Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
324/11.1GBOBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 04/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 44º, DA LEI N.º 34/2004, DE 29/07 (REDACÇÃO DA LEI N.º 47/2007, DE 28/08)
Sumário: No caso dos autos, tendo o apoio judiciário sido requerido antes do termo do prazo de recurso da sentença proferida em primeira instância e tendo sido deferido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não há lugar ao pagamento da taxa de justiça e demais custas de todo o processo.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nos autos de processo sumário que correm termos pela Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Instância Criminal de Anadia, e que originaram o presente recurso em separado, foi proferido despacho com o seguinte teor:
Sobre o apoio judiciário:
Nos presentes autos foi o arguido condenado por sentença proferida a 06-07-2011 e, nesta data, ainda não transitada em julgado.
A 06-07-2011 (fls.29) o arguido juntou cópia do requerimento (datado de 04-07-2011) de protecção jurídica apresentado junto dos serviços de segurança social, o qual lhe foi deferido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (fls.58).
Sobre a concessão de o apoio judiciário ao arguido pronunciou-se o Ministério Público nos termos da vista de fls.48 a 51 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) pugnado pela interpretação de que em processo penal a protecção jurídica só pode ser requerida até ao trânsito em julgado da decisão final desde que o requerente pretenda aceder ao direito e aos tribunais. Caso contrário, se já foi ou sabe que vai ser condenado e com isso se conformou e nada mais quer do processo, mais não tem que assumir a sua responsabilidade tributária.
Requer o Ministério Público que se desatenda a produção de quaisquer efeitos do requerido apoio judiciário.
O arguido, apesar de notificado, não se pronunciou.
*
Cumpre apreciar e decidir:
Em nosso entender, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a posição aqui defendida pelo Ministério Público e pela doutrina e jurisprudência citadas não é a que melhor se ajusta às finalidades do art. 20.° da C.R.P. e do art. 1.°, n.° 1, da L. n.° 34/2004, de 29/07, em conjugação com o art. 15.°, al. c), do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.).
Com efeito, julgamos mais consentâneas com os objectivos das "supra” referidas normas as seguintes decisões:
Acórdão do T.R.Coimbra de 23/11/2010 (em www.dgsi.pt - Processo n.° 43/10.6GDAND- A.c.1) em cujo sumário se lê que:
Prevendo a lei a possibilidade de o apoio judiciário ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final e sendo esse beneficio concedido pelos serviços competentes para o efeito, não pode o tribunal opor-se com base num diferente entendimento sobre as circunstâncias em que tal beneficio poderia ser requerido.”.
*
Acórdão do T.R.Coimbra de 09/04/2008 (em www.dgsi.pt - Processo n.° 134/06.8GASRE- A.C1) em cujo sumário se lê que:
“1. A lei é muito clara nesse aspecto - o apoio judiciário deve ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final (artº 44° n° 1- L. 34/04) -, não havendo qualquer restrição no caso deste ser formulado após a sentença.
2. Assim sendo, tendo tal apoio sido requerido antes do trânsito da sentença proferida nos autos, e tendo o mesmo sido deferido, não pode o tribunal vedar o acesso a esse benefício só porque tem um diferente entendimento sobre as circunstâncias em que aquele podia ser requerido, ignorando que a competência para essa concessão é agora dos serviços de segurança social".
*
Acórdão do T.R.Guimarães de 10/03/2011 (em www.dgsi.pt - Processo n.° 39/09.0PABRG.AG1 ) em cujo sumário se lê que:
“I - Em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.
II - Se deferido, o apoio judiciário requerido antes do trânsito em julgado da sentença condenatória da qual não foi interposto recurso abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o reouerimento.’’.
*
Acórdão do T.R.Guimarães de 31/10/2005 (em www.dgsi.pt- Processo n.° 1783/05-1) em cujo sumário se lê que:
“I - Na vigência da Lei 30-E/90 de 20-12, tal como já acontecia no regime do anterior Dec.- Lei 387-B/87, de 29-12, em que o apoio judiciário podia ser requerido “em qualquer estado da causa’" - art. 17 n.° 2, a jurisprudência veio a fixar-se no entendimento de que o apoio judiciário só operava para o futuro, isto é, a partir do momento em que tinha sido requerido.
II - Na verdade, destinando-se o sistema de acesso ao direito e aos tribunais a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos, verdadeiramente, o requerente do apoio judiciário só necessitava dele para o que ainda tivesse de litigar, pelo que, fazer retroagir os seus efeitos ao início do processo equivaleria a uma isenção do pagamento das quantias já em dívida, o que nada tinha a ver com a possibilidade de defesa.
