Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2155/11.0TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: DEPOIMENTO NÃO AUDÍVEL
NULIDADE
EXAME CRÍTICO DA PROVA
VÍCIO DE INSUFICIÊNCIA
ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO DE CRIME
Data do Acordão: 06/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL– SECÇÃO CRIMINAL – JUIZ 3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 363.º, 374.º E 410.º, DO CPP
Sumário: I - No que respeita à nulidade previsto no art. 363.º do CPP, há a considerar o Ac. do STJ n.º 13/2014 de 3/7/2014 publicado no DR, I série, de 23/09/2014, que fixou jurisprudência:
A nulidade previsto no artº 363º do CPP deve ser arguida perante o Tribunal da 1ª instância, em requerimento autónomo, no prazo de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado o necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do nº 3 do artº 101º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada”.

II - O exame crítico da prova deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.

III - O tribunal na fundamentação deve expor de forma global as provas em que se baseou e as razões de ciência e elementos que foram relevantes. Não tem necessariamente que o fazer ponto por ponto, sob pena de se tornar repetitivo violando, assim, o princípio da economia processual.

IV- Tendo o Sr. juiz enumerado as provas que teve ao seu dispor, indicando o essencial do seu conteúdo e, portanto, o modo como formou o juízo da sua veracidade, cumpriu com o dever de fundamentação contido no art 374 n.º 2 do CPP.

V - O vício da insuficiência resulta de o tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial; no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais longe; não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiriam alcançar a solução legal e justa (Ver Acs. S.T.J., de 18.11. 1998, no processo n.º855/98 e de 14.11.1998, no processo n.º588/98).

VI - A partir de determinados factos e à luz das regras da experiência podemos concluir pela intencionalidade pela forma como agiu o arguido. Portanto, a intenção com que o recorrente agiu retira-se, extrai-se, da matéria de facto. É através da realidade factual que lhe está subjacente que o Tribunal e recorrendo às regras da experiência tem de concluir pela intencionalidade ou não do agente.

Decisão Texto Integral:




Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

***
No processo acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou procedente, a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência:
I – Condenou o arguido A... como autor material de um crime de crime de insolvência dolosa (art.º 227º-1-a)-b) do C. Penal) na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros);---------------

II – Condenou o arguido B... como autor material de um crime de crime de insolvência dolosa (art.º 227º-1-a)-b) do C. Penal) na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros);---------------

III - Julgar provado e procedente o pedido de indemnização civil deduzido por E... , S.A. e, em consequência, condenou os arguidos a pagar a esta sociedade a quantia de €36.365,13 (trinta e seis mil, trezentos e sessenta e cinco euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 21.12.2014, até integral pagamento;------------

IV - Julgar provado e procedente o pedido de indemnização civil deduzido por C... , S.A. e, em consequência, condenou os arguidos a pagar a esta sociedade a quantia de €94.049,93 (noventa e quatro mil, e quarenta e nove euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 21.12.2014, até integral pagamento;------------

            Desta sentença interpôs recurso o arguido A... , sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:


1. O presente recurso vem interposto do acórdão condenatório, proferido em 26.05.2015, o qual, injustamente, condenou o Arguido e aqui Recorrente como coautor de um crime de insolvência danosa, p. e p. pelo disposto no artigo 227/1/a e b do CP, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros).
2. Mais julgou provados e procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos, condenando os arguidos a pagar as quantias de € 36.365,13 (trinta e seis mil, trezentos e sessenta e cinco euros e treze cêntimo) e € 94.049.93 (noventa e quatro mil, quarenta e nove euros e noventa e três cêntimos), acrescidas de juros de mora, e ainda no pagamento das custas civis e penais.
3. Em face do disposto nos artigos 363 e 354 do CPP, conjugados com o disposto no artigo 410/3 do CPP, deve ordenar-se a baixa do processo ao Tribunal de primeira instância para repetição da prova testemunhal constituída pelas declarações prestadas por F... , dada a ausência da documentação das mesmas, o que consubstancia a omissão de um ato prescrito por lei que vicia o julgamento da matéria de facto, obrigando à anulação e repetição do ato viciado (e dos atos posteriores dele dependentes).
4. Assim, apesar de se consignar na ata de 26-03-2015 da audiência de discussão e julgamento que “…o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11:14:59 horas e o seu termo pelas 11:48:11 horas.”, o mesmo é total e absolutamente inaudível, padecendo a aludida gravação de deficiência que torna impossível a apreensão deste elemento de prova, facultado ao Recorrente no dia 25 de junho de 2015, ou seja, ainda dentro do prazo do presente recurso (cfr. artigos 107-A/c) e 404/e, ambos do CPP).
5. Uma interpretação dos artigos 363, 364/1 e 412/3/c), que permitisse concluir que, quando o depoimento de uma testemunha, mais a mais incluído na motivação da sentença, seja impercetível, não haveria, ainda assim, lugar à repetição desse depoimento, tornaria essas normas inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 18/1 20/1 e 32/1 todos da Constituição de República Portuguesa.
6. No que respeita à decisão ora posta em crise, o tribunal a quo não faz, salvo o devido respeito, o percurso lógico-cognitivo, imposto pelo artigo 374/2 do CPP, uma vez que não enuncia os elementos que serviriam para formar a sua convicção.
7. Da lista de factos provados não constam factos essenciais ao estabelecimento do mencionado percurso lógico, capaz de ser entendido como o trajeto que liga a premissa à conclusão.
8. A sentença padece, ainda, de insuficiência ao nível explicitação do sentido e justificação da opção tomada quanto ao crédito ou descrédito que mereceram as testemunhas bem como quanto ao tratamento dos motivos de facto que se subsumem ao ilícito pelo qual o Recorrente foi condenado.
9. O Tribunal a quo não pondera quaisquer fatores atinentes à credibilidade dos depoentes cujos depoimentos serviram de base ao juízo condenatório do Recorrente.
10. Em lugar de tomar posição expressa quanto a estas matérias, o Tribunal a quo, cinge-se ao resumo e à enumeração da prova documental sem referir em que medida é que cada um desses elementos probatórios contribuiu para provar ou infirmar os factos pelos quais o Recorrente foi condenado.
11. Ora, conforme teve o Recorrente oportunidade de explicitar supra[1], é inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância. Com efeito, incorreu o tribunal a quo na nulidade prevista no artigo 379/1/a do CPP, fundamento do recurso, nos termos do artigo 410/3.
12. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui o vício a que alude o artigo 410/2/a do CPP.
13. No caso vertente a sentença recorrida padece deste vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto lhe faltam factos, individualmente considerados, de entre a extensa lista de condutas consideradas provadas e não provadas, que autorizem as conclusões tiradas e que permitam, dessa forma, suportar a decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis.
14. Com efeito, os elementos probatórios de que dispunha o tribunal não permitiam chegar às conclusões a que chegou, havendo vários segmentos da motivação, os quais, se devidamente ponderados, apontariam para a conclusão de que o grau de participação do Recorrente nos factos é ínfimo ou mesmo inexistente.
15. De entre a panóplia de factos invocados não existe, nem foi, como tal, dado como provado, qualquer facto que concretizasse:

  • A alegada intenção dos arguidos de prejudicarem os credores;
  • O mau propósito subjacente à venda da D... ;
  • Que valor tinha, afinal, o ativo da D... em nos anos de 2009 e 2010.
16. As testemunhas evidenciaram total desconhecimento da situação concreta da empresa e do aludido negócio. Ou seja, resulta do próprio texto da decisão recorrida, não ter havido uma testemunha que revelasse conhecimento direto acerca da situação financeira da D... e que, na posse desse conhecimento, infirmasse que, como sustenta o Recorrente, o verdadeiro propósito da venda foi “para poder pagar o que esta firma devia…”.
17. Face à prova carreada para os autos – ponderada na motivação da sentença – forçoso seria o tribunal a quo dar como provado que a D... vendeu alguns produtos à BB... .
18. Porém, contrariamente ao que resulta, inequivocamente, da prova produzida, o tribunal não dá como provada (i) a venda (deixando o intérprete num autêntico vazio lógico-dedutivo), como também não concretiza, (ii) qual o real objetivo da venda dos bens da D... à BB... , (iii) por que valor foram vendidos os bens e, finalmente, (iv) que destino foi dado ao produto da venda.
19. O facto de a D... ter vendido determinados bens à BB... resulta, desde logo, do “…teor das faturas de compra de material pela BB... à D... , de fls. 649 a 695, juntas na fase de instrução” e, ainda, do “teor dos documentos tendentes a comprovar o pagamento das faturas de aquisição de materiais da BB... à D... , de fls. 803 a 808.”[2]
20. Este facto foi reforçado por aquilo que, segundo a sentença, foi proclamado pelos arguidos e por quase todas as testemunhas.
21. Estando provado que a remoção dos bens, aludida nos pontos 19 a 23 da matéria de facto provada, teve por base um negócio de compra e venda, mister seria apurar o que foi vendido, por que preço e o que foi feito ao dinheiro que constituiu o produto dessa venda.
22. Tratam-se de questões a que a sentença não responde, apesar de nenhum elemento contrariar o que, neste aspeto, foi aduzido pelos arguidos: A... e B... .
23. Não existem elementos probatórios a infirmar que a compra dos bens foi realizada com o intuito de arrecadar dinheiro para a D... .
24. O dinheiro entrou na caixa da sociedade, pelo que os credores ficaram na mesma situação em que se encontravam anteriormente à venda. A venda é, assim, neutra, no que respeita à tangibilidade do património da D... e não pode ser tratada como ato de dissipação, que, por acaso é mesmo o único ato de dissipação recenseado em concreto.
25. O produto da venda ficou, pois, a constar do património da D... , o que desde logo se comprova pela conjugação das declarações dos arguidos A... e B...   e destes com os documentos de fls.643 a 695 e 803 a 808, já supra aludidos.
26. Não resulta provada a situação económica difícil da empresa à data dos factos de que os arguidos vêm acusados e pelos quais foram condenados.
27. O crime de insolvência dolosa, previsto e punível pelo artigo 227/1/a e b do CP, está inserido no capítulo dos crimes contra direitos patrimoniais.
28. A declaração de insolvência atua como mera condição para que quem tenha feito desaparecer tais bens possa ser punido criminalmente, mas não integra o comportamento proibido.
29. A ação típica perpetrada pelo devedor tem de ter a intenção de prejudicar os credores; retardar a falência; vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferir ao corrente; e a intenção de beneficiar o devedor. Nada disto ocorreu no caso em apreço. A decisão não explica o motivo pelo qual os factos, individualmente considerados, ou eventualmente combinados, configuram o crime em causa.
30. Como antes se referiu, estamos perante uma evidente falta de fundamentação, com insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
31. Dos autos não resulta provada a intenção de enriquecimento do Recorrente, quer através de confissão de factos, quer de qualquer outro meio de prova.
32. A situação de inexistência de ativo suficiente para pagar aos credores não foi criada pelo Recorrente aquando da cessão de quotas, da venda ou remoção dos bens, ou liquidação de dívidas às instituições bancárias.
33. Nem sequer há evidências de que, qualquer um destes atos haja prejudicado os credores.
34. A dissipação do património para obviar o pagamento a credores não se presume. Ou se demonstra ou fica por provar. No caso não se provou.
35. Estamos, pois, perante uma insuficiência de prova para a imputação dos elementos objetivos e subjetivos do tipo do ilícito.
36. Sendo certo que, na falta de prova suficiente, tal deve ser decidido a favor do arguido, ora Requerente – in dubio pro reo, princípio acolhido no artigo 32/2 da CRP, que o Tribunal a quo violou.

