Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
364/12.3JALRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: PORNOGRAFIA DE MENORES;
DEVASSA DA VIDA PRIVADA;
FILME;
IMAGENS DE MENORES DESNUDADOS;
ELEMENTOS OBJECTIVOS TÍPICOS;
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS;
BEIJO NA BOCA
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 176.º, N.º 1, AL. B), 192.º E 171.º, N.º 1, DO CP
Sumário:
I – O tipo de crime do artigo 176.º, n.º 1, al. b), do CP, pressupõe uma determinada integração activa da conduta do agente, de modo a levar o menor a participar nas actividades ali descritas.
II – Assim não sucede quando, como no caso dos autos, a obtenção, pelo agente, de imagens de menores desnudados aconteceu de modo sub-reptício, dissimulado, sem conhecimento do facto pelos visados.
III – O conceito do que é pornográfico há-de retirar-se da oposição ao que não ultrapassa os limites do ético, do erótico e do estético.
IV – A mera representação do corpo humano, ainda que fotográfica, só por si, pode ser erótica ou estética; só será pornográfica se acompanhada da prática de acto sexual, de um qualquer enredo dessa natureza ou se se traduzir numa exposição lasciva dos órgãos sexuais.
V – No caso dos autos, nada disso ocorreu, porquanto as ofendidas, participantes involuntárias em gravações clandestinas realizadas pelo arguido, mantiveram as poses de recato normal.
VI – A conduta em causa integra, não o tipo objectivo do crime de pornografia de menores, mas sim os elementos que conferem perfectibilidade ao crime de devassa da vida privada (artigo 192.º do CP).
VII – O beijo na boca, dado pelo agente a menor de 14 anos, acompanhado de um abraço, num contexto relacional classificado pelo primeiro como de namoro entre ambos, no qual o mesmo havia determinado a menor a entregar-lhe fotografias, exibindo-lhe a nudez do seu corpo, e a tocar-lhe, após exibição, no seu pénis, constitui, nos termos e para os fins previstos no artigo 171.º, n.º 1, do CP, acto sexual de relevo.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

No Juízo Central Criminal de Leiria, da Comarca de Leiria, J2, os arguidos A1 e A2 foram submetidos a julgamento, em processo comum (colectivo) sendo-lhes imputada a prática dos seguintes crimes:
1 - ao arguido A1:
a) em autoria material, sob a forma consumada e em concurso real, um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1, um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, n.º 3, al. b) do Código Penal, um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176º, n.º 4, Código Penal e oito crimes de pornografia de menores, p. e p. pelas disposições conjugadas do art.º 176º, n.º 1, al. b) do Código Penal;
b) em autoria material dois crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192º, n.º 1, al. b) do Código Penal e co-autoria material, dezassete crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192º, n.º 1, al. b) do Código Penal.
2 - à arguida A2, a prática, sob a forma consumada e em co-autoria material, dezassete crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192º, n.º 1, al. b) do Código Penal.

Efectuado o julgamento, viria a ser proferido acórdão, decidindo nos seguintes termos (transcrição parcial):
«Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal Colectivo em julgar a acusação procedente, com a referida alteração de qualificação jurídica e, consequentemente, decidem:
A)- absolver o arguido A1 da prática dos imputados oito crimes de pornografia de menores, p. e p. pelas disposições conjugadas do artigoº 176º, nº 1, al. b) do Código Penal sem prejuízo, face à alteração de qualificação jurídica, da sua condenação pela prática de seis crimes de devassa da vida privada, e não oito em resultado da homologação de desistências de queixa quanto a dois desses crimes (M1 e M2);
B)- condenar o arguido A1 pela prática:
- em autoria singular, sob a forma consumada e em concurso real, de:
B.a.1- dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1, do Código Penal (toque no pénis na marquise de -- e beijo no pavilhão), nas penas de um ano e nove meses de prisão e um ano e seis meses de prisão, respectivamente;
Ba.2- um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigoº 171º, nº 3, alínea b) do Código Penal, (menor M3 - factos 19 a 53) na pena de um ano e três meses de prisão;
B.a.3- um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176º, n.º 4, Código Penal, (“ficheiros guardados no computador”) na pena de três meses de prisão;
B.a.4- seis crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192º, n.º 1, al. b) do Código Penal, (ofendidas M4, M5, M6, M7, M8 e M9) nas penas de sete meses de prisão, cada um;
B.a.5- três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigoº 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M10, M11 e M12), nas penas de sete meses de prisão, cada um;
B.b.1- em co-autoria material, três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigoº 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M13, M14 e M15), nas penas de seis meses de prisão, cada um;
B.c)- condenar o arguido A1, em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova e mediante as condições de continuar o tratamento clinico-psiquiátrico que já efectua ou outro que lhe seja prescrito e bem assim de efectuar o pagamento às ofendidas dos montantes respeitantes aos pedidos de indemnização civil em que vai condenado no prazo de um ano após o trânsito em julgado desta decisão;
C)- condenar a arguida A2 pela prática, em co-autoria material, de três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M13, M14 e M15), nas penas de cento e vinte dias de multa, cada um, à taxa diária de sete euros;
C.a)- condenar a arguida A2, em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, na pena única de duzentos e dez dias de multa, à taxa diária de sete euros, o que perfaz o montante de mil quatrocentos e setenta euros, ou subsidiariamente, nos termos do artigo 49º do Código Penal, cento e quarenta dias de prisão subsidiária;
D)- condenar cada um dos arguidos na atinente taxa de justiça (A1: seis UC’s e A2: duas UC’s) e demais encargos do processo;
Pedidos de indemnização civil
E- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido por M12 e, consequentemente, condenar o arguido/demandado A1 a lhe pagar, a título de indemnização por danos morais, a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), do mais peticionado o absolvendo;
F- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido por M6 e, consequentemente, condenar o arguido/demandado A1 a lhe pagar, a título de indemnização por danos morais, da quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), do mais peticionado o absolvendo;
G- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido por M10 e, consequentemente, condenar o arguido/demandado A1 a lhe pagar, a título de indemnização por danos morais, a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), do mais peticionado o absolvendo;
H- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido por M11 e M9 e, consequentemente, condenar o arguido/demandado A1 a lhes pagar, a título de indemnização por danos morais, as quantias de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) e € 1.000,00 (mil euros), respectivamente, do mais peticionado o absolvendo.
*
Sem tributação quanto aos pedidos de indemnização civil porquanto demandantes e demandado estão isentos de custas visto que cada um dos pedidos é inferior a vinte UC’s (artigo 4º, nº 1, alínea n), do RCP).
*
São declarados perdidos a favor do Estado, nos termos do artigo 109º, nº 1, do Código Penal, o telemóvel Nokia modelo E72 e cartão SIM (apreendidos a fls 176) e o disco rígido marca “Maxtor” (apreendido a fls 177).
*
Ordena-se que sejam devolvidos ao arguido A1: os calções tipo bermuda, a máquina de filmar Sony, a bolsa para transporte da mesma e as quatro cassetes de vídeo de formato HI8 (apreendidos respectivamente a fls 520 e 523) bem como os seguintes cartões de memória “SD” melhor identificados a fls 289 a 301 e 362/3: suporte 1 (marca “DANE-ELEC”), suporte 2 (marca “KINGSTON”), suporte 4 (marca “TAKEMS”), suporte 6 (“MINISD” de marca “MEMUP), suporte 8 (marca “KINGSTON”) e suporte 10 (marca “SANDISK”) e o adaptador para leitura de cartões formato SD melhor identificado a fls 363.
O arguido A1 deve ser notificado para proceder ao respectivo levantamento após o trânsito em julgado deste acórdão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 186º do Código de Processo Penal: no prazo máximo de 90 dias, findo o qual passará a suportar os custos resultantes do seu depósito (nº 3) e se não proceder ao levantamento no prazo de um ano a contar dessa notificação, os objectos consideram-se perdidos a favor do Estado (nº 4).»

Inconformados, quer o MP quer o arguido A1 interpuseram recurso dessa decisão; nesta Relação foi dado provimento parcial ao recurso do MP e determinado o reenvio parcial do processo e anulado o acórdão impugnado, o qual deveria ser reformulado, após reabertura da audiência e produção de prova, de forma a contemplar a análise das questões omissas.

Na sequência do assim decidido, foi reaberta a audiência, sendo produzida prova e proferido novo acórdão, decidindo nos seguintes termos:
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal Colectivo em julgar a acusação procedente, com a referida alteração de qualificação jurídica e, consequentemente, decidem:
A)- absolver o arguido A1 da prática dos imputados oito crimes de pornografia de menores, p. e p. pelas disposições conjugadas do artigoº 176º, nº 1, al. b) do Código Penal sem prejuízo, face à alteração de qualificação jurídica, da sua condenação pela prática de seis crimes de devassa da vida privada, e não oito em resultado da homologação de desistências de queixa quanto a dois desses crimes (M1 e M2);
B)- condenar o arguido A1 pela prática:
- em autoria singular, sob a forma consumada e em concurso real, de:
B.a.1- dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1, do Código Penal (toque no pénis na marquise de --- e beijo no pavilhão), nas penas de um ano e nove meses de prisão e um ano e seis meses de prisão, respectivamente;
Ba.2- um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigoº 171º, nº 3, alínea b) do Código Penal, (menor M3 - factos 19 a 53) na pena de um ano e três meses de prisão;
B.a.3- um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176º, n.º 4, Código Penal, (“ficheiros guardados no computador”) na pena de três meses de prisão;
B.a.4- seis crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192º, n.º 1, al. b) do Código Penal, (ofendidas M4, M5, M6, M7, M8 e M9) nas penas de sete meses de prisão, cada um;
B.a.5- três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigoº 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M10, M11 e M12), nas penas de sete meses de prisão, cada um;
B.b.1- em co-autoria material, três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigoº 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M13, M14 e M15), nas penas de seis meses de prisão, cada um;
B.c)- condenar o arguido A1, em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova e mediante as condições de continuar o tratamento clinico-psiquiátrico que já efectua ou outro que lhe seja prescrito e bem assim de efectuar o pagamento às ofendidas dos montantes respeitantes aos pedidos de indemnização civil em que vai condenado no prazo de um ano após o trânsito em julgado desta decisão;
C)- condenar a arguida A2 pela prática, em co-autoria material, de três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M13, M14 e M15), nas penas de cento e vinte dias de multa, cada um, à taxa diária de sete euros;
C.a)- condenar a arguida A2, em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, na pena única de duzentos e dez dias de multa, à taxa diária de sete euros, o que perfaz o montante de mil quatrocentos e setenta euros, ou subsidiariamente, nos termos do artigo 49º do Código Penal, cento e quarenta dias de prisão subsidiária;
D)- condenar cada um dos arguidos na atinente taxa de justiça (A1: seis UC’s e A2: duas UC’s) e demais encargos do processo;
Pedidos de indemnização civil
E- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido por M12 e, consequentemente, condenar o arguido/demandado A1 a lhe pagar, a título de indemnização por danos morais, a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), do mais peticionado o absolvendo;
F- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido por M6 e, consequentemente, condenar o arguido/demandado A1 a lhe pagar, a título de indemnização por danos morais, da quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), do mais peticionado o absolvendo;
G- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido por M10 e, consequentemente, condenar o arguido/demandado A1 a lhe pagar, a título de indemnização por danos morais, a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), do mais peticionado o absolvendo;
H- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido por M11 e M9 e, consequentemente, condenar o arguido/demandado A1 a lhes pagar, a título de indemnização por danos morais, as quantias de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) e € 1.000,00 (mil euros), respectivamente, do mais peticionado o absolvendo.
*
Sem tributação quanto aos pedidos de indemnização civil porquanto demandantes e demandado estão isentos de custas visto que cada um dos pedidos é inferior a vinte UC’s (artigo 4º, nº 1, alínea n), do RCP).
*
São declarados perdidos a favor do Estado, nos termos do artigo 109º, nº 1, do Código Penal, o telemóvel Nokia modelo E72 e cartão SIM (apreendidos a fls 176) e o disco rígido marca “Maxtor” (apreendido a fls 177).
*
Ordena-se que sejam devolvidos ao arguido A1: os calções tipo bermuda, a máquina de filmar Sony, a bolsa para transporte da mesma e as quatro cassetes de vídeo de formato HI8 (apreendidos respectivamente a fls 520 e 523) bem como os seguintes cartões de memória “SD” melhor identificados a fls 289 a 301 e 362/3: suporte 1 (marca “DANE-ELEC”), suporte 2 (marca “KINGSTON”), suporte 4 (marca “TAKEMS”), suporte 6 (“MINISD” de marca “MEMUP), suporte 8 (marca “KINGSTON”) e suporte 10 (marca “SANDISK”) e o adaptador para leitura de cartões formato SD melhor identificado a fls 363.
O arguido A1 deve ser notificado para proceder ao respectivo levantamento após o trânsito em julgado deste acórdão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 186º do Código de Processo Penal: no prazo máximo de 90 dias, findo o qual passará a suportar os custos resultantes do seu depósito (nº 3) e se não proceder ao levantamento no prazo de um ano a contar dessa notificação, os objectos consideram-se perdidos a favor do Estado (nº 4).
*
No que respeita às medidas de coacção, os arguidos devem aguardar os ulteriores termos do processo apenas sujeitos a Termo de Identidade e Residência; assim se revogando a obrigação de apresentação periódica e a proibição de contactos anteriormente impostas, por terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação, nos termos do disposto no artigo 212º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
*
Notifique e deposite (artºs 372º, nº 5 e 373º, nº 2, do Código de Processo Penal).
*
Boletins aos serviços do registo criminal.
*
Comunique aos Serviços de Reinserção Social para providenciarem pela elaboração do plano de reinserção social do arguido A1 a que aludem os artigos 54º do Código Penal e 494º, nº 2, do Código de Processo Penal, devendo ter em conta as conclusões do relatório pericial do INML e do parecer junto pelo arguido.


Novamente inconformados, quer o MP quer o arguido A1 interpuseram recurso do acórdão proferido, retirando das respectivas motivações as seguintes conclusões:

MP:
-- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do douto Acórdão de proferido no dia 15 de Março de 2017, a fls. 2169 a 2246, nas partes em que:
a) Voltou apenas a condenar o arguido A1 pela prática de 6 (seis) crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192º, nº 1, al. b), do Código Penal (ofendidas M4, M5, M6, M7, M8 e M9), na sequência da comunicação da alteração não substancial da qualificação jurídica efectuada na Acta da Leitura do douto Acórdão proferido, a fls. 1709 a 1711, tendo voltado a homologar no douto Acórdão as desistências de queixa apresentadas pelos legais representantes das menores M1 e M2 (cfr. fls. 2221);
b) Voltou a não condenar, de forma autónoma, o arguido A1, pela prática dos factos dados como provados nos artigos 46º a 50º, 81º, 83º, 84º, 85º, 88º, 91 e 93º, factos esses constitutivos da prática de 1 (um) crime de pornografia de menores, agravado, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6, ambos do Código Penal, de que é ofendida M3, nascida a 18 de Novembro de 1998, não obstante o requerimento efectuado pelo Ministério Público, a fls. 2145 a 2152.
-- Pelo que, face ao âmbito/objecto do presente Recurso, devem permanecer incólumes as condenações parcelares do arguido A1 pela prática, de:
a) 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1, do Código Penal (ponto B.a.1) do Dispositivo do douto Acórdão);
b) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 3, al. b), do Código Penal (ponto B.a.2) do Dispositivo do douto Acórdão);
c) 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 4, do Código Penal (ponto B.a.3) do Dispositivo do douto Acórdão);
d) 3 (três) crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192º, nº 1, al. b), do Código Penal (ponto B.a.5) do Dispositivo do douto Acórdão);
e) 3 (três) crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192º, nº 1, al. b), do Código Penal (ponto B.b.1) do Dispositivo do douto Acórdão).
3ª.1 -- O objecto do processo penal, de natureza acusatória, é delimitado ou definido, consoante os casos, ou pela acusação, ou pelo despacho de pronúncia.
