Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
174/07.0PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 05/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - VARA DE COMPETÊNCIA MISTA - 2ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ART.º 379º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: A omissão de pronúncia na sentença sobre a aplicação ou não, no caso, do Regime Penal Especial Para Jovens (D.L. n.º 401/82, de 23/09) consubstancia nulidade que é de conhecimento oficioso (art.º 379º, n.ºs 1, al. c) e 2, do C. Proc. Penal).
Decisão Texto Integral: I. Relatório

1. No âmbito do processo comum colectivo n.º 174/07.0PCCBR da Vara de Competência Mista de Coimbra – 2.ª Secção – mediante acusação pública, foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, como co-autor material e em concurso real, de um crime de furto e de um crime de roubo, p. e p. respectivamente pelos artigos 203º, n.º 1 e 210, nºs 1 e 2, al. b) ex vi do artigo 204º, nºs 2, al. f) in fine 4, e 26º, todos do Código Penal.

2. Realizado o julgamento, por acórdão de 16.12.2011, veio o arguido a ser condenado nas penas de 18 [dezoito] meses de prisão e de 4 [quatro] anos de prisão, pela prática, respectivamente, do crime de furto p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal e do crime de roubo, p. e p. pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), ex vi do artigo 204º, nº 2, al. f) do citado diploma legal e, em cúmulo das referidas penas, na pena única de 5 [cinco] anos de prisão efectiva.

3. Inconformado recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1.º O arguido foi condenado, na pena única de 5 anos de prisão efectiva.
2.º Muito embora o recorrente não se possa conformar com a condenação de que foi alvo, não pode deixar de, ad cautelam, manifestar a sua discordância quanto à pena única que lhe foi aplicada.
3º Com efeito, no que atina à dosimetria da pena, a decisão recorrida não aplicou correctamente o preceituado nos artigos 40º nº 2, 71º nº 2 e 72º todos do CP.
Efectivamente,
4º Considera o recorrente que a medida da pena ultrapassa a medida concreta da culpa e emrege desproporcionada. Com efeito,
5º Atenta a factualidade dada como provada, as circunstâncias que rodearam a prática dos crimes em causa, a personalidade do agente, a sua conduta quer anterior, quer posterior aos factos, o facto de que a pena suspensa é uma verdadeira pena, que não compromete minimamente, em relação à comunidade, a confiança e a reafirmação da validade das normas violadas.
Tendo ainda em conta que a pena suspensa contém um conteúdo social positivo de grande relevância para a sociedade, pois esta beneficia de um cidadão que, confiante na hipótese dada, e sabendo do perigo que corre durante a suspensão da pena, irá munir esforços para a sua reinserção. É o chamado efeito psicológico do “fantasma” da pena suspensa. E ainda, que a pena suspensa continua a ser uma forma de punição, sendo aliás, a que forma de punição que implica mais sacrifício ao condenado, pois este tem de viver durante a suspensão da pena em constante melhoria pessoal, e sem “olhar para trás”.
A pena suspensa na sua execução cumpre assim, integralmente, as finalidades de prevenção geral e especial da punição.
Deveriam, assim, estes argumentos ter conduzido à aplicação de uma pena suspensa.
6º Violou, nesta confluência, o acórdão recorrido o preceituado nos artigos 40º nº 2, 71º nº 2 e 72º todos do CP.
7º Neste conspecto, a consideração do que supra se referiu não deixará de representar, necessariamente, uma fixação num patamar indubitavelmente menor da sobredita pena, devendo, o douto acórdão recorrido, ser revogado e substituído por outro que acolhe os argumentos expendidos.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, extraídos os corolários dimanados das “conclusões” tecidas, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!

4. Na 1.ª instância respondeu ao recuro a Exma. Procuradora da República, concluindo:

- A pena mostra-se equitativamente fixada, conforme às concretas circunstâncias factuais e aos preceitos legais atendíveis, revelando-se equilibrada e adequada a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial, modelada pelo grau de ilicitude e culpa;
- não se verificam os pressupostos, factuais e legais, da suspensão da execução da pena;
- não foi violado qualquer princípio ou norma jurídica, mormente as referidas pelo recorrente;
- o Acórdão impugnado deverá manter-se nos seus precios termos, negando-se provimento ao recurso.