37. O crime de insolvência dolosa é um crime específico próprio, dependendo a ilicitude de uma qualidade do agente, que é a qualidade de devedor. A comparticipação rege-se pelo disposto no artigo 28 do CP, sendo que a qualidade do agente se comunica aos demais comparticipantes que a não possuam.
38. Não existe nos factos provados qualquer elemento que aponte para a existência de um plano. Não subsiste fundamento para a consideração de que a atuação dos arguidos foi una, de que ambos agiram em concertação de esforços e ambos tiveram o mesmo grau de culpa e o mesmo contributo efetivo para as diferentes ocorrências descritas nos autos – vide neste sentido, entre outros supra indicados, o teor do depoimento de A... .
39. A matéria fáctica é insuficiente, como supra se demonstrou.
40. Como é insuficiente a subsunção das condutas típicas ao (direito) disposto nos artigos invocados.
41. Atentas as considerações supra tecidas, não se encontram provados factos integradores do tipo legal de crime do 227/1/a/b do CP, pelo qual o Recorrente foi condenado.
42. A insuficiência a que alude o artigo 374/2 do CPP, para os efeitos do disposto no artigo 410/3, conjugado com o artigo 379/1/a do CPP, deve determinar a absolvição do arguido. Caso assim não se entenda, o que não se concede, então sempre teria de se determinar o reenvio do processo para novo julgamento, a fim de se proceder ao apuramento de factualidade, que permitisse a imputação ao Recorrente do crime de insolvência dolosa.
Isto posto,
43. Foram incorretamente julgados provados os seguintes pontos da matéria de facto:
43.1. Ponto 2 (este ponto apenas se impugna na medida em que julgamos que resultou provado que o incumprimento por parte da D... relativamente aos  credores começou a verificar-se em 2009, ou seja, em momento anterior à entrada do Recorrente na empresa);
43.2. Ponto 11 (neste ponto apenas se impugna que os arguidos tenham atuado “em conjunto e em execução de plano previamente acordado”);
43.3. Ponto 17 (este ponto apenas se impugna na parte em que refere que os arguidos atuaram “em execução de plano previamente entre ambos acordado);
43.4. Ponto 19 (neste ponto apenas se impugna que os arguidos tenham atuado “em conjunto e em execução de plano entre ambos previamente acordado para proceder à “remoção dos bens”; conforme adiante se aduzirá, o sucedido foi que a D... vendeu e a BB... comprou diverso material (embora não todo) pertencente à primeira);
43.5. Ponto 20 (do rol de materiais cuja remoção lhe é assacada o Recorrente apenas impugna a parte que não corresponda aos bens identificados nas faturas de compra de material pela BB... à D... de fls. 643 a 695 juntas na fase de instrução; o teor dos documentos tendentes a comprovar o pagamento das faturas de aquisição de materiais da BB... à D... de fls. 803 a 808…”,
43.6. Pontos 26, 32 e 33 (pontos em que se impugna a imputação ao ora Recorrente da conduta aí descrita).
44. Por outro lado, deviam ter sido dados como provados um conjunto de factos que, sendo novos e relevantes, não importam uma alteração substancial dos que se acham descritos na acusação e na pronúncia (nos termos do artigo 358/1 e 1/f a contrario do CPP), factos esses que são instrumentais relativamente aos pontos 1, 2, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 32 e 33.
45. Neste sentido, impunha-se dar como provados os seguintes factos instrumentais do exposto no ponto 2 da matéria de facto:
- A D... começou a incumprir com os seus credores no ano de 2009, antes de o Recorrente ingressar na sociedade;
- A D... registava um passivo de cerca de 738.000 € em dezembro de 2010.
46. A prova de tais factos impõe-se face ao depoimento prestado por GG... (cujas declarações foram gravadas na sessão de 16-04-2015, entre as 15:06:17 e as 15:39:09 horas, cfr consigna a respetiva ata) e aos documentos a que esta testemunha alude, os quais se acham juntos aos autos.
47. Impunha-se dar como provados os seguintes factos instrumentais do exposto pontos 1, 11, 16, 17, 18, 19, 26, 32 e 33 da matéria de facto provada:
47.1. - B... foi o gerente de facto da D... , sendo esta que tomava decisões relativas à sociedade, facto que era reconhecido por todos quantos lidavam com a empresa.
47.2. - A... nunca geriu de facto a D... e cfr. resulta de certidão junta a fls. 537 e seguintes, passou a figurar como gerente de direito em 3 de março de 2010.
47.3. - Assim, em março de 2010 A... aceitou o convite de B... e L... para passar a figurar como gerente D... , na condição de B... assegurar a gestão da sociedade e o pressuposto de que A... confiava na gestão realizada por B... .
47.4. - O acordo teve por base o propósito de criar sinergias entre a D... e a BB... (empresa que, conforme é do conhecimento geral, é gerida pelo por A... ): assim, a BB... , gozando de boa reputação comercial conferiria o bom nome de que a D... carecia para poder obter crédito junto dos Bancos; a D... , por sua vez, retribuiria indicando a BB... como empresa de referência aos seus clientes compradores de materiais de construção civil e de imóveis (cfr. ponto 1 da matéria de facto provada).

48. A prova de tais factos impõe-se em face dos meios de prova constituídos pelas declarações do Recorrente (as quais, cfr. documenta a ata de 19-03-2015 do julgamento, foram, gravadas a partir das 11:01:26;[3]) e de AA... (as quais, cfr. documenta a ata de 16-04-2015 do julgamento, foram, gravadas a partir das 15:40:01 horas e as 16:22:35 horas, cfr. resulta da respetiva ata) e B... (declarações prestadas em 19-03-2015, gravadas entre as 10:59:31 e as 11:01:21 horas, cfr. resulta da ata dessa sessão do julgamento).
49. Pelo que, é altamente implausível que o Recorrente, que é técnico de execução de furos desde os 13 anos de idade e tem poucas habilitações literárias tratasse da relação entre a D... e os bancos. É muito mais provável que essa tarefa tenha cabido ao arguido B... , dado que – como resultou da maioria dos depoimentos das testemunhas – era quem a geria, efetivamente, sendo que, quando o Recorrente ingressou na sociedade B... já era sócio da D... e esta tinha existência há muitos anos.
50. Impunha-se dar como provados os seguintes factos instrumentais do exposto nos pontos 12 a 15 da matéria de facto provada:
50.1. - O empréstimo na conta caucionada identificada no ponto 14 da matéria de facto provada foi liquidado antecipadamente por decisão do arguido B... e porque essa conta não era muito utilizada pela D... e esta tinha outras contas caucionadas na C.G.D., na CCAM, no BPN e no Finibanco, onde existiam empréstimos muito superiores.
50.2. - O arguido A... prestou garantias pessoais para caucionar outros empréstimos da D... nos bancos CGA, Finibanco e BPI, garantias essas ainda hoje vigentes.

51. A prova de tais factos impõe-se, sobretudo, em face das declarações prestadas pelo Recorrente (as quais, cfr. documenta a ata de 19-03-2015 do julgamento, foram, gravadas a partir das 11:01:26), que convergiu com as declarações prestadas pelo arguido B... , na identificação de outros empréstimos com garantias pessoais prestadas pelo arguido.
52. Ou seja: é verdade que liquidaram o empréstimo nos termos descritos no ponto 14 da matéria de facto provada. Porém, não sendo esse o único empréstimo da D... relativamente ao qual os arguidos tinham prestado garantias pessoais, não se pode concluir que, com a liquidação do mesmo, estes lograssem “ver-se livres dos ónus” que haviam assumido em benefício da D... . Como é manifesto, esses ónus não se esgotam com na conta caucionada junto do Banco Popular.
53. Impunha-se, ainda, dar como provados os seguintes factos instrumentais do exposto pontos 19 a 23 da matéria de facto provada:
53.1. - A D... vendeu à BB... , que pagou o respetivo preço, um conjunto de materiais utilizados pela BB... na sua atividade, constituídos, essencialmente, por equipamento de proteção (tal como botas de borracha, capacetes, coletes, etc) e ferramentas (tais como enxadas, martelos, caixas de chaves, silicone, etc), todos melhor identificados nos documentos constantes de fls.643 a 695 e 803 a 808 dos autos;
53.2. - O arguido B... elaborou uma lista identificando o material que pretendia vender e o respetivo preço, tendo sido, com base nessa lista que o Recorrente ordenou aos seus funcionários que levassem e pagassem tudo o que fosse aproveitável para a BB... .
54. Os meios de prova de onde se extraem os factos (instrumentais) acabados de elencar resumem-se essencialmente aos documentos de fls. 643 a 695 e fls. 803 a 808 e aos depoimentos do Recorrente (em declarações que prestou em 19-03-2015, gravadas entre as 11:01:26 e as 11:02:02 horas), de AA... (em declarações prestadas em 16-04-2015, gravadas entre as 15:40:01 horas e as 16:22:35) e D... (em declarações prestadas em 26-03-2015, entre as 12:14:25 e as 12:40:34).
55. Assim, como se disse no ponto 3.3., supra[4], encontram-se juntos aos autos, tendo sido analisados pelo tribunal a quo, “…o teor das faturas de compra de material pela BB... à D... de fls. 643 a 695 juntas na fase de instrução; o teor dos documentos tendentes a comprovar o pagamento das faturas de aquisição de materiais da BB... à D... de fls. 803 a 808…”.
56. A veracidade de tais documentos que não foi posta em causa por nenhum outro elemento probatório. Pelo contrário, as testemunhas que depuseram sobre esta matéria confirmaram aquilo que nesses documentos se acha expresso: a D... vendeu um conjunto de materiais à BB... .
57. Conforme resultou provado (ponto 23 da matéria de facto), a referida venda de material à BB... não punha em causa a continuidade da D... (cujo objeto social – recorde-se – consiste, designadamente, no comércio de materiais de construção, cfr. ponto 1 da matéria de facto provada), não tendo sido vendido todo o imobilizado da D... , mas apenas alguns bens.
58. Não houve depreciação do património da D... . Deu-se a venda cujo produto foi recebido pelo vendedor. Não houve ocultação desses bens (eles foram vendidos, sabendo-se a quem – BB... – e para onde foram levados – instalações da BB... , cfr resulta do exposto no ponto 19 da matéria de facto provada). E, a montante de tudo isto, na base desta venda efetiva não esteve qualquer intenção de prejudicar quaisquer devedores. Pelo contrário, visou-se obter dinheiro para a empresa, D... , a qual dele necessitava para pagar as suas inúmeras dívidas.
Isto posto,
59. O Recorrente foi condenado no pedido de indemnização civil.
60. Nos termos do disposto no artigo 129 do CP “a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil”.
61. Determina o artigo 483/1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
62. A efetivação da responsabilidade civil depende da verificação do seguinte encadeamento cronológico, tal como, pacificamente, é definido pela doutrina e pela jurisprudência: o facto voluntário; a ilicitude; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano; e, finalmente, nexo de causalidade entre o facto e o dano.
63. O Código Civil Português adotou a chamada teoria da causalidade adequada, em detrimento, nomeadamente, da teoria da condição sine qua non.
64. A busca da solução para o problema agora em análise, remete para o disposto no artigo 563 do Código Civil, de acordo com o qual “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido, se não fosse a lesão”.
65. No troço dedicado aos PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL, constante da alínea G da sentença, o tribunal a quo não refere qualquer facto que haja sido praticado pelo Recorrente, nem, obviamente, estabelece, a ligação entre factos praticados por este e os danos sofridos pelos demandantes civis.
66. Limita-se a listar generalidades de ordem legal sobre a origem, natureza e amplitude da responsabilidade, invocando os preceitos pertinentes do Código Civil, aludindo, antes, aos pedidos civis formulados, seguindo-se, de forma silogística, a condenação do Recorrente.
67. A penúria evidente que se manifesta nos factos provados, inviabiliza a condenação no pedido de indemnização civil, ficando por apurar:
  • Quando entrou o Recorrente para a sociedade.
  • Qual o prejuízo derivado para a sociedade, do facto de se terem pago dívidas daquela ao Banco Popular.
  • Se ao pagamento efetuado ao Banco Popular, não correspondeu um alívio do passivo social.
  • Porque valor foram transacionados os bens entre a D... e a BB... .
  • Quanto valeriam esses bens. Qual a utilização do dinheiro recebido pela D... .
  • Se antes da entrada do Recorrente na insolvente, a situação desta era melhor ou pior, do que quando este alienou a sua participação social.
68. Não está demonstrado, que os atos assacados ao Recorrente (cessão de quotas, aquisição de materiais pagamento ao Banco Popular ou aquisição de bens a crédito), estiveram na origem da degradação da insolvente, a ponto de terem CRIADO ou Agravado a insusceptibilidade de cumprimento das suas responsabilidades.
69. A conduta do Recorrente não está caracterizada, de modo a atribuir-se-lhe, enquanto causa, qualquer consequência na insolvência.
70. Sobre o plano detetado no ponto 11 dos factos provados, não existe qualquer vestígio de prova.
71. A ausência de prova inviabiliza o recurso ao artigo 127 do CPP.

Em resumo:
72. Há factos, mas que não são ilícitos. Os demandantes civis terão sofrido danos, mas, entre estes e os factos praticados pelo Recorrente, não existe qualquer nexo de causalidade.
73.  Não se consegue estabelecer esse nexo entre a conduta que é assacada aos arguidos e o prejuízo sofrido pelas firmas demandantes (não recebimento de valores devidos pelo pagamento de materiais vendidos à D... ).
74. É manifesto que antes da mencionada conduta a D... já tinha dificuldades económicas e estava impossibilitada de fazer face a todos os seus compromissos. Ou seja, a impossibilidade de a D... pagar é anterior aos factos praticados pelos arguidos.
75. A matéria de facto disponível não permite passar o primeiro filtro, que é imposto pela teoria da causalidade e tem expressão normativa no artigo 563 do Código Civil.
76. Pois não se pode atribuir a nenhum facto imputado ao Recorrente, o prejuízo causado aos demandantes civis.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO:

Deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência:

1. Ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se o Recorrente do crime pelo qual foi condenado, bem como dos pedidos civis contra si deduzidos e das custas.
Caso assim se se não entenda,

2. Devem considerar-se procedentes as nulidades arguidas no ponto 3 do presente recurso, com as legais consequências;

3. Deve ser ordenado, nos termos do artigo 426/1 do CPP, o reenvio do processo para o Tribunal da Comarca de Leiria (Instância Local, Secção Criminal, J1), renovando-se a prova constituída pelo depoimento da testemunha F... conforme exposto no ponto 2 do presente recurso;

4. Deve julgar-se procedente por provado e, consequentemente o recurso da matéria de facto, nos termos expostos no ponto 4 do presente recurso, introduzindo-se nela as alterações constantes do presente recurso.