3ª.2 -- Delimitado o objecto do processo penal, sabendo-se que o Legislador acolheu o conceito de naturalístico de facto, este(s) só poderão ser alterados nos termos legalmente definidos pelos artigos 358º e 359º, ambos do Código de Processo Penal.
3ª.3 -- Existe uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e, por conseguinte, a imputação ao arguido de um crime diverso quando:
a) -- Da referida adição ou modificação dos factos resulte que o bem jurídico agora protegido é distinto do primitivo;
b) -- Da referida adição ou modificação dos factos resulte um facto naturalístico diferente, objecto de um diferente e distinto juízo de valoração social;
c) -- Da referida adição ou modificação dos factos resulte a perda da “imagem social” do facto primitivo, ou seja, resulte a perda da sua identidade.
3ª.4 -- Uma “alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia” constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transforme o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, em virtude de o seu substracto fundamental já se encontrar descrito na acusação ou na pronúncia”.
3ª.5 -- Nos termos do disposto no artigo 358º, nºs. 1 e 3, do Código de Processo Penal, em consonância, até, com a jurisprudência constante do Assento do S.T.J. nº 2/93, in D.R., Iª Série, de 10/03/93 (“Para os fins dos arts. 1°, al. f), 120°, 284º, n° 1, 303°, n° 3, 309°, n° 2, 359°, n° 1 e 2, e 379°, al. b), do C.P.P., não constitui alteração substancial dos factos descritas na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave”) e do Assento do S.T.J. nº 3/2000, in D.R. Iª, de 11/02/2000 (“na vigência dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa”).
3ª.6 -- Se a alteração não substancial dos factos não resulta de iniciativa do tribunal de recurso, mas da posição de outros sujeitos processuais no recurso, designadamente do Ministério Público, já a necessidade dessa notificação não tem lugar”, sendo que “o dever de comunicação no tribunal de recurso, previsto no nº 3, do art. 424º do CPP, não se verifica quando a alteração resulta da posição do Ministério Público expressa nas conclusões do recurso por si interposto, pois sendo o recurso notificado ao arguido para lhe responder, a alteração é já dele conhecida.”: -- Ac. da R.C. de 16/02/2016, Proc. 173/14.5GBCLD.C1, in www.dgsi.pt/jtrc.
-- Comete o crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192º, nº 1, al. b), do Código Penal, “quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou de espaços íntimos.”
5ª.1 -- Comete o crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, al. b), do Código Penal, “utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim”, sendo que, por força do disposto no artigo 177, nºs 5 e 6, do mesmo Código, “a pena prevista no nº 1, do artigo 176º é agravada de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 anos” e a “pena prevista no nº 1, do artigo 176º é agravada de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos.”
5ª.2 -- O Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos das Crianças Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil define o conceito de pornografia infantil como “…toda a representação, por qualquer meio, de uma criança no desempenho de actividades sexuais reais ou simuladas, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins predominantemente sexuais.”
5ª.3 -- No crime de pornografia de menores existe, para além de uma violação directa do bem jurídico liberdade e autodeterminação sexual de uma criança ou de um menor, também uma violação de direitos humanos universais, uma violação de direitos da criança que afecta o seu desenvolvimento físico, psíquico, a sua personalidade e dignidade.
6ª.1 -- O Tribunal a quo condenou incorrectamente o arguido A1 pela prática de 6 (seis) crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192º, nº 1, al. b), do Código Penal (ofendidas M4, M5, M6, M7, M8 e M9), na sequência comunicação da alteração não substancial da qualificação jurídica efectuada na Acta da Leitura do douto Acórdão proferido, a fls. 1709 a 1711, tendo voltado a homologar no douto Acórdão as desistências de queixa apresentadas pelos legais representantes das menores M1 e M2 (cfr. fls. 2221).
6ª.2 -- Da factualidade provada constante dos números 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º, 71, 72º, 73º, 74º, 88º, 89º, 90º, 91º, 92º e 93º do douto Acórdão a quo --- que não merece qualquer reparo ou censura --- resulta claro que o arguido A1 não agiu com intenção de devassar a vida privada dos menores ali identificados.
6ª.3 -- As suas intenções criminosas foram bem mais além e muito mais além da simples devassa, do “simples” “espreitar, ver, olhar”, mas sim, como clarividentemente resultou provado, com a intenção, com o propósito, com o “fim de satisfazer os seus instintos sexuais”, “com fins libidinosos, e para satisfazer os seus próprios desígnios”.
6ª.4 -- Tal factualidade --- “duplamente julgada bem provada” --- integra a prática pelo arguido A1, em autoria material, em concurso efectivo, real, nos termos do disposto nos artigos 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1 e 77º, todos do Código Penal, de:
a) 4 (quatro) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, al. b), do Código Penal, de que são ofendidas M4, nascida em 16.09.1995, M5, nascida em 18.11.1995; M6, nascida em 08.10.1995 e M1, nascida em 19.08.1995;
b) 1 (um) crime de pornografia de menores, agravado, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 5, ambos do Código Penal, de que é ofendida M7, nascida em 11.08.1996;
c) 3 (três) crimes de pornografia de menores, agravados, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6, ambos do Código Penal, de que são ofendidos M8, de 5 anos de idade, M9, nascida em 03/04/1998 e M2, nascida em 01/06/1998,
6ª.5 -- Ilícitos criminais pelos quais deverá ser condenado.
6ª.6 -- Ao ter-se decidido como se decidiu no douto Acórdão a quo nele se violou o disposto no artigo da Constituição da República Portuguesa, a “Convenção sobre os Direitos das Crianças”, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos das Crianças Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, a Directiva nº 2011/93/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à Luta contra o Abuso Sexual de Crianças e Pornografia Infantil, assim como o disposto nos artigos 113º, nº 1, 116º, 176º, nº 1, al. b), 177º, nºs. 5 e 6 e 192º, nº 1, al. b), todos do Código Penal, 48º, 49º e 51º, todos do Código de Processo Penal.
7ª.1 -- Comete o crime de abuso sexual de crianças, p. e p. no artigo 171º, nº 3, alínea b), do Código Penal que “quem actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos”, é punido com pena de prisão até 3 anos.”
7ª.2 -- O Tribunal a quo não condenou, de forma autónoma, o arguido A1 pela prática dos factos dados como provados nos números 46º a 50º, 81º, 83º, 84º, 85º, 88º, 91º a 93º, factos esses constitutivos da prática de 1 (um) crime de pornografia de menores, agravado, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6, ambos do Código Penal.
7ª.3 -- Da factualidade provada constante dos números 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 83º, 84º, 85º, 88º, 90º, 91º, 92º e 93º do douto Acórdão a quo --- que não merece qualquer reparo ou censura --- em lado algum resulta que o arguido A1 tenha actuado sobre a menor, mostrando-lhe, exibindo-lhe, sujeitando-a a ver fotografia, ou espectáculo ou objecto pornográficos”.
7ª.4 -- Antes resultou provado que foi o arguido quem aliciou/solicitou a/à menor M3 as ditas fotografias; foi esta esta quem, perante o seu aliciamento, perante a sua solicitação, “lhe entregou outras fotografias suas, nua e sem tapar os seios e a zona genital”; que o mesmo “sabia que a mesma tinha menos de 14 anos” e que o mesmo assim actuou “para satisfazer os seus instintos libidinosos”, “os seus instintos sexuais” e que “agiu deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, renovando em cada conduta os seus desígnios.”
7ª.5 -- Tal factualidade --- “duplamente julgada bem provada” --- integra a prática pelo arguido A1, não apenas de 1 (um) crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, nº 3, al. b), do Código Penal pelo qual foi condenado --- este relativo aos factos materialmente enunciados como provados nos artigos 19º a 45º, 53º, 82º do douto Acórdão a quo --- mas sim e também a prática de 1 (um) outro crime de pornografia de menores, agravado, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6, ambos do Código Penal, de que também resultou ofendida M3, nascida a 18 de Novembro de 1998.
7ª.6 -- Ilícito criminal pelo qual deverá ser condenado.
7ª.7 -- Ao ter-se decidido como se decidiu no douto Acórdão a quo nele se violou o disposto no artigo da Constituição da República Portuguesa, a Convenção sobre os Direitos das Crianças, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos das Crianças Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, , a Directiva nº 2011/93/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à Luta contra o Abuso Sexual de Crianças e Pornografia Infantil e o disposto nos artigos 176º, nº 1, al. b), 177, nº 6, ambos do Código Penal.
8ª.1 -- Constituindo as exigências de prevenção geral o limite mínimo da pena e a culpa do agente o seu limite máximo, a medida concreta da pena deve ter em consideração a finalidade de prevenção especial, de ressocialização do arguido ou de suficiente advertência, no sentido de retirar este agente do caminho criminoso.
8ª.2 -- A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do artigo 71º, do Código Penal, em função da culpa do agente, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.
8ª.3 -- A pena a aplicar será, assim, fixada em função da culpa, da ilicitude, e das circunstâncias agravantes e atenuantes que ocorram, não se perdendo de vista o objectivo de reinserção social do agente.
8ª.4 -- Devendo o Tribunal a quem ter em consideração:
ü Os graus de ilicitude presentes nas condutas do arguido não podem deixar de ser considerados elevados, tendo em conta que se aproveitou da qualidade de ser --- de uma equipa de --- feminino e, bem assim, traindo a confiança das atletas, menores de idade, o que tem necessárias sequelas ao nível da culpa, fazendo, por um lado, estabilizar tais exigências e, por outro, aumentá-las;
ü Os dolos presentes nas condutas do arguido -- intensos -- pois que na sua modalidade mais grave: -- o dolo directo, dado que os factos foram representados e queridos pelo agente, o que faz aumentar as exigências de culpa;
ü As circunstâncias em que os crimes ocorreram e a qualidade das vítimas;
ü A gravidade objectiva das consequências das suas condutas;
ü Os motivos determinantes das condutas, movidos pela sua satisfação sexual, menosprezando os sentimentos das menores;
ü O carácter primário da sua delinquência, que milita a favor do arguido;
ü O arrependimento do arguido, o que denota juízos de auto-censura e sentido crítico por banda do mesmo; e
ü As necessidades de reprovação e de prevenção destes tipos de crime que são particularmente elevadas,
8ª.5 -- Deverá esse Venerando Tribunal revogar, nesta parte, o douto Acórdão proferido e substitui-lo por outro que condene o arguido A1 nas penas parcelares de:
a) 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, por cada um dos 4 (quatro) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, al. b), do Código Penal, de que são ofendidas M4, nascida em 16.09.1995, M5, nascida em 18.11.1995; M6, nascida em 08.10.1995 e M1, nascida em 19.08.1995, por justas e equitativas;
b) 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, pela prática do crime de pornografia de menores, agravado, p. e pelo artigo 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 5, ambos do Código Penal, de que é ofendida M7, nascida em 11.08.1996, por justa e equitativa;
c) 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, por cada um dos 4 (quatro) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6, ambos do Código Penal, de que são ofendidos M8, de 5 anos de idade, M9, nascida em 03/04/1998, M2, nascida em 01/06/1998 e M3, nascida a 18/11/1998, por justas e equitativas;
8ª.6 -- Ao ter-se decidido como se decidiu no douto Acórdão a quo nele se violou o disposto no artigo da Constituição da República Portuguesa, a “Convenção sobre os Direitos das Crianças”, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos das Crianças Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, a Directiva nº 2011/93/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à Luta contra o Abuso Sexual de Crianças e Pornografia Infantil, o disposto nos artigos 40º, 70º, 113º, nº 1, 116º, 176º, nº 1, al. b) 177, nºs. 5 e 6, 192º, nº 1, al. b), todos do Código Penal, 48º, 49º e 51º, todos do Código de Processo Penal.
9ª.1 -- Estando-se perante concurso de infracções, impõe-se a determinação de uma pena única, de acordo com os critérios plasmados no artigo 77º, do Código Penal, sendo que o cúmulo material, in casu, correspondente à soma das demais penas parcelares, se situa entre o limite mínimo de 1 (um) ano e 9 (nove) de prisão e o máximo de 21 (vinte e um) anos e 7 (sete) meses de prisão, critérios que, in casu, se traduzem na ponderação e apreciação da totalidade dos factos praticados, sendo de alguma homogeneidade as condutas do arguido relativamente à natureza dos bens jurídicos violados, a sua motivação ou causa, bem como a personalidade do arguido, revelada através dos mesmos.
9ª.2 -- Ponderando-se os factores enunciados, entende o Ministério Público que teria sido justo --- e será justo --- aplicar ao arguido A1, por equitativa, em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, a pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
9ª.3 -- Ao ter decidido de forma diversa da ora sustentada pelo Ministério Público, violou o douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 40º, 70º, 71º e 77º, nºs. 1 e 2, todos do Código Penal.
10ª -- Pelo que o douto Acórdão a quo deverá ser substituído por outro que condene o arguido A1 nos termos supra pugnados.

A este recurso respondeu o arguido A1, retirando dessa sua peça as seguintes conclusões:
1. Reporta a presente Resposta ao recurso interposto pelo Digno Procurador do Ministério Público do douto acórdão produzido pelo Colectivo do Juízo Central Criminal de Leiria – Juiz 1, que entende, sem qualquer razão, que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que condene o arguido pela prática de oito (8) crimes de pornografia de menores, quatro (4) deles agravados (e não de seis crimes de devassa da vida privada, considerando a homologação de duas desistências de queixa) - factos 61º a 74º e 88º a 93ª) e ainda, pela prática, de forma autónoma, de um crime de pornografia de menores agravado (factos 46º a 50º e 83º a 85º, 90º a 93º)
2. O ora Recorrido apresentou também recurso da douta decisão proferida, ainda que a sua Motivação versasse sobre matérias distintas das ora colocadas em crise em sede recursória pelo Digno Procurador, sendo que, no mais, entende o Recorrente que o Acórdão recorrido interpreta correctamente os factos considerados provados e não provados, faz boa aplicação do Direito e não enferma, em consequência, de qualquer dos vícios ou ilegalidades invocados na Motivação a que se responde.
3. Nos termos do art. 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, o objecto de um recurso penal define-se através das conclusões que o/a recorrente extrai da respectiva motivação, mas isto sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.
4. O Tribunal recorrido, ao, em acto prévio à Leitura do acórdão recorrido, comunicou aos intervenientes processuais, nomeadamente aos Arguidos a possibilidade da alteração da qualificação jurídica dos seguintes factos, sem prejuízo de discordar sobre a prática ou não pelo Arguido dos mesmos, tendo cumprido as disposições legais sobre a matéria.
Todas as gravações efectuadas (e que constituem devassa da vida privada), não representam crianças envolvidas em comportamentos sexuais explícitos, reais ou simulados, nem contém representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais, ou uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais.
5. O que se perfilhe para além deste entendimento, diz-se com vénia, são meras conjecturas que extrapolam os princípios da livre apreciação da prova, não enquadráveis na experiência comum.
6. Delas apenas resultam filmagens de terceiros em actos da vida corrente, a vestirem-se, a prepararem-se para o banho, sem que deles resulte qualquer acto ou comportamento sexual. Nas referidas filmagens, em bom rigor (visualizadas em parte na audiência) sequer resulta demonstrado se as pessoas que ali surgem são, ou não, as ofendidas menores, porquanto essa prova não foi efectuada em sede de audiência, uma vez que o Ministério Público prescindiu de grande parte das testemunhas indicadas na Acusação.
7. Como é obvio, o Tribunal Recorrido veio a definir que não existe qualquer crime de pornografia de menores, nos termos da acusação, tendo absolvido o Recorrido daqueles e, em consequência e mediante a alteração da qualificação jurídica, condenado o mesmo pela prática de seis crimes de devassa da vida privada, p.p. pelo art. 192º do CP, homologando as desistências de queixa apresentadas pelo representantes legais de M1 e M2.
8. Não colhe a tese de que o Arguido A1 não agiu com a intenção de devassar a vida privada dos menores identificados na acusação, porque as imagens e filmagens não tem o elemento objectivo para que sejam consideradas como pornográficas.
9. A alteração da qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal, no que respeita aos oito crimes de pornografia de menores, nenhuma censura merece, uma vez que a alteração efectuada corresponde a uma exata e rigorosa aplicação da lei, devendo improceder a pretensão do Ministério Público, e ser mantida, também nesta parte, a decisão nos seus precisos termos.