5. Admitido o recurso, fixado o respectivo efeito e regime de subida, foram os autos remetidos a este tribunal – [cf. fls. 316].

6. O Exmo. Procurador – Geral Adjunto na Relação emitiu o parecer de fls. 324, no qual, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância, se pronunciou no sentido de o recurso não merecer provimento.

7. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, não foi apresentada resposta.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].
No caso em apreço as questões suscitadas pelo recorrente prendem-se com a medida da pena e a não aplicação da suspensão da execução da pena.

2. O acórdão recorrido

No que concerne aos factos provados ficou consignado no acórdão recorrido:

1. No dia 17 de Janeiro de 2007, cerca das 23H, o arguido, juntamente com três indivíduos que não se logrou identificar, aproximaram-se do veículo de marca … matricula … pertencente a B..., e que se encontrava estacionado junto ao mercado Abastecedor, em Coimbra.
2. Após, de forma não concretamente apurada, quebraram os vidros da porta do lado do condutor e do interior da viatura retiraram os seguintes objectos pertencentes a B...:
- um telemóvel de marca Sharo modelo GW17, com cartão 963092372;
- um telemóvel de marca Siemens, cor cinzenta com cartão 967624694;
- um Kit de mãos livres da marca Siemens;
- um Kit de mãos livres bluetooth;
- um cachimbo de cerejeira da marca Capri, com manilha de metal de cor amarela a unir a boquilha e o cachimbo,
tudo em valor superior a € 100.
3. B... que se encontrava nas proximidades ao ouvir o alarme da viatura que logo reconheceu como sua dirigiu-se para junto da mesma.
4. Quando ali chegou o arguido em conjugação de esforços com os restantes indivíduos, deram-lhe empurrões contra a viatura, ao mesmo tempo que, munidos e empunhando uma caçadeira, lhe disseram em tom sério “dinheiro, dinheiro”.
5. B..., receando pela sua vida, de imediato retirou do bolso uma carteira que continha no seu interior € 85, entregando-a ao arguido.
6. De seguida o arguido e os demais abandonaram o local na posse dos objectos retirados do interior da viatura e da quantia de € 85, largando a carteira no chão.
7. O arguido agiu de comum acordo e em conjugação de esforços com os três indivíduos não identificados com o propósito conseguido de se apoderar dos objectos e da quantia em dinheiro supra referidos e de os integrar no seu património apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam, e que agia contra e sem a vontade do seu dono;
8. Sabia ainda que ao empunhar a arma e ao empurrar B... lhe provocavam medo, fazendo-o recear pela sua vida.
9. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
10. O arguido foi, por decisão proferida em 19 de Outubro de 2007, transitada em julgado a 29 de Novembro de 2007, condenado pelo tribunal judicial da comarca de Cantanhede, pela prática, em 11 de Julho de 2006, de um crime de furto qualificado na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução, pelo período correspondente.
11. Essa pena foi declarada extinta pelo cumprimento por decisão de 9 de Dezembro de 2008.

Relativamente aos factos não provados ficou a constar:

Factos não provados com interesse para a decisão do mérito da causa:

- o arguido e os acompanhantes tenham desferido dois murros no maxilar de de B....

Em sede de fundamentação da matéria de facto, mostra-se exarado:

A convicção do tribunal assentou numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, principalmente, quanto aos factos provados:
a) no depoimento que se nos afigurou sério e isento de B... o qual, de forma viva e convicta, narrou os factos tal como resultaram provados;
b) auto de reconhecimento de fls. 141 a 143, no qual B..., de entre as pessoas que figuravam o painel exposto, reconheceu o arguido como sendo a pessoa que praticou os factos descritos;
c) CRC de fls. 168.
Já quanto ao facto não provado a decisão decorreu do declarado por B... que narrou não lhe terem dado murros, apenas empurrões de encontro ao carro.

