qual mereceu a concordância dos credores que o haviam aprovado (fls. 848ss), mantendo-se no entanto a oposição da Fazenda Nacional, como resulta do requerimento de fls. 856, alegando em síntese: a) o início do pagamento remete para data futura e incerta, um mês após a homologação do plano; b) constituição de garantias num prazo de noventa dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, não se demonstrando a sua idoneidade e suficiência; c) constituição de novas dívidas fiscais.

Salvo o devido respeito, no entanto, mostra-se incompreensível a posição adoptada pela autoridade tributária.

Em primeiro lugar, o pagamento em prestações está conforme ao disposto no art. 196.º do CPPT, na redacção vigente à data da elaboração do plano (sendo certo que, com a nova redacção, agora dada pela L n.º 64-B/2011, de 30-12, é admissível o pagamento de prestações em número superior às 120 contempladas no plano, admitindo-se que atinjam 150). A única diferença, face à anterior posição da Fazenda, diz respeito ao momento inicial, mas não justifica, a nosso ver, decisão de recusa oficiosa, porque a homologação do plano constitui o momento de validação e garantia de sua eficácia (art. 217.º do CIRE), não devendo ser encarada como data futura e incerta.

Em segundo lugar, a prestação de hipoteca foi já aceite pela administração fiscal (fls. 705 ss), o que, por um lado, preenche os requisitos do art. 199.º do CPPT e, por outro, vincula o emitente da declaração negocial nos termos gerais dos arts. 224.º e 230.º do CC. Acresce que a administração fiscal não justifica minimamente os motivos para não considerar idónea a hipoteca contemplada no plano, a fls. 768.

Finalmente, o novo plano contempla a liquidação integral do capital e juros do crédito do Estado, não se compreendendo a objecção de constituição de novas dívidas fiscais, após a declaração de insolvência (fls. 856), que não encontra correspondência na anterior tomada de posição (fls. 705 ss) e não constitui motivo para a não homologação oficiosa.

Assim, considera-se que plano de insolvência de fls. 753 ss está conforme aos ditames legais, nomeadamente os impostos pelos arts. 30.º e 125.º da LGT, na redacção introduzida pela L n.º 55-A/2010, de 31-12, 196.º e 199.º do CPPT, e foi elaborado por quem dispõe de legitimidade para o efeito.

Pelo exposto, homologo por sentença o plano de insolvência referente à A..., L.da."


2.º

Segundo o Ministério Público o plano de insolvência homologado pelo tribunal a quo viola "as disposições contidas nos artigos 30.º, n.os 2 e 3, 36.º,n.º 3, da LGT, e nos artigos 196.º, n.os 1, 3 e 5, 199.º, n.º 1 e 200.º, do CPPT, e, como consequência, violam ainda, o disposto nos artigos 192.º, n.º 2, 194.º, n.º 1, e 197.º, alínea a), do CIRE".[2]

É oportuno começar por sublinhar que a 31 de Dezembro de 2010 foi publicada a Lei 55-A/2010, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2011[3].

O seu artigo 125.º estabelece que "o disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios dos créditos dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos". E o seu artigo 123.º aditou um n.º 3 ao artigo 30.º da Lei Geral Tributária. Assim, segundo o n.º 2 deste artigo 30.º "o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária" e o seu (novo) n.º 3 acrescenta que "o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial".

Destes dois preceitos resulta claro que o crédito tributário da Fazenda Nacional não pode ser reduzido por via de um plano de insolvência aprovado em assembleia de credores, pois ele é "indisponível" e essa indisponibilidade "prevalece sobre qualquer legislação especial", leia-se sobre o artigo 196.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dado que, se dúvidas ainda houvesse, "o disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência".

Face aos factos acima descritos sob 7 e 8, tem que se concluir que o plano de insolvência, não obstante o facto que consta sob 2, foi somente aprovado pelos credores em 2012, pelo que é pacífico que lhe é aplicável o regime consagrado pelos artigos 123.º e 125.º da Lei 55-A/2010.

Entende o Ministério Público que o plano de insolvência estabelece "uma moratória não prevista na lei - ou seja, o diferimento do início do pagamento das prestações do capital e dos juros - para data posterior ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de insolvência, em desrespeito ao preceituado nos artigos 85.º n.º 3 e 196.º ambos do CPPT", visto que considera que a primeira prestação deveria ter, sim, vencimento no mês seguinte ao da data de aprovação do plano.