10. Os factos constantes de 46. a 50., não constituem, por si só, um crime autónomo, de pornografia de menores agravado p.p. pelos arts. 176º nº1 al. b) e 177º nº6 do CP.
11. No que tange à menor M3, não foram entregues ao Recorrente quaisquer fotos de conteúdo pornográfico daquela, no conceito pornográfico acima referido aquando da abordagem do crime de pornografia de menores.
12. Foi provado que as fotos entregues pela menor M3 não apresentavam relevo sexual, na perspectiva que não decorrem daqueles sequer práticas sexuais ou com relevo sexual.
13. Os factos constantes dos arts. 19 a 53 do elenco dado como provado, surgem numa sequência, num contexto e não podem, por isso, ser autonomizados, devendo ser considerados e apreciados no seu todo, como um único crime, como correctamente fez o Tribunal Recorrido, não merecendo, por isso, qualquer censura a posição assumida no que a este ponto respeita.
14. No que respeita à autonomização de um crime de pornografia de menores, agravada, e com respeito à menor M3, deve também improceder, sem mais, a pretensão do Ministério Público recorrente, mantendo-se, a decisão proferida.
15. Na medida em que as pretensões do Ministério Público não merecem procedência, também sempre a medida concreta da pena por cada um dos crimes (apesar de se entender que sempre seriam excessivas e desproporcionais) não devem ser apreciadas e consideradas (e sim as avançadas pelo aqui Recorrido no seu Recurso), nem considerado o cúmulo jurídico avançado em sede de Motivação,
16. Será de elementar justiça, manter inalterada, na parte a que respeita a presente Resposta, a decisão do Tribunal Colectivo de Leiria, improcedendo, por isso, a Motivação apresentada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, por falta de fundamento de facto e de direito para que seja determinada a sua procedência.
Termos em que, negando provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, por manifesta improcedência dos seus propósitos e conclusões, e mantendo, na parte impugnada pelo Recorrente, incólume e reafirmando o acórdão recorrido,
Assim fazendo VV Exªs, Ilustres Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!


Arguido A1:
1. O Tribunal recorrido considerou, erradamente, que o beijo referido no item 58 da matéria provada, preenche o elemento objectivo do tipo do crime de abuso sexual de crianças do nº 1 do artigo 171º do CP, concedendo-lhe relevância de crime autónomo e como tal condenou, pela sua prática, o arguido.
2. Da avaliação factual que se extrai dos elementos de prova disponíveis no processo, por maior que seja a plasticidade interpretativa, não poderá nunca considerar-se esse facto no âmbito daqueles que, podendo embora merecer censura social ou ética, se transferem para o espaço que o legislador quis situar (pela sua gravidade e censurabilidade intrínsecas, considerando os bens jurídicos que visa proteger-se!) no domínio na censura penal.
3. O dito beijo na boca foi um tocar de lábios entre o arguido e a menor M3, num sítio público (recinto de um pavilhão desportivo), durante a montagem de tabelas para um jogo de ---,
4. Encontrando-se no pavilhão outros atletas (versão do arguido – cfr. Declarações do Arguido - declarações gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de 46:20 a 47:29 Ficheiro nº 20150106104814_3061748_2870944 - cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento do dia 06 de Janeiro de 2015), ou na iminência de entrarem, por se encontrarem nos balneários (versão de M3 - cfr. – declarações para memória futura gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de 08:26m a 09:24m, ficheiro nº 20130607170952_289471_64483 - cfr. Auto de 07 de Junho de 2013, e reproduzidas em sede de Audiência – cfr. Acta de 24 de Março de 2015)
5. Não foi – nem isso resultou provar-se! – um beijo de cariz sexual, num conceito que inclui a lascívia, o instinto sexual do acto preparatório ou desafiante para a prática de outros actos de cariz sexual; sequer foi um beijo longo com intervenção da língua.
6. A própria M3 o manifesta no inquérito em declarações a OPC (PJ) “ nesse beijo apenas tocamos com os lábios um no outro, sem língua e de forma superficial.”
7. As declarações para memória futura de M3, (cfr. – declarações para memória futura gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de 08:26m a 09:24m, ficheiro nº 20130607170952_289471_64483 - cfr. Auto de 07 de Junho de 2013, e reproduzidas em sede de Audiência – cfr. Acta de 24 de Março de 2015) lidas em audiência, conjugadas com as declarações do arguido prestadas em julgamento (cfr. Declarações do Arguido - declarações gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de 46:20 a 47:29 Ficheiro nº 20150106104814_3061748_2870944 - cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento do dia 06 de Janeiro de 2015), aquelas sem particularidades, estas últimas com mais pormenor, não se extrai matéria a partir da qual possa concluir-se pela caracterização de acto, que possa revestir, por si só, a densidade típica que permita uma incriminação autónoma pelo crime de abuso sexual de criança,
8. Nada permitindo concluir (o que nunca se provou!) que o mesmo “represente um entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima“ (Ac STJ)
9. Também, por não se entender “o beijo“ como acto preparatório ou complementar (de sedução e aliciamento) da prática do crime pp pelo nº 1 do art 171º do CP, não poderá esse comportamento isolado, a ser apreciado, merecer autonomia e constituir ele, por si só, um crime, por não merecer dignidade penal;
10. O facto provado 58, compulsadas as supra referidas declarações de arguido e de M3, relevando-se a distonia entre elas na parte que reporta à circunstância de se encontrarem ou não, no momento, outras pessoas no pavilhão, - que não deve ser valorada, também por aplicação do princípios “dúbio pro reo“ e da presunção de inocência do arguido - deve ter a seguinte redação:
Facto provado 60 (renumeração proposta nos termos da conclusão que se segue): “Em Setembro de 2012, por ocasião de mais um treino de --- e quando o arguido A1 se encontrava com a M3 no pavilhão do Clube, abraçou-a e beijou-a nos lábios“
11. O facto provado 58, por não ter conexão com os factos provados 59 e 60 deve ser ordenado como facto provado 60, passando os factos 59 e 60 a 58 e 59, respectivamente.
12. Da valoração jurídica de tal facto (mesmo a ser considerado na sua versão inicial e sem a alteração de texto proposta) resulta manifesta a ausência de preenchimento do elemento objectivo do tipo legal de crime de abuso sexual de crianças,
13. Sobre o tema “ beijo “ convocamos a jurisprudência do STJ, que passamos a transcrever “… o mero beijo (ainda que na boca) desacompanhado de quaisquer outros pormenores, entendemos não revestir, por si só, a relevância necessária ao preenchimento do tipo “ (reportando-se ao crime de abuso sexual de crianças) “(Ac STJ, Proc 05P2442, Relator Simas Santos; in www.dgsi.pt)
14. Do exposto, resulta, no entender do recorrente, que Tribunal recorrido, com o respeito que sempre nos merece, não fez, nos termos supra referidos, correto julgamento da matéria de facto, incorrendo em erro de julgamento e não fez boa integração dos factos no direito,
15. Pelo que, deve o arguido ser absolvido do crime de abuso sexual de crianças (nº 1 do art 171º do CP) no que a tal facto reporta (“ o beijo“).
16. A condenação do Arguido por um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo n.º4 do art.º 176.º do Código penal é profundamente injusta e injustificada, porquanto se não provou que as imagens em causa, apenas oito e datadas de há mais de 10 anos (com referência à data dos factos), fossem de menores, sequer que o Recorrente tivesse uma intenção dolosa na sua detenção ou existisse dolo na sua captura,
17. As imagens eleitas para o processo pelo OPC são OITO num universo de MAIS DE MIL bem como filmes, que ocupavam (ver FP 76) 3,3GB.
18. SE não se colocam em crise os factos provados 75 e 76 que se limitam a reproduzir elementos de auto de busca e definição de material apreendido.
19. Não podem aceitar-se os factos provados 77,78,79 e 80, por nada reproduzirem da realidade probatória, toda ela documental e constante dos autos, que devem ter-se por não escritos e eliminados por manifesto erro de julgamento.
20. Visionadas as cerca de mil imagens – de onde foram eleitas OITO – não é permitido concluir que elas se compõem ESPECIALMENTE por imagens de MENORES, obtidas em POSES PORNOGRÁFICAS. Existem imagens várias, ESPECIALMENTE de figuras públicas (artistas de cinema e o showbiz, apresentadores, cantores, desportistas etc) nem sempre totalmente vestidas, mas bem reveladoras de que as preferências de quem as elegeu não era direcionada para pessoas de menoridade.
21. Do conjunto das fotografias contidas no equipamento não existem IMAGENS PORNOGRAFICAS nem em práticas SEXUAIS EXPLÌCITAS, entre MAIORES entre si, ENTRE MENORES, ou ENTRE MENORES e MAIORES.
22. NEM TAL CONJUNTO DE IMAGENS foi obtido de sites de PORNOGRAFIA INFANTIL, designadamente as OITO imagens eleitas,
23. Não sendo essa forma de aquisição das imagens confirmada pelas autoridades que se dedicam ao rastreio, tratamento, estudo, triagem e identificação de tais produtos, detentoras das bases de dados de pornografia infantil e dos mecanismos necessários à sua identificação, tais sejam o Gabinete de investigação Criminal da Interpol e a 8ª Secção da DLVT (cfr fls 424, 494 e 495 dos autos)
24. Assim, apesar das diligências desenvolvidas pela Polícia Judiciária junto da Interpol, não foi possível confirmar qualquer ligação das OITO imagens apreendidas a sites identificados com menores,
25. O que sempre impediria o Tribunal de concluir que as mesmas foram obtidas através de downloads de sites da internet de pornografia infantil.
26. Apesar de o conteúdo das OITO imagens, que representam mulheres jovens desnudadas, (datadas de 1998, 2.001 e 2002) poder ser nalgumas leituras insinuante, certo é que não possuem aquele carácter pornográfico, porquanto inexistem cenas de sexo explícito ou a exibição dos órgãos genitais de menores (?) com conotação sexual.
27. Nada ressalta, por outro lado, dos elementos da prova documental do processo (os únicos disponíveis que terão em sede recursiva de ser visionados) que permita qualificar a conduta do arguido como dolosa, quer do ponto de vista da captura das imagens, quer do ponto de vista da sua detenção
28. O que também afasta a configuração do crime por ausência do seu elemento subjectivo.
29. Consequentemente, ao fazer decorrer das OITO IMAGENS extraídas de um universo de cerca de mil, o juízo condenatório que imputou ao Arguido, incorreu em erro de julgamento (elaborando e valorando factos que não existem, que elencou na matéria provada) e cometeu erro de direito, conferindo dignidade criminal (no âmbito do crime de pornografia de menores) a matéria que, efectivamente a não tem.
30. Do contexto da apreensão, do visionamento total do suporte que as continha e da análise das próprias imagens, NUNCA em momento algum podem extrair-se OS FACTOS que originaram os items 77,78,79 e 80 da matéria provada, que devem ter-se por não escritos,
31. A medida da(s) penas(s) - parcelares - aplicada(s) pelo tribunal recorrido em relação ao arguido Recorrente, e no que respeita aos crimes de abuso sexual de criança (pénis na marquise do --- (1), escritos(2) e devassa da vida privada (3) em que este foi condenado, são desajustadas, desproporcionadas e INJUSTAS.
32. A medida concreta da pena define-se considerando a Culpa do agente e ainda as exigências de prevenção (geral e especial), estando o julgador vinculado à aplicação do art. 70º e 71º do CP.
33. A decisão recorrida, que não faz boa aplicação das regras e dos princípios que preordenam as necessidades de prevenção geral e especial, enferma de manifesta violação do princípio da proporcionalidade - art. 18º, nº 2 da CRP- (e do princípio da igualdade - art. 13º, nº 1 CRP), pois o meio de censura punitiva utilizado pelo tribunal recorrido (a pena concreta definida) é manifestamente desproporcionado em relação aos fins de prevenção especial impostos ao caso concreto (vd a título exemplar Ac. do STJ de 12.11.2014, disponível em www.dgsi.pt e ainda a boa doutrina Gomes Canotilho).
34. A decisão recorrida, no que à medida das penas parcelares reporta, desrespeita as regras e princípios de Direito Penal (cfr arts. 40º, 50º e 29º do CP), como sejam o princípio da culpa, princípio da prevenção geral positiva, princípio da ressocialização.
35. O circunstancialismo fáctico apurado com relevância para a eleição da medida das penas no que respeita aos crimes em discussão, não foi criteriosamente ponderado, valorado e confrontado, o que têm consequências na aplicação do principio da proporcionalidade, manifestamente violado.
36. São circunstâncias singulares da actuação do Recorrente: (1) a atitude e expressão confessória daquele (facto provado 101.), (2) o pedido de desculpas às ofendidas, (3) a reparação da situação, até onde lhe era e foi possível (facto provado 101.), revelando que (4) assumiu e interiorizou o mui relevante mal dos crimes, (5) o facto de durante o período em que decorreram os factos ter procurado, desde logo, ajuda médica e apoio psiquiátrico (facto provado 95.), (6) o que se manteve durante o presente processo (facto provado 95. e 96).
37. Militam a favor do Recorrente, a (7) ausência de antecedentes criminais (facto provado 100.), (8) a integração social positiva (facto provado 97.6) e (9) um comportamento posterior aos factos impoluto,
38. A (10) a situação clinica do Recorrente, (factos nº 98. e 99) suportada pela perícia psiquiátrica e de avaliação psicológica efectuada pelo Serviço de Psiquiatria e saúde Mental do Centro Hospitalar de Leiria - fls 15393 a 1602 -, que aponta para uma imputabilidade do Arguido, com atenuantes, dado o seu diagnóstico de voyerismo (parafilia) que não pode ser desassociado do stress que vivia no âmbito profissional, o que sempre permite concluir que este agiu com culpa acentuadamente diminuída.
39. O Tribunal recorrido estabelece as penas parcelas em que condena o Arguido no que respeita ao crime de devassa, muito próximo do seu máximo legal e, no que respeita, ao crime de abuso sexual muito acima do que seria ajustado atendendo às circunstancias atenuantes – supra descritas - que deveriam ter sido valoradas em benefício do Arguido, situação que configura manifesta violação, entre outros, do principio da proporcionalidade.
40. A fixação da pena parcelar de um ano e nove meses de prisão pela prática do no crime p. p. pelo art. 171º nº1 do CP (pénis na marquise do ---), releva-se Injusta e desajustada, pois que deveria ter sido considerado o conjunto de circunstâncias que funcionariam como factos atenuantes já descritas e ainda,
41. (11) A idade da M3, jovem de 13 anos, à beira de completar os 14 anos (idade que permitiria enquadrar os factos no ilícito do art. 173º do CP, cuja moldura é substancialmente mais baixa – pena de multa ou de prisão até 2 anos), (12) com um nível intelectual global superior à média, inteligente, determinada e corajosa,
42. O facto de (13) não terem ficado demonstradas consequências negativas em M3, quer ao nível físico e psíquico, antes resultando (nomeadamente do exame psicológico a que esta se sujeitou) que esta não viu colocada em crise a liberdade de autodeterminação sexual, pois a forma como se consumou o crime imputado não reflete em relação àquele uma especial densidade da ilicitude, isto é, que o direito da menor M3 a um são e natural crescimento sexual tivesse sido afetado de forma absoluta,
43. E, sobretudo, (14) o consentimento da ofendida, quase a completar 14 anos, na prática dos factos – que apesar de não afastar a ilicitude e tipicidade sempre teria de ser ponderado como circunstância atenuante no comportamento do Arguido, o que não aconteceu in casu.
44. Ponderadas todas as circunstâncias invocadas (gerais e particulares no que respeita ao crime em apreço), impunha-se ao Tribunal Recorrido, fixar a pena concretamente aplicável mais perto do limite mínimo, por mais ajustada à culpa do agente no caso concreto, tudo aconselhando que a mesma não seja fixada para além de um ano e dois meses de prisão.
45. A condenação do Arguido pela prática do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigoº 171º, nº 3, alínea b) do Código Penal, (menor M3-factos 19 a 53) na pena de um ano e três meses de prisão, é igualmente injusta e desproporcional face às circunstâncias em que o mesmo foi cometido.