Assim, Venerandos Desembargadores, será feita a habitual JUSTIÇA.
O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto manifestando-se pela improcedência do recurso defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada.

            Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

1.         No período de tempo abaixo indicado, os arguidos B... e A... foram gerentes da sociedade D... , Lda., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria com o nº. (...) , com o objeto de comércio de materiais de construção, construção civil, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, transporte rodoviário de mercadorias, nacional e internacional, por conta de outrem, e sede na Rua (...) , Leiria;-------------
2.         A dado momento, a sociedade D... , Lda. passou a incumprir, de forma generalizada, quanto aos pagamentos das suas dívidas, nomeadamente para com as empresas suas fornecedoras;-------------
3.         Naquelas empresas se incluindo, entre outras, as sociedades P... , SA., com sede em Pombal, Q... , SA., sedeada em (...) , Figueira da Foz, Cerâmica XX... , SA., sedeada na (...) , Porto de Mós, C... , SA., com sede em (...) , Ourém, E... , S.A. sedeada em (...) , Ourém, R... , SA., sedeada em (...) Ansião, S... , SA., com sede em (...) , Porto de Mós;-----------
4.         A empresa P... , S.A., no exercício da sua atividade, forneceu britas e seus derivados à sociedade D... , Lda.;--------------
5.         Dando origem à emissão das faturas, correspondentes aos fornecimentos efetuados, que perfizeram o montante total de € 9.208;------------
6.         A sociedade D... , Lda. não procedeu ao pagamento da referida quantia, tendo entregue à empresa P... , SA. uma letra de câmbio no valor de €7.684,70 e um cheque no valor de €1.524,30;---------
7.         A sociedade D... , Lda. não reformou a letra de câmbio e o aludido cheque não se revelou susceptível de pagamento na data do seu vencimento;----------
8.         Pelo que a empresa P... , S.A. intentou a respetiva ação executiva comum contra a sociedade D... , Lda., que correu termos no 2º. Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, sob o n.º 1927/11.0TBPBL;-----------
9.         O que igualmente sucedeu relativamente à empresa Q... . SA. que instaurou um processo de execução comum contra a sociedade D... , Lda., com n.º 4217/11.4 TBLRA, que correu termos no 3.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, para pagamento de materiais fornecidos pela primeira à segunda das referidas empresas, e que esta última não lhe pagou;----------------
10.       A sociedade D... , Lda. não efectuou igualmente pagamentos referentes a diversos fornecimentos de materiais que recebeu da empresa C... , S.A. relativos a materiais de construção e da empresa S... , S.A. relativos a telhas cerâmicas;-------------
11.       No período anterior à data de 15.07.2011, actuando em conjunto e em execução de plano entre ambos previamente acordado, os arguidos dedicaram-se à compra de materiais a crédito, em nome da sociedade D... , Lda.;-------
12.       O que ocorreu, nomeadamente, no tocante à aquisição a crédito de telhas que os arguidos efectuaram junto da empresa Cerâmica XX... , S.A.;------
13.       Após o que, com os valores monetários realizados, e outros que a sociedade D... , Lda. recebeu das empresas construtoras suas clientes, os arguidos passaram a pagar às instituições bancárias as quantias em dívida aí existentes que tinham garantias pessoais dos mesmos;-----------
14.       Na data de 14.07.2011, os arguidos dirigiram um pedido ao Banco Popular para a liquidação integral da conta corrente caucionada pelo contrato nº. 050-00121-25, no montante de €25.000, e para a liquidação total e antecipada do empréstimo mútuo nº. 044-00152-38, no montante de €22.000, através da respetiva conta de depósitos á ordem da sociedade D... , Lda.;------------
15.       Tendo, na data de 18.07.2011, em consequência daquele pedido, o Banco Popular realizado uma transferência entre contas no valor de €25.000 e uma operação para débito em conta no valor de €21.671,77;--------------
16.       Deixando os arguidos de efectuar pagamentos aos seus demais credores, entre os quais se contando as supra mencionadas empresas fornecedoras de materiais;------------
17.       Na data de 14.07.2011, no Cartório Notarial de N... , sito na Avenida (...) , em Lisboa, os arguidos actuando em execução de plano previamente entre ambos acordado, e intervindo por si e como procuradores das suas mulheres, K... e J... , outorgaram uma escritura pública de cessões de quotas, aumento de capital e alteração parcial do contrato relativo á sociedade D... , Lda., na qual interveio, ainda, F... como terceiro outorgante;------
18.       No âmbito da referida escritura B... e K... (na qualidade de primeiros outorgantes) e A... e J... (na qualidade de segundos outorgantes) declararam ser os únicos sócios e gerentes da sociedade D... , Lda., com o capital social de cento e vinte e cinco mil euros; que no referido capital social, o primeiro outorgante era titular de uma quota do valor nominal de vinte e cinco mil euros e o segundo outorgante era titular de uma quota do valor nominal de cem mil euros; que, pela referida escritura, os dois primeiros outorgantes, e as suas representadas mulheres, cediam as quotas de que eram titulares a F... , que as aceitou nos termos exarados; tendo F... , na qualidade de único sócio, deliberado, na altura, nomear gerente o não sócio G... ;-----------
19.       Na data de 14.07.2011, actuando ainda em conjunto e em execução de plano entre ambos previamente acordado, os arguidos mandaram remover para vários imóveis pertencentes ao arguido A... , nomeadamente para uns barracões situados na Quinta (...) , Leiria, bens que constituíam o imobilizado pertencente à sociedade D... , Lda., que se encontrava no armazém desta última, situado na localidade de (...) , Leiria;------------
20.       Naquele se incluindo os materiais de construção civil, as máquinas, os utensílios de trabalho e as ferramentas, tais como tijolos, cimentos, ferro, andaimes, carros de mão, rebarbadoras e betoneiras, e as viaturas automóveis, sendo que pelo menos uma ligeira e quatro pesadas, com e sem reboque;------------
21.       Dando os arguidos ordens nesse sentido a DD... , que na altura trabalhava numa empresa de que era gerente A... , denominada EE..., a quem, para o efeito, entregaram as chaves das instalações da sociedade D... , Lda. e as chaves das viaturas automóveis pesadas que na altura ali se encontravam;-----------
22.       Tendo-se DD... deslocado para esse fim, no dia 15.07.2011, acompanhado de outros indivíduos, ao aludido armazém situado na localidade de (...) , Leiria, pertencente à sociedade D... , Lda.;----------
23.       De onde procederam à remoção de parte dos referidos bens e objectos para os mencionados barracões situados na Quinta (...) , Leiria pertencentes a A... ;----------
24.       Utilizando DD... e os seus acompanhantes, para o efeito, entre outras, as viaturas automóveis com as matrículas (...) ER, (...) FL e C-6 (...) FL;------------
25.       Os arguidos diligenciaram, entretanto, pelo registo na Conservatória do Registo Comercial de Leiria da escritura de cessão de quotas mencionada supra, assim como da sua renúncia à gerência da sociedade D... , Lda., o que foi efetuado na data de 26.07.2011;----------
26.       Com a sua descrita conduta os arguidos descapitalizaram a sociedade D... , Lda. e dissiparam todo o seu património, sonegando-o e ocultando-o aos seus credores, com o consequente prejuízo para estes últimos;------
27.       No âmbito das execuções instauradas pelos credores contra a sociedade D... , Lda., não foram encontrados quaisquer bens móveis ou imóveis susceptíveis de serem penhorados;-----------
28.       Não tendo a sociedade D... , Lda., a partir da aludida data de 15.07.2011, desenvolvido qualquer atividade associada ao seu objecto;-------
29.       A sociedade D... , Lda. foi declarada judicialmente insolvente, em 24.01.2012, por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo de insolvência n.º 6095/11.4TBLRA do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, instaurado a requerimento da empresa P... , S.A.;--------------
30.       Por o Tribunal ter considerado que a sociedade D... , Lda. deixou de cumprir as suas obrigações para com os seus credores e que a mesma não tinha nem capacidade económica e financeira nem possibilidade de gerar solvabilidade que lhe viesse a permitir o cumprimento no futuro dessas suas obrigações;-----------
31.       No âmbito do citado processo nº. 6095/11.4TBLRA, o Tribunal qualificou a mencionada insolvência da sociedade D... , Lda. como culposa;---------
32.       Os arguidos agiram ambos conscientes, livres e deliberadamente, de forma conjunta e concertada, em nome e no interesse da sociedade D... , Lda., com o propósito de prejudicarem, como efetivamente prejudicaram, os credores da aludida sociedade D... , Lda., entre eles se contando as empresas mencionadas supra;----------
33.       Sabiam os arguidos que as respectivas condutas eram proibidas por lei;------
Apurou-se, ainda, que:-------------
34.       A firma E... , S.A. forneceu à D... , Lda. materiais do seu comércio, os quais foram entregues (a que se referem as facturas discriminadas no extracto de fls. 626 dos autos), no montante global de €36.365,13 que não foram pagos;--------
35.       A firma C... , S.A. forneceu à D... , Lda. materiais do seu comércio, os quais foram entregues (a que se referem as facturas discriminadas no extracto de fls. 630 a 633 dos autos), no montante global de €94.049,93 que não foram pagos;--------
36.       O arguido B... encontra-se actualmente desempregado; vive de RSI; tem dois filhos menores a seu cargo; recebe ajuda de familiares;-------
37.       O arguido A... é dono da firma BB... e aufere, pelo menos, 1.000,00€ mensalmente; a sua mulher aufere cerca de 800,00€ mensalmente; tem dois filhos, encontrando-se um a seu cargo;------------
38.       Os arguidos não têm antecedentes criminais.--------------

C) – FACTOS NÃO PROVADOS:---------

Não se provou:----------------
.que a remoção dos bens aludida supra no ponto 19 fosse de todos os bens;---------
.que os materiais referidos supra no ponto 20 estivessem todos em estado novo;--------
.que os veículos ligeiros supra referidos no ponto 20 fossem três;----------
.que os indivíduos supra referidos supra no ponto 22 fossem cinco;--------
.que o transporte esse de bens e objectos que continuou a ser efetuado nos dias seguintes, se bem que nessas datas não contando já com a participação de DD... , até à remoção da totalidade do recheio existente no mencionado armazém situado na localidade de (...) , Leiria, pertencente à sociedade D... , Lda.;----------------
.que os arguidos não entregaram ou diligenciaram pela entrega dos elementos contabilísticos da sociedade D... , Lda. a F... , a G... ou ao Administrador da Insolvência nomeado no âmbito do referido processo nº. 6095/11.4TBLRA, a saber o Dr. H... ;------------
.que os arguidos retiveram em seu poder e ocultado os documentos de contabilidade da sociedade D... , Lda., assim violando os mesmos o correspondente dever de colaboração com o Tribunal;-----------
.que os arguidos tenham vendido mercadorias adquiridas a crédito por preço inferior ao da sua compra, nomeadamente as telhas supras referidas no ponto 12.-----------

D) - MOTIVAÇÃO:-------------------

Os arguidos esclareceram a sua situação económica e de vida com credibilidade e, quanto aos factos imputados na acusação, prestaram declarações, apresentando as suas versões dos factos.--------------

B... , em síntese, referiu que foi efetivamente gerente da firma “ D... ” juntamente com o arguido A... , esclarecendo que ficou por pagar um débito à firma P... de “9.000 e tal euros”, negando que tenha comprado materiais e vendido por preço inferior, alegando que o volume de negócio havido com afirma de cerâmica XX... foi de 2/3 mil euros, irrisório no cômputo global; com respeito á conta caucionada de 25.000€ no Banco Popular sustentou que o empréstimo nesta conta, de que os arguidos eram avalistas, foi liquidado antecipadamente porque essa conta não era muito utilizada e a empresa D... tinha outras contas caucionadas na CGD, na CCAM, no BPN e no Finibanco, onde existiam empréstimos de valores muito superiores; quanto à venda da empresa e à realização da respetiva escritura em Lisboa, referiu que apareceram pessoas ( G... e F... ) interessadas na sua compra, interessadas em adquirir uma empresa de fornecimento de materiais, tendo a firma BB... comprado, pago e removido um conjunto de materiais à D... , tais como compressores, ferramentas várias, tubagens e não automóveis, remoção feita por DD... , funcionário do arguido A... na firma deste ( BB... ), antes da realização da escritura pública de compra e venda; referiu que tinha em seu poder as chaves das instalações da firma D... e que deu uma cópia ao adquirente, o tal F... ; sustentou que decidiu juntamente com o arguido A... vender a firma D... porque se queriam desvincular da empresa, tendo apenas cerca de 25% dos bens desta firma sido vendidos às firmas BB... (propriedade do arguido A... ) e FF... (em tempos da propriedade do arguido A... e, depois, propriedade do filho deste); referiu que não tirou proveito para si da venda da empresa, tendo perdido o valor da sua entrada inicial de 25.000€; referiu que em inícios de 2011 a empresa tinha cerca de 600,000€ de dívidas a bancos e a fornecedores e, de créditos para receber, cerca de 300,00€; esclareceu que se encontrava diariamente na empresa e o arguido A... era quem se ocupava mais da parte financeira, sendo dono de outras empresas ( BB... , EE... ).------------

