Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8698/15.9T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: EXERCÍCIO
ACTIVIDADE BANCÁRIA
REVOGAÇÃO
AUTORIZAÇÃO
INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO
ENCERRAMENTO
EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
Data do Acordão: 01/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DE COIMBRA – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 8.º, N.º 2, DO DL 199/2006, DE 25-10; ART. 162.º, N.º 2, DO CSC
Sumário: I - A revogação da autorização para o exercício da actividade bancária produz os efeitos da declaração de insolvência (art. 8.º, n.º 2, do DL 199/2006, de 25/10).

II - A declaração de insolvência de uma sociedade comercial, embora determine a sua dissolução, não provoca a sua extinção nem, consequentemente, a extinção do procedimento criminal ou contraordenacional contra ela instaurado.

III - O ente colectivo, mesmo na situação prevista no ponto I, não pode considerar-se extinto enquanto não se mostrar efectuado o registo do encerramento da liquidação.

Decisão Texto Integral:





ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

            Nos autos de recurso de contraordenação que, sob o número 8698/15.9T8CBR, correram termos pela Secção Criminal da Instância Local de Coimbra, Comarca de Coimbra – J3, o arguido A... , S.A., ao abrigo do disposto nos artigos 59.º e 60.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que aprovou o Regime Geral das Contraordenações (RGCO), deduziu impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela C.M. de Coimbra que lhe aplicou uma coima, no montante de €1.500,00, pela violação do disposto n.º 1 do artigo 36.º do Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação, ilícito previsto e punido pela alínea c) do n.º 1, 2 e 5 do artigo 90.º do mesmo diploma.
Alegou para tanto e em síntese que a decisão administrativa deve ser revogada e substituída por outra que absolva o A... , nos termos e com os fundamentos constantes das conclusões que formulou.

Tal impugnação judicial viria a ser decidida por mero despacho, nos seguintes termos (extracto):

«Face ao exposto, julgo improcedente a impugnação judicial e mantenho a decisão recorrida que condenou o A... , S.A. ( A... ), no pagamento de uma coima de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), pela prática da infracção prevista no n.º 1 do artigo 36.º e punida, nos termos da alínea b) do n.º 1, n.º 2 e n.º5 do artigo 90.º do Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação (RMUE), Aviso n.º 255/12, de 10 de julho, publicado na II Série do DR.

Custas pela recorrente fixando-se as mesmas em 1,5 UC – cfr. artigo 8º nº7 do RCJ.»

Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:
1. Como é sabido, o A... foi, no dia 3 de agosto de 2014, sujeito à aplicação da medida de resolução, na modalidade de transferência parcial da sua atividade para um banco de transição, denominado B... , S.A.

2. Esta transferência implicou a transmissão para o B... S.A. da realidade axiológica, constituída pelo substrato pessoal das pessoas que formavam a sociedade, bem como pelo seu património.

3. Pelo que já não há necessidade de advertir para o cumprimento dos preceitos violados, pois esta instituição nunca poderá cometer o mesmo tipo de contraordenações.

4. Desvaneceram-se, assim, por completo quaisquer finalidades que pudessem justificar a aplicação de uma coima ao A... , pelo que deverá ser determinado o arquivamento do presente processo no que respeita ao A...

5. Pese embora o acima exposto, o pagamento da coima não é legalmente exigível ao A... , nos termos do disposto no 145.º-L, n.º 7, do RGICSF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 140/2015, de 31 de julho.

6. Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se concebe, sempre se dirá que na decisão administrativa não se refere todos os elementos subjetivos do dolo, mormente o volitivo.

7. Nem na decisão administrativa, nem na fundamentação da medida da coima, consta o elemento volitivo do dolo (por inexistente), traduzido na vontade do agente realizar o tipo contraordenacional.

8. Não obstante a decisão de aplicação de coima narrar um conjunto de factos relativos ao elemento intelectual do dolo, a verdade é que não se encontram preenchidos todos os elementos do tipo subjetivo.


9. O elemento volitivo não resulta da expressão «bem sabendo que a sua conduta era de molde a consubstanciar a infração de que vem acusada e não obviou à consequência da mesma, conformando-se com a descrita situação».

10. Assim sendo, não se verifica o nexo de imputação subjetiva do ilícito contraordenacional, o que deverá conduzir necessária e forçosamente ao arquivamento do processo.