46. As mensagens escritas trocadas entre a menor M3 e o Recorrente, representam uma história de amor, consensual e reciproca, reafirmada por aquela perante a família e durante o inquérito; as “conversas”, mais do que qualquer outro sentimento ou propósito de cariz sexual, retratam essa paixão, sempre ao abrigo de um escrito defensivo, pelo que deveria ter sido considerado como atenuante (15) a reciprocidade das mesmas (que também nesta sede releva para efeitos de consentimento), (11 supra) a idade da M3 e a sua (12 supra) personalidade, e de os factos em apreço (13 supra) não terem resultados negativos na menor, quer ao nível físico e psíquico e ainda na sua liberdade de autodeterminação sexual
47. Assim, nunca poderia o Tribunal recorrido, ponderadas as necessidades de prevenção especial (e também geral, ainda que de forma mais mitigada), aplicar ao Recorrente, quanto ao crime p. e p. pelo art. 171º nº3 al. b) do CP, pena de prisão superior a 8 meses, sendo esta adequada e proporcional à gravidade dos factos.
48. Os factos cometidos pelo Arguido, no que respeita aos crimes de devassa da vida privada (art. 192º nº1 do CP) (16) inserem-se num contexto único, onde a devassa e perturbação da vida privada de terceiros se interligam de modo muito acentuado.
49. (17) As pessoas que figuram nas filmagens, designadamente as menores, só tiveram conhecimento do facto de terem sido delas colhidas imagens sem seu consentimento, quando com elas foram confrontadas em sede de inquérito.
50. Apesar de estarmos perante um crime de natureza pessoalíssima de bem jurídico, cometendo o prevaricador tantos crimes quanto as pessoas visadas nas filmagens, certo é que no caso em apreço, e com respeito quer às gravações de --- quer do ---, o Recorrente agiu com base numa única resolução criminosa. (18)
51. Mal andou o Colectivo de Leiria, em condenar o Arguido em 6 meses de pena de prisão no que respeita aos factos praticados em co-autoria com A2, tendo sido decidido, quanto a esta, e pelos mesmos factos, aplicar uma pena de multa, fixada em 120 dias por cada crime, não se justificando tamanha desproporção na medida da pena aplicada no que respeita aos crimes praticados nas “piscinas da ---”, o que configura desrespeito do acórdão recorrido pelo princípio da justiça relativa (art. 29º do CP).
52. Considerados os elementos do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, a medida da pena a imputar ao Recorrente, tendo também em consideração todas as atenuantes referidas, no que respeita aos crimes da piscina da ---, nunca deverá ir para além da pena de multa, ainda que fixada perto do máximo (240 dias) para cada crime.
53. No que respeita aos crimes de devassa (férias de --- e casa do ---), considerando também que os mesmos implicaram a devassa da vida privada em (19) circunstâncias idênticas, em (apenas) dois momentos distintos, mas nunca se destinaram a captar imagens de forma direcionada a alguém em concreto, nunca a condenação do Arguido pode ser superior a 2 meses de prisão no que respeita a 3 crimes de devassa privada (ofendidas adultas M10, M11 e M12) e de 3 meses de prisão no que respeita aos demais (ofendidas menores M4, M5, M6, M7, M8 e M9).
54. Para aferição da pena única a aplicar ao Arguido, haverá de considerar que os factos praticados surgem como algo esporádico na vida do Recorrente, não se estando perante uma tendência intrínseca do arguido para a prática de crimes, antes no domínio da pluriocasionalidade, decorrente de circunstâncias próprias de um determinado momento, facto que não foi devidamente valorado pelo acórdão recorrido.
55. O comportamento futuro do Recorrente, ou seja as exigências de prevenção especial de socialização, considerando o teor dos relatórios juntos, a postura do Recorrente nos presentes autos (confissão parcial), o arrependimento, o pedido de desculpas, a tentativa de ressarcimento das vítimas, o acompanhamento médico daquele, o seu percurso de vida putado pela normalidade nas assunções dos deveres para com a comunidade e para a com a sua família, a ausência de antecedentes criminais, levam a concluir que não será previsível que o Arguido volte a prevaricar, sendo, por isso, as necessidades de ressocialização diminutas, o que também não mereceu adequado tratamento pelo Colectivo de Leiria.
56. Impõe-se, por isso, que o Arguido seja absolvido do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1, do Código Penal (beijo no pavilhão), e do crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176º, n.º 4, Código Penal, (“ficheiros guardados no computador”).
57. Por outro lado, impõe-se ainda que sejam alteradas as penas parcelares aplicadas quanto aos demais ilícitos criminais, e consequentemente, deve o Recorrente ser condenado pela prática em autoria singular, sob a forma consumada e em concurso real, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1, do Código Penal (toque no pénis na marquise de ---), na pena de um ano e dois meses de prisão; de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigoº 171º, nº 3, alínea b) do Código Penal, (menor M3 -factos 19 a 53) na pena de 8 meses de prisão; em seis crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192º, n.º 1, al. b) do Código Penal, (ofendidas M4, M5, M6, M7, M8 e M9) nas penas de 3 meses de prisão, cada um; e três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigoº 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M10, M11 e M12), nas penas de dois meses de prisão, cada um;
58. Finalmente, condenado, em co-autoria material, pela prática de três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigoº 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M13, M14 e M15), nas penas de 240 dias de multa, cada um.
59. Deve ainda a decisão recorrida ser revogada, em consequência da alteração das penas parcelares, e considerando a soma das penas (três anos e dez meses de pena de prisão) e de 720 dias de multa) ser o Recorrente condenado na pena única de prisão sempre inferior a três anos e na pena única de multa não superior a 420 dias (em cumprimento do disposto no art. 77º nº4 do CP), relegando-se para a apreciação desse Venerando Tribunal a fixação do quantum diário.
60. Ainda, e sempre e em qualquer caso andou bem o Tribunal recorrente no que respeita à suspensão da execução da pena de prisão em que aquele foi condenado, seguindo-se, nessa parte, o raciocínio – que se aplaude! -, devendo manter-se (em qualquer caso!) a suspensão da pena agora apurada, subordinada ao regime de prova e demais injunções impostas no acórdão recorrido.
61. Revogando-se a decisão proferida pelo Colectivo de Leiria, e decidindo-se pela condenação do arguido A1, em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º do Código Penal, na pena única de prisão sempre inferior a três anos, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova e mediante as condições de continuar o tratamento clinico-psiquiátrico que já efectua ou outro que lhe seja prescrito e demais injunções, e na pena única de multa não superior a 420 dias (em quantum que se venha a determinar), sempre fará esse Venerando Tribunal, Justiça!
Em obediência ao estatuído no artigo 412º do Código de Processo Penal considerando que os pontos de facto incorrectamente julgados, os que deveriam ter sido dados por não provados, e os meios probatórios que impunham decisão diversa foram objecto de extensa especificação nas conclusões supra, cumpre ainda indicar,
- As normas jurídicas violadas
Arts 13º, n.º1, 18º, n.º2, e 32º da Constituição da República.
Arts, 29º, 17º, n.º1 e 2, 40º, 50º, 71º, 72º, 77º, 171º nº1, nº3 al. b), 176º nº4 e 192º nº1 todos do Código Penal
Arts 127º e 355º do Código do Processo Penal.
- Os princípios jurídicos violados
Princípio da Legalidade, Princípio da Tipicidade, Princípio da Dignidade da Pessoas Humana, Princípio do Estado de Direito Democrático e Social, Principio da Justiça Relativa, Princípio da Igualdade, Princípio da Necessidade da Pena, Princípio da Proporcionalidade e Adequação da Medida da Pena, Princípio da Livre Apreciação da Prova, Princípio da Presunção da Inocência, Princípio “dubio pro reo”.
Nestes termos e nos melhores de Direito que VV. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso, e revogando-se o acórdão recorrido e substituindo-o por outro que, nos termos e com os fundamentos supra alegados, decida:
a) Absolver o Arguido da prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1, do Código Penal (beijo no pavilhão);
b) Absolver o Arguido da prática de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176º, n.º 4, Código Penal, (“ficheiros guardados no computador”);
c) Condenar o arguido A1 pela prática: - em autoria singular, sob a forma consumada e em concurso real, de:
- um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1, do Código Penal (toque no pénis na marquise de ---), na pena de um ano e dois meses de prisão;
- um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigoº 171º, nº 3, alínea b) do Código Penal, (menor M3 -factos 19 a 53) na pena de 8 meses de prisão;
- seis crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art. º 192º, n.º 1, al. b) do Código Penal, (ofendidas M4, M5, M6, M7, M8 e M9) nas penas de 3 meses de prisão, cada um;
– três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigoº 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M10, M11 e M12), nas penas de dois meses de prisão, cada um;
d) Condenar o arguido em co-autoria material, pela prática de três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigoº 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M13, M14 e M15), nas penas de 240 dias de multa, cada um;
E em consequência,
e) Condenar o Arguido, em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º do Código Penal, na pena única de prisão sempre inferior a três anos, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova e mediante as condições de continuar o tratamento clinico-psiquiátrico que já efectua ou outro que lhe seja prescrito e demais injunções, e na pena única de multa de 420 dias (no quantum que se venha a determinar),
Assim fazendo VV Exªs, Ilustres Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!

A este recurso respondeu o MP, formulando as seguintes conclusões:
-- Vem o presente recurso interposto pelo arguido A1 do douto Acórdão de fls. 2169 a 2246, nas partes em que o condenou pela prática de:
a) 1 (um) crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1, do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e (seis) meses de prisão, no que tange à materialidade dos factos provados nºs. 58º, 59º e 60º;
b) 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 4, do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) meses de prisão, no que tange à materialidade dos factos provados nºs. 75º, 76, 77º, 78º, 79º e 80º.
-- A prova produzida e analisada na Audiência de Discussão e Julgamento que culminou na factualidade provada sob os nºs. 58º, 59º, 60º, 81º, 84º, 85º e 93º foi bem apreciada e valorada e subsume-se à prática pelo arguido A1 de 1 (um) crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1, do Código Penal.
3ª.1 -- A prova produzida e analisada na Audiência de Discussão e Julgamento que culminou na factualidade provada sob os nºs. 75º, 76º, 77º, 78º, 79º, 80º, 86º, 87º, 88º e 93º, teve particular assento:
a) No auto de diligência forense em ambiente digital, de fls 194 (triagem em ambiente laboratorial forense, tendo sido detectados ficheiros que se encontram conotados e reportados internacionalmente como ficheiros identificados por crimes de pedofilia/pornografia infantil constando das bases de dados internacionais - Interpol);
b) A nível pericial:
- (…) Relatório de exame forense realizado pelo G.I.F. da U.T.I. da Polícia Judiciária, de fls 291 a 300, relativo a diversos suportes (…); ficheiros conotados e reportados internacionalmente como ficheiros identificados por crimes de pornografia infantil, com várias fotos a fls 300;
- Relatório de exame forense nº 106/2012 (ANEXO I – Suporte 14) – G.I.F. – Unidade de Telecomunicações e Informática da Polícia Judiciária, com termo de juntada a fls 239/240.
3ª.2 -- Tendo-se em conta o disposto nos artigos 127º, 151º e 163º, nº 1, todos do Código de Processo Penal -- se mais não fosse pela mera visualização das fotografias contantes de fls. 302 a 304 --- resulta que a prova produzida e analisada na Audiência de Discussão e Julgamento foi bem apreciada e valorada e subsume-se à prática pelo arguido A1 de 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 4, do Código Penal.
4ª.1 -- O recorrente entende que o Tribunal foi severo demais, na determinação concreta das penas parcelares e da pena única, resultante do cúmulo jurídico, em que foi condenado.
4ª.2 -- O Ministério Público entende que o Tribunal a quo errou e, por via desse erro, erradamente encontrou as penas parcelares e a pena única resultante do cúmulo jurídico daquelas.
4ª.3 -- Nesta parte, dá o Ministério Público por integralmente reproduzida nesta sede a sua Motivação de Recurso, junta aos Autos a fls. 2252 a 2285.
*
Em consequência, deverá o presente recurso ser:
a) Julgado improcedente;
Outrossim,
Ser julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público.

Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer, no sentido do provimento do recurso do MP e do não provimento do recurso do arguido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FACTOS PROVADOS:
1- O arguido A1 ingressou na carreira de inspector do --- em 15.11.1990, sendo que entre Março de 2005 e Dezembro de 2010 desempenhou funções como Chefe da--- do --- que acumulou com as funções de responsável pelo posto de fronteira marítima da ---.
2- No âmbito profissional foi sempre considerado um profissional rigoroso, zeloso, estudioso e com capacidade de iniciativa e de trabalho, e ficou sempre “bem classificado” nos concursos para progressão na carreira.
3- Em 2010, na sequência de uma atitude que assumiu perante um superior hierárquico, de recusa da prática de um acto que entendia ilegal, o arguido A1 solicitou a sua desvinculação do cargo de chefia e acabou por ser colocado, durante cerca de dois anos, numa sala, sozinho, com distribuição de trabalho residual e sem qualificação tendo em conta as suas competências e em desrespeito pela sua hierarquia.
4- Tal alteração da distribuição e natureza das suas funções, levaram o arguido A1 a sentir-se desrespeitado o que lhe acarretou transtorno emocional (depressão) com grande stress e pressão psicológica.
5- Entretanto, por alturas do mês de Julho de 2011, nesse quadro de stress, o arguido A1 iniciou um relacionamento emocional e sexual com a sua colega de trabalho e amiga, agora co-arguida, A2.
6- No âmbito da relação amorosa que manteve com a arguida A2, o arguido A1 solicitou-lhe que captasse imagens de mulheres e crianças, no balneário da piscina municipal de ---.
7- O que esta acedeu a fazer.
8- Para tanto, o arguido A1 entregou à arguida A2 uma câmara de vídeo do tamanho e com o formato de um comando de garagem,
9- Que a arguida A2 colocou no seu porta-chaves,
10- Tendo a mesma utilizado a referida câmara nos balneários femininos das piscinas municipais de ---, e captado imagens das mulheres e crianças nuas que frequentavam o complexo, nomeadamente da própria arguida A2,
11- o que aquela fez, durante cerca de 2 meses, duas vezes por semana, aquando da aula de hidroginástica que frequentava, entre as 20 e as 20h45m.
12- A arguida A2, após efectuar cada filmagem, entregava a câmara de vídeo ao arguido A1, o qual visionava as imagens e descarregava para suporte digital, entregando-lhe, de novo, a câmara para que gravasse novas imagens.
13- Desse modo, a arguida A2 gravou várias imagens, entre outras, de M13, M14 e M15.,
14- desnudadas e em roupa interior, sendo visíveis os seios e os órgãos sexuais das mesmas.
15- O arguido A1 guardou todas as imagens e vídeos obtidos, em suporte digital, que posteriormente apagou.
16- O que fez nos cartões de memória e disco rígido apreendidos na sua residência, em 29/11/2012, designadamente no cartão de memória “SD” da marca “integral”, e 2M2” da marca “SANDISK”.
17- E obteve-os contra a vontade e sem autorização das visadas.
18- Fê-lo, sempre, com o propósito de satisfazer os seus desejos e instintos sexuais, com o visionamento das mesmas.
19- Entre meados de Fevereiro e finais de Setembro de 2012, o arguido A1 foi treinador-adjunto da equipa feminina de --- Sub 14, do Clube ---.
20- Para além de acompanhar e dirigir treinos da referida equipa, o arguido A1 teve um papel activo no clube, organizando eventos e angariando fundos, o que permitiu que o mesmo fosse respeitado e tivesse um bom relacionamento com todos os membros do Clube,
21- Tendo desenvolvido laços de grande proximidade com as atletas da sua equipa.
22- Aí conheceu M3, nascida no dia 18.11.1998, a qual transportava de, e para os treinos, juntamente com as demais atletas na carrinha do clube.
23- Os treinos ocorriam três vezes por semana, havendo, ainda um jogo semanal que tinha lugar ao fim-de-semana.