Por seu turno, o arguido A... referiu, em síntese, que foi gerente da firma D... , mas que não participou nos atos descritos na causação, sendo que era o arguido B... quem geria aquela firma, uma vez que se ocupa a tempo inteiro da sua empresa, a BB... , limitando-se a assinar os cheques referentes à atividade da D... ; como esta firma entrou em dificuldades em 2011, decidiu vender algum dos materiais e veículos que compunham o seu ativo, o qual foi adquirido pela firma BB... , firma que lhe pertence, por cerca de 20/30.000€; para tal, deu ordens a pessoal seu, nomeadamente o DD... (abaixo indicado) para levar os materiais para as instalações de Amor, remoção que ocorreu uns dias antes da cessão de quotas e uns dias depois da escritura de venda; referiu que vendeu a D... para poder pagar o que esta firma devia; quanto à liquidação antecipada do empréstimo no Banco Popular, referiu que “não sabe responder”, sustentando que a venda da D... “não lhe deu lucro”, desconhecendo a existência de acções executivas.-----------

H... , administrador de insolvência, referiu desconhecer os factos dos autos, sendo que não conhece os arguidos; referiu que foi AI da firma D... , tendo esta firma sido declarada insolvente com carácter limitado, por inexistência de património, razão por que se limitou a “dar um parecer”; contactou com o gerente e não obteve resposta, não fez diligências para apurar da existência de património e recebeu diversas reclamações de créditos.-------------

F... , referiu que nunca comprou nenhuma empresa ou participou em qualquer escritura pública, limitando-se a “assinar papéis” que “um senhor lhe pedia para assinar”, com a garantia de que “não havia problema”, fazendo “biscates” para um tal G... , com quem foi, várias vezes, a um notário, ou a mando dele, em escritórios de advogados, em datas que não sabe precisar; não conhece qualquer empresa de Leiria.-------------

T... , presidente do conselho de administração da firma P... , referiu que esta firma foi fornecedor de produtos de pedreira à firma D... em 2010-11, não conhecendo a pessoa dos arguidos; esclareceu que ficaram em débito alguns fornecimentos, no montante de cerca de 10.000€, tendo sido aceites uma letra comercial e alguns cheques pré-datados tendentes ao seu pagamento, o qual não chegou a ocorrer, uma vez que a letra não foi paga nem reformada e os cheques foram devolvidos sem provisão; por isso, a P... requereu a insolvência da D... , apesar de sempre ter tido a informação de que esta firma tinha movimentos e meios para exercer a sua atividade, tendo sido privilegiada a Banca em prejuízo dos fornecedores, uma vez que estes já não dispuseram de bens para liquidar os seus créditos; referiu que a última factura de fornecimento foi de 10.05.2011, no valor de 172,00€.--------

Z... , guarda da GNR, referiu que se limitou a identificar “uns indivíduos” que estavam a carregar bens, consistentes em materiais vários e ferramentas ligados à construção civil, desconhecendo os demais factos descritos na acusação; e CC..., guarda da GNR, lembra-se vagamente de uma ocorrência relacionada com uma penhora, não tendo conseguido concretizar os factos.--------

DD... , anterior funcionário do arguido A... entre Junho de 2010 e Fevereiro de 2014 na firma BB... , referiu que o arguido A... , depois de lhe entregar a respetiva chave, o mandou dirigir-se às instalações da firma D... para ir buscar materiais de construção, ferramentas e veículos pesados (uns quatro semi-reboques) que se encontravam no armazém e estaleiro dessa firma, no (...) , o que fez acompanhado de mais umas 4/5 pessoas, por alturas de Junho/Julho de 2011; referiu que teve instruções do arguido A... para “trazer tudo”, “o que coubesse” nos veículos e para levar tais bens para as instalações da propriedade do arguido A... , o que fez, cumprindo ordens do seu patrão; desconhece qual o destino que depois foi dado aos bens e veículos removidos, os quais nunca viu ao uso da BB... .----------

U..., gerente das firmas E... e C... referiu que conhece os arguidos, o B... do armazém, com quem habitualmente lidava, o A... por ser sócio, tendo as suas firmas fornecido materiais – betão, blocos e paletes de cimento – no valor de “cento e trinta e tal euros”, pagamento que foi corporizado em cheques e letras, que não chegou a ter boa cobrança; foi alertado por um fornecedor que a firma estava a retirar bens das suas instalações, deslocou-se ao local e viu “o DD... a tirar coisas do estaleiro”, dizendo-lhe que “estava a cumprir ordens do (arguido) A... ” e nesse momento “percebeu que estava lixado”, vendo que o património estava todo a ser retirado e ouviu que a empresa “tinha sido vendida a uma pessoa de Lisboa”, razão por que apresentou uma participação na PJ nos dias seguintes; precisou que a sua firma, C... , forneceu à D... , uns dias antes, oito paletes de cimento, e nada sabia que a D... “ia acabar”; esclareceu que a circunstância de o arguido A... ser sócio da D... dava “garantias” de que esta empresa tinha solvabilidade, razão por que procedeu aos referidos fornecimentos de materiais, caso contrário, não os teria feito.----------

V... , contabilista das firmas E... e C... , referiu que a firma D... foi cliente daquelas duas firmas, sabendo que foi vendida em Julho de 2011, sendo que, nesta data, existia um saldo devedor da D... àquelas duas firmas, de 36.000€ (à E... ) e de 94.000€ (à C... ), sendo que ambas as empresas forneceram materiais nos primeiros meses do ano de 2011; soube por terceiros que se “estavam a retirar as existências da D... ” e que esta firma “estava a vender mercadorias abaixo do preço de custo”; precisou que era com o arguido B... com quem tratava dos assuntos relacionados com os fornecimentos; teve conhecimento que houve cerca de sete empresas que o tal F... (que comprou a D... ) havia antes comprado e que “todas elas tinham ido para a insolvência”; concluiu a referir que desde 2008 que as empresas E... e C... foram fornecedoras da D... e que “nunca pôs em causa” a empresa, caso contrário, nunca teria dado crédito, tanto mais que houve pagamentos em data próxima à data da venda.-------------

I... , gestor de pré-fabricados e de betão pronto nas firmas E... e C... , referiu que estas duas firmas forneceram materiais à D... , tratando em regra com o arguido B... , sabendo, no entanto, que o outro sócio da firma era o arguido A... ; esclareceu que teve conhecimento que a firma D... foi vendida e que houve fornecimentos de materiais que não foram pagos na ordem dos 130.000€, valor que nunca chegou a ser recuperado; sabe que o arguido B... dirigia, dava ordens e mandava pagar os fornecimentos; teve conhecimento que uns dias antes da declaração de insolvência “se estavam a tentar vender materiais a baixo custo” bem como a tentar vender a empresa a terceiros, tendo-se deslocado às instalações da D... e viu que estavam a ser retirados materiais e equipamentos de stock, apercebendo-se de que “algo não batia certo”, tanto mais que antes desta facto não havia sequer rumores de que a empresa D... “ia para a insolvência” e esteve num almoço uns tempos antes com o arguido B... , no qual este transmitiu que a empresa “ia bem”, pelo que a escritura de venda e a remoção dos materiais constituiu para si “uma surpresa”.---------------------

X... , director comercial da firma de cerâmica XX... , referiu que esta empresa forneceu materiais – telha - à D... algumas vezes, tendo adquirido uma carga de telha uns dois/três dias antes de a D... ter sido vendida, carga essa que o arguido B... referiu que “seria paga na sede da BB... amanhã”, no valor de cerca de 2.500€, sendo que no dia seguinte viu um conjunto de pessoas a “tirar coisas” das instalações da D... para dentro de um camião “com cortina”, razão por que chamou a polícia; teve conhecimento “por conversas” que foi vendida telha por preço inferior ao de custo (precisando que a venda por preço inferior, ainda que seja por menos um cêntimo, em cargas grandes, é relevante no mercado).----

O... , economista na firma S... , referiu que a firma D... era cliente daquela empresa, produtora de telhas cerâmicas, tendo ficado “em aberto”, por regularizar, um débito de 4.315€, resultante da conta-corrente, referente a fornecimentos de Dezembro de 2010 e Março de 2011, ainda não cobrados.----------------

Da defesa foi ouvido GG...., antigo TOC da D... até Maio de 2011, precisou que a empresa vivia numa situação económica difícil desde 2009, consequência de exercícios anteriores, devidos a dificuldades de receber de clientes, à concorrência, com um passivo, em Dezembro de 2010, de cerca de 738.000€ (de acordo com o balanço e balancetes que elaborou), sendo que foi vendido um veículo por cerca de 30.000€ para tentar obter algum dinheiro e a empresa, não obstante, detinha activos (conta-corrente de clientes, materiais de comércio e veículos automóveis); referiu que teve reuniões com o arguido A... , esporadicamente, para tratar de assuntos financeiros da D... ; referiu que não sabia que esta empresa ia ser vendida, o que tomou conhecimento entretanto, constituindo para si “uma surpresa”; perguntado, esclareceu que ninguém o contactou para obter qualquer informação quanto á saúde financeira da D... .----------------

AA... , referiu ter sido funcionária do arguido A... na BB... , até Outubro de 2014 e fazia “a ligação” com a D... , tratando da parte administrativa; referiu que o arguido A... adquiriu parte desta firma porque tinha “bom nome e crédito”, sendo o arguido B... quem geria no dia-a-dia a empresa; a dado momento, soube pelos arguidos que a D... encerrou, sendo que a BB... comprou, facturou e pagou, materiais à D... (botas, coletes, enxadas, caixas de chaves, silicones, mangueiras de pressão, etc.), embora não todo, tendo sido o arguido B... quem colocou os preços, materiais esses que foram depositados num (...) da BB... , numa altura em que a D... já devia cerca de 600,000 euros, desconhecendo a forma como ocorreu a venda dessa empresa, limitando-se a entregar um veículo e chaves a um tal “Sr. F... ”, adquirente da empresa, um Renault que estava na posse no arguido A... .-----------------

M... , industrial, limitou-se a salientar as boas qualidades sociais dos arguidos, desconhecendo os factos.-----------

HH... , funcionário do arguido A... na BB... , referiu que se deslocou (em data que não soube concretizar) às instalações da D... juntamente com a testemunha DD... “carregar material”, que descreveu, para o interior de um camião com um toldo (cortina lateral), observando uma lista que o DD... levava consigo, sendo que esse material foi depois descarregado nuns pavilhões que o arguido A... é dono, material esse que depois foi posto ao uso da BB... .----------------

W... , ligado à firma Q... , referiu que esta firma forneceu tijolo e materiais de construção à D... , sendo o último fornecimento de 11.07.2011, a qual ficou a dever cerca de 80.000 euros, tomando conhecimento que entretanto aquela firma foi vendida, razão por que enviou um fax à PJ a 18.07.2011 (de fls. 2 e 3), porque soube que a empresa tinha bens e que “estavam a ser retiradas as coisas todas”, tendo apurado “na Internet” que o tal “Sr. F... ”, que ficou a ficar ligado à D... , era um “profissional das insolvências”, sendo que a D... não voltou a funcionar; referiu que apesar de, inicialmente, a D... , com os arguidos B... (seu interlocutor no dia-a-dia) e A... à sua frente, se atrasar por vezes nos pagamentos, tal não constituía preocupação, não só porque “ia pagando”, como ainda a ligação do arguido A... á mesma conferia segurança aos credores por gozar de boa reputação, salientando que a venda da D... foi inesperada, porque ninguém fazia ideia de que isso iria acontecer; mais referiu que chegou a falar com o arguido B... sobre a venda da empresa, tendo-lhe este referido que “tinha sido o A... a decidir tudo”.------------

Y... , administrador da firma R... desde 2011, referiu conhecer os arguidos e que aquela firma forneceu ferro à D... , no âmbito de uma relação comercial existente, com fornecimentos a crédito; soube que os arguidos venderam a empresa, tendo pe4rguntado ao arguido A... “como é?” (porque o adquirente já tinha empresas insolventes) ao que este lhe respondeu para “estar descansado, ele (o “sr. que comprou a D... ”) vai pagar tudo, tem dinheiro para pagar tudo”, percebendo então que tinha sido uma “pura jogada” dos arguidos para “fugir às suas responsabilidades”, as quais, em relação à firma R... , rondam os 50.000 euros; mais referiu que soube que desapareceram bens da D... , segundo “informação que passou”, mostrando-se os credores da insolvente indignados com a situação de venda da mesma pelos arguidos, já que depositavam confiança nos arguidos, em especial no arguido A... .--------

Foi ainda lido em audiência de julgamento o depoimento da falecida testemunha, G... , como se consignou em acta, conforme consta de fls. 233 e v.º, na sequência do teor do documento junto aos autos, assento de óbito de fls. 1084 (art.º 356º-4 do CPP).---------