11. Ainda que se considere ser de aplicar ao A... , ora Recorrente, uma sanção, não há razões que justifiquem e fundamentem a coima fixada pela autoridade administrativa.

12. A entidade administrativa decidiu que a conduta é de “reduzida gravidade”.


13. Já quanto à culpa, o A... não teve intenção de praticar a infração, pelo que grau de culpa não pode deixar de se considerar reduzido.

14. Assim, a prática da contraordenação, a existir, apenas poderia ser imputada a título de negligência.

15. O A... não tem antecedentes contraordenacionais na matéria.

16. No que toca à situação económica, o A... , no dia 30 de julho de 2014, divulgou, mediante comunicação à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, os resultados do Grupo A (...) , relativos ao primeiro semestre de 2014, que registam um prejuízo de 3.577,3 milhões de euros.

17. O que levou à aplicação das medidas de resolução pelo Banco de Portugal a que supra se aludiu.

18. O A... divulgou os resultados a 04 de agosto de 2014, que registavam um prejuízo de 2.421.318 milhões de euros.

19. O A... divulgou os resultados a 31 de dezembro de 2014, que registavam um prejuízo de 2.679.175 milhões de euros.

20. O A... divulgou os resultados a 31 de dezembro de 2015, que registavam um prejuízo de 5.287.125 milhões de euros.

21. Finalmente, no que concerne ao benefício económico, é por demais evidente que o A... não lucrou, nem tirou qualquer benefício.

22. Aliás, a própria autoridade administrativa referiu que o A... não retirou qualquer benefício económico, uma vez que procedeu à limpeza do terreno.

23. Assim, terá forçosamente de se concluir pela aplicação da admoestação em virtude dos respetivos requisitos de aplicação se encontrarem preenchidos e porque deste modo se cumprirá plenamente o fim proposto pela lei aplicável.

24. Com efeito, (i) a reduzida gravidade da infração (ii) a reduzida culpa (iii) a inexistência de benefício económico e (vi) e o fato de o Recorrente não ter registo de quaisquer anteriores contraordenações - são elementos mais do que suficientes para justificar e fundamentar a aplicação de uma admoestação.

25. Acresce que, de acordo com os factos considerados provados, o A... “procedeu à limpeza do seu terreno a nível de vegetação, colocando-o em condições de limpeza e salubridade assim reparando o prejuízo que a norma legal visa proteger”.


26. Pelo que, deverá a decisão impugnada ser revogada e proferida decisão que substitua a aplicação da coima por admoestação, em virtude da gravidade e da culpa reduzidas e da mesma se revelar suficiente para cumprir plenamente o fim proposto pela lei aplicável.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:

Ser determinado o arquivamento do presente processo; Ou, caso assim não se entenda,

Ser determinado o arquivamento do presente processo, por ausência dos elementos subjetivos; Ou, caso assim não se entenda,

Subsidiariamente, ser substituída a decisão em crise por outra que determine a aplicação ao ARGUIDO de uma mera admoestação.

  Respondeu o MP em primeira instância, concluindo nos seguintes termos:

1. Nos presentes autos foi proferida decisão judicial que confirmou a decisão administrativa, condenando o recorrente A... , SA, pela prática da infracção prevista no n.º 1 do artigo 36.º e punida, nos termos da alínea b) do n.º 1, n.º 2 e n.º5 do artigo 90.º do Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação (RMUE), Aviso n.º 255/12, de 10 de julho, publicado na II Série do DR, na coima de 1.500 euros.

2. Inconformada, veio a sociedade recorrente interpor recurso daquela decisão, pugnando pela sua revogação, com o consequente arquivamento dos autos ou pela sua substituição por condenação numa admoestação.

3. A recorrente fundamenta a sua pretensão suscitando as mesmas questões que estiveram na base do recurso interposto da decisão administrativa.

4. Tais questões foram, em nosso entender, cabal e adequadamente ponderadas e valoradas pelo tribunal a quo, em moldes que merecem a nossa concordância.

5. Assim, afigura-se-nos que não assiste razão à recorrente e que a douta sentença recorrida é justa e adequada pelo que nenhum reparo merece, devendo ser mantida.

