Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
335/09.7TJCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
SOCIEDADE IRREGULAR
NULIDADE
Data do Acordão: 01/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA 5º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.1014, 1018, 1126 CPC, 36, 52, 165 CSC
Sumário: 1 Pedida, por um dos sócios, a declaração de nulidade de uma sociedade irregular, e declarada judicialmente a mesma, tal sociedade entra em liquidação;

2 Requerida a liquidação judicial da sociedade, no respectivo processo serão prestadas as competentes contas e efectivada a partilha do activo patrimonial existente;

3 Por isso, não pode o sócio de sociedade irregular pedir a prestação de contas ao sócio administrador dos bens e interesses dessa sociedade, em acção autónoma, depois de a mesma entrar em liquidação judicial.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. A T (…), residente em Coimbra, intentou a presente acção de prestação de contas contra A P (…), com domicílio profissional em Coimbra, pedindo que o mesmo apresente as contas da exploração de um estabelecimento, explorado por ambos, sob pena de ser condenado a reconhecer as que o A. agora apresentou e, a final, condenado a pagar metade do saldo apurado.

Alegou, em síntese, que ambos exploraram um estabelecimento comercial, uma Papelaria (...), em regime de sociedade irregular, exploração que vigorou entre Agosto de 1998 e Março de 2005, tendo sido o R. que sempre administrou e controlou as contas do mesmo estabelecimento. Considerou estarem acertadas as contas com o R. até Julho de 2004, data em que ele A. abandonou o estabelecimento, e data até à qual, mensalmente, ambos dividiram lucros e prejuízos da exploração do estabelecimento, devendo serem prestadas contas reportadas apenas ao período entre Agosto de 2004 e Março de 2005.

O R. contestou, dizendo, em suma, que o A. é que as tem que apresentar, pois foi acordado entre ambos que a administração e gestão de facto do estabelecimento caberia ao A., funções que este sempre desempenhou até ter abandonado o estabelecimento em Julho de 2004. Concluiu pela improcedência da acção.

O A. respondeu dizendo que no âmbito do Proc.381/05.0TBCBR. que correu na Vara da Mista de Coimbra, proposta por si contra o ora R., este confessou aí ser quem tinha a direcção efectiva do estabelecimento, quer legal quer factual (o que aliás veio aí a ser dado como provado), pelo que a contestação do R. é infundada.  

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De seguida foi proferida decisão que ordenou que o R. prestasse contas em 20 dias, pelos períodos que reputar convenientes.

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2. O R. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. O Recorrente não concorda e não se pode conformar com o douto despacho de fls. …. que decidiu pela existência da sua obrigação de prestar contas relativamente à exploração do estabelecimento comercial Papelaria (...), e ordenou a sua notificação para dentro de 20 dias prestar contas, pelos períodos que reputar convenientes.

2. Considera o Recorrente não ter qualquer dever de prestar contas e que ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo o disposto no art.º 1014.º do C.P.C.

3. Com vista à gestão conjunta deste estabelecimento, o R. propôs ao A. que se lhe associasse para em conjunto explorarem o estabelecimento o que o A. aceitou.

4. Para o que celebraram, em 31 de Agosto de 1998, um contrato promessa de constituição de sociedade e de trespasse deste estabelecimento comercial.

5. Nunca chegaram porém a celebrar o contrato constitutivo da sociedade entre eles, e também nunca se consumou o trespasse do estabelecimento a favor da mesma.

6. Por falta de constituição da sociedade, o contrato celebrado acabou por se converter num contrato promessa de aquisição de 50% do valor atribuído ao estabelecimento referido.

7. Após a celebração do contrato o A. passou a dirigir o referido estabelecimento, contratando com fornecedores e pagando as respectivas encomendas e assegurando o funcionamento do mesmo.

8. Era ainda o A. quem recebia diariamente os valores apurados nas vendas, realizava os contactos no estabelecimento com os fornecedores, procedia à escolha e aquisição do material e dos produtos a comercializar, recebia diariamente os jornais, as revistas e demais publicações e as respectivas facturas, recibos, notas de crédito, talões de caixa referentes às vendas efectuadas na Papelaria (...) e todos os demais documentos referentes à exploração do estabelecimento que o A. conferia, fiscalizava e enviava no final de cada mês para o escritório do R. para serem remetidos ao gabinete de contabilidade deste.