III - Mas a Lei 34/04 de 29-7 estabeleceu um regime diferente: o apoio judiciário “deve ser requerido antes primeira intervenção processual” (art. 18,n° 2), salvo se ocorrer facto superveniente, e mesmo neste caso, “o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da respectiva situação” (art. 18 n.° 3).
IV - No entanto, alguma excepção tinha de ser prevista para o processo penal, sob pena de existirem situações em que, simplesmente, seria negada a possibilidade de apoio judiciário a quem dele estivesse carente, pois que, sendo, actualmente, o apoio judiciário sempre decidido pelos serviços da segurança social (art. 20), casos haveria em que o Arguido, na prática, estaria impedido de se dirigir áqueles serviços antes da primeira intervenção no processo, como, por exemplo, quando fosse detido em flagrante delito e apresentado nessa situação para primeiro interrogatório ou para julgamento em processo sumário, como é o caso dos autos.
V - Essa a razão da norma do art. 44 n° 1 da nova Lei, que dispõe que se aplicam ao "processo penal, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos n°s 2 e 3 do art. 18.°, devendo o apoio judiciário ser requerido, até ao trânsito em julgado da decisão final”.
VI - Temos, pois que, actualmente, ao contrário do que acontecia anteriormente, a lei fixa o momento até ao qual tem de ser requerido o apoio judiciário: na generalidade dos processos, até à primeira intervenção; no processo penal, até ao trânsito em julgado da sentença.
VII - Finalmente sempre se dirá, (embora como questão prejudicada no caso dos autos, pois o apoio judiciário foi formulado antes do trânsito em julgado da sentença por arguido que havia sido detido e nessa condição apresentado em juízo para julgamento em processo sumário), que nada na letra da norma do art. 44° n.° 1 da lei 34/04, permite a conclusão de que o arguido é único sujeito processual por ela abrangido e, mesmo ele, só se estiver detido.
VIII - Efectivamente, onde a lei não distingue não cabe ao julgador diferenciar, nomeadamente censurando tal decisão do legislador de permitir que outros sujeitos processuais também beneficiem de um regime mais favorável que talvez apenas se impusesse relativamente ao arguido detido.
*
Acórdão do T.R.Guimarães de 16/03/2009 (em www.dgsi.pt - Processo n.° 205/07.3GAPTL-A.G1) (subscreve e mantém o entendimento do acórdão do T.R.Guimarães de 31/10/2005 “supra” referido) em cujo sumário se lê que:
“I - Actualmente, em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.
II - Se deferido, o apoio judiciário abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o reguerimento. ”.
*
A interpretação restritiva que o Ministério Público defende levaria, em nosso entender, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a que, na prática, os arguidos detidos em flagrante delito (art. 256.° do C.P.Penal), apresentados de imediato ao Ministério Público e por este a julgamento em processo sumário (art.os 381.°, 382.° e 387.° do C.P.Penal) nunca pudessem aceder ao apoio judiciário, pois nunca tiveram oportunidade, antes da audiência de julgamento (e, em rigor (art. 389.°, n.° 6, do C.P.Penal), antes da condenação) de se deslocar aos serviços da S.Social e requerer o apoio judiciário.
Seria a total e completa denegação do acesso ao apoio judiciário por estes arguidos desde o princípio até ao fim do processo.
*
Por outro lado ainda, a interpretação da L. n.° 34/2004, de 29/07, no sentido de que a concessão do benefício de apoio judiciário só se justifica nos casos em que o arguido necessite de despender determinadas quantias para defender os seus direitos [neste sentido, a título de exemplo, o acórdão do T.R.Coimbra de 18-11-2009 (em www.dgsi.pt- Processo n.° 207/07.0GCPBL.C1) e o acórdão do T.R.Coimbra de 28-01-2010 proferido no processo n.° 491/08.1GBAND.C1 deste Juízo de Instância Criminal], em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, esbarra frontalmente com o art. 15.°, al. c), do R.C.P.
A ser deste modo, desde a entrada em vigor do R.C.P., não seria nunca admissível a concessão do apoio judiciário ao arguido, por desnecessário.
Com efeito, à luz do R.C.P. os arguidos estão sempre dispensados do pagamento prévio de taxa de justiça, pelo que não têm que despender previamente qualquer quantia para defender e exercer os seus direitos, logo, de acordo com esta interpretação, nunca se verifica em processo penal a necessidade de conceder aos arguidos o benefício do apoio judiciário.