Foram ainda considerados, conjugadamente, o teor dos seguintes elementos documentais juntos aos autos: o teor da denúncia de W... à PJ de fls. 2 a 13; o teor da cópia do DR de fls. 9 a 13 onde constam os anúncios de insolvências de empresas onde figura F... como administrador e devedor; o teor da denúncia da firma C... contra os arguidos de fls. 19 a 33; o teor do extracto da conta-corrente de facturas em dívida pela D... à C... de fls. 34 a 36; o teor da escritura de cessão de quotas de 14.04.2011 de fls. 42 a 46; o teor da queixa de F... de fls. 85 a 87; o teor dos documentos bancários de fls. 90 a 99; o teor da matrícula da sociedade D... de fls. 100 a 118, 392 a 418; o teor do e-mail de fls. 264-5 quanto a débito existente; o teor da certidão da sentença no Proc. n.º 6095/11.4TBLRA-A de fls. 339 a 357 declarando culposa a insolvência, requerida por C... , de D... , o teor do parecer da insolvência de fls. 358 a 361; o teor da sentença de insolvência de fls. 362 a 366 requerida por P... ; o teor da matrícula da sociedade Q... , S.A. de fls. 420 a 434; e da firma Cerâmica XX... de fls. 435 a 462; e da firma S... de fls. 463 a 472; e da sociedade E... de fls. 473 a 486; o teor do auto de ocorrência da GNR de fls. 493; o teor da matrícula da sociedade Sondagens 2000 de fls. 495 a 503 e da firma BB... de fls. 511 a 519; o teor da informação do Banco Popular quanto à liquidação de conta corrente caucionada de fls. 527 a 556; o teor das facturas de compra de material pela BB... à D... de fls. 643 a 695 juntas na fase de instrução; o teor dos documentos tendentes a comprovar o pagamento de facturas de aquisição de materiais da BB... à D... de fls. 803 a 808; e de notas de pagamentos da D... a diversas empresas de fls. 815 a 824, 829 a 831; o teor dos extractos de conta da D... de fls. 835 a 861; e o teor dos CRC´s dos arguidos de fls. 966-7 quanto à ausência de antecedentes criminais; o teor da certidão extraída dos autos de insolvência da firma D... , proc. n.º 6095/11.4TBLRA do extinto 2.º J.º Cível do TJ de Leiria de fls. 989 a 1009, por sentença declaratória de 24.01.2012.----------------

Da prova produzida, e pese embora as declarações não convincentes dos arguidos quanto aos factos imputados, resultou apurado que efetivamente estes adquiriram a empresa D... e eram seus gerentes de direito e de facto, gerindo essa empresa em todos os seus segmentos empresariais, tomando decisões em conjunto, ainda que em repartição de tarefas, como, aliás, ambos os arguidos admitiram em audiência de julgamento; embora se admita que os arguidos não tenham auferido lucro líquido com a venda da empresa D... ao referido F... , ainda que em representação do falecido G... , o certo é que o arguido B... (bem como o arguido A... , embora não o tenha verbalizado em audiência) bem sabia que em inícios do ano de 2011, a empresa contava já com cerca de 600.000€ de dívidas a bancos e a clientes ou fornecedores, é notório, pela descrição da sucessão dos factos, que retiraram proveito ao se “desfazer” da empresa e do respectivo passivo, “livrando-se” do mesmo, bem sabendo que iriam, desse modo, prejudicar os seus credores; não só porque retiraram, senão todo (tal facto não se apurou com evidência), pelo menos a maior parte do imobilizado com valor, incorporando-o no património do arguido A... , como sabiam que não tinham garantias de que os adquirentes da D... iriam cumprir pontualmente com o pagamento da facturação em dívida; na verdade, apesar de ambos os arguidos terem liquidado, com verbas que ainda dispunham, as suas obrigações pessoais bancárias junto do Banco Popular, não podia o arguido A... “descansar” os seus credores, como fez por exemplo à empresa R... , como referiu a testemunha Y... , seu administrador; é verdade que a D... funcionava e obtinha fornecimentos de materiais de construção das supra indicadas empresas, não só porque “ia pagando”, como, ainda, dispunha de um gerente que gozava de crédito na praça, o arguido A... , dono da firma BB... , com algum prestígio na zona de Leiria e que constituía como que “o garante” de que, mais cedo ou mais tarde os arguidos honrariam as obrigações da D... junto dos seus fornecedores; nada disto ocorreu; os arguidos, cientes do avolumar de dívidas desta empresa e ainda que desenvolvendo trocas comerciais e recebendo fornecimentos de materiais, decidiram, sem pré-aviso e bruscamente, vender a empresa a terceiros, fora das vistas dos seus credores, num cartório em Lisboa (fls. 4 a 8), transferindo-a para as mãos de pessoas ligadas à aquisição de empresas em situação de insolvência (fls. 9 a 13); os arguidos sabiam que iriam prejudicar necessariamente os seus fornecedores, tanto mais que poucos conseguiram entrar em contacto consigo depois de correrem rumores de que a empresa havia sido vendida; todos os representantes das empresas acima indicadas ( T... da P... , U... e I... da E... e C... , X... da XX... , W... da Q... e Y... da R... ) referiram de forma concorde que a circulação da informação da venda repentina da D... “apanhou todos de surpresa”, explicando em audiência que os arguidos continuaram a desenvolver relações comerciais com elas mesmo até às vésperas da escritura de cessão, por forma a não perturbar os fornecimentos e evitando assim a cobrança coerciva das quantias em dívida mediante a penhora de bens ou o seu arresto preventivo, já que, assim, actuando de forma rápida e sem que ninguém tomasse disso conhecimento, os arguidos lograram entrar na posse dos materiais que constituíam o património da D... (materiais e veículos), adquiridos pela firma BB... (cujo arguido A... “fez” o preço que entendeu – cerca de 20 a 30.000€, como referiu em audiência - e os facturou), propriedade do arguido A... , e removidos para propriedade ou instalações de sua pertença (sendo eloquente a descrição da testemunha DD... , funcionário do arguido A... que levou instruções deste para “trazer tudo”), evitando assim os credores de se poderem pagar, ainda que em parte, dos seus créditos pelo produto da sua possível venda executiva; as explicações dadas pelos arguidos em audiência esbarram, por assim dizer, no conjunto de factos objectivos que rodearam a venda da empresa a terceiros; a testemunha T... , administrador da P... , esclareceu o débito da D... e que se viu obrigada a requerer a insolvência da mesma; U... , V... e I... , ligados às firmas E... e C... referiram que as letras e cheques tendentes ao pagamento de fornecimentos “dias antes” da venda não obtiveram boa cobrança, vendo esvair-se a garantia que era constituída pelo imobilizado da D... , concretizando os valores não pagos, esclarecendo que nada fazia prever este desfecho – a venda da D... -, tanto mais que os arguidos nunca lhes reportaram que iriam deixar de estar à frente da empresa, o que constituiu para todos uma “surpresa”, inclusive para o próprio TOC da D... , GG... , o qual esclareceu em audiência que também desconhecia a intenção dos arguidos em vender a empresa a terceiros; todas estas circunstâncias, esclarecidas pelas testemunhas ouvidas e conjugadas com a documentação acima destacada, permitiram que o tribunal formasse, com segurança, a convicção de que os arguidos praticaram os factos acima julgados como provados, sabendo que ocasionavam, deliberadamente, de caso pensado, a insolvência da referida empresa, bem sabendo que prejudicavam, da forma descrita, os seus credores (note-se que o depoimento do entretanto falecido G... , lido em audiência, é inequívoco nesse sentido: fls. 233, v.º), razões por que o tribunal julgou como provados os factos acima indicados, bem como os prejuízos patrimoniais sofridos e suportados pelas firmas C... e E... , demandantes nos autos, os quais foram explicados em audiência pelas testemunhas ouvidas e ainda se mostram documentados pelos extractos de contas-corrente acima indicados, valores que, aliás, os arguidos não negam terem ficado em dívida; os factos julgados como não provados, acima destacados, resultaram de falta de prova segura sobre a sua ocorrência, quer porque as testemunhas os não confirmaram de forma inequívoca, quer porque do teor dos documentos dos autos tal não se alcança (o facto alegado na acusação de que os arguidos venderam telhas e outros materiais adquiridos por preço inferior ao seu custo, foi por eles desmentido e as testemunhas ouvidas apenas referiram que souberam desse facto por “conversas de café”, do tipo rumores, sem terem nenhum elemento objectivo que o comprovasse.-
                                                           ***
Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
- transcrição
- Se foi violado o disposto no artº 374º nº 2 do CPP;
-insuficiência
- Se os factos dados como provados foram incorrectamente julgados;
            - indemnização civil

Sustenta o recorrente que a sentença é nula na medida em que da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento no que respeita ao  depoimento da testemunha, F... , “o mesmo é total e absolutamente inaudível”.
Sustenta que se trata de nulidade insanável, sendo essencial que tal gravação seja perceptível, já que tal obsta á possibilidade de utilizar esse meio de defesa, nulidade que argui, por ter influência na decisão da causa, na medida em que fica diminuído nas suas garantias de defesa, o que viola normas constitucionais.

No que respeita à nulidade previsto no artº 363º do CPP, há a considerar o Ac do STJ nº 13/2014 de 3/7/2014 publicado no DR, I série de 23/09/2014 que fixou jurisprudência no sentido de que:

            “A nulidade previsto no artº 363º do CPP deve ser arguida perante o Tribunal da 1ª instância, em requerimento autónomo, no prazo de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado o necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do nº 3 do artº 101º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada”.

            No caso vertente vem arguida na motivação a nulidade do artº 363º do CPP em virtude de considerar inaudível parte do depoimento gravado da testemunha F... .

            A testemunha foi ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento, foi solicitada cópia da gravação da audiência e em 25/06/2015 foi-lhe entregue, conforme consta a fls 1118.

            No entanto, só em sede de recurso datado de 1/07/2015 foi suscitada a nulidade, ou seja após o prazo acima referido.

            Portanto e de acordo com a referida jurisprudência fixada pelo STJ a nulidade, a existir, já se encontra sanada.

Sustenta o recorrente que “no que respeita á decisão ora posta em crise o tribunal a quo não faz, (…) o percurso lógico-cognitivo, imposto pelo artº 374º nº 2 uma vez que não enuncia os elementos que serviram para formar a sua convicção”.
 Da análise do disposto no art 374 do CPP vemos que a sentença compõe-se de três partes: relatório, fundamentação e dispositivo.
O relatório é elaborado de acordo com o nº 1, a fundamentação de acordo com o nº 2 e o dispositivo de acordo com o nº 3.
Na fundamentação é agora obrigatória a indicação das provas que serviram a convicção do tribunal e do exame crítico destas.
Dispõe o art 374 nº 2 do CPP que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Em relação á anterior redacção deste preceito legal, a Lei 59/98 de 25/8 que procedeu á revisão do Cod. Penal aditou a exigência do “exame crítico das provas”. Ou seja, para além de se indicar as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tem que proceder ao exame crítico das provas, isto é ao processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas.
“A fundamentação, como resulta expressis verbis do nº 2, não se satisfaz com a enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença. É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto”. (Maia Gonçalves, em anotação ao art 374 do CPP).
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
Ora, se analisarmos a sentença recorrida vemos que esta está bem elaborada e da mesma constam de forma clara e explicita os factos provados e não provados e, encontra-se, ainda, fundamentada. Aliás, não entendemos como o recorrente pode afirmar que a sentença não se encontra devidamente fundamentada. É de notar que o tribunal na fundamentação deve expor de forma global as provas em que se baseou e as razões de ciência e elementos que foram relevantes. Não tem necessariamente que o fazer ponto por ponto, sob pena de se tornar repetitivo violando, assim, o princípio da economia processual.
No caso vertente, o Sr. Juiz e na motivação refere:
Os arguidos esclareceram a sua situação económica e de vida com credibilidade e, quanto aos factos imputados na acusação, prestaram declarações, apresentando as suas versões dos factos.--------------

B... , em síntese, referiu que foi efetivamente gerente da firma “ D... ” juntamente com o arguido A... , esclarecendo que ficou por pagar um débito à firma P... de “9.000 e tal euros”, negando que tenha comprado materiais e vendido por preço inferior, alegando que o volume de negócio havido com afirma de cerâmica XX... foi de 2/3 mil euros, irrisório no cômputo global; com respeito á conta caucionada de 25.000€ no Banco Popular sustentou que o empréstimo nesta conta, de que os arguidos eram avalistas, foi liquidado antecipadamente porque essa conta não era muito utilizada e a empresa D... tinha outras contas caucionadas na CGD, na CCAM, no BPN e no Finibanco, onde existiam empréstimos de valores muito superiores; quanto à venda da empresa e à realização da respetiva escritura em Lisboa, referiu que apareceram pessoas ( G... e F... ) interessadas na sua compra, interessadas em adquirir uma empresa de fornecimento de materiais, tendo a firma BB... comprado, pago e removido um conjunto de materiais à D... , tais como compressores, ferramentas várias, tubagens e não automóveis, remoção feita por DD... , funcionário do arguido A... na firma deste ( BB... ), antes da realização da escritura pública de compra e venda; referiu que tinha em seu poder as chaves das instalações da firma D... e que deu uma cópia ao adquirente, o tal F... ; sustentou que decidiu juntamente com o arguido A... vender a firma D... porque se queriam desvincular da empresa, tendo apenas cerca de 25% dos bens desta firma sido vendidos às firmas BB... (propriedade do arguido A... ) e FF... (em tempos da propriedade do arguido A... e, depois, propriedade do filho deste); referiu que não tirou proveito para si da venda da empresa, tendo perdido o valor da sua entrada inicial de 25.000€; referiu que em inícios de 2011 a empresa tinha cerca de 600,000€ de dívidas a bancos e a fornecedores e, de créditos para receber, cerca de 300,00€; esclareceu que se encontrava diariamente na empresa e o arguido A... era quem se ocupava mais da parte financeira, sendo dono de outras empresas ( BB... , EE... ).------------