24- No referido período e por causa da amizade que se estabeleceu entre a filha do arguido A1, --- e a M3, aquele desenvolveu uma relação de amizade com a família da M3, designadamente com o seu pai, ---, chegando a ser visitas de casa, uns dos outros.
25- O arguido A1 era, nessa altura, titular do telemóvel com o número 9---, e pelo menos dos e-mails ---@hotmail.com e ---@---.
26- Por causa da modalidade desportiva de que era treinador-adjunto, o arguido A1 obteve da M3 o seu número de telemóvel, 9---, o qual gravou no seu aparelho, identificando-a como “---” e bem assim os números dos pais desta como “--- mãe da ---” e “--- pai da ---”.
27- Aproveitando ainda o facto de ser o treinador-adjunto da equipa de --- de que a menor fazia parte, quer por sms, quer por e-mail, começou a trocar mensagens com a M3, de forma a criar uma maior aproximação com esta, de modo a cativá-la e aliciá-la a manter conversações consigo, ou troca de ficheiros de imagens, de índole sexual, visando assim, excitar-se e excitá-la sexualmente.
28- Com efeito, pelo menos desde meados de Maio de 2012 e até 26 de Setembro de 2012, o arguido A1, através do telemóvel, com o número 9---, enviou a M3, então com 13 anos, as mensagens constantes de fls 28 a 102.
29- No referido período, o arguido A1 enviou para a M3, cerca de 1.200 mensagens sms,
30- Fazendo-o com frequência, praticamente diária,
31- muitas delas desde cerca das 7,30h da manhã até cerca das 2 horas da madrugada do dia seguinte,
32- Chegando, em alguns dias, a atingir um volume de várias dezenas de mensagens enviadas.
33- Em tais mensagens, o arguido A1 insinuava e propunha à M3 uma relação amorosa,
34- Referindo que a desejava,
35- E intitulando-se seu namorado,
36- com o que a pretendia captar a atenção e seduzir, como seduziu, levando a menor a dizer-lhe que se havia apaixonado pelo mesmo.
37- O arguido A1 por diversas vezes tratava-a de forma íntima, designadamente, por “princesinha”, “bunny”, “namorada” e “amor”,
38- passando a dizer-lhe de forma mais reiterada, que “és linda, deslumbrante”, que era o amor da vida dele e que a ia fazer muito feliz.
39- Das mensagens escritas - SMS - enviadas do telemóvel do arguido A1 para a menor M3, podem destacar-se, entre outras, as seguintes:
- SMS de 24/09/2012 – 21:20:47 «Princesinha, qnd te deitares pensa em mim! Cruza os braços e sente-te abraçada a mim. Vou contar os minutos até ter noticias tuas. Orgulha-te de teres namorado! Es a minha namorada querida, adorada e única! Desejo-te tanto! (…) amor da minha vida».
- SMS de 24/09/2012 – 21:09:24 «Quero que fiques mais velha para acabarmos com festinhas de amigos e assumir-mos o amor! Não percebo como alguém tão lindo gosta de mim… Mas fico feliz! Vou fazer-te tão feliz princesinha! :*»
40- O arguido A1 abordava, ainda, com a menor M3, assuntos de cariz sexual, chegando a contar-lhe o que aconteceu quando teve o primeiro orgasmo, através de masturbação,
41- Levando a M3 a que lhe dissesse que também se masturbava,
42- tendo o arguido A1 feito esclarecimentos sobre como o deveria fazer.
43- E, posteriormente mandava-lhe sms a perguntar-lhe se lhe estava a “apetecer” ou “se já tinha cuidado” dela, com o que queria saber se ela já se tinha masturbado ou não.
44- Das mensagens escritas - SMS - enviadas do telemóvel do arguido A1 para a menor M3, destacam-se, igualmente:
Msg de 24/09/2012 – 20:22:35 «Quando começaste a sentir vontade de tocar, abraçar, etc? Banhito??? Podias ter chamado? Nem uma festinha? Tenho que arranjar maneira de te ver mais vezes, nem k sejam só 5m».
45- O arguido A1 recomendou que a menor apagasse as respectivas mensagens, o que nem sempre esta fez.
46- O arguido A1 pediu, ainda, à menor M3, que aquela lhe enviasse várias fotografias suas, inicialmente, para o seu e-mail profissional.
47- Posteriormente, dizendo-lhe que não era seguro enviar as fotografias por e-mail, o arguido A1 solicitou à menor que lhe passasse a entregar as fotografias depois dos treinos, através de pen drive, o que ela fez.
48- Pediu fotografias da menor em biquíni e nua, as quais ela lhe enviou.
49- De seguida o arguido A1 referiu que tinha gostado, mas que a menor deveria ter tirado o cabelo e as mãos, já que nas fotografias de nu aquela tapou os peitos com o cabelo e a região genital com as mãos.
50- Por isso, a M3 entregou-lhe outras fotografias suas, nua e sem tapar os seios e a zona genital.
51- Além disso, em vários momentos e quando estavam na presença um do outro, o arguido A1 abraçava a M3, agarrando-a por trás, roçando o seu corpo, no corpo da menor,
52- acariciava-a nas pernas e nas mãos, fazendo-a interpretar tais gestos como de afectos especiais para consigo e que, por isso, viriam a ter uma relação íntima.
53- Fazia-lhe, pois, sentir, como sempre quis, que com ela mantinha e queria manter uma relação amorosa, ao mesmo tempo que lhe dizia que a tratava de maneira diferente das demais atletas, por gostar dela.
54- Em Julho de 2012, o arguido A1 esteve uns dias na casa de praia que possui na praia do ---, na Rua ---, tendo estado acompanhado pelos seus dois filhos, --- e --- , bem como pela M3, uma vez que esta era amiga da filha do arguido A1, e pela esposa que só chegava à hora de jantar.
55- Na referida casa de férias, à noite, quando a M3 se encontrava sozinha na marquise, o arguido A1 aproximou-se da mesma, abraçou-a e perguntou se ela queria ver o seu pénis,
56- perante a resposta afirmativa da menor, baixou os calções e exibiu-lhe o seu pénis erecto, ao mesmo tempo que perguntou à menor M3, se ela lhe pretendia tocar,
57- Tendo a menor tocado, no pénis em erecção do arguido A1.
58- Em Setembro de 2012, por ocasião de mais um treino de ---, e quando o arguido A1 se encontrava sozinho com a M3, no pavilhão do Clube, abraçou-a e beijou-a nos lábios.
59- Praticou tais factos, aproveitando a especial relação de confiança que existia por parte da M3, quer por ser seu treinador de ---, quer por existir uma relação de amizade entre a sua família e a da M3, que chegava a pernoitar em casa dele e a passar férias com a sua família.
60- Quis com tais condutas seduzir e aliciar a M3 à prática de actos sexuais.
61- No início do mês de Julho de 2012, o arguido A1 acompanhou a equipa de --- Sub-19, feminino, do Clube --- durante um campo de férias, na zona de ---.
62- As atletas, treinadoras e familiares usavam os balneários do pavilhão desportivo da Escola Secundária de ---, para a sua higiene pessoal, como o arguido A1 o bem sabia.
63- Por isso, para obter imagens dos corpos das jovens, mulheres e crianças, desnudadas, o arguido A1 colocou uma câmara de vídeo naqueles balneários.
64- Veio desta forma, a gravar imagens das menores:
- M4, nascida em 16.09.1995;
- M5, nascida em 18.11.1995;
- M6, nascida em 08.10.1995;
- M7, nascida em 11.08.1996;
- M1, nascida em 19.08.1995; e de
- M8, de 5 anos de idade, filho da M11.
65- Bem como das adultas: M10 e M11 e da jovem M12, então com 18 anos de idade.
66- Aquelas ofendidas e o menor foram captados em roupa interior ou desnudados,
67- aparecendo em imagens onde são visíveis os seus seios e nádegas, (cf 14 fotografias de fls 296, 297 e 298 vol II)
68 - O que fez contra a vontade e sem o conhecimento das ofendidas,
69- E para satisfazer a sua lascívia e intentos libidinosos.
70- O arguido A1 gravou e conservou o registo videográfico, designadamente no cartão de memória “Microsd” da marca Kingston.
71- No verão de 2012, na dita casa da Praia do ---, aproveitando o facto de outras crianças acompanharem a sua filha, enquanto ali passavam um fim-de-semana, colocou uma câmara de vídeo no quarto da filha e gravou imagens dos filhos e de duas outras crianças: M9, nascida em 03/04/1998, e M2, nascida em 01/06/1998,
72- quer em biquíni, quer aparecendo nuas, enquanto trocavam de roupa.
73- O que fez para obter imagens dos corpos das crianças e, em particular, dos órgãos genitais e dos seios, a fim de satisfazer os seus instintos sexuais.
74- Do mesmo modo, o arguido A1 gravou e conservou o registo videográfico de tais imagens, designadamente no cartão de memória “SDHC” da marca Sandisk.
75- No dia 29 de Novembro de 2012, o arguido A1 detinha igualmente um disco rígido da marca “Maxtor”, modelo 83500D4, com o número de série R40BP13A, com capacidade de armazenamento de dados de 4GB´s, o qual se encontrava no interior do computador fixo da marca “Citatus”,
76- onde guardava ficheiros de imagens e vídeos em diversos formatos (*.jpg, *.mov, *.mp4), num total de 3,3GB,
77- especialmente imagens de menores obtidas em poses pornográficas, exibindo o corpo nu,
78- designadamente a zona genital e os seios,
79- em práticas sexuais diversas e explícitas, com adultos e entre si,
80- obtidos através de downloads de sítios da internet de pornografia infantil.
81- O arguido A1 praticou os factos supra descritos de modo voluntário, livre e consciente, valendo-se do facto de ser treinador-adjunto de uma equipa de --- feminina para ganhar a confiança e admiração da menor M3,
82- Ao manter, como manteve, frequentemente conversações, nomeadamente através de mensagens, com a menor M3, onde abordava termos íntimos, e utilizava termos impróprios para uma relação entre um adulto e uma menor e onde expunha sentimentos relativamente à mesma, quis seduzir e aliciar a M3 à prática de actos sexuais, o que logrou fazer.
83- Ao solicitar, como solicitou que a menor M3 lhe enviasse fotografias suas, despida, fê-lo para satisfazer os seus instintos libidinosos,
84- O arguido A1 sabia que a M3, à data dos factos, tinha menos de 14 anos, bem sabendo que, em razão da sua idade, não tinha a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão.
85- O arguido A1 pôs em causa o sentimento de vergonha e pudor sexual, bem como a liberdade e autodeterminação sexual da menor M3, prejudicando deste modo o livre e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade, nomeadamente na sua esfera sexual.
86- Do mesmo modo, o arguido A1 ao deter imagens e vídeos de menores em poses pornográficas, fê-lo para satisfazer os seus instintos libidinosos,
87- Sabendo que a aquisição e detenção de tais imagens é proibida e punida por lei.
88- Ao gravar, mandar gravar e guardar imagens de menores, nomeadamente de órgãos genitais, seios e nádegas das ofendidas, o arguido A1 fê-lo a fim de satisfazer os seus instintos sexuais,
89- não se coibindo captar tais imagens, designadamente em balneários e até no respectivo domicílio e no seio da sua família.
90- O arguido A1 ao captar imagens de mulheres e crianças, em zona de balneários, e noutros locais privados, e sem o conhecimento e consentimento dos visados, pretenderam, como o lograram fazer, devassar a intimidade sexual e familiar dos ofendidos, designadamente de menores,
91- Fazendo-o com fins libidinosos, e para satisfazer os seus próprios desígnios,
92- Manifestando total ausência de respeito pela intimidade sexual e pela dignidade dos ofendidos.
93- Os arguidos agiram deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, renovando em cada conduta os seus desígnios.
94- Os factos e comportamentos que praticou provocaram no arguido A1 angústia, desgosto, vergonha e um sentimento de auto-censura e arrependimento.
95- O arguido A1 iniciou tratamento psiquiátrico ainda durante o verão de 2012, sendo então, acompanhado pelo médico psiquiatra Dr. ---, encontrando-se actualmente a ser submetido a tratamento clinico-psiquiátrico, com intervenção de fármacos (antidepressivos e ansiolíticos), sob a tutela do Exmº Médico psiquiatra Dr. --- e com o apoio psicológico da psicóloga clínica Drª ---.
96- O arguido A1 frequenta com regularidade e desde Maio de 2014 a consulta de sexologia do Centro de Responsabilidade Integrada e Saúde Mental dos Hospitais da Universidade de Coimbra.
97- O arguido A1 nasceu a 12 de Maio de 1968, em Leiria, sendo o mais velho de dois filhos de um casal em que a mãe era professora primária e o pai técnico de vendas, cresceu num contexto familiar estável.
97.1- O arguido A1 desenvolveu um normal desempenho escolar e após concluir o 12º ano concorreu ao curso de Direito mas não conseguiu ingressar.
97.2- Durante as férias escolares, o arguido A1 desenvolveu tarefas como aprendiz de vidreiro, fiel de armazém, empregado de escritório e armazenista sendo os proventos assim obtidos geridos por si e em proveito próprio sem acarretar despesas extra aos pais.
97.3- Então, iniciou formação profissional, durante um ano, como analista programador (informática) que concluiu com aproveitamento; posteriormente concluiu, no ano de 2009, o curso superior de gestão de recursos humanos.
97.4- O arguido A1 começou a trabalhar logo que acabou o curso de analista programador, numa empresa local; ingressou no --- em 15.11.1990 1990 onde permaneceu até Junho de 2014, altura em que na sequência de processo disciplinar que lhe foi instaurado após conhecimento dos presentes autos, lhe foi imposta a pena de demissão por decisão de 02.06.2014 do Ministro da Administração Interna.
97.5- Em termos de ocupação de tempos livres o arguido demonstrou desde cedo interesse pela prática desportiva (--- e ---); foi jogador federado de --- e treinador no Grupo ---.
97.6- Socialmente, até ao conhecimento dos factos que deram origem ao presente processo, o arguido teve sempre “adequada” inserção, sendo valorizado e merecendo a confiança de vizinhos e amigos.
97.7- Aos 18 anos de idade iniciou a relação afectiva que resultou no casamento que ainda hoje mantém e no qual nasceram os dois filhos; a relação familiar foi afectada negativamente com o processo depressivo do arguido quando lhe viu serem reduzidas as funções profissionais no --- (2010 a 2013), com o conhecimento do envolvimento do arguido com os factos que estiveram na origem do presente processo.
97.8- O arguido A1 vive com a esposa, de 44 anos de idade, enfermeira e com os dois filhos de 14 e 16 anos de idade, em moradia da sua propriedade com boas condições de habitabilidade; a sustentabilidade económica do agregado familiar depende actualmente apenas do vencimento da esposa do arguido, num valor médio €1150 euros; com este montante asseguram o pagamento de uma prestação à banca relativa à compra de uma segunda casa, despesas com os filhos, consumos domésticos e alimentação.
97.9- A perda de emprego por parte do arguido A1 foi determinante para o súbito declínio do nível de vida a que a família se habituara com dois ordenados; como forma de ultrapassar as dificuldades económicas, o casal está a tentar vender a segunda habitação.
97.10- O conhecimento do presente processo alterou o relacionamento intrafamiliar, por decepção e perda de confiança; todos os elementos da família nuclear e de origem estão em sofrimento, salientando-se as reacções adversas dos filhos; a filha, que perdeu a amizade de algumas amigas (entre elas a M3), deixou de dialogar de forma natural com o pai, fazendo-o no estritamente necessário; o filho mantém-se afectivamente próximo do pai, mas em sofrimento, tendo baixado o aproveitamento escolar e tornando-se mais agressivo, razão pela qual está a ser acompanhado em consultas de pedopsiquiatria e medicado com antidepressivo; a esposa e demais família alargada desta e do marido continuam a apoiá-lo afectiva e materialmente apesar da decepção, angústia e perda de confiança.
97.11- O arguido A1 padece de apneia do sono, doença diagnosticada há sensivelmente 5 anos, dormindo com apoio de um ventilador.