Em síntese, face ao R.C.P., a concessão do apoio judiciário visa efectivamente e apenas o não pagamento de custas pelo arguido que não reúne condições económico-financeiras para o efeito, seja qual for a fase processual em que o mesmo é requerido junto dos serviços da S.Social (até ao trânsito em julgado), pois ao longo de todo o processo nunca é exigido ao arguido o prévio pagamento de qualquer quantia para o exercício dos seus direitos de defesa.
*
Pelo exposto, em nosso entender:
Actualmente, o apoio judiciário pode ser requerido pelo arguido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância;
Se deferido pelos serviços da S.Social, o apoio judiciário abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o requerimento.
No caso concreto:
O arguido requereu o apoio judiciário antes do termo do prazo de recurso da sentença condenatória pelo que dentro do prazo legal, devendo, portanto, o Tribunal observar o que foi decidido no âmbito do procedimento administrativo que correu termos nos serviços da S.Social.
Notifique».
*
Inconformado, recorre o M.P. retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:

“1a - Por sentença de 6.7.2011, depositada a 11.7.2011 e ainda não transitada, foi o arguido condenado em 360€ de multa e em 3 meses e 15 dias de proibição de conduzir por condução em estado de embriaguez.
2o- Por requerimento de 6.7.2011 o arguido veio expressamente prescindir do prazo de recurso da sentença, com a qual disse conformar-se, requerendo, não obstante, o apoio judiciário perante a Segurança Social, sem indicar qualquer finalidade concreta do pedido, que não tinha (...!) o qual viu deferido, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pois tem defensor constituído.
3a- Tal decisão administrativa, que ignorou o estado dos autos a que respeita e a falta de finalidade do pedido, não pode ter qualquer repercussão nas custas e demais encargos da responsabilidade do arguido, de que o Estado é credor.
4a- Na verdade, ao demandar o benefício de apoio judiciário, nos termos em que o fez, o arguido não quis aceder ao direito e aos tribunais, cfr. art. 20° da CRP; não quis conhecer, exercer ou defender os seus direitos, cfr. art. 1o da L. 34/2004 de 29.7 mas, tão só e apenas, livrar-se/eximir-se do pagamento das custas e demais encargos a que dera lugar a sua condenação.
5a- O despacho recorrido aceitou formal e acriticamente a citada decisão administrativa, ainda que o arguido se tenha conformado com a sentença, não curando de saber o que era importante, ou seja, saber se ele pretendia aceder ao direito e aos tribunais ou conhecer, exercer ou defender os seus direitos, como seria mister, tal a matriz, a génese e a finalidade do instituto.
6a- Tal despacho colide de modo ostensivo com a filosofia do instituto, já não como um instrumento/regime de acesso ao direito e aos tribunais, já não para conhecer, exercer ou defender direitos, como claramente resulta da letra e do espírito da lei mas, antes, como uma espécie de um saco sem fundo, com o devido respeito, ao qual os condenados podem recorrer sem limites para endossar para os esforçados contribuintes a sua responsabilidade tributária e como meio expedito de perdoar/branquear/amnistiar os encargos de um processo já exaurido para o requerente, onde, em suma, o ius dicere já teve lugar.
7o- Para significar que o termo final (meramente formal) previsto no citado art. 44o-1 “...devendo o apoio judiciário ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final no que tange á oportunidade do pedido não pode ser desligado do fundamento material e da finalidade subjacentes ao requerimento e á concessão do benefício em causa, para não o desvirtuar completamente.
8a- Em processo penal a protecção jurídica só pode requerida até ao trânsito em julgado da decisão final e desde que o requerente pretenda aceder ao direito e aos tribunais, ou seja, conhecer, exercer ou defender os seus direitos, sendo esta, cremos bem, a única interpretação ( restritiva ) da lei que respeita a previsão do art. 9 do CC., ora reproduzido e a génese e finalidade do instituto.
9o- Pelo que, a decisão administrativa que lhe concedeu o apoio judiciário nenhuma repercussão pode ter na sua responsabilidade tributária nestes autos.
10a - Assim não entendendo, o despacho recorrido violou, entre outros, os art.°s 20.° da CRP e 1o, 18.°, 39.° a 44.° todos da L. 34/2004, de 29/07 na redacção da L. 47/2007, de 28/08.
Nestes termos e nos mais de direito, se V.as. Exas. derem provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e mandando-o substituir por outro que decline a produção de efeitos nos autos do concedido apoio judiciário será feita a habitual, Justiça.”