Por seu turno, o arguido A... referiu, em síntese, que foi gerente da firma D... , mas que não participou nos atos descritos na acusação, sendo que era o arguido B... quem geria aquela firma, uma vez que se ocupa a tempo inteiro da sua empresa, a BB... , limitando-se a assinar os cheques referentes à atividade da D... ; como esta firma entrou em dificuldades em 2011, decidiu vender algum dos materiais e veículos que compunham o seu ativo, o qual foi adquirido pela firma BB... , firma que lhe pertence, por cerca de 20/30.000€; para tal, deu ordens a pessoal seu, nomeadamente o DD... (abaixo indicado) para levar os materiais para as instalações de Amor, remoção que ocorreu uns dias antes da cessão de quotas e uns dias depois da escritura de venda; referiu que vendeu a D... para poder pagar o que esta firma devia; quanto à liquidação antecipada do empréstimo no Banco Popular, referiu que “não sabe responder”, sustentando que a venda da D... “não lhe deu lucro”, desconhecendo a existência de ações executivas.-----------

H... , administrador de insolvência, referiu desconhecer os factos dos autos, sendo que não conhece os arguidos; referiu que foi AI da firma D... , tendo esta firma sido declarada insolvente com carácter limitado, por inexistência de património, razão por que se limitou a “dar um parecer”; contactou com o gerente e não obteve resposta, não fez diligências para apurar da existência de património e recebeu diversas reclamações de créditos.-------------

F... , referiu que nunca comprou nenhuma empresa ou participou em qualquer escritura pública, limitando-se a “assinar papéis” que “um senhor lhe pedia para assinar”, com a garantia de que “não havia problema”, fazendo “biscates” para um tal G... , com quem foi, várias vezes, a um notário, ou a mando dele, em escritórios de advogados, em datas que não sabe precisar; não conhece qualquer empresa de Leiria.-------------

T... , presidente do conselho de administração da firma P... , referiu que esta firma foi fornecedor de produtos de pedreira à firma D... em 2010-11, não conhecendo a pessoa dos arguidos; esclareceu que ficaram em débito alguns fornecimentos, no montante de cerca de 10.000€, tendo sido aceites uma letra comercial e alguns cheques pré-datados tendentes ao seu pagamento, o qual não chegou a ocorrer, uma vez que a letra não foi paga nem reformada e os cheques foram devolvidos sem provisão; por isso, a P... requereu a insolvência da D... , apesar de sempre ter tido a informação de que esta firma tinha movimentos e meios para exercer a sua atividade, tendo sido privilegiada a Banca em prejuízo dos fornecedores, uma vez que estes já não dispuseram de bens para liquidar os seus créditos; referiu que a última fatura de fornecimento foi de 10.05.2011, no valor de 172,00€.--------

Z... , guarda da GNR, referiu que se limitou a identificar “uns indivíduos” que estavam a carregar bens, consistentes em materiais vários e ferramentas ligados à construção civil, desconhecendo os demais factos descritos na acusação; e CC... , guarda da GNR, lembra-se vagamente de uma ocorrência relacionada com uma penhora, não tendo conseguido concretizar os factos.--------

DD... , anterior funcionário do arguido A... entre Junho de 2010 e Fevereiro de 2014 na firma BB... , referiu que o arguido A... , depois de lhe entregar a respetiva chave, o mandou dirigir-se às instalações da firma D... para ir buscar materiais de construção, ferramentas e veículos pesados (uns quatro semi-reboques) que se encontravam no armazém e estaleiro dessa firma, no (...) , o que fez acompanhado de mais umas 4/5 pessoas, por alturas de Junho/Julho de 2011; referiu que teve instruções do arguido A... para “trazer tudo”, “o que coubesse” nos veículos e para levar tais bens para as instalações da propriedade do arguido A... , o que fez, cumprindo ordens do seu patrão; desconhece qual o destino que depois foi dado aos bens e veículos removidos, os quais nunca viu ao uso da BB... .----------

U... , gerente das firmas E... e C... referiu que conhece os arguidos, o B... do armazém, com quem habitualmente lidava, o A... por ser sócio, tendo as suas firmas fornecido materiais – betão, blocos e paletes de cimento – no valor de “cento e trinta e tal euros”, pagamento que foi corporizado em cheques e letras, que não chegou a ter boa cobrança; foi alertado por um fornecedor que a firma estava a retirar bens das suas instalações, deslocou-se ao local e viu “o DD... a tirar coisas do estaleiro”, dizendo-lhe que “estava a cumprir ordens do (arguido) A... ” e nesse momento “percebeu que estava lixado”, vendo que o património estava todo a ser retirado e ouviu que a empresa “tinha sido vendida a uma pessoa de Lisboa”, razão por que apresentou uma participação na PJ nos dias seguintes; precisou que a sua firma, C... , forneceu à D... , uns dias antes, oito paletes de cimento, e nada sabia que a D... “ia acabar”; esclareceu que a circunstância de o arguido A... ser sócio da D... dava “garantias” de que esta empresa tinha solvabilidade, razão por que procedeu aos referidos fornecimentos de materiais, caso contrário, não os teria feito.----------

V... , contabilista das firmas E... e C... , referiu que a firma D... foi cliente daquelas duas firmas, sabendo que foi vendida em Julho de 2011, sendo que, nesta data, existia um saldo devedor da D... àquelas duas firmas, de 36.000€ (à E... ) e de 94.000€ (à C... ), sendo que ambas as empresas forn0eceram materiais nos primeiros meses do ano de 2011; soube por terceiros que se “estavam a retirar as existências da D... ” e que esta firma “estava a vender mercadorias abaixo do preço de custo”; precisou que era com o arguido B... com quem tratava dos assuntos relacionados com os fornecimentos; teve conhecimento que houve cerca de sete empresas que o tal F... (que comprou a D... ) havia antes comprado e que “todas elas tinham ido para a insolvência”; concluiu a referir que desde 2008 que as empresas E... e C... foram fornecedoras da D... e que “nunca pôs em causa” a empresa, caso contrário, nunca teria dado crédito, tanto mais que houve pagamentos em data próxima à data da venda.-------------

I..., gestor de pré-fabricados e de betão pronto nas firmas E... e C... , referiu que estas duas firmas forneceram materiais à D... , tratando em regra com o arguido B... , sabendo, no entanto, que o outro sócio da firma era o arguido A... ; esclareceu que teve conhecimento que a firma D... foi vendida e que houve fornecimentos de materiais que não foram pagos na ordem dos 130.000€, valor que nunca chegou a ser recuperado; sabe que o arguido B... dirigia, dava ordens e mandava pagar os fornecimentos; teve conhecimento que uns dias antes da declaração de insolvência “se estavam a tentar vender materiais a baixo custo” bem como a tentar vender a empresa a terceiros, tendo-se deslocado às instalações da D... e viu que estavam a ser retirados materiais e equipamentos de stock, apercebendo-se de que “algo não batia certo”, tanto mais que antes desta facto não havia sequer rumores de que a empresa D... “ia para a insolvência” e esteve num almoço uns tempos antes com o arguido B... , no qual este transmitiu que a empresa “ia bem”, pelo que a escritura de venda e a remoção dos materiais constituiu para si “uma surpresa”.---------------------

X... , director comercial da firma de cerâmica XX... , referiu que esta empresa forneceu materiais – telha - à D... algumas vezes, tendo adquirido uma carga de telha uns dois/três dias antes de a D... ter sido vendida, carga essa que o arguido B... referiu que “seria paga na sede da BB... amanhã”, no valor de cerca de 2.500€, sendo que no dia seguinte viu um conjunto de pessoas a “tirar coisas” das instalações da D... para dentro de um camião “com cortina”, razão por que chamou a polícia; teve conhecimento “por conversas” que foi vendida telha por preço inferior ao de custo (precisando que a venda por preço inferior, ainda que seja por menos um cêntimo, em cargas grandes, é relevante no mercado).----

O... , economista na firma S... , referiu que a firma D... era cliente daquela empresa, produtora de telhas cerâmicas, tendo ficado “em aberto”, por regularizar, um débito de 4.315€, resultante da conta-corrente, referente a fornecimentos de Dezembro de 2010 e Março de 2011, ainda não cobrados.----------------

Da defesa foi ouvido GG... , antigo TOC da D... até Maio de 2011, precisou que a empresa vivia numa situação económica difícil desde 2009, consequência de exercícios anteriores, devidos a dificuldades de receber de clientes, à concorrência, com um passivo, em Dezembro de 2010, de cerca de 738.000€ (de acordo com o balanço e balancetes que elaborou), sendo que foi vendido um veículo por cerca de 30.000€ para tentar obter algum dinheiro e a empresa, não obstante, detinha activos (conta-corrente de clientes, materiais de comércio e veículos automóveis); referiu que teve reuniões com o arguido A... , esporadicamente, para tratar de assuntos financeiros da D... ; referiu que não sabia que esta empresa ia ser vendida, o que tomou conhecimento entretanto, constituindo para si “uma surpresa”; perguntado, esclareceu que ninguém o contactou para obter qualquer informação quanto á saúde financeira da D... .----------------

AA... , referiu ter sido funcionária do arguido A... na BB... , até Outubro de 2014 e fazia “a ligação” com a D... , tratando da parte administrativa; referiu que o arguido A... adquiriu parte desta firma porque tinha “bom nome e crédito”, sendo o arguido B... quem geria no dia-a-dia a empresa; a dado momento, soube pelos arguidos que a D... encerrou, sendo que a BB... comprou, facturou e pagou, materiais à D... (botas, coletes, enxadas, caixas de chaves, silicones, mangueiras de pressão, etc.), embora não todo, tendo sido o arguido B... quem colocou os preços, materiais esses que foram depositados num (...) da BB... , numa altura em que a D... já devia cerca de 600,000 euros, desconhecendo a forma como ocorreu a venda dessa empresa, limitando-se a entregar um veículo e chaves a um tal “Sr. F... ”, adquirente da empresa, um Renault que estava na posse no arguido A... .-----------------

M... , industrial, limitou-se a salientar as boas qualidades sociais dos arguidos, desconhecendo os factos.-----------

HH... , funcionário do arguido A... na BB... , referiu que se deslocou (em data que não soube concretizar) às instalações da D... juntamente com a testemunha DD... “carregar material”, que descreveu, para o interior de um camião com um toldo (cortina lateral), observando uma lista que o DD... levava consigo, sendo que esse material foi depois descarregado nuns pavilhões que o arguido A... é dono, material esse que depois foi posto ao uso da BB... .----------------

W... , ligado à firma Q... , referiu que esta firma forneceu tijolo e materiais de construção à D... , sendo o último fornecimento de 11.07.2011, a qual ficou a dever cerca de 80.000 euros, tomando conhecimento que entretanto aquela firma foi vendida, razão por que enviou um fax à PJ a 18.07.2011 (de fls. 2 e 3), porque soube que a empresa tinha bens e que “estavam a ser retiradas as coisas todas”, tendo apurado “na Internet” que o tal “Sr. F... ”, que ficou a ficar ligado à D... , era um “profissional das insolvências”, sendo que a D... não voltou a funcionar; referiu que apesar de, inicialmente, a D... , com os arguidos B... (seu interlocutor no dia-a-dia) e A... à sua frente, se atrasar por vezes nos pagamentos, tal não constituía preocupação, não só porque “ia pagando”, como ainda a ligação do arguido A... á mesma conferia segurança aos credores por gozar de boa reputação, salientando que a venda da D... foi inesperada, porque ninguém fazia ideia de que isso iria acontecer; mais referiu que chegou a falar com o arguido B... sobre a venda da empresa, tendo-lhe este referido que “tinha sido o A... a decidir tudo”.------------

Y... , administrador da firma R... desde 2011, referiu conhecer os arguidos e que aquela firma forneceu ferro à D... , no âmbito de uma relação comercial existente, com fornecimentos a crédito; soube que os arguidos venderam a empresa, tendo pe4rguntado ao arguido A... “como é?” (porque o adquirente já tinha empresas insolventes) ao que este lhe respondeu para “estar descansado, ele (o “sr. que comprou a D... ”) vai pagar tudo, tem dinheiro para pagar tudo”, percebendo então que tinha sido uma “pura jogada” dos arguidos para “fugir às suas responsabilidades”, as quais, em relação à firma R... , rondam os 50.000 euros; mais referiu que soube que desapareceram bens da D... , segundo “informação que passou”, mostrando-se os credores da insolvente indignados com a situação de venda da mesma pelos arguidos, já que depositavam confiança nos arguidos, em especial no arguido A... .--------