  Termos em que deverão V. Ex.cias negar provimento ao recurso, mantendo a douta decisão recorrida.

Nesta Relação o Ex.mo PGA emitiu o seu douto parecer, no qual conclui no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Ainda respondeu o recorrente, reiterando a sua posição inicial e suscitando a questão da extinção do procedimento contra-ordenacional, face à revogação do exercício da actividade bancária, o que, na sua perspectiva, produz os efeitos da declaração de insolvência.

Aberta Vista ao Ex.mo PGA, este pronunciou-se no sentido do indeferimento de tal pretensão, pois que a sociedade em questão não se pode considerar extinta enquanto não se mostrar efectuado o registo do encerramento da liquidação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FACTOS PROVADOS:

a) A arguida A... , SA, é pessoa coletiva n.º (...) , com sede na (...) Lisboa (Cfr. fls. 2 e 4);

b) No dia 30 de maio de 2014, pelas 17h05, a arguida mantinha por limpar o seu terreno sito à Rua (...) (traseiras do (...) , União de Freguesias de Coimbra, concelho de Coimbra (Cfr. fls. 2);

c) Constatando-se que o referido terreno estava coberto com vegetação constituída, entre outras, por canas e silvas, (Cfr. fls. 2 e 4);

d) A arguida agiu com consciência e bem sabendo que a sua conduta era de molde a consubstanciar a infração de que vem acusada (apreciação livre da prova).

e) Assim, a arguida não obviou à consequência da mesma, conformando-se com a situação que constitui a contraordenação ora em apreço (livre apreciação da prova)

f) Em momento posterior ao da prática da infração a arguida procedeu à limpeza do seu terreno a nível da vegetação, colocando-o em condições de limpeza e salubridade assim reparando o prejuízo que a norma legal visa proteger – cfr. fls. 9 a 14.

g) A arguida não tem antecedentes contraordenacionais nesta matéria perante esta autoridade administrativa - cfr. fls. 18.

Factos não provados:

A situação económica da arguida, pese embora instada a apresentar documentação para prova da mesma, nada fez.

Os restantes factos não especificamente dados como provados ou não provados, ou são conclusivos e encerram questões de direito ou são irrelevantes para a decisão da causa.

            DECIDINDO:

            Começaremos a nossa análise pela apreciação da questão prévia suscitada pelo recorrente, relativamente à pretensa ocorrência de causa que determina a extinção do procedimento contra-ordenacional.

            Afirma o recorrente que a revogação do exercício da actividade bancária produz os efeitos da declaração de insolvência e esta equivale à morte do infractor.

            Opõe o MP que essa ‘morte’ só terá correspondência quando ocorrer o registo do encerramento da liquidação. E cita, a propósito, o ac. desta Relação, datado de 27/01/2016, proferido no processo nº 141/13.4TATBU, no qual o ora relator foi adjunto.

            Porque, naturalmente, perfilhamos na íntegra a fundamentação usada nesse aresto e que, na ocasião, sem qualquer reserva, subscrevemos, passamos a repetir aqui a mesma, transcrevendo-a:

«A referida questão já foi amplamente debatida pelos tribunais superiores e actualmente solucionada de forma praticamente unânime, no sentido de que a insolvência (anteriormente falência) determina a dissolução (art 141º, nº 1 al. e) do CSC) mas não a extinção da sociedade. Assim sendo, a declaração de insolvência de uma sociedade não é causa de extinção do respectivo procedimento criminal.

Neste sentido, entre outros, os seguintes arestos disponíveis in www.dgsi.pt:

- Ac. do STJ de 12-10-2006, proc.º n.º 0692930, Cons. Pereira Madeira;

- Ac. Rel Coimbra, 22 de Outubro de 2014, relatora Des Cacilda Sena;

- Ac. Rel Guimarães, 9 de Fevereiro de 2009, relator Des Cruz Bucho;

-Ac. Rel Évora de 2-5-2006, proc.º 394/06-1, Des Pires da Graça;

- Relação do Porto:

- Ac. de 05-03-2003, proc.º n.º 0210379, rel. Fernando Batista;

- Ac. de 28-05-2003, proc.º n.º 0310495, rel. Borges Martins;

- Ac. de 10-03-2004, proc.º n.º 0315960, rel. Borges Martins;