*
*
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer reforçando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância e concluindo “… como refere o art.° 1o, n.°1 da Lei 34/2004 de 29/7, “o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos E concretizando-o no que se reporta ao processo penal dispõe o seu art.° 44 n° 1 que deve “o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância”. Tal preceito está em consonância com o exercício e defesa dos direitos acima aludidos e visa, naturalmente, possibilitar ao arguido a sua não retracção, relativamente ao recurso, em virtude das custas que venha a pagar por não lograr provimento a sua pretensão. E que não está apenas em causa, na defesa dos seus direitos, o pagamento prévio, mas também o pagamento a final pelo exercício do direito. E isto é de tal forma assim que, apesar do disposto no art.° 15° c) do RCP, o legislador manteve inalterada a mencionada disposição, o que mostra que o acesso não se confunde com a dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça.
Mas uma coisa é a defesa dos direitos, outra é a pretensão de ficar “isento” de custas, utilizando abusivamente, para o efeito, o disposto no aludido preceito, já que este, como se diz na motivação, citando a propósito jurisprudência e comentador abalizado, se destina a possibilitar o exercício do direito ao recurso, mas não o não pagamento das custas. E nem se diga, utilizando um argumento apenas formal, mas que não está de acordo com o fim da norma e constitui uma fraude ao legalmente pretendido, que não tem o tribunal competência para considerar não relevante o apoio porque proveniente de uma entidade estranha. O que está aqui em causa não é a competência da aludida entidade, mas apenas e tão só, como já referi, a declaração de que o arguido não pode ficar dispensado do pagamento das custas em virtude do apoio que lhe foi concedido e assim não existe este obstáculo a que o M.° P.° instaure a execução pelo seu não pagamento. Ou seja, é um acto prévio à aludida instauração da execução.
Ora, no caso dos autos é evidente, e nem tal foi posto em causa, que o arguido requereu o apoio não para recorrer, mas apenas para não lhe ser instaurada execução por custas. E que, no dia imediatamente posterior àquele em que, por fax, pelas 16h e 12m, através do seu mandatário, requereu o apoio, e apenas nessa data o fez quando o poderia fazer anteriormente, o arguido veio aos autos prescindir do prazo para recurso e entregar a carta de condução para “imediata contagem do prazo” do período de proibição de condução em que fora condenado. Trata-se, pois, não do exercício legítimo de um direito para defesa do seu direito, mas do uso abusivo de um meio, que a lei pôs ao seu dispor, para um fim que a lei não pretendeu claramente, ou seja, o não pagamento, por esta via, das custas processuais em que fora condenado.
Pelo que sou de parecer que o recurso merece provimento.”
*
*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
*
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, o objecto do recurso consiste essencialmente em averiguar se o apoio judiciário requerido em processo sumário, após a prolação da sentença mas antes do respectivo trânsito em julgado, abrange as custas anteriores.
O regime jurídico do acesso ao direito e aos tribunais está previsto no art 20º, da CRP em cujo nº 1 se dispõe: “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
Está consagrado na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, - entretanto alterada e republicada com a Lei nº 47/2007, de 28/8 - compreendendo a informação jurídica e a protecção jurídica, a qual abrange as modalidades da consulta jurídica e o apoio judiciário.
A protecção jurídica é um direito das pessoas singulares e colectivas sem fins lucrativos, que não tenham condições económicas de acederem ao direito e aos tribunais.
Assim, o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos - art.s 1º, 7º e 8º, da Lei nº 34/2004.
Para obtenção do apoio judiciário deve o cidadão apresentar o requerimento em qualquer serviço de atendimento ao público dos serviços de segurança social (art. 22 nº 1 da referida Lei), no prazo fixado pelo legislador.
Anteriormente, segundo o disposto no art. 44º, nº 1 “ … ao processo penal, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 18º, devendo o apoio ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final”. O que permitia que o apoio judiciário fosse requerido mesmo depois de proferido acórdão no STJ, nos casos em que fosse admitido recurso para o referido Tribunal Superior.
Actualmente, o requerimento deve dar entrada na Segurança Social antes de terminar o prazo de recurso da decisão em primeira instância.
É o que resulta da nova redacção do art. 44º, nº 1 (redacção dada pela Lei nº 47/2007, de 28/08): “ Em tudo que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de protecção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância”.”
Para melhor percepção da excepção mencionada, transcrevem-se os referidos nºs 2 e 3, do Artigo 18.º:
“2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.