Do relatório social actualizado extrai-se que:
97.12 - A1 mantém-se a viver com a esposa, de 47 anos de idade, enfermeira e com os dois filhos, de 18 e 16 anos de idade, alunos do 1º ano do curso de gestão turística e do 10º ano de escolaridade.
97.13 - A filha mais velha durante a semana permanece em Lisboa, onde estuda. Vem aos fins de semana a casa dos pais e o relacionamento com o arguido (afectado com o conhecimento do presente processo) melhorou significativamente. Actualmente dialoga com naturalidade com o pai e voltou a receber uma das amigas na sua casa, o que havia deixado de fazer.
97.14 - Contribuiu para esta alteração de relacionamento arguido e filha o facto de o arguido ter tido, para com algumas das vítimas, um ato de reparação fazendo um pedido de desculpas formal sempre na presença da esposa (antes e após a leitura da sentença).
97.15 - No caso das vítimas menores fê-lo também na presença dos pais destas.
97.16 - Na relação conjugal do arguido salienta-se o impacto positivo que o acompanhamento no serviço de sexologia tem tido ao nível da atitude comportamental do arguido, que passou a interagir de forma normal e estruturante com a esposa, alterando as suas atitudes.
97.17 - A família mantém-se a residir na moradia com muito boas condições de habitabilidade e conforto.
97.18 - Economicamente referem continuar a enfrentar dificuldades, decorrentes da perda de emprego do arguido. Subsistem com recurso ao vencimento da esposa, num valor médio mensal de 1 200,00 €.
97.19 - Com este montante asseguram o pagamento de uma prestação à banca relativa à compra de uma segunda casa (€306), comunicações (€60), consumos domésticos (€110) e alimentação. As despesas com o alojamento e a frequência universitária da filha mais velha estão totalmente a cargo dos avós maternos e paternos, figuras apoiantes material e afectivamente.
97.20 - O casal está a tentar vender a segunda habitação, tendo já celebrado um contrato de promessa de compra e venda.
97.21 - A1 mantém o acompanhamento psiquiátrico, na área da sexologia desde Junho de 2014 onde está com monitorização actual feita cada 45 dias. Está medicado com antidepressivos e ansiolíticos. Aguarda, a seu pedido, a admissão em consultas de psicologia.
97.22 - Nas consultas de sexologia, segundo a psiquiatra que o acompanha, evoluiu muito positivamente.
97.23 - É um doente cooperante e assíduo, investido no sentido da sua mudança comportamental.
97.24 - Percebeu que “não pode mudar o passado, mas pode construir o futuro”. Reconhece que necessita de ajuda externa para observação e modificação de comportamentos.
97.25 - O arguido está inscrito no Centro de Emprego de ---, desde Abril de 2015, inscrição que se mantém activa. Frequentou uma formação profissional com a duração de 75 horas, de Competências Empreendedoras. Neste espaço formativo fez novas amizades e começou gradualmente e inverter o ciclo de isolamento social em que estava desde que foi constituído arguido no âmbito do presente processo.
97.26 - Em simultâneo definiu um projecto de vida pessoal, que está a implementar: criação, treino e alimentação de cães, actividade que começou a desenvolver com motivação e entusiasmo. Tem como expectativa, a curto prazo, formalizar e constituir a sua própria empresa.
97.27 - Socialmente está a começar a fazer novas amizades e a recuperar outras do passado. Continua a sentir-se estigmatizado pelos antigos colegas de trabalho. Não tem novas ocorrências com o estatuto de arguido no departamento de investigação criminal de ---.
97.28 - Em termos de funcionamento pessoal revela bons recursos cognitivos e muito boa capacidade de comunicação e de racionalização. Está consciente dos benefícios da ajuda terapêutica de que dispõe na actualidade.
98- O arguido A1 padece de episódio depressivo Major Grave, sem sintomas psicóticos (F32.2 da CID 10), reactivo à sua situação judicial e sem qualquer relação causal com os factos que lhe são imputados.
99- Os comportamentos em causa configuram um diagnóstico de voyerismo (F 65.3 da CID 10), “situação clinica cujo desencadeamento não pode dissociar-se completamente do stress a que estava sujeito à data dos factos, decorrente de problemas profissionais graves e arrastados no tempo”.
100- O arguido A1 não regista antecedentes criminais.
101- O arguido A1 confessou parcialmente os factos imputados, manifesta arrependimento, apresentou pedidos de desculpa às ofendidas e ressarciu algumas das queixosas.
102- A arguida A2, nascida a 03.11.1976, é a mais nova de cinco irmãos de uma família com relacionamento próximo entre todos, de médio/baixo estrato sócio cultural; frequentou a escola sem reprovações, nem problemas de natureza comportamental; habilitou-se com o 12º ano de escolaridade, com 17 anos de idade, a sua desvinculação do ensino ocorreu na sequência do não ingresso na faculdade, em Jornalismo.
102.1- Inicialmente, movida pela recandidatura ao ensino superior, ocupou os seus dias em actividades de limpeza, restauração e distribuição de pão, as quais já desenvolvia em férias e fins- de -semana, juntamente com a mãe e irmãs; a gestão dos proventos auferidos era feita pelos seus pais e tal era bem aceite pela arguida, por contribuir para colmatar necessidades prementes.
102.2- Aos 18 anos de idade teve o seu primeiro emprego propriamente dito, no Hospital ---, onde desenvolveu tarefas administrativas adequadas às suas expectativas e interesses pessoais (contacto com o público e nível remuneratório satisfatório); inicialmente como trabalhadora a recibos verdes, e em 1999 passou a pertencer ao quadro de pessoal daquela unidade hospitalar; no ano de 2008, movida pela procura de um melhor horário de trabalho, que lhe permitisse prestar um acompanhamento mais próximo aos seus dois filhos, transitou, como assistente técnica, para o --- de ---, onde se mantém na actualidade.
102.3- A arguida A2 casou em 1999 e foi mãe de dois filhos, actualmente com 12 e 10 anos de idade; a relação conjugal foi caracterizada por acentuadas divergências no estabelecimento das prioridades orçamentais da família (arguida investida na aquisição de bens comuns para o lar e família e ex-marido investido na aquisição de bens para uso próprio em actividades de lazer – BTT), situações que determinaram a separação do casal em Setembro de 2009; os filhos ficaram entregues à guarda e cuidados da mãe; após uma fase inicial de dificuldade de comunicação entre o ex-casal, passaram a relacionar-se com cordialidade.
102.4- Após o seu divórcio, no período compreendido entre 2010 e 2011, A2 ficou emocionalmente fragilizada e com problemas de saúde (depressão com acompanhamento médico e cirurgia ao útero) e envolveu-se afectivamente com A1;
102.5- A arguida A2 mantém-se a trabalhar no --- em ---, nas mesmas funções mas sem estar no atendimento ao público em virtude do presente processo; em regime pós laboral, trabalha na restauração e nas limpezas para assegurar cabalmente os encargos financeiros que tem; na localidade onde reside, no seio da sua família de origem e no meio laboral, A2 é referenciada positivamente não só pelos hábitos de trabalho mas também pela adequada gestão financeira que demonstra.
102.6- Socialmente, até ao conhecimento dos factos que deram origem à abertura do presente processo, A2 era considerada uma pessoa idónea, moralmente bem formada, que dedicava grande parte dos seus tempos livres a actividades da Igreja (catequista e participante nas actividades do escutismo e dos grupo de jovens).
102.7- A arguida vive com os dois filhos alunos do 7º e 5º ano de escolaridade; a relação com estes é de grande proximidade e envolvimento afectivo; é coadjuvada no acompanhamento e educação dos filhos, pelos seus pais, sogros e ex-marido; residem na casa que era morada de família, um apartamento de tipologia T2, com adequadas condições de habitabilidade, que está a ser amortizado à banca; subsistem com recurso ao vencimento fixo da arguida e abonos aos menores, num total médio mensal de €813, dos proventos variáveis que aufere dos trabalhos extra, e da pensão de alimentos (€150); com o somatório dos rendimentos assegura o pagamento da amortização à banca para aquisição de habitação própria (€315), seguro de vida e da casa (€43,28), cartão de crédito (€60), passe (€79,15), condomínio (€20) e demais despesas com alimentação, vestuário, despesas escolares e saúde de todos.
102.8- Actualmente a arguida dedica-se à família, trabalho e casa, não se relacionando socialmente como fazia anteriormente, tomou a iniciativa de deixar de dar catequese e de frequentar as piscinas por sentir desconforto emocional nestes meios após o conhecimento do presente processo.
Do relatório social actualizado extrai-se que:
102.9 - Após a elaboração do Relatório Social para Determinação da Sanção remetido em 18 de Dezembro de 2014 ao presente processo, verificaram-se alterações na vida da arguida ao nível do enquadramento profissional, da saúde psicológica e das relações de sociabilidade.
102.10 - Enquadramento profissional: A2 deixou de trabalhar no --- (---), a seu pedido e alegando sentir-se subaproveitada em consequência da alteração de tarefas a que foi sujeita aquando do conhecimento do presente processo.
102.11 - Desde 01 de Maio de 2015 está a trabalhar – na situação de vinculada a este Serviço, na Agência --- , em ---. Esteve 19 meses ao abrigo da lei da mobilidade interna, e a 01 de Janeiro de 2017 passou à situação definitiva.
102.12 - Segundo a fonte contactada, a vinculação ao actual serviço teve em conta atributos importantes da arguida: o profissionalismo e as competências profissionais que demonstra no atendimento ao público, assim como a assiduidade e o bom relacionamento em equipa.
102.13 - A2 integrou-se convenientemente neste meio laboral, que lhe é gratificante.
102.14 - Em regime pós laboral, aos domingos, das 9h às 15h exerce funções no sector da restauração, para assegurar cabalmente os encargos financeiros que assumiu.
102.15 - Saúde psicológica: Salienta-se o facto de a arguida ter alterado substancialmente o seu estado anímico, e por conseguinte ter sido orientada pelo seu psiquiatra a fazer o desmame da medicação antidepressiva que tomava. Actualmente está desvinculada das consultas de psiquiatria e só toma medicação em situações muito pontuais.
102.16 - Relações de sociabilidade: Mantém adequadas relações de vizinhança e os vizinhos e conhecidos reconhecem-lhe hábitos de trabalho e competências parentais.
102.17 - A2 está a tentar contrariar o impacto provocado pelo conhecimento dos factos que deram origem à abertura do presente processo, que afectaram significativamente as suas relações de sociabilidade, por perda de confiança e decepção em relação à sua pessoa. Actualmente já se descentra gradualmente do problema e expõe-se mais a ambientes de convívio, sobretudo relacionados com as actividades extra curriculares dos filhos, onde interage naturalmente com outras crianças e adultos.
102.18 - Não lhe são conhecidas novas situações processuais com estatuto de arguida.
102.19 - A arguida continua a viver com os dois filhos, de 15 e 12 anos de idade, alunos do 8º e 7º ano de escolaridade. A relação com estes é de grande proximidade e envolvimento afectivo. É coadjuvada no acompanhamento e educação daqueles, pelos seus pais, sogros e ex-marido.
102.20 - O agregado da arguida continua a residir na casa que era morada da família, um apartamento de tipologia T2, com adequadas condições de habitabilidade, que está a ser amortizado à banca.
102.21 - A2 e filhos vivem com recurso ao vencimento fixo da arguida, com inclusão dos abonos de família (€813), a que acresce a remuneração relativa ao trabalho a tempo parcial (€80) e a pensão de alimentos atribuída aos menores (€200). Com estes rendimentos assegura o pagamento da amortização à banca para aquisição de habitação (€315), seguro de vida e da casa (€43,28), cartão de crédito (€72,55), combustível para deslocações ao trabalho (€140) e condomínio (€20,50).Também faz face aos montantes mensais para os consumos domésticos, educação dos filhos e saúde. A situação económica está estabilizada, mas exige uma grande capacidade de organização e gestão por parte de A2.
102.22 - A arguida tem capacidades para identificar e distinguir condutas do ponto de vista normativo.
103- A arguida A2 não regista antecedentes criminais.
104- A arguida A2 admitiu parcialmente a prática dos factos e manifesta arrependimento.
105- A arguida A2 é seguida em consultas de psiquiatria desde Maio de 2010, com um quadro de “Depressão Major” com características reactivas; presentemente mantem acompanhamento terapêutico e farmacológico, devido à persistência do quadro.
*
Pedidos de indemnização civil de M10 e M11
106- M10 e M11 praticaram, na sua juventude, --- federado no Clube ---;
107- no ano de 2008, as irmãs M10 e M11 e seus maridos --- e ---, também ambos ex-praticantes de ---, juntaram-se na reactivação dessa modalidade no mencionado clube;
108- M10 assumiu as funções de treinadora do escalão sub – 19 femininos e M11 assumiu as funções de treinadora do escalão sub – 14 femininos;
109- as funções de director eram exercidas por ---, assegurando todas as valências administrativas e logísticas exigidas pela modalidade;
110- --- faleceu em 06.01.2012, o que representou um duro golpe para as demandantes M10 e M11 e outrossim para a estrutura da secção de --- do clube, abrindo-se um vazio na estrutura organizativa (e, inclusive, na vertente motivacional e emocional) do clube.
111- nessa altura, o arguido aproximou-se do ---, mostrando-se interessado pelo projecto e manifestando-se disponível para ajudar a secção de ---;
112- o arguido também fora jogador de --- e, por isso, já era conhecido das demandantes M10 e M11 e de ---, com o qual havia treinado;
113- face ao difícil momento que atravessavam, a colaboração do arguido foi por todos acolhida positivamente e com agrado;
114- pelo que, após sugestão do ---, e com a concordância de todos, o arguido passou a coadjuvar a M11 nos treinos e no acompanhamento dos jogos do escalão sub – 14 femininos, a partir de Fevereiro de 2012, nos termos que, no essencial, são descritos nos artigos 1º, 2º e 5º da acusação;
115- integrando-se na equipa e logo criando um relacionamento empático com M10 e todas as atletas, que evoluiu, nomeadamente, e de forma genérica, de acordo com o relatado no artigo 3º da acusação;
116- constituíram pressupostos fundamentais à aceitação da colaboração que o arguido disponibilizou a confiança que nele depositavam e a convicção de que os seus propósitos eram genuinamente altruísticos, ainda mais sendo inspector do ---;
117- acreditando que, também com ele, as atletas do clube que ficariam sob a sua responsabilidade – todas menores --- estariam em segurança e que desenvolveria essa colaboração segundo os princípios de um bom pai de família;
118- uma dessas atletas era M9, nascida em 03.04.1998, na época com 13 anos, filha da demandante M11 e do falecido ---;
119- a M9 era colega de escola e de equipa da filha do arguido, ---, a qual, na sequência do início da colaboração que viria a ser prestada pelo pai, também passou a integrar o clube, sendo ambas amigas;
120- no verão de 2012, logo a seguir ao término do ano lectivo 2011/2012, em dia não preciso mas situado em meados de Junho, a M9 foi convidada para desfrutar de um fim-de-semana na casa de praia do arguido, sita na praia de ---, na companhia da filha deste e de uma outra amiga de ambas, M2, também menor, nascida em 01.06.1998;
121- a M9 ficou entusiasmada com esse convite, respondendo-lhe afirmativamente, sob a condição de ser autorizada pela mãe;
122- igualmente baseada nos referidos pressupostos a mãe concedeu-lhe a tal autorização, concretizando-se a estadia;
123- quer as demandantes, quer os restantes membros do clube, jamais imaginariam que o arguido viesse a praticar os referidos factos;
124- agindo sempre com intuitos exclusivamente voyeuristas, e com a finalidade de retirar da visualização e manipulação dessas imagens, quando quisesse, estimulação e prazer sexuais, satisfazendo, dessa forma primária, a sua líbido;
125- o comportamento do arguido interferiu gravemente na intimidade e dignidade das demandantes, sendo fonte de grande perturbação psicológica e emocional;
126- ao ser colocada diante da realidade de que foi vítima, a demandante M10 sofreu forte choque emocional, sendo recorrentemente invadidas por sentimentos de tristeza, pontuados com alguns episódios de choro, infelicidade, angústia, nervosismo, indignação, humilhação, vergonha e revolta;
127- ao ser colocada diante da realidade de que foi vítima, a demandante M11 sofreu forte choque emocional, pautado por um misto de intensa tristeza, infelicidade, angústia, nervosismo, indignação, humilhação, vergonha e revolta;
128- sentindo-se manipulada, instrumentalizada, usada e traída.