9. Era o A. ou a funcionária I (...), quem no estabelecimento procediam às vendas e recebiam os pagamentos dos artigos que comercializavam, valores que registavam diariamente em impresso tipo, denominado "Apuramento diário da caixa".

10. Com base nesses dados apurados pelo A. e por ele registados num relatório de receitas e despesas que elaborava e enviava para o escritório do R. no final de cada mês, procedia o R. ao apuramento das contas finais do mês.

11. Apuramento sempre feito de acordo e em conformidade com os elementos apurados pelo A. e por ele fornecidos ao R.

12. Procedendo à determinação de lucros ou de prejuízos da Papelaria (...) cujo saldo final era, depois, dividido pelo A. e pelo R. na percentagem de 43,75% para o A. e 56,25% para o R., inicialmente, mais tarde em partes iguais.

13. Ao R. competia, nos termos acordados entre ambos, e uma vez que o estabelecimento estava sediado na sua esfera jurídica, prestar assessoria jurídica à exploração do estabelecimento, e proceder ao pagamento das contribuições para a Segurança Social, impostos, taxas correspondentes à exploração do estabelecimento e demais despesas do estabelecimento.

14. O que de modo algum pode ser considerado como exercício da gerência da sociedade irregular com base na qual exploravam em conjunto o dito estabelecimento.

15. Pelo contrário foi o A. que exerceu a gerência efectiva do referido estabelecimento, desde o início da exploração conjunta, em Agosto de 1998 até ao seu encerramento, em Março de 2005.

16. Só ao A. compete assim prestar contas pela gestão do estabelecimento a seu cargo no referido período, não ao Réu.

17. Ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo o disposto no art.º 1014.º do C.P.C., já que inexiste qualquer obrigação do R. de prestar contas na medida em que não foi ele que exerceu de facto o cargo de gerente da sociedade.

18. Nem tal exercício por parte do Réu resulta de modo algum provado da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo por remissão para a matéria considerada provada no âmbito do processo n.º 381/05.0TBCBR, da 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra.

19. Razão pela qual deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue inexistente a obrigação do Réu de prestar quaisquer contas.

Nestes termos, nos melhores de direito e nos mais que V. Exªs doutamente suprirão deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro nos termos supra expostos.

Assim decidindo farão V. Exªs a costumada JUSTIÇA

3. Não houve contra-alegações.

II – Factos Provados

Na decisão recorrida, sobre a factualidade provada, exarou-se que:

“Certo é que se provou já, no âmbito do processo nº 381/05.0TBCBR, da 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra, além do mais, que:

Sempre o réu manteve o controlo financeiro do estabelecimento, uma vez que todos os valores apurados nas vendas realizadas eram depositados na conta bancária deste.

E todos os pagamentos a fornecedores e empregados eram feitos através da conta bancária do réu.

O edifício onde estava sedeado o estabelecimento em causa era propriedade do Município de Coimbra, a quem o réu pagava renda.

Chovia dentro do estabelecimento e havia grave risco de ruína do prédio, e o réu resolveu demandar o Município de Coimbra com vista a obrigar este a proceder às necessárias reparações, por forma a assegurar o normal funcionamento do estabelecimento.

Foi o réu quem propôs a respectiva acção contra o Município de Coimbra, na qual pedia a condenação deste a proceder às necessárias reparações do edifício e do arrendado, bem como a pagar-lhe uma indemnização pelos danos causados.

No decurso dessa acção judicial, o Município de Coimbra propôs ao réu uma transacção que passava por fazer cessar o contrato de arrendamento do estabelecimento, retomando o Município a posse do arrendado.

Tendo proposto como contrapartida pela cessação do arrendamento o pagamento ao Réu de uma indemnização de 100.000 € (cem mil euros).