3 - Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende -se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando -se o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 24.º.”
O legislador é claro e expresso e em lado algum impõe que o requerente do apoio manifeste no seu requerimento a intenção de vir a interpor recurso, quando o pedido é formulado após a prolação da sentença.
Consequentemente, “não deve o aplicador da lei distinguir onde o legislador nenhuma razão viu para diferenciar. Fixando a lei um prazo final para a formulação do pedido do apoio judiciário, se o mesmo for respeitado, o deferimento abrangerá naturalmente todo o processo.” – Ac Relação Porto de 16-3-2009, onde se transcreve anterior acórdão de Fernando Monterroso, onde foi ponderada a mudança do regime do apoio judiciário:
“ Na vigência da Lei 30-E/90 de 20-12, tal como já acontecia no regime do anterior Dec.-Lei 387/87 de 29-12, o apoio judiciário podia ser requerido “ em qualquer estado da causa” – art. 17 nº 2.
Tal possibilidade suscitou a questão de saber que actos deviam ser abrangidos pelo apoio judiciário quando era requerido em fases já adiantadas do processo. A jurisprudência veio a fixar-se no entendimento de que o apoio judiciário só operava para o futuro, isto é a partir do momento em que tinha sido requerido.
Destinando-se o sistema de acesso ao direito e aos tribunais a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos, verdadeiramente, o requerente do apoio judiciário só necessitava dele para o que ainda tivesse de litigar. Fazer retroagir os seus efeitos ao início do processo equivaleria a uma isenção do pagamento das quantias já em dívida, o que nada tinha a ver com a possibilidade de defesa, dali para a frente, dos seus direitos – por todos, v. ac. Rel. Porto de 4-10-00, CJ IV, pag 230. (…)
A Lei 34/04 de 29-7 estabeleceu um regime diferente: o apoio judiciário “ deve ser requerido antes da primeira intervenção processual” (art.18 nº 2), salvo se ocorrer facto superveniente. Mesmo neste caso, “ o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da respectiva situação” (art. 18 nº 3).”
O que justifica a conclusão de que, formulado o pedido antes do termo do prazo de recurso da decisão proferida em 1ª instância, o efeito da concessão desse pedido deve repercutir-se no processo.
“A posição contrária, … , ignora os elementos histórico, sistemático e teleológico, e viola de forma flagrante e intolerável a letra da lei” - cit Ac Rel Guim de 10 de Março de 2011.
Neste sentido se pronunciaram também os Acs. da Rel. de Coimbra de 9-4-2008, proc.º n.º 134/06.8GASRE-A.C1, rel Esteves Marques, e de 23-11-2010, proc.º n.º 43/10.6GDAND-A.C1, rel. Jorge Jacob e o Ac. da Rel. do Porto de 24-5-2006, proc.º n.º 0546876, rel. Dias Cabral, todos disponíveis in www.dgsi.pt e AC Rel Guimarães, de 10 de Março de 2011.
Como adverte Esteves Marques (acima citado) “Talvez a solução legal devesse apenas abranger os arguidos detidos e não os não detidos, mas não cabe ao julgador censurar a solução legislativa.”
No caso dos autos o apoio judiciário foi requerido ainda antes do termo do prazo de recurso da sentença e foi deferido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo que não há lugar ao pagamento da taxa de justiça e demais custas de todo o processo.
Assim sendo, tendo tal apoio sido requerido antes do termo do prazo legalmente estipulado e tendo o mesmo sido deferido, não pode o tribunal vedar o acesso a esse benefício, até porque a tese contrária - com um diferente entendimento sobre as circunstâncias em que aquele podia ser requerido, - ignora que a competência para essa concessão é agora dos serviços de segurança social.
Como assinala Esteves Marques (acórdão supra mencionado) “Não se vislumbra, assim, como é que um tribunal judicial pode declarar extinta a instância de um procedimento administrativo por inutilidade superveniente da lide.”. O que já foi defendido no acórdão da Rel do Porto de 8/7/2009.

Constatando-se que o pedido de apoio judiciário foi deferido por quem tinha competência para o fazer afigura-se-nos que não poderá, nem deverá o Tribunal pronunciar-se sobre o seu deferimento e sobre as consequências desse deferimento, limitando o seu alcance, por carecer de legitimidade e competência para o fazer.

Só pode, assim, improceder este recurso.

III. DISPOSITIVO
Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.
Sem tributação.


Isabel Valongo (Relatora)
Paulo Guerra