*
Factos não provados:
Nenhuns outros factos relevantes para a discussão da causa se provaram em audiência de julgamento, nomeadamente não se provou que:
a).- o arguido A1 pediu à M3, para que, quando fosse a casa de amigas suas, captasse imagens daquelas, enquanto mudavam de roupa ou tomavam banho;
b).- o quadro comportamental do arguido A1 sempre foi comandado por princípios de honradez, justiça, e respeito pelo próximo, na senda da educação impoluta e exigente que lhe foi ministrada por seus pais.;
c).- não se provaram os factos vertidos nos pontos 83 a 88 da acusação.

DECIDINDO:
Começa o MP, no seu recurso, por se insurgir contra a circunstância de o tribunal recorrido ter condenado incorrectamente o arguido A1 pela prática de 6 crimes de devassa da vida privada p. e p. pelo artigo 192º, nº 1, al. b), do Código Penal (ofendidas M4, M5, M6, M7, M8 e M9), na sequência comunicação da alteração não substancial da qualificação jurídica efectuada na Acta da Leitura do douto Acórdão proferido, a fls. 1709 a 1711, tendo voltado a homologar no douto Acórdão as desistências de queixa apresentadas pelos legais representantes das menores M1 e M2 (cfr. fls. 2221).
Pretende que da factualidade provada constante dos números 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º, 71, 72º, 73º, 74º, 88º, 89º, 90º, 91º, 92º e 93º resulta claro que o arguido A1 não agiu com intenção de devassar a vida privada dos menores ali identificados. Mais afirma que as suas intenções criminosas foram bem mais além e muito mais além da simples devassa, do “simples” “espreitar, ver, olhar”, mas sim, como resultou provado, com a intenção, com o propósito, com o “fim de satisfazer os seus instintos sexuais”, “com fins libidinosos, e para satisfazer os seus próprios desígnios”.
Conclui que tal factualidade integra a prática pelo arguido A1, em autoria material, em concurso efectivo, real, nos termos do disposto nos artigos 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1 e 77º, todos do Código Penal, de:
a) 4 (quatro) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, al. b), do Código Penal, de que são ofendidas M4, nascida em 16.09.1995, M5, nascida em 18.11.1995; M6, nascida em 08.10.1995 e M1, nascida em 19.08.1995;
b) 1 (um) crime de pornografia de menores, agravado, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 5, ambos do Código Penal, de que é ofendida M7, nascida em 11.08.1996;
c) 3 (três) crimes de pornografia de menores, agravados, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6, ambos do Código Penal, de que são ofendidos M8, de 5 anos de idade, M9, nascida em 03/04/1998 e M2, nascida em 01/06/1998.
Estão em causa os factos ocorridos no campo de férias, em Julho de 2012 (factos 61 e seg.s) e no verão de 2012, na casa da praia de --- (factos 71 e seg.s). A acção do arguido consistiu na colocação de uma câmara de vídeo nos balneários e no quarto da filha de forma a captar imagens dos corpos das jovens desnudadas, o que conseguiu.
No acórdão recorrido tal acção foi integrada, após comunicação de alteração não substancial, na previsão do crime de devassa da vida privada, p.p. pelo artº 192º, 1, b), do CP, pretendendo o MP que o seja na previsão do tipo do crime de pornografia de menores, ora simples, ora agravado, p.p. pelo artº 176º, 1, b) do CP.
Sob a epígrafe de ‘pornografia de menores’, o artº 176º do CP estipula que:
1 - Quem:
a) Utilizar menor em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim;
b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim;
c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior;
d) Adquirir ou detiver materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Quem praticar os actos descritos no número anterior profissionalmente ou com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de um a oito anos.
3 - Quem praticar os actos descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 utilizando material pornográfico com representação realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos.
4 - Quem adquirir ou detiver os materiais previstos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa.
5 - A tentativa é punível.
Já o crime de devassa da vida privada (artº 192º, CP) consiste nos seguintes comportamentos do agente:
Nº 1- Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual:
a) Interceptar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de correio electrónico ou facturação detalhada;
b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos;
c) Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado; ou
d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa;
é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - O facto previsto na alínea d) do número anterior não é punível quando for praticado como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante.
Transcrevendo da decisão recorrida:
No que ao caso concreto interessa, (factos nºs 61 a 64 e 71 a 74) “provou-se que no início do mês de Julho de 2012, o arguido A1 acompanhou a equipa de --- Sub-19, feminino, do Clube --- durante um campo de férias, na zona de ---l.
As atletas, treinadoras e familiares usavam os balneários do pavilhão desportivo da Escola Secundária de ---, para a sua higiene pessoal, como o arguido A1 o bem sabia.
Por isso, para obter imagens dos corpos das jovens, mulheres e crianças, desnudadas, o arguido A1 colocou uma câmara de vídeo naqueles balneários.
Veio desta forma, a gravar imagens das menores:
- M4, nascida em 16.09.1995;
- M5, nascida em 18.11.1995;
- M6, nascida em 08.10.1995;
- M7, nascida em 11.08.1996;
- M1, nascida em 19.08.1995; e de
- M8, de 5 anos de idade, filho da M11.
Bem como das adultas: M10 e M11 e da jovem M12, então com 18 anos de idade (já maior).
Aquelas ofendidas e o menor foram captados em roupa interior ou desnudados, aparecendo em imagens onde são visíveis os seus seios e nádegas,
O que fez contra a vontade e sem o conhecimento das ofendidas,
E para satisfazer a sua lascívia e intentos libidinosos.
O arguido A1 gravou e conservou o registo videográfico, designadamente no cartão de memória “Microsd” da marca Kingston. - (cf fls 296 e 297 vol II)
No verão de 2012, na dita casa da Praia do ---, aproveitando o facto de outras crianças acompanharem a sua filha, enquanto ali passavam um fim-de-semana, colocou uma câmara de vídeo no quarto da filha e gravou imagens dos filhos e de duas outras crianças: M9, nascida em 03/04/1998, e M2, nascida em 01/06/1998, quer em biquíni, quer aparecendo nuas, enquanto trocavam de roupa.
O que fez para obter imagens dos corpos das crianças e, em particular, dos órgãos genitais e dos seios, a fim de satisfazer os seus instintos sexuais.
Do mesmo modo o arguido A1 gravou e conservou o registo videográfico de tais imagens, designadamente no cartão de memória “SDHC” da marca Sandisk”.
Face a tais situações factuais, o acórdão recorrido procedeu à sua integração típica nos seguintes termos:
Como acima se disse constitui pornografia infantil, o desempenho de actividades sexuais explícitas reais ou simuladas. A simples nudez não equivale a pornografia, exigindo-se que haja exibição lasciva de órgãos sexuais ou partes púbicas, não bastando a simples exibição de tais partes do corpo. Também não pode confundir-se com uma tal exibição ou com a representação de comportamentos sexuais explícitos, imagens de menores onde são visíveis os seus seios e nádegas. Daí que não baste a simples nudez, mesmo que de órgãos sexuais, se não estiver em causa uma exibição ou representação lasciva. Ora uma exibição ou representação lasciva é aquela que objectivamente transmite a quem a vê “expressa desejo sexual sem freio”; “uma exibição que cria um desejo sexual desordenado e incontrolável”. - (cf Dicionário inFormal SP)
O arguido, subjectivamente teve essa intenção, mas objectivamente o resultado das imagens que obteve não satisfazem o conceito de “pornográfico”.
Daí que tenhamos o elemento subjectivo, mas não o elemento objectivo.
Assim, os factos que se reportam os nºs 61 a 64 e 71 a 74 não devem ser qualificados como integradores de oito crimes de pornografia de menores, mas sim como oito crimes de devassa da vida privada, uma vez que preenchem objectiva e subjectivamente (facto 90 dos factos provados) o tipo do ilícito e uma vez que foi efectuada a comunicação da alteração da qualificação jurídica estabelecida no artº 358 nºs 1 e 3 do CPP.
Na verdade foram captadas imagens de pessoas em espaços íntimos, sem consentimento das mesmas e com intenção de devassar a vida privada das pessoas.
No essencial, estamos de acordo com o juízo tecido pelo tribunal de primeira instância: não se verifica no caso o elemento objectivo do tipo de pornografia de menores, pois que o que está aqui em causa é o conceito amplo de utilização de menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos (artº 176º, 1, b), CP). Partindo da interpretação literal da norma, desde logo devemos concluir pelo não preenchimento do tipo: este exige uma ‘utilização’ do menor nessas actividades, o que pressupõe uma determinada integração activa da conduta do agente, de modo a levar o menor a participar nessas actividades. Já não será assim no caso, como o presente, em que as gravações foram feitas de modo sub-reptício, dissimulado, não tendo o menor sequer conhecimento de que, involuntariamente, participava nas mesmas.
Depois, está em causa a realização de gravações pornográficas, o que se interliga com a definição do que sejam actividades pornográficas.
É duvidoso o que haja de entender-se por «material pornográfico», dado que estamos ante um termo valorativo, mas poderia considerar-se pornográfica a obra de carácter exclusivamente luxuriosa, sem outro objecto que a excitação grosseira do instinto sexual, desprovida de todo o valor social (Orts Berenguer). Este conceito, assumido em linhas gerais pela literatura jurídica espanhola, deriva da doutrina fixada pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos, que influenciou outros altos Tribunais, entre eles o espanhol. Este assinalou, no seu acórdão de 10/10/2000 (…) «que a pornografia, em relação à sua difusão a menores o incapazes ultrapassa os limites do ético, do erótico e do estético, com finalidade da provocação sexual, traduzindo-se em imagens obscenas ou situações impúdicas …» (Manual de Derecho Penal, Tomo II, Parte Especial, coordenação de Carlos Suárez-Mira Rodriguez).
Ou seja o conceito do que é pornográfico há-de retirar-se da oposição ao que não ultrapassa os limites do ético, do erótico e do estético.
A mera representação do corpo humano, ainda que fotográfica, só por si, pode ser erótica ou estética; só será pornográfica se acompanhada da prática de acto sexual, de um qualquer enredo dessa natureza ou se se traduzir numa exposição lasciva dos órgãos sexuais. Ora, nada disso aconteceu no nosso caso em que os ofendidos, participantes involuntários em gravações clandestinas levadas a cabo pelo arguido, mantiveram as poses de recato normal em situações como as descritas.
Assim sendo, cremos ter sido acertado o juízo efectuado pelo tribunal recorrido ao integrar essas condutas criminosas na previsão do tipo de devassa da vida privada.

Pese embora se tenha provado o elemento subjectivo do crime de pornografia de menores, o substrato fáctico apurado não é suficiente para a integração do seu elemento objectivo.
Por isso, não foi violada a norma do artº 8º da CRP nem a “Convenção sobre os Direitos das Crianças”, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos das Crianças Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, a Directiva nº 2011/93/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à Luta contra o Abuso Sexual de Crianças e Pornografia Infantil, pois que não está em causa o uso de crianças para fins pornográficos mas antes a mera intromissão na sua esfera de privacidade.
Prossegue o MP pretendendo que os factos provados em 46 a 50, 81, 83 a 85, 88, e 90 a 93 integram, de forma autónoma, a prática, pelo mesmo arguido, de um crime de pornografia de menores agravado, p.p. pelos artºs 176º, 1, b) e 177º, 6, ambos do CP.
Relativamente a tais factos, o tribunal recorrido integrou a conduta do arguido na previsão do artº 171º, 3, b), do CP, relativa a crime de abuso sexual de criança.
Está aqui em causa a entrega pela ofendida M3 de fotografias suas com os seios e a zona genital visíveis, o que fez a solicitação do arguido.
Analisamos já, atrás, o tipo criminal de pornografia de menores.
O tipo de abuso sexual de criança, da previsão do artº 171º do CP traduz-se na seguinte previsão:
1- quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa; é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2- Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3- Quem:
a)- importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170º; ou
b)- actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos; é punido com pena de prisão até três anos.
A propósito, no acórdão recorrido foram tecidas as seguintes considerações: «o arguido A1 está acusado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, n.º 3, alínea b); pratica este crime quem actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos.
Nesta situação, diferentemente do que acontece infra quanto ao crime de pornografia de menores, não parece justificar-se grande desenvolvimento acerca do conceito de “pornográfico”.
Estão aqui em causa os factos alinhados sob os números 19 a 53 (correspondentes aos pontos 1 a 36 da acusação) respeitantes às conversas e sms enviadas pelo arguido A1 à menor M3, bem como as fotografias que pediu à M3 e carícias que lhe dedicou, tudo sabendo que a mesma tinha menos de 14 anos de idade.
Ainda no âmbito da versão anterior de norma semelhante, o Senhor Professor Figueiredo Dias ensinava que “conversa obscena” (assim era referida na anterior versão do Código Penal) não é uma qualquer conversa que recaia sobre temas sexuais, o que é “necessário e suficiente é que a conversa tenha uma natureza e uma intensidade pesada e baixamente sexuais, de tal modo que ela se revele instrumento idóneo para prejudicar um livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade da criança na esfera sexual” Comentário Conimbricense ao Código Penal, vol I, pág. 544..
A situação em apreço, sem grandes desenvolvimentos, enquadra-se nesta previsão legal: as conversas relativas à masturbação, os termos e contextos íntimos bem como os sentimentos que provocava e ainda a solicitação das fotografias nuas enquadradas com as carícias atingem um ponto de intensidade que preenche o cometimento do crime em apreço.
Cremos que, também neste pormenor, são acertados os juízos formulados. Por um lado, não têm natureza pornográfica as fotografias em causa, como vimos já, e por outro, esta concreta conduta não pode ser destacada do conjunto dos demais factos, globalmente integradores do crime de abuso sexual, nos termos analisados no acórdão.
A conotação sexual e até pornográfica dessa conduta complexa do arguido, pois que estava em causa a excitação sexual (27), conversação acerca do tema masturbação (40 a 42), etc.
Também aqui não ocorre violação da norma do artº 8º da CRP ou das obrigações derivadas para o Estado português das normas de direito internacional.
A terceira questão suscitada pelo MP prende-se com a reformulação do cúmulo jurídico, pressupondo a procedência das duas anteriores; ora, tendo nós concluído pelo seu não provimento, mostra-se prejudicada a análise desta última, que pretendia o agravamento da pena única de prisão e, dada a sua medida, a sua efectividade.
No seu recurso, o arguido A1 começa por afirmar que a factualidade assente em 58 a 60 não possui a gravidade e a intensidade intrínsecas necessárias à censura penal. Não negando a ocorrência do beijo na boca, afirma que o circunstancialismo que o envolveu lhe retira o cariz sexual.
A tal propósito, foi dito na decisão recorrida:
«Descendo do ensinamento do Tribunal da Relação de Coimbra para a situação, encontramos, na factualidade provada, duas situações susceptíveis de integrar actos sexuais de relevo, quais sejam as dos factos 54 a 57 (na marquise da casa de --- em que arguido leva a menor M3 a lhe tocar no pénis erecto – que correspondem aos factos 37 a 40 da acusação) e dos factos 58 a 60 (no pavilhão, quando o arguido beija a M3 nos lábios – que correspondem aos factos 41 a 43 da acusação).»
O tribunal deu como provado que tal conduta do arguido ocorreu quando se encontravam sozinhos no pavilhão. Pretende ele que a circunstância de se encontrarem num local público retira ao beijo o seu cariz sexual; ensaia, a propósito uma tímida impugnação factual que se prende com a circunstância de se encontrarem sozinhos na ocasião (como é a sua versão) ou na eminência de entrarem outras pessoas no pavilhão, as quais se encontrariam nos balneários (versão da M3). Convoca também ao caso as declarações da ofendida, perante a PJ, segundo as quais ela terá afirmado que “nesse beijo apenas tocamos com os lábios um no outro, sem língua e de forma superficial”. Estas declarações, só serão atendidas na medida em que hajam sido produzidas ou examinadas em audiência (artº 355º, 1, CPP).