- Ac. de 08-07-2004, proc.º n.º 0441488, rel. Agostinho Freitas;

- Ac. de 06-10-2004, proc.º n.º 0413650, rel. André Silva;

- Ac. de 13-10-2004, proc.º n.º 0414013, rel. Fernando Monterroso;

- Ac. de 28-09-2005, proc.º n.º 0510726, rel. Alves Fernandes;

- Ac. de 21-12-2005, proc.º n.º 0416352, rel. Ângelo Morais;

- Ac. de 09-05-2007, proc.º n.º 0710903, rel. António Eleutério;

- Ac. de 27-06-2007, proc.º n.º 0742535, rel. Ernesto Nascimento;

- Ac. de 12-09-2007, proc.º n.º 0741140, rel. Pinto Monteiro;

E ainda Ac. da Rel de Coimbra 25-6-1996, Col. De Jur. Ano XXI, tomo 3, pág. 40.

Atenta a extensa e referida discussão na jurisprudência, a questão já não justifica extensa fundamentação.

Dispõe o art 127.º, do CP, sob a epígrafe “Morte, amnistia, perdão genérico, indulto e extinção”:

“1. A responsabilidade criminal extingue-se ainda pela morte, pela amnistia, pelo perdão genérico e pelo indulto.

2 - No caso de extinção de pessoa coletiva ou entidade equiparada, o respetivo património responde pelas multas e indemnizações em que aquela for condenada.”

De notar que o art 128º do CP nem sequer alude à extinção das pessoas colectivas.

Com efeito, estabelece o referido artigo 128.º:

“1 - A morte do agente extingue tanto o procedimento criminal como a pena ou a medida de segurança.

2 - A amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança.

3 - O perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte.

4 - O indulto extingue a pena, no todo ou em parte, ou substitui-a por outra mais favorável prevista na lei.”

A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação» - art 160º, nº 2 do CSC.

É pois claro e manifesto que a extinção das sociedades comerciais ocorre apenas com o registo do encerramento da liquidação.

A declaração de insolvência de uma sociedade, embora provoque a sua dissolução, não provoca a sua extinção nem a extinção do procedimento criminal contra ela instaurado. A sociedade não pode considerar-se extinta enquanto não se mostrar efectuado o registo do encerramento da liquidação. [v.g., o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 9 de Fevereiro de 2009, in processo n.º 2701/08-1]

Toda a argumentação que parte da premissa de que a declaração de insolvência tem efeitos idênticos aos da morte de uma pessoa singular, ignora a norma expressa no art 160º nº 2 do CSC de que a extinção ocorre com o registo do encerramento da liquidação.

Premissa que se revela incorrecta, conforme foi demonstrado pelo Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência n.º 5/2004 (DR. I série A, n.º 144, de 21-6-2004), - cuja jurisprudência o art 11º do CP veio a consagrar - e reafirmado pelo Ac. do STJ de 12-10-2006, proc.º n.º 0692930, rel. Cons.º Pereira Madeira.

Como ensina Raul Ventura, especialista na matéria:

“A extinção da sociedade resulta da inscrição no registo do encerramento da liquidação, «mesmo entre os sócios». Não se trata, pois, de, pelo registo, tornar esse facto oponível a terceiros; mesmo entre os sócios, a sociedade mantém-se (incluindo a respectiva personalidade) até ser efectuada aquela inscrição. Na terminologia usual, o registo tem neste caso eficácia constitutiva.

O sistema estabelecido no CSC justifica-se por motivos teóricos e práticos. Por um lado, está em correspondência com o sistema estabelecido para a aquisição de personalidade pela sociedade e existência desta como tal (art. 6.°). Por outro lado, consegue-se a certeza quanto ao momento em que a sociedade se extingue e além disso evitam-se as dificuldades de a sociedade se extinguir pelo que respeita aos sócios, sem no entanto estar extinta pelo que respeita a terceiros”.

Em conclusão: a extinção do procedimento criminal instaurado contra uma sociedade comercial não se extingue com a extinção da própria sociedade operada nos termos do disposto no nº 2° do artigo 160° do Código das Sociedades Comerciais, não equivalendo tal extinção à morte prevista nos artigos 127° e 128° nº 1 ° do Código Penal.»