O n.º 3 desse artigo 85.º estabelece que "a concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária." E o n.º 1 do artigo 196.º dispõe que "as dívidas exigíveis em processo executivo poderão ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, no prazo de oposição, ao órgão da execução fiscal."

Por outro lado, dos n.os 1 e 2 do artigo 217.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas resulta que "com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados" e que "a sentença homologatória confere eficácia a quaisquer actos ou negócios jurídicos previstos no plano de insolvência (…)."

Assim, temos como certo, não só que a lei tributária permite o pagamento em prestações, como também que apenas com a homologação do plano de insolvência é que este produz os seus efeitos. Isso implica que não é possível exigir ao insolvente o cumprimento do convencionado nesse plano, antes de o juiz o ter homologado[4], e a homologação só se concretiza com o trânsito em julgado dessa decisão. Portanto, contrariamente ao sustentado pelo Ministério Público, não se pode impor à insolvente a obrigação de pagar as prestações devidas à Fazenda Nacional logo após a aprovação do plano de insolvência; isso só será possível depois de transitar em julgado a decisão que o homologar.

Aqui chegados conclui-se que não há qualquer moratória quando no plano de insolvência se consagrou que o pagamento da 1.ª prestação à Fazenda Nacional se venceria "um mês após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano"; inexiste, pois, o alegado "diferimento do início do pagamento das prestações do capital e dos juros", o mesmo é dizer que não se violou os artigos 85.º e 196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário


3.º

O Ministério Público censura também a decisão recorrida por ter homologado um plano que possibilita "a constituição de garantias - constituição de segunda hipoteca voluntária - sobre o bem inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha, sobre o número 5043/20000120 - num prazo de 90 dias, após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de insolvência, quando tais garantias, em conformidade com o disposto no artigo 199.º do CPPT, devem ser prestadas no decurso do mês seguinte, à data da aprovação do plano de insolvência".

Diz o n.º 1 deste artigo 199.º que "caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente" e o seu n.º 2 que "a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195º, com as necessárias adaptações."[5]

Como acima já se disse, é só com a homologação do plano, e não com a sua aprovação, que se desencadeiam os seus efeitos jurídicos, pelo também aqui não assiste razão ao Ministério Público quando pretende que o prazo para a constituição da hipoteca se inicie antes daquela homologação. Por outro lado, dos artigos 199.º[6] n.º 2 e 195.º nada resulta que impeça que a hipoteca se constitua no "prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano".


4.º

O Ministério Público ataca ainda a sentença do tribunal a quo na medida em que o plano homologado nada prevê quanto às consequências de uma eventual falta de pagamento de alguma prestação, considerando que essa omissão se traduz numa "inobservância do disposto no artigo 200.º, do CPPT".

O n.º 1 deste artigo 200.º determina que "a falta de pagamento sucessivo de três prestações, ou de seis interpoladas, importa o vencimento das seguintes se, no prazo de 30 dias a contar da notificação para o efeito, o executado não proceder ao pagamento das prestações incumpridas, prosseguindo o processo de execução fiscal os seus termos."

Nada dizendo o plano de insolvência quanto a esta matéria, isso significa, obviamente, que, com a sua homologação, não se estabeleceu um regime diferente do que figura no citado artigo 200.º, pelo que não se vê como pode aquele colidir com tal norma. Se se entender que, havendo incumprimento no pagamento das prestações, este preceito é aplicável às prestações estabelecidas no plano de insolvência isso não deixa de acontecer por neste nada se ter dito a esse respeito.

Não se encontra, deste modo, qualquer violação ao disposto nos artigos 196.º, 199.º e 200.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, nem tão pouco aos princípios consagrados nos artigos 30.º e 36.º da Lei Geral Tributária.


III

Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela Fazenda Nacional.

                                                           António Beça Pereira (Relator)

                                                                Nunes Ribeiro

                                                               Hélder Almeida


[1] Cfr. conclusão 1.ª.
[2] Cfr. conclusão 9.ª.
[3] Cfr. artigo 187.º.
[4] Convém não esquecer que o juiz pode não homologar o plano de insolvência. Cfr. artigos 215.º e 216.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. A argumentação do Ministério Público parece desconsiderar, de todo, a possibilidade de o plano não ser homologado pelo juiz.
[5] Sublinhado nosso.
[6] Nesta norma, em lado algum se faz alusão ao plano de insolvência.