No caso, para fundamentar as sua convicção probatória, a propósito deste ponto factual, o acórdão foi explícito ao dizer que o arguido afirmou que «no início do treino não houve qualquer beijo na boca apenas admite que possa ter tocado nos lábios quando deu os dois beijos de cumprimento, nega a intenção de seduzir e aliciar a M3 para a prática de actos sexuais» mas que «a atitude confessória do arguido A1 acaba por deixar algumas “lacunas” que são preenchidas pelas declarações da menor M3, nomeadamente no que respeita a ter tocado no pénis na casa de --- e ao beijo no pavilhão em Setembro. O arguido nega estes factos mas o tribunal, confiando na menor M3 não ficou com qualquer dúvida acerca da ocorrência dos mesmos.
M3, em declarações para memória futura, falou de como conheceu o arguido e a filha ---, deslocava-se para os treinos na carrinha conduzida por ele, trocaram números de telefone, teve relação sentimental “com este senhor”, ele chamava “---”, contava pormenores da vida sexual intima dele, ao telefone e pessoalmente, como se masturbar, sms a perguntar se já tinha experimentado essa sensação, pediu fotografias, tirava fotos com o telemóvel, passava para uma pen e depois entregava-lhe nos treinos, algumas nua; foi com a --- para a casa de ---, em Junho/Julho durante quatro dias, relatou a “situação íntima” entre os dois na varanda/marquise: ele estava de calções, tirou o pénis para fora, mostrou o pénis, estava excitado, pediu para tocar, ela tocou e depois ele abraçou quando estavam abraçados ele já não tinha o pénis de fora; quando ela ia para a marquise ele ia lá ter; acerca das fotografias esclarece que enviou algumas em que estava completamente nua, enviou por e-mail e depois ele pediu para não enviar por e-mail mas para entregar na pen que era mais seguro, quando devolvia a pen ele já tinha apagado; mandou-lhe uma foto nua a tapar os seios com o cabelo e a zona genital com a mão depois ele pediu para não tapar, foi uma das primeiras fotos que lhe mandou; estava com ele nos treinos três dias por semana e depois nos jogos aos fins-de-semana; perante a actuação e mensagens entendia/sentia que havia uma relação amorosa, ele chegou a dizer através de sms que era o amor da vida dele e que a ia fazer feliz, nos sms dizia que a agrava de maneira diferente das outras; estava apaixonada por ele; acerca dos orgasmos ele contou-lhe, por mensagens, como tinha acontecido com ele no primeiro orgasmo; quando ele perguntava por sms se lhe estava a “apetecer” e se já tinha “tratado de ti” queria saber se já se tinha masturbado; diz que no treino de basquete no pavilhão em Setembro de 2012, ele beijou-a nos lábios enquanto estavam a pôr as tabelas; os pais e as famílias eram próximos e ficavam a dormir em casa uma da outra; em férias para além daqueles quatro dias também foram para uma casa deles em Trás-os-Montes em que a --- também foi e ele tirou fotografias numa praia fluvial em casa mas nessa altura não aconteceu nada; ele mandava apagar as sms; relatou como o pai teve conhecimento das mensagens e depois falou com o arguido por telefone; sente que foi ingénua de mais e que acreditou em palavras, ficou “um bocado” nervosa e chorosa mas depois passou; ele nunca foi violento e também nunca fez nada contra a sua vontade; esclarece que no dia da marquise estava mais gente em casa: a esposa na cozinha, a ---- a lavar os dentes, o --- também estava na casa de banho e a M11 na cozinha; a marquise tinha ligação à sala.
O depoimento da menor M3 mostrou-se coerente, sereno e firme e enquadra-se na avaliação psicológica de fls 455 a 457 quanto à credibilidade do testemunho: “para além de possuir um funcionamento cognitivo global superior, não revelou propensão para confabular, não se mostrou demasiado imaginativa, não recorre a fantasias, nem se mostrou sugestionável, pelo que do ponto de vista psicológico, é de aceitar a credibilidade do seu discurso”.
Em resumo: as declarações da menor mostram-se coerentes e com “ausência de incredibilidade subjectiva” derivada do relacionamento com o arguido e, apesar da mágoa e repulsa, sem indícios de ressentimento ou inimizade; com verosimilhança: o testemunho tem certas corroborações periféricas de carácter objectivo (que o próprio arguido admite) que o dotam de aptidão probatória, nomeadamente a veracidade do contexto em que os contactos poderiam ter ocorrido (na marquise e no pavilhão)
Daqui retirou o tribunal a conclusão de que o beijo aconteceu quando se encontravam sozinhos e que o arguido a abraçou e beijou na boca e que com este seu comportamento, o arguido pretendia seduzir a menor.
Que o beijo foi na boca, resulta do depoimento da M3, negado, sem grande consistência, pelo arguido; que se encontravam sozinhos na ocasião, resulta igualmente do depoimento dela.
Por isso mesmo, e sem necessidade de mais larga indagação, deve improceder a impugnação factual que a tal propósito formula o recorrente.
O tribunal, no uso do seu poder de livre apreciação, entendeu dar credibilidade ao depoimento da ofendida, prestada nas circunstâncias referidas no acórdão, negado, de forma pouco convincente pelo e não na sua totalidade, pelas declarações do arguido.
Pretende, o recorrente, na sequência, que ocorre violação da garantia constitucional de favorecimento do arguido em caso de dúvida acerca dos factos.
A operação de fixação da factualidade, resultante da prova produzida em julgamento, tem natureza complexa e nela se cruzam uma série de considerações que se prendem, por um lado, com o confronto crítico das provas, umas concordantes entre si, outras discordantes, e por outro, na sua conjugação com as regras da experiência, da normalidade do acontecer, tudo coado pelo bom senso, que é o senso comum, que deve presidir à análise lógica traduzida no raciocínio efectuado. E tudo deve ser transparente, por todos perceptível, como o é a fundamentação fáctica levada ao acórdão ora impugnada.
Dispõe o artº 127º do CPP que «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente
Consagrando esta norma o princípio da livre apreciação da prova, devemos todavia acrescentar que o poder/dever que daí resulta não é arbitrário mas, antes, vinculado a um fim que é o do processo penal, ou seja, a descoberta da verdade. Por isso, mostrando-se devidamente fundamentado, o exercício desse princípio torna-se inalterável, desde que se mostre apoiado na prova produzida e não demonstre raciocínios inadmissíveis, ilógicos ou contraditórios, face às regras da experiência comum, da normalidade e do bom senso, que é o senso comum. Por outro lado, é sabido que o processo de formação da convicção do tribunal é complexo e dinâmico, já que nele intervêm simultaneamente a consideração da globalidade das provas produzidas e validadas em audiência, num ambiente de imediação e de oralidade, as regras da experiência e do senso comum, da normalidade do acontecer… de modo a procurar retratar e plasmar um ‘retalho da realidade’.
O juízo crítico final – que o acórdão bem descreve em termos de fundamentação - resultou do confronto entre os diversos meios de prova produzidos e bem assim da valoração intrínseca que, de acordo com as regras processuais aplicáveis e com aquele poder de livre apreciação, o tribunal entendeu ser o que decorria de um processo racional e lógico de formação da convicção, no qual tiveram interferência cambiantes de normalidade, razoabilidade e de senso comum. E não se vislumbra que a conclusão do silogismo judiciário haja sido tirada ao arrepio dessas regras e bem assim do artº 127º, do CPP.
A incerteza probatória invocada pelo recorrente parece não ocorrer. Com efeito, o princípio processual penal e constitucional do ‘in dubio pro reo’ tem como finalidade a salvaguarda dos direitos do arguido relativamente ao qual não existe prova suficiente de ser ele o autor dos factos acusados ou, de, pelo menos, estes não terem acontecido daquele concreto modo; no nosso caso, as provas produzidas, porque sustentadas, conjugadas com as regras da experiência e do senso comum apontam, da forma que atrás delineamos, para a não ocorrência de dúvida acerca do concreto modo como se sucederam os factos e, mesmo da sua efectiva ocorrência. Não se trata de relevar uma ou outra prova, isoladamente considerada, mas, antes pelo contrário, de conjugar entre si diversas provas objectivas e objectivadas como sejam os depoimentos do arguido, das testemunhas e da assistente.
O acórdão é claro na afirmação da sua fundamentação.
Só decidindo do modo como decidiu se mostrará respeitado o princípio constitucional da presunção de inocência, de que aquele princípio de análise da prova é uma manifestação (artº 32º, 2, CRP), já que foi feita prova convincente, para além de qualquer dúvida razoável, de que o arguido foi o autor dos factos, com a configuração ôntica e temporal referida no aresto.
Por isso, o decidido não merece qualquer censura, também sob esta perspectiva.
Aliás, na sua motivação o recorrente não põe propriamente em causa a ocorrência do beijo em questão (admitindo que possa ter tocado com os seus nos lábios da menor) mas isso sim a integração deste facto na previsão típica criminal, ao pretender que esse beijo não pode ser qualificado como acto sexual de relevo. Por isso se deve concluir que a impugnação factual que efectua não se prende com o facto em si mas antes com circunstâncias do mesmo, irrelevantes para efeitos de tipificação.

No que se refere à integração criminal desta conduta, foi ela feita na previsão do artº 171º, 1, do CP.
Concluiu o tribunal recorrido nos seguintes termos:
Como salienta o Tribunal da Relação de Coimbra acórdão de 02.04.2014, relatado pelo Senhor Desembargador Belmiro Andrade, no processo 347/08.8JACBR, que, com a devida vénia, seguiremos literalmente; disponível em www.dgsi.pt., a interpretação do sentido do tipo apenas se satisfaz mediante uma perspectivação teleológica do âmbito de aplicação dos seus elementos típicos normativos, no respeito do “padrão de adequação social” da respectiva conduta, apurando se o facto submetido a juízo satisfaz o “limiar mínimo” de ofensa do bem jurídico tutelado pela norma, verificando se, em concreto, se mostra preenchida a ofensividade abstracta do bem jurídico suposta no tipo de crime. Num juízo de causalidade adequada sobre a ofensa, pela conduta, do quadro abstracto suposto pela norma, perspectivada no seu enquadramento histórico e na sua inserção sistemática na unidade da ordem jurídica e na confluência dos princípios superiores de natureza constitucional.
A solução terá de se alcançar por uma via que aponta para a “descoberta” (hoc sensu a ”criação”) de uma solução justa do caso concreto e simultaneamente adequada ao (ou comportável pelo) sistema jurídico-penal. O que supõe a “penetração axiológica” do problema jurídico-penal, a qual tem que ser feita por apelo ou com referência teleológica a finalidades valorativas e ordenadoras de natureza político-criminal, numa palavra, a valorações político-criminais imanentes ao sistema – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 27..
O bem jurídico tutelado incide na protecção da sexualidade durante a infância e começo da adolescência e na preservação de um adequado desenvolvimento sexual nestas fases de crescimento. Só mediatamente se pode dizer que se protege a liberdade e autodeterminação sexual até porque naquelas idades a capacidade de avaliação e autodeterminação está ainda em fase de formação e desenvolvimento, sofrendo, em tal caso, traumas irreparáveis nesse processo.
O conceito de “acto sexual de relevo” não constava da versão originária do Código Penal – que consagrava antes (cfr. o então artigo 205º) o conceito de “atentado ao pudor”.
Conceito definido como “um acto que viola, em levado grau, os sentimentos gerais da moralidade sexual”.
Na perspectiva de erradicar dos crimes de natureza sexual qualquer conceito com conotação de dogmatismo moral, tido por arcaico, os crime de natureza sexual passaram a ser erigidos exclusivamente sobre os valores da liberdade e da dignidade humana, na vertente da liberdade de auto-determinação.
O Capítulo V do C. Penal prevê agora, precisamente, os “crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”. O que, quando estão em causa menores, cujo desenvolvimento físico, intelectual e moral está em fase de formação, equivale ao direito ao desenvolvimento são e sem constrangimentos da sua personalidade, aqui na vertente da sexualidade.
Devendo partir-se da perspectiva objectiva, importa atender à multiplicidade de formas que a sexualidade pode revelar, ao enquadramento cultural / modo de vivência da sexualidade nesta fase de crescimento dos ofendidos, analisando todas as circunstâncias do caso e / ou conhecidas do agente, numa perspectiva de adequação do caso concreto ao juízo valorativo suposto no tipo de crime. Para concluir não só sobre a objectividade da ofensa do bem jurídico tutelado, atingindo do patamar de dignidade penal, da representação do agente e do efeito do acto sobre a vítima, no sentido de apurar se o acto foi conotado sexualmente e como ofensivo dos bens jurídicos tutelados.
A acção, além da sua conotação sexual (acto sexual) deverá ser suficientemente relevante (de relevo) para ofender o livre desenvolvimento sexual da criança
As considerações relativas ao antecedente histórico permitem estabelecer, desde logo, que não se trata de “acto sexual” estricto sensu. Aliás, quando é o caso, o legislador, di-lo com clareza utilizando termos como cópula, coito, introdução, masturbação, constantes dos múltiplos tipos legais de crimes inseridos no mesmo capítulo.
Na busca do sentido do tipo (acto sexual de relevo) surge assim como relevante: - o antecedente histórico, atentado ao pudor; - como argumento sistemático, por contraposição, os restantes conceitos mais restritivos utilizados pelo legislador na definição dos múltiplos tipos de crime previstos no mesmo Capítulo V; - o apelo à teoria da causalidade adequada – que preside á construção de todo o tipo de crimes, conforme consagrado no art. 10º: “acção adequada” a produzir o resultado típico.
Afigura-se-nos que a integração criminal se encontra perfeitamente efectuada, bastando atentar em que as circunstâncias do facto e aquelas que o rodearam denotam que o beijo concreto, na boca e acompanhado de um abraço, constitui acto sexual de relevo. Não se trata de um anódino beijo de cumprimento (que na nossa cultura não é dado na boca) mas sim de um beijo típico de namorados que, por isso, tem um certo cariz sexual. Recorde-se que dos factos provados resulta que o arguido classificava a sua relação com a menor como sendo de namoro, levou-a a entregar-lhe fotografias exibindo o seu corpo nu, lhe mostrou o pénis e a levou a tocar-lhe quando se encontrava erecto, etc.
A doutrina do ac. do STJ, proferido no processo 05P2442, invocada pelo arguido/recorrente não tem aplicação ao caso pois que são diferentes as circunstâncias do nosso caso concreto e as referidas nesse aresto. Aí se diz que «… o mero beijo (ainda que na boca) desacompanhado de quaisquer outros pormenores, entendemos não revestir, por si só, a relevância necessária ao preenchimento do tipo», o que não é o nosso caso em que esse beijo é circunstanciado pelo abraço que o acompanhou e pela relação de ‘namoro’ que o arguido verbalizava à ofendida.
Deste enquadramento, conjugado com as características do beijo em causa, somos levados a concluir estar perante acto sexual de relevo praticado com a menor, pois que prejudica o «direito ao desenvolvimento são e sem constrangimentos da sua personalidade, aqui na vertente da sexualidade».
Por isso, também nesta perspectiva, nada a censurar.

Prossegue o arguido pretendendo que os factos provados em 75 a 80, mais propriamente 77 a 80 sejam eliminados da factualidade provada; para tanto alega, entre o mais, que as imagens em causa são equívocas quanto ao facto de se reportarem a menores e que desconhece quem tenha feito tais downloads.
A factualidade em causa teve como fundamento explícito no acórdão os seguintes elementos de prova que seguem:
- auto de busca e apreensão de fls 176 (em 29.11.2012: habitação do arguido A1 em ---, tendo sido apreendidos um telemóvel, treze cartões de memória, um disco rígido “Maxtor”, este no vão de escada de acesso ao 3º piso da casa), (…);
(…)
- relatório de exame forense realizado pelo G.I.F. da U.T.I. da Polícia Judiciária, de fls 291 a 300, relativo a diversos suportes (…); ficheiros conotados e reportados internacionalmente como ficheiros identificados por crimes de pornografia infantil, com várias fotos a fls 300;
- relatório de exame forense n.º 106/2012 (anexo I) – G.I.F. – Unidade de Telecomunicações e