            No nosso caso, pese embora tenha sido revogada a autorização para o exercício da actividade bancária por parte da ora recorrente, a qual produzirá os efeitos da declaração de insolvência (artº 8º, 2, do DL 199/2006, de 25/10), o certo é que não se mostra ainda efectuado o registo da sua liquidação, razão pela qual, e atenta a jurisprudência já atrás invocada, e o disposto no artº 160º, 2, do CSComerciais, não se pode considerar que a mesma sociedade se mostra extinta.

            Por isso, improcede na totalidade a pretensão que, nesse sentido, a recorrente formulou através da sua resposta de fls. 196 e seg.s.

            Julgada improcedente tal questão prévia, passaremos ao conhecimento do mérito do recurso, tendo em consideração as conclusões que dele retira o recorrente, que operam a delimitação temática da nossa apreciação censória.

            Como muito bem alerta a Ex.ma Magistrada do MP em primeira instância, «a recorrente suscita, como fundamento do presente recurso, as mesmas questões que fundamentaram o recurso interposto da decisão administrativa».

            A primeira questão suscitada prende-se com a análise da eventual repercussão que a transferência parcial da actividade do A... para um banco de transição, denominado B... , possa ter na responsabilidade contra-ordenacional do recorrente. Pretende este que se desvaneceram, «por completo quaisquer finalidades que pudessem justificar a aplicação de uma coima ao A... », o que deverá levar ao arquivamento do processo.

            Nos termos do disposto no artº 5º, do RGCO, «o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, devia ter actuado». Daqui resulta que, uma vez praticado [ou omitido] o facto, este se cristaliza na pessoa do agente e a responsabilidade gerada perdurará até à sua morte ou à ocorrência de facto equivalente, no caso das sociedades até ao registo da sua liquidação, como vimos já.

            E, até ao momento, não tendo ocorrido causa de extinção da responsabilidade deve manter-se a responsabilização da recorrente.

            Pretende esta que, por força da deliberação do Banco de Portugal datada de 3 de Agosto de 2014, foi determinada a transferência de um conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do A... para o B... , neles incluídos os imóveis que aquele detinha, entre eles aquele a que se reporta a presente contra-ordenação. Daqui extrai que deixou de subsistir «a realidade axiológica, constituída pelo substrato pessoal das pessoas que formavam a sociedade, bem como pelo seu património».

            Tal afirmação não colhe, já que, como atrás afirmámos, a entidade responsável pelo cometimento da contra-ordenação, o ora recorrente, mantém a sua personalidade jurídico-contraordenacional e, assim, a sua capacidade de responsabilização contraordenacionalpela prática de actos ou omissões ‘praticados’ pelos seus órgãos no exercício das suas funções (artº 7º, 2, RGCO).

            Por isso, improcedem as conclusões a propósito tiradas pela recorrente já que, mantendo-se a realidade sociológica em que se traduz o recorrente, de forma alguma se pode considerar transmitida, sem mais, a responsabilidade de mera ordenação social que sobre ela impende. No mais, remetemos para as bem elaboradas considerações tecidas na decisão recorrida.

            Prossegue a recorrente afirmando que ocorre falta de fundamentação da decisão administrativa, no que se refere aos elementos subjectivos do dolo, mormente o volitivo.

            Mais uma vez a extensa e bem elaborada fundamentação operada na sentença recorrida nos dispensa de maior averiguação e mais longas considerações também a este propósito, visto que o recorrente repete aqui a argumentação que havia já usado aquando da impugnação judicial da decisão administrativa.

            Assim sendo, por razões de economia, transcrevemos aqui tal fundamentação, que assim perfilhamos:

«É precisamente a forma de dolo eventual (não “necessário”, como é caracterizada na decisão sob recurso) que se encontra ínsita nos factos provados.

Na verdade, aí se diz que a arguida, ao manter por limpar o seu terreno – que estava coberto com vegetação constituída, entre outras, por canas e silvas – agiu conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era de molde a consubstanciar a infração de que vem acusada e não obviou à consequência da mesma, conformando-se com a descrita situação.

Ora, o elemento intelectual do dolo consiste na representação de todos os elementos que integram o facto ilícito e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável.