3. Apreciando

a.

Insurge-se o recorrente contra a pena única em que foi condenado, invocando ter a mesma violado o disposto nos artigos 40º, nº 2, 71º, nº 2 e 72º, todos do Código Penal, isto não obstante a inconformidade parecer, no essencial, direccionada para a preterição da pena de substituição de suspensão da execução da pena.
Contudo, com relevância nesta sede, constata-se não haver o Colectivo ponderado, como lhe competia – atenta a idade do arguido (nascido em 19.04.1986) à data dos factos -, a aplicação do Regime Penal Especial para Jovens [D.L. n.º 401/82, de 23.09], o qual não sendo, embora, de aplicação necessária e obrigatória, antes objecto de apreciação casuística, é de conhecimento oficioso, constituindo a consideração da sua aplicação um “poder – dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos …”[cf. acórdão STJ de 31.03.2011, proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1].
Ao assim proceder, omitindo pronúncia sobre a aplicação, ou não, no caso, do Regime Penal dos Jovens, mostra-se o acórdão recorrido ferido de nulidade – artigo 379º, nº 1, al. c) do CPP -, vício de conhecimento oficioso [cf., entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 19.01.2005 (proc. n.º 4000/04 – 3.ª), 21.12.2005 (proc. n.º 4642/03 – 3.ª), 12.10.2006 (proc. n.º 2673/06 – 5.ª), 18.10.2006 (proc. nº 3045/06 – 3.ª), 14.03.2007 (proc. 617/07 – 3.ª)], o qual, porém, não pode ser suprido por este tribunal de recurso.
Neste sentido pronuncia-se Paulo Pinto de Albuquerque, quando refere consubstanciar a identificada nulidade A omissão de ponderação da atenuação especial da pena no caso de condenação de um arguido com menos de 21 anos em pena de prisão (acórdão do STJ, de 15.10.1997, in BMJ, 470, 373, acórdão do STJ, de 2.6.1999, in BMJ, 488, 175, acórdão do STJ, de 29.10.2008, in CJ, Acs. do STJ, XVI, 3, 212, acórdão do TRL, de 14.4.2003, in CJ, XXVIII, 2, 143, e acórdão do TRL, de 13.1.2005, in CJ, XXX, 1, 123)”, para adiante acrescentar O tribunal de recurso tem o poder de “suprir” as nulidades da sentença. Mas este poder é muito reduzido na prática, porque ele só poderá ser exercido negativamente. Isto é, o tribunal de recurso só pode exercer o poder se suprir a nulidade nos casos em que o tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre questões de que não podia conhecer …Em todos os outros casos, o tibunal de recurso não pode exercer o seu poder de suprimento, pois esse exercício corresponderia à supressão de um grau de jurisdição (acórdão do TRL, de 14.4.2003, in CJ, XXVIII, 2, 143, e acórdão do TRE, de 8.7.2003, CJ, XXVIII, 4, 252) – [cf. Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, págs. 983, 985].

Verificando-se a nulidade do acórdão [artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP], impõe-se a remessa dos autos à 1.ª instância, com vista à supressão da omissão assinalada, se necessário for com a reabertura da audiência e a produção de “prova suplementartendente a indagar dos aspectos, para o efeito, relevantes – artigo 369º do CPP.

Mostra-se, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões, todas elas dirigidas à matéria relativa à pena, colocadas pelo recorrente.

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar nulo, por omissão de pronúncia, o acórdão recorrido [artigo 379º, nº 1, al. c) do CPP] e, em consequência, determinar a remessa dos autos à 1.ª instância com vista à supressão da omissão supra identificada, se necessário for com a reabertura da audiência e a produção de prova suplementar, tendente a indagar de aspectos, para o efeito, relevantes [artigo 369º do CPP].

Sem tributação.

Comunique, de imediato, com cópia pela via mais expedita à 1.ª instância, com referência ao traslado.

Maria José Nogueira (Relatora)
Isabel Valongo