Foi ainda lido em audiência de julgamento o depoimento da falecida testemunha, G... , como se consignou em acta, conforme consta de fls. 233 e v.º, na sequência do teor do documento junto aos autos, assento de óbito de fls. 1084 (art.º 356º-4 do CPP).---------
Foram ainda considerados, conjugadamente, o teor dos seguintes elementos documentais juntos aos autos: o teor da denúncia de W... à PJ de fls. 2 a 13; o teor da cópia do DR de fls. 9 a 13 onde constam os anúncios de insolvências de empresas onde figura F... como administrador e devedor; o teor da denúncia da firma C... contra os arguidos de fls. 19 a 33; o teor do extracto da conta-corrente de facturas em dívida pela D... à C... de fls. 34 a 36; o teor da escritura de cessão de quotas de 14.04.2011 de fls. 42 a 46; o teor da queixa de F... de fls. 85 a 87; o teor dos documentos bancários de fls. 90 a 99; o teor da matrícula da sociedade D... de fls. 100 a 118, 392 a 418; o teor do e-mail de fls. 264-5 quanto a débito existente; o teor da certidão da sentença no Proc. n.º 6095/11.4TBLRA-A de fls. 339 a 357 declarando culposa a insolvência, requerida por C... , de D... , o teor do parecer da insolvência de fls. 358 a 361; o teor da sentença de insolvência de fls. 362 a 366 requerida por P... ; o teor da matrícula da sociedade Q... , S.A. de fls. 420 a 434; e da firma Cerâmica XX... de fls. 435 a 462; e da firma S... de fls. 463 a 472; e da sociedade E... de fls. 473 a 486; o teor do auto de ocorrência da GNR de fls. 493; o teor da matrícula da sociedade Sondagens 2000 de fls. 495 a 503 e da firma BB... de fls. 511 a 519; o teor da informação do Banco Popular quanto à liquidação de conta corrente caucionada de fls. 527 a 556; o teor das facturas de compra de material pela BB... à D... de fls. 643 a 695 juntas na fase de instrução; o teor dos documentos tendentes a comprovar o pagamento de facturas de aquisição de materiais da BB... à D... de fls. 803 a 808; e de notas de pagamentos da D... a diversas empresas de fls. 815 a 824, 829 a 831; o teor dos extractos de conta da D... de fls. 835 a 861; e o teor dos CRC´s dos arguidos de fls. 966-7 quanto à ausência de antecedentes criminais; o teor da certidão extraída dos autos de insolvência da firma D... , proc. n.º 6095/11.4TBLRA do extinto 2.º J.º Cível do TJ de Leiria de fls. 989 a 1009, por sentença declaratória de 24.01.2012.----------------

Da prova produzida, e pese embora as declarações não convincentes dos arguidos quanto aos factos imputados, resultou apurado que efetivamente estes adquiriram a empresa D... e eram seus gerentes de direito e de facto, gerindo essa empresa em todos os seus segmentos empresariais, tomando decisões em conjunto, ainda que em repartição de tarefas, como, aliás, ambos os arguidos admitiram em audiência de julgamento; embora se admita que os arguidos não tenham auferido lucro líquido com a venda da empresa D... ao referido F... , ainda que em representação do falecido G... , o certo é que o arguido B... (bem como o arguido A... , embora não o tenha verbalizado em audiência) bem sabia que em inícios do ano de 2011, a empresa contava já com cerca de 600.000€ de dívidas a bancos e a clientes ou fornecedores, é notório, pela descrição da sucessão dos factos, que retiraram proveito ao se “desfazer” da empresa e do respectivo passivo, “livrando-se” do mesmo, bem sabendo que iriam, desse modo, prejudicar os seus credores; não só porque retiraram, senão todo (tal facto não se apurou com evidência), pelo menos a maior parte do imobilizado com valor, incorporando-o no património do arguido A... , como sabiam que não tinham garantias de que os adquirentes da D... iriam cumprir pontualmente com o pagamento da facturação em dívida; na verdade, apesar de ambos os arguidos terem liquidado, com verbas que ainda dispunham, as suas obrigações pessoais bancárias junto do Banco Popular, não podia o arguido A... “descansar” os seus credores, como fez por exemplo à empresa R... , como referiu a testemunha Y... , seu administrador; é verdade que a D... funcionava e obtinha fornecimentos de materiais de construção das supra indicadas empresas, não só porque “ia pagando”, como, ainda, dispunha de um gerente que gozava de crédito na praça, o arguido A... , dono da firma BB... , com algum prestígio na zona de Leiria e que constituía como que “o garante” de que, mais cedo ou mais tarde os arguidos honrariam as obrigações da D... junto dos seus fornecedores; nada disto ocorreu; os arguidos, cientes do avolumar de dívidas desta empresa e ainda que desenvolvendo trocas comerciais e recebendo fornecimentos de materiais, decidiram, sem pré-aviso e bruscamente, vender a empresa a terceiros, fora das vistas dos seus credores, num cartório em Lisboa (fls. 4 a 8), transferindo-a para as mãos de pessoas ligadas à aquisição de empresas em situação de insolvência (fls. 9 a 13); os arguidos sabiam que iriam prejudicar necessariamente os seus fornecedores, tanto mais que poucos conseguiram entrar em contacto consigo depois de correrem rumores de que a empresa havia sido vendida; todos os representantes das empresas acima indicadas ( T... da P... , U... e I... da E... e C... , X... da XX... , W... da Q... e Y... da R... ) referiram de forma concorde que a circulação da informação da venda repentina da D... “apanhou todos de surpresa”, explicando em audiência que os arguidos continuaram a desenvolver relações comerciais com elas mesmo até às vésperas da escritura de cessão, por forma a não perturbar os fornecimentos e evitando assim a cobrança coerciva das quantias em dívida mediante a penhora de bens ou o seu arresto preventivo, já que, assim, atuando de forma rápida e sem que ninguém tomasse disso conhecimento, os arguidos lograram entrar na posse dos materiais que constituíam o património da D... (materiais e veículos), adquiridos pela firma BB... (cujo arguido A... “fez” o preço que entendeu – cerca de 20 a 30.000€, como referiu em audiência - e os facturou), propriedade do arguido A... , e removidos para propriedade ou instalações de sua pertença (sendo eloquente a descrição da testemunha DD... , funcionário do arguido A... que levou instruções deste para “trazer tudo”), evitando assim os credores de se poderem pagar, ainda que em parte, dos seus créditos pelo produto da sua possível venda executiva; as explicações dadas pelos arguidos em audiência esbarram, por assim dizer, no conjunto de factos objectivos que rodearam a venda da empresa a terceiros; a testemunha T... , administrador da P... , esclareceu o débito da D... e que se viu obrigada a requerer a insolvência da mesma; U... , V... e I... , ligados às firmas E... e C... referiram que as letras e cheques tendentes ao pagamento de fornecimentos “dias antes” da venda não obtiveram boa cobrança, vendo esvair-se a garantia que era constituída pelo imobilizado da D... , concretizando os valores não pagos, esclarecendo que nada fazia prever este desfecho – a venda da D... -, tanto mais que os arguidos nunca lhes reportaram que iriam deixar de estar à frente da empresa, o que constituiu para todos uma “surpresa”, inclusive para o próprio TOC da D... , GG... , o qual esclareceu em audiência que também desconhecia a intenção dos arguidos em vender a empresa a terceiros; todas estas circunstâncias, esclarecidas pelas testemunhas ouvidas e conjugadas com a documentação acima destacada, permitiram que o tribunal formasse, com segurança, a convicção de que os arguidos praticaram os factos acima julgados como provados, sabendo que ocasionavam, deliberadamente, de caso pensado, a insolvência da referida empresa, bem sabendo que prejudicavam, da forma descrita, os seus credores (note-se que o depoimento do entretanto falecido G... , lido em audiência, é inequívoco nesse sentido: fls. 233, v.º), razões por que o tribunal julgou como provados os factos acima indicados, bem como os prejuízos patrimoniais sofridos e suportados pelas firmas C... e E... , demandantes nos autos, os quais foram explicados em audiência pelas testemunhas ouvidas e ainda se mostram documentados pelos extractos de contas-corrente acima indicados, valores que, aliás, os arguidos não negam terem ficado em dívida; os factos julgados como não provados, acima destacados, resultaram de falta de prova segura sobre a sua ocorrência, quer porque as testemunhas os não confirmaram de forma inequívoca, quer porque do teor dos documentos dos autos tal não se alcança (o facto alegado na acusação de que os arguidos venderam telhas e outros materiais adquiridos por preço inferior ao seu custo, foi por eles desmentido e as testemunhas ouvidas apenas referiram que souberam desse facto por “conversas de café”, do tipo rumores, sem terem nenhum elemento objectivo que o comprovasse..
O Tribunal começa por fazer uma síntese das declarações prestadas pelos arguidos e depoimentos prestados pelas testemunhas para de imediato fazer e de forma sintética um exame critico da prova.
O artº 374º nº 2 do CPP não exige a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto provado. Apenas exige uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que levaram à decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Ou seja, não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, assim como, também, não exige que em relação a cada meio de prova se explicite como tudo se processou e desenvolveu na audiência de discussão e julgamento.
Tendo o Sr juiz enumerado as provas que teve ao seu dispor, indicando o essencial do seu conteúdo e, portanto, o modo como formou o juízo da sua veracidade, cumpriu com o dever de fundamentação contido no art 374 nº 2 do CPP, não vislumbrando o Tribunal a violação de qualquer inconstitucionalidade.