O elemento volitivo consiste na vontade, por parte do agente, de realizar o facto típico, depois de ter representado as circunstâncias ou elementos do tipo objetivo do ilícito é o que resulta da expressão (a arguida) “bem sabendo que a sua conduta era de molde a consubstanciar a infração de que vem acusada e não obviou à consequência da mesma, conformando-se com a descrita situação”. Como assim, é patente que a redação do elemento subjetivo contém, os necessários elementos de intencionalidade da conduta e consciência da ilicitude da mesma. Por outro lado, perante estas considerações é manifesto que improcede o argumento de que “não se verifica o nexo de imputação subjetiva do ilícito contraordenacional, o que deverá conduzir necessária e forçosamente ao arquivamento do processo”».

            Ou seja, a referência feita nos factos provados em d) e e), integram a factualidade necessária à integração do ilícito contra-ordenacional, a título de dolo eventual, tal qual feito na sentença recorrida, que nesse aspecto alterou a decisão administrativa.

            O elemento volitivo do dolo traduziu-se na conformação com a situação existente e que o recorrente conhecia [elemento cognitivo] mantendo a omissão, face à obrigação de agir.

            Assim sendo, é de manter a imputação a título de dolo.

            Como última questão, o recorrente pretende que, a improcederem as suas anteriores conclusões, seja substituída a decisão recorrida por outra que lhe aplique uma mera admoestação.

            Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 90.º do Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação (RMUE), é punível como contraordenação “o desrespeito pela obrigação de conservação e manutenção em perfeito estado de limpeza e salubridade dos espaços verdes e logradouros, nos termos previstos no número 1, do artigo 36.º” sendo que nos termos do n.º 2 e do n.º 5 dos supra citados artigo e diploma legal, tal contraordenação é punível, no caso em apreço, com coima graduada de € 3.000,00 a € 7.500,00, por se tratar de pessoa coletiva.

No desempenho da actividade de concretização da medida da coima, deve ter-se em consideração, nos termos do artigo 18.º do RGCO, a gravidade da contraordenação, a culpa da agente, a situação económica e o beneficio retirado da prática da contraordenação.

Como se refere na sentença recorrida, «a contraordenação praticada pela arguida reveste-se de gravidade moderada a reduzida, uma vez que a sua conduta omissiva consistiu em manter um terreno por limpar, coberto com vegetação constituída, entre outras, por canas e silvas, sendo que a situação foi entretanto regularizada e o terreno limpo. Não se provou a ocorrência de qualquer perigo concreto (por oposição ao perigo abstrato também previsto no normativo legal) dano ou prejuízo

Invocando a sua difícil situação financeira, a circunstância de não ter registo de antecedentes contra-ordenacionais na matéria, a circunstância de não ter retirado qualquer benefício económico da sua omissão, visto ter entretanto procedido à limpeza do terreno, pretende a recorrente que a sua responsabilidade contra-ordenacional seja censurada através de uma mera admoestação.

Nos termos do disposto no artº 51º, 1, do RGCO são pressupostos da aplicação da admoestação a reduzida gravidade da infracção e da culpa.

Tendo em consideração esses pressupostos, a entidade administrativa procedeu a uma atenuação especial da punição, nos termos do disposto no artº 18º, 3, do RGCO, reduzindo o mínimo legal e fixando em 1.500 euros o montante devido.

Cremos, assim, que embora não sejam muito prementes as necessidades de reprovação, face às referidas circunstâncias que atenuam a responsabilidade, não são elas tão desprezíveis que justifiquem, sem mais, a substituição da coima por uma simples admoestação, como, aliás, considerou a sentença recorrida.

Como se disse na decisão administrativa impugnada, «o normativo legal em vigor impõe uma política de responsabilização cada vez mais acentuada dos particulares neste tipo de gestão do património, que o mantenham limpo e salubre». Ou seja, persistem razões punitivas que, pese embora a atenuação especial da coima, justificam a não aplicação de uma simples admoestação ao caso. Não só a gravidade do facto e a culpa do agente não são de tal modo reduzidos que o justifiquem, como a tal se opõem razões de prevenção, v.g. de carácter geral.

Termos em que, sem necessidade de mais largos considerandos, se acorda nesta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC’s.

Coimbra, 18 de Janeiro de 2017

(Jorge França - relator)

(Alcina da Costa Ribeiro - adjunta)