Nessa altura o réu deu a conhecer ao autor os termos da proposta apresentada, pedindo a este a sua opinião quanto a aceitar ou não a mesma.

O autor comunicou ao réu que aceitava a proposta do Município.

Foi acordado entre o Autor e Réu que o valor da indemnização recebida do Município em troca do termo do contrato de arrendamento seria dividido pelos dois, enquanto mais valia a integrar na Papelaria (...)e apuradas as contas, depois de deduzidos os prejuízo.

E como contrapartida pela sua extinção recebeu o réu do senhorio uma indemnização de 100.000 € (cem mil euros).

Assim, em Dezembro de 2002, o réu celebrou termo de transacção com o Município de Coimbra, pondo termo ao referido processo.

E, nos termos dessa transacção o Município pagou ao Réu a quantia de 100.000 € (cem mil euros), terminando o contrato de arrendamento.

Autor e réu repartiram mensalmente os lucros e as despesas resultantes da exploração do supra mencionado estabelecimento de Papelaria (...).

Após a referida transacção judicial o estabelecimento mudou de instalações, funcionando desde finais de Março 2003, no r/c do prédio sito na R. (...) nº (...) em Coimbra, onde o autor trabalhou até meados de Julho de 2004.

Durante o ano de 2004 começou a ser evidente que o estabelecimento não tinha rentabilidade suficiente, começando a dar, sistematicamente, prejuízo.

Em meados de 2004, as distribuidoras de publicações, VASP e Publicações, deixaram de distribuir jornais e revistas, por falta de liquidação das facturas.

Chegando-se a ter que se comprar jornais e revistas noutros quiosques para poder satisfazer os pedidos de clientes certos.

O autor decidiu deixar de trabalhar no estabelecimento, como até aí fazia, em meados de Julho de 2004.

Desde essa data, o réu não mais prestou quaisquer contas de exploração do estabelecimento ao autor.

Relativamente ao estabelecimento, sempre o réu recebia diariamente os valores apurados nas vendas realizadas, efectuando todos os pagamentos a fornecedores e funcionários, inclusive ao autor; estabelecendo através do seu escritório os contactos com as firmas fornecedoras, prestando em seu nome as garantias financeiras quando solicitadas, pagando os impostos decorrentes da actividade, e processando na sua esfera jurídica e fiscal toda a actividade do mesmo; delegando no autor a realização dos contactos no estabelecimento com fornecedores, designadamente na escolha e aquisição do material e dos produtos a comercializar.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº3, do CPC).

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Obrigação de prestação de contas pelo R.

2.1. Para decidir o presente recurso, interessa, porém, considerar outra matéria de facto apurada.

- Na acção sumária, correspondente ao Proc.335/09, proposta pelo ora A. contra o ora R., de que esta acção de prestação de contas é o Apenso-B, foi a mesma julgada procedente, e, consequentemente, proferida sentença, já transitada, que declarou nula a sociedade irregular constituída de facto entre A. e R. para exploração do identificado estabelecimento comercial;

- Na mesma acção foram dados como provados os factos exactos que agora foram dados como provados na presente acção, e acima elencados;

- Após aquela sentença o ora A. requereu, pelo Apenso-A ao dito Proc.335/09, liquidação judicial da mencionada sociedade irregular;

- Neste apenso foi proferido despacho que nomeou o ora R. liquidatário, fixou o prazo de liquidação até 30.3.2010, após o que, nos 30 dias subsequentes, apresentaria contas e o projecto de partilha do activo restante (fls. 18);

- O ora R. veio apresentar contas da liquidação da dita sociedade (fls. 19 e segs.);

- O ora A. contestou as contas, e requereu a destituição do ora R, como liquidatário e a nomeação de outro (fls. 158 e segs.) a que o ora R. respondeu (fls. 169 e segs.);

- Foi então proferido despacho que considerou, como causa prejudicial, ser necessária a prestação de contas pelo ora R., como processado autónomo, nos termos do art. 1014º e segs. do CPC;

- Na sequência desse despacho, o ora A. propôs a presente acção especial de contas.

2.2. O objecto da acção de prestação de contas encontra-se definido no art. 1014º do CPC, segundo o qual “a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.

Deste artigo resulta, assim, que o direito de exigir a prestação de contas está directamente relacionado com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem ou que não lhe pertencem em regime de exclusividade.

Essa actividade de administrador de bens alheios é susceptível de gerar receitas, podendo também impor a realização de despesas. Do confronto das receitas e despesas decorrerá ou não o apuramento de um saldo que aquele será condenado a pagar.

Este entendimento é pacífico na jurisprudência, como salienta o Ac. da Rel. de Lisboa, de 15.12.1994, publicado na CJ, T. V, pág. 139, citando vários acórdãos, entre eles o do STJ de 14.1.1975 (BMJ 243º, pág. 203 e segs.), no qual se afirmou que o que justifica o uso da acção com processo especial de prestação de contas “…é a unilateralidade do dever de uma das partes prestar contas à outra, por imperativo da lei ou disposição do contrato, relativamente a bens ou interesses que lhe foram confiados”.

O mesmo entendimento tem a doutrina, como se constata dos ensinamentos de Alberto dos Reis, (Processos Especiais, Vol. I, pág. 303), onde escreveu: “Pode formular-se este princípio geral: quem administra bens alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses”.

Não existe norma legal que genericamente afirme quem está obrigado a prestar contas. O que há é um alargado leque de preceitos espalhados, designadamente, no Código Civil e Código Processo Civil que, casuisticamente, impõem essa obrigação (cfr. artigos 95º, 662º, 988º, 1161º d), 1944º, 2093º, 2332º do CC, 843º e 1126º do CPC).

Temos, assim, que a obrigação de prestar contas decorre directamente da lei. Mas pode também derivar do negócio jurídico.

No caso vertente, o A. invoca como fundamento para exigir contas ao R. o facto de com ele ter constituído uma sociedade irregular para exploração de um estabelecimento de Papelaria (...), exploração que levaram a cabo.

No seguimento do que vem sendo entendido, segundo se crê de forma pacífica, pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, dispondo as sociedades irregulares de capacidade activa e passiva, qualquer dos seus sócios poderá exigir do sócio gerente, do mandatário social ou daquele que administrou bens da sociedade, a prestação de contas (vide Acds. do STJ de 13.1.2005, Proc.04B3799, em www.dgsi.pt, de 19.11.1996, CJ, T. 3, pág. 107, e de 24.11.1994, Proc.086180, no indicado sítio; da Relação de Lisboa de 15.2.2001, Proc.0047088, em www.dgsi.pt, e de 12.11.1998, CJ, T. 5, pág. 91; da Rel. Porto de 8.7.2004, Proc.0423549, de 24.5.2001, Proc.0130618, ambos em www.dgsi.pt de 25.5.1995, BMJ 447º, pág. 576, e de 29.11.1993, Proc.9320881, no indicado sítio).

Todavia, o nosso caso apresenta uma nuance importante, que muda a configuração do regime jurídico a seguir. Na verdade, a sociedade irregular constituída de facto entre A. e R., para exploração do identificado estabelecimento comercial, foi declarada nula, na acção sumária, correspondente ao Proc.335/09, proposta pelo ora A. contra o ora R., de que esta acção de prestação de contas é o Apenso-B, sentença já transitada.

Nesta situação, e atendendo ao estatuído no art. 36º, nº 2, do Cód. Soc. Comerciais que remete para as disposições sobre sociedades civis a regulação das relações entre os sócios das ditas sociedades irregulares, verifica-se que, face à declarada nulidade, a dita sociedade irregular entrou necessária e consequentemente em liquidação (cfr. art. 1010º do CC, e A. Varela, CC Anotado, Vol. II, 2ª Ed., nota 1. ao indicado artigo, pág. 317). Aliás, o mesmo acontece nas sociedades comerciais quando é declarada a sua invalidade (como decorre do estabelecido nos arts. 52º, nº 1, e 165º do CSC).  

Neste caso, como alertava (no texto do acórdão, a fls. 108), o citado Ac. do STJ de 19.11.1996, e decidiu o Ac. da Rel. Porto de 16.3.1992, BMJ 415º, pág. 727, já não é possível proceder a qualquer prestação de contas, como processo autónomo, visto que a sociedade entrou em liquidação. O mesmo entendimento tem, na doutrina, A. Reis, ob. cit.., pág.311.

E assim é de facto, pois só a liquidação e partilha subsequente à declaração de nulidade pode determinar o que cada um dos “sócios”/interessado terá, eventualmente, a receber do património comum, este, um resultado do saldo, se saldo houver, obtido do conjunto formado por entradas para a sociedade, de lucros e prejuízos, de receitas e despesas. Pelo que qualquer dos “sócios”/interessados pode apenas exigir a liquidação e partilha subsequente à declaração de nulidade, bem como a correspectiva comparticipação no saldo, se saldo houver, resultante do referido apuramento.   

Foi isto que, aliás, o ora A. fez, como decorre da factualidade apurada, pois, após aquela sentença de declaração de nulidade, o ora A. requereu, pelo Apenso-A ao dito Proc.335/09, liquidação judicial da dita sociedade irregular. Ora, neste apenso foi, até, proferido despacho que nomeou o ora R. liquidatário, fixou o prazo de liquidação até 30.3.2010, e inclusive determinou que, nos 30 dias subsequentes, o ora R. apresentaria contas e o projecto de partilha do activo restante. Mais, o ora R. veio apresentar contas da liquidação da dita sociedade, e o ora A. até contestou as contas (e adicionalmente requereu a destituição do ora R, como liquidatário e a nomeação de outro, a que o ora R. respondeu).

Não se compreende bem, por isso, o despacho que considerou, como causa prejudicial, ser necessária a prestação de contas pelo ora R., como processado autónomo, nos termos do art. 1014º e segs. do CPC.

Na realidade, chegado o momento, no processado de liquidação, em que o ora R./liquidatário apresentou as contas, nada mais havia a fazer que aplicar o que dispõe o atrás citado art. 1126º, nº 1, 1ª parte, do CPC, ou seja seguir o estatuído no art. 1018º do CPC, e por força deste normativo dar aplicação aos arts. 1016º e 1017º do CPC. Como o ora A./interessado até já tinha contestado as contas havia que seguir os termos do processo declarativo ordinário ou sumário, conforme o valor da acção.

No fundo, vê-se que no processo especial de liquidação de património de sociedade irregular (na espécie em apreço constituída entre A. e R.) se acaba por seguir, de forma adaptada, o processado da prestação de contas (veja-se neste preciso sentido o ensinamento de A. Reis, ob. cit., Vol. II, pág. 286/287).

O mesmo, aliás, aconteceria, se o ora R./liquidatário não tivesse apresentado atempadamente as contas, pois, nessa hipótese, aí sim, o ora A. teria o direito de activamente pedir a prestação de contas, nos termos do citado art. 1126º, nº1, 2ª parte, do CPC.     

Não se descortina pois, nem se pode acompanhar a decisão que decretou, como causa prejudicial, a remessa das partes para a proposição por parte do ora A. de uma acção de prestação de contas, como processo autónomo, quando podia e devia ter seguido no processo de liquidação.   

Certo é que o ora R. não está obrigado, no presente processo, a prestar contas, pelo que, embora por razão diferente, o recurso deve ser julgado procedente e a decisão revogada.

3. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) Pedida, por um dos sócios, a declaração de nulidade de uma sociedade irregular, e declarada judicialmente a mesma, tal sociedade entra em liquidação;

ii) Requerida a liquidação judicial da sociedade, no respectivo processo serão prestadas as competentes contas e efectivada a partilha do activo patrimonial existente;

iii) É defeso ao sócio de sociedade irregular pedir a prestação de contas ao sócio administrador dos bens e interesses dessa sociedade, em acção autónoma, depois de a mesma entrar em liquidação judicial.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a decisão recorrida.

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Sem custas.

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João Moreira do Carmo (Relator)

Carlos Marinho

Alberto Ruço