Sustenta o recorrente que a sentença padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto lhe faltam factos, individualmente considerados, de entre a extensa lista de condutas consideradas provadas e não provadas, que autorizem as conclusões tiradas e que permitam, dessa forma, suportar a decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis.
Como se vem entendendo, o vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a decisão de direito.
E só existe quando o tribunal deixe de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídico-criminal, pressupondo a existência de factos constantes dos autos ou derivados da causa que ainda seja possível apurar, sendo este apuramento necessário para a decisão a proferir.
Sendo que tal insuficiência resultado tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial; no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais longe; não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiriam alcançar a solução legal e justa (Ver Acs. S.T.J., de 18.11. 1998, no processo n.º855/98 e de 14.11.1998, no processo n.º588/98).
 Ou como entendem Simas Santos e Leal Henriques, a al. a), do n.º2, do art.º 410.º, do Cód. Proc. Pen., refere-se á insuficiência que decorre da omissão de pronúncia pelo tribunal de factos alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos, que sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão.
Tal vício consiste na lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega á conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher (Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 737  e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, págs. 69).
Convém notar que o analisado vício não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto, a qual resulta da convicção do julgador e das regras da experiência.
Não vislumbramos onde possa a Decisão revidenda estar contaminada pela existência do antedito vício.
O recorrente sustenta que não há prova de que tenha agido com intenção de prejudicar os credores da “ D... II” ao vender á ” BB... ” empresa de que é sócio e legal representante. Para tal baseia-se apenas nas suas declarações, nas declarações de B... e em partes dos depoimentos da testemunha AA... esquecendo do depoimento das restantes testemunhas bem como, dos documentos junto aos autos.
Assim, F... , que consta como comprador da “ D... ” referiu que nunca comprou nenhuma empresa, não assinou qualquer escritura pública, limitou-se a assinar papéis a um senhor que lhe pedia para assinar, fazendo biscates para um tal Sr. G... , com quem foi várias vezes a um notário, DD... , funcionário do recorrente, referiu que o mesmo o mandou ir buscar tudo o que estava nas instalações da “ D... ”(materiais de construção, ferramentas, quatro semi-reboques) que coubesse nos veículos para tal transporte e que levasse para as instalações da “ BB... ”, empresa de que o recorrente é titular. HH... ajudou no carregamento das mercadorias.
U... , gerente das firmas E... e C... referiu que foi alertado por um fornecedor que a firma estava a retirar bens das suas instalações, deslocou-se ao local e viu “o DD... a tirar coisas do estaleiro”, dizendo-lhe que “estava a cumprir ordens do (arguido) A... ” e nesse momento “percebeu que estava lixado”, vendo que o património estava todo a ser retirado e ouviu que a empresa “tinha sido vendida a uma pessoa de Lisboa”, razão por que apresentou uma participação na PJ nos dias seguintes; precisou que a sua firma, C... , forneceu à D... , uns dias antes, oito paletes de cimento, e nada sabia que a D... “ia acabar”; esclareceu que a circunstância de o arguido A... ser sócio da D... dava “garantias” de que esta empresa tinha solvabilidade, razão por que procedeu aos referidos fornecimentos de materiais, caso contrário, não os teria feito.
V... , soube por terceiros que se “estavam a retirar as existências da D... ” e que esta firma “estava a vender mercadorias abaixo do preço de custo”; precisou que era com o arguido B... com quem tratava dos assuntos relacionados com os fornecimentos; teve conhecimento que houve cerca de sete empresas que o tal F... (que comprou a D... ) havia antes comprado e que “todas elas tinham ido para a insolvência”;
I... , gestor de pré-fabricados e de betão pronto nas firmas E... e C... , esclareceu que teve conhecimento que a firma D... foi vendida e que houve fornecimentos de materiais que não foram pagos na ordem dos 130.000€, valor que nunca chegou a ser recuperado; sabe que o arguido B... dirigia, dava ordens e mandava pagar os fornecimentos; teve conhecimento que uns dias antes da declaração de insolvência “se estavam a tentar vender materiais a baixo custo” bem como a tentar vender a empresa a terceiros, tendo-se deslocado às instalações da D... e viu que estavam a ser retirados materiais e equipamentos de stock, apercebendo-se de que “algo não batia certo”, tanto mais que antes desta facto não havia sequer rumores de que a empresa D... “ia para a insolvência” e esteve num almoço uns tempos antes com o arguido B... , no qual este transmitiu que a empresa “ia bem”, pelo que a escritura de venda e a remoção dos materiais constituiu para si “uma surpresa”. X... , director comercial da firma de cerâmica XX... , referiu que esta empresa forneceu materiais – telha - à D... algumas vezes, tendo adquirido uma carga de telha uns dois/três dias antes de a D... ter sido vendida, carga essa que o arguido B... referiu que “seria paga na sede da BB... amanhã”, no valor de cerca de 2.500€, sendo que no dia seguinte viu um conjunto de pessoas a “tirar coisas” das instalações da D... para dentro de um camião “com cortina”, razão por que chamou a polícia; teve conhecimento “por conversas” que foi vendida telha por preço inferior ao de custo (precisando que a venda por preço inferior, ainda que seja por menos um cêntimo, em cargas grandes, é relevante no mercado).
Mesmo a testemunha GG... , antigo TOC da D... até Maio de 2011, precisou que a empresa vivia numa situação económica difícil mas que detinha activos (conta-corrente de clientes, materiais de comércio e veículos automóveis) e referiu que não sabia que esta empresa ia ser vendida, o que tomou conhecimento entretanto, constituindo para si “uma surpresa”; perguntado, esclareceu que ninguém o contactou para obter qualquer informação quanto á saúde financeira da D... .
W... , ligado à firma Q... , referiu que esta firma forneceu tijolo e materiais de construção à D... , sendo o último fornecimento de 11.07.2011, a qual ficou a dever cerca de 80.000 euros, tomando conhecimento que entretanto aquela firma foi vendida, razão por que enviou um fax à PJ a 18.07.2011 (de fls. 2 e 3), porque soube que a empresa tinha bens e que “estavam a ser retiradas as coisas todas”, tendo apurado “na Internet” que o tal “Sr. F... ”, que ficou a ficar ligado à D... , era um “profissional das insolvências”, sendo que a D... não voltou a funcionar; referiu que apesar de, inicialmente, a D... , com os arguidos B... (seu interlocutor no dia-a-dia) e A... à sua frente, se atrasar por vezes nos pagamentos, tal não constituía preocupação, não só porque “ia pagando”, como ainda a ligação do arguido A... á mesma conferia segurança aos credores por gozar de boa reputação, salientando que a venda da D... foi inesperada, porque ninguém fazia ideia de que isso iria acontecer; mais referiu que chegou a falar com o arguido B... sobre a venda da empresa, tendo-lhe este referido que “tinha sido o A... a decidir tudo”.
Y... , administrador da firma R... desde 2011, referiu conhecer os arguidos e que aquela firma forneceu ferro à D... , no âmbito de uma relação comercial existente, com fornecimentos a crédito; soube que os arguidos venderam a empresa, tendo perguntado ao arguido A... “como é?” (porque o adquirente já tinha empresas insolventes) ao que este lhe respondeu para “estar descansado, ele (o “sr. que comprou a D... ”) vai pagar tudo, tem dinheiro para pagar tudo”, percebendo então que tinha sido uma “pura jogada” dos arguidos para “fugir às suas responsabilidades”, as quais, em relação à firma R... , rondam os 50.000 euros; mais referiu que soube que desapareceram bens da D... , segundo “informação que passou”, mostrando-se os credores da insolvente indignados com a situação de venda da mesma pelos arguidos, já que depositavam confiança nos arguidos, em especial no arguido A... .
Ora, no que respeita ao elemento subjectivo este, não é susceptível de apreensão directa por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só pode ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infracção.
Portanto, a partir de determinados factos e à luz das regras da experiência podemos concluir pela intencionalidade pela forma como agiu o arguido. Portanto, a intenção com que o recorrente agiu retira-se, extrai-se, da matéria de facto. É através da realidade factual que lhe está subjacente que o Tribunal e recorrendo às regras da experiência tem de concluir pela intencionalidade ou não do agente.
Perante os factos apurados é óbvio que o arguido agiu com intenção de prejudicar os credores da referida sociedade.
O recorrente ao sustentar que a decisão recorrida está ferida de insuficiência mais não faz do que a sua interpretação dos factos o que não corresponde ao que a decisão recorrida deu como provado.
O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127º.
Do texto da sentença não resulta insuficiência da matéria efectivamente dada como provada para a decisão proferida nos autos.
Na verdade, os factos assentes são suficientes para deles se extrair que o recorrente praticou o crime que lhe é imputado.
Sustenta o recorrente que foram incorrectamente julgados os pontos 2,11, 17, 19, 20, 26 32 e 33 da matéria de factos provada.
Lendo a motivação do recurso concluímos que o recorrente discorda com a forma como na decisão recorrida foi apreciada a prova produzida em julgamento e as conclusões de convicção probatória a que ali se chegou.
De acordo com o disposto no art 412 nº 3 al b) do Código Processo Penal, a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando a recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que “imponham decisão diversa”.
O recorrente não pode fazer o seu julgamento esquecendo a convicção formada pelo tribunal à luz das regras da experiência comum. Se aquela resulta clara destas, demonstradas no exame crítico das provas que a lei lhe impõe (art 374 nº 2 do Código Processo Penal) o raciocínio feito pelo tribunal não pode ceder perante um qualquer outro raciocínio do recorrente. Exige-o o princípio da livre apreciação da prova (art 127 do referido diploma).
O recorrente ao pretender a alteração da matéria de facto baseia-se  apenas em partes das declarações prestadas pelo recorrente, pelo arguido B... e em partes dos depoimentos prestados pelas testemunhas GG... , e AA... . Ora, tal não é indicar provas que imponham decisão diversa.
O Tribunal ao decidir teve em consideração todos os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.
O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela íntima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...).Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pelo recorrente.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando as provas tidas em consideração.
O recorrente com a sua argumentação apenas pretende e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
O recorrente faz o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando o recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.
O recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece os elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos (Rec nº 2541/2003 do Tribunal da Relação de Coimbra).
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
É o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com a todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, de forma sintética faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A sentença recorrida indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.
O recorrente impugna apenas a sua participação na delapidação do património da “ D... ”, sustentando que embora, fosse sócio não se encontrava na empresa, nem tinha conhecimento dos negócios que eram efectuados pelos co-arguidos e que a D... vendeu alguns materiais à BB... , não houve depreciação do património da D... .
Ora, do conjunto da prova produzida e não apenas, das declarações prestadas pelo recorrente e pelo depoimento prestado pela testemunha Maria Helena, resulta que, efectivamente o arguido participou, também, na delapidação do património da D... bem como tinha conhecimento dos negócios e situação da mesma. É óbvio que resulta que a situação financeira da D... , já era complicada algum tempo antes de 2011 mas apenas a testemunha GG... , refere que já em 2009 a empresa vivia uma situação económica difícil. Quer o arguido B... , quer o arguido A... referiam que estava tudo bem.  I... , referiu que nem rumores havia de que a “ D... ” estivesse em situação complicada e que pouco tempo antes do ocorrido esteve num almoço com o arguido B... e , no qual este transmitiu que a empresa “ia bem”, pelo que a escritura de venda e a remoção dos materiais constitui uma surpresa. A testemunha W... , referiu que  tomou conhecimento que a “ D... ” tinha sido vendida, razão por que enviou um fax à PJ a 18.07.2011, porque soube que a empresa tinha bens e que “estavam a ser retiradas as coisas todas”, tendo apurado “na Internet” que o tal “Sr. F... ”, que ficou a ficar ligado à D... , era um “profissional das insolvências”, sendo que a D... não voltou a funcionar; referiu que apesar de, inicialmente, a D... , com os arguidos B... (seu interlocutor no dia-a-dia) e A... à sua frente, se atrasar por vezes nos pagamentos, tal não constituía preocupação, não só porque “ia pagando”, como ainda a ligação do arguido A... á mesma conferia segurança aos credores por gozar de boa reputação, salientando que a venda da D... foi inesperada, porque ninguém fazia ideia de que isso iria acontecer; mais referiu que chegou a falar com o arguido B... sobre a venda da empresa, tendo-lhe este referido que “tinha sido o A... a decidir tudo”. Portanto, o recorrente, tinha conhecimento dos que se estava a passar e, no que respeita á retirada dos bens os depoimentos das testemunhas HH... , DD... , X... e como acima foi já exposto contrariam frontalmente o alegado pelo recorrente. O mesmo se dirá no que respeita á intenção do recorrente que como se referiu o elemento subjectivo este, não é susceptível de apreensão directa por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só pode ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infracção.
Portanto, a partir de determinados factos e à luz das regras da experiência podemos concluir pela intencionalidade pela forma como agiu o arguido. Portanto, a intenção com que o recorrente agiu retira-se, extrai-se, da matéria de facto. É através da realidade factual que lhe está subjacente que o Tribunal e recorrendo às regras da experiência tem de concluir pela intencionalidade ou não do agente.
Perante os factos apurados é óbvio que o arguido agiu com intenção de prejudicar os credores da referida sociedade.

            Nada impede pois que o Tribunal recorrido, no âmbito da imediação e da oralidade, tenha dado credibilidade aos depoimentos prestados pelas testemunhas já referidas em conjugação com os documentos junto aos autos no que respeita aos factos dados como provados e não provados.
Deste modo, o Tribunal da Relação não vê motivos para alterar os factos provados e não provados, nos termos pretendidos pelo recorrente.
Aliás é de notar que a sentença, nomeadamente no que respeita à motivação, está fundamentada, explicando as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca dos factos que deu como apurados e como não apurados. A motivação não se basta a enunciar e elencar os meios de prova relevantes e decisivos, antes procedeu a uma análise crítica dessas provas, de modo que possibilita, olhar-se e ver-se o percurso efectuado na decisão em recurso.
Como já referimos da motivação e do exame crítico da prova resultam as razões pelas quais o tribunal deu como provados determinados factos, permitindo à assistente todos os meios de defesa e a este Tribunal, reconstruir retrospectivamente o caminho percorrido na decisão recorrida.
Perante os factos apurados e a sua motivação não procede a crítica do recorrente. Este esquece a prova produzida e as regras da experiência e sobrevaloriza a sua apreciação subjectiva do que deveria ter sido considerado provado, querendo fazer prevalecer a sua versão dos factos, sem apoio na prova produzida.
É de notar que o juiz da 1ª instância é o juiz da oralidade e da imediação da audiência de julgamento, logo está numa posição que lhe permite apreender as emoções, a sinceridade, a objectividade, as contradições, todas os pequenos gestos que escapam no recurso. Portanto, o juiz do julgamento, em virtude da oralidade e da imediação, portanto, do seu contacto, com arguidos, testemunhas, tem uma percepção que escapa aos juízes do tribunal da Relação.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e crítica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.

Sustenta o recorrente que não se pode atribuir a nenhum facto imputado ao recorrente o prejuízo causado aos demandantes.
            A indemnização aqui em causa emerge da prática de um crime. Portanto a indemnização é devida em consequência da prática de actos criminalmente tipificados.
Dos factos apurados resulta que a firma E... , S.A. forneceu à D... , Lda. materiais do seu comércio, os quais foram entregues (a que se referem as facturas discriminadas no extracto de fls. 626 dos autos), no montante global de €36.365,13 que não foram pagos;--------
A firma C... , S.A. forneceu à D... , Lda. materiais do seu comércio, os quais foram entregues (a que se referem as facturas discriminadas no extracto de fls. 630 a 633 dos autos), no montante global de €94.049,93 que não foram pagos;--------
            Em consequência da actuação dos arguidos a “ D... ” deixou de cumprir com as suas obrigações pagando aos fornecedores.
Os arguidos com as sua conduta descapitalizaram a “ D... ” e dissiparam todo o seu património, sonegando-o e ocultando-o aos seus credores, com o consequente prejuízo para estes, nomeadamente para a “Anobetão” e a firma “ C... ”.
Os arguidos com a sua actuação causaram danos patrimoniais que incumbe aos mesmos ressarci-los.
Assim, bem andou o Tribunal ao condenar os arguidos, solidariamente, a pagarem ás demandantes os danos patrimoniais sofridos em consequência da actuação do recorrente e do arguido B... .

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC´s.

Coimbra, 15 de Junho de 2016
                                              
(Alice Santos - relatora)

(Abílio Ramalho - adjunto)


[1] Cfr. ponto 3.1. da Motivação.
[2] Cfr. motivação da sentença.
[3] Note-se que, por lapso consignou-se na ata de 19-03-2015 que as declarações prestadas por A... tiveram “… o seu início (…) pelas 11:01:26 horas e o seu termo pelas 11:02:02 horas.” Trata-se – como é manifesto – de lapso, dado que as declarações em causa tiveram, na verdade, a duração de 30:35 minutos
[4]3.3.DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA (ARTIGO 410/2/A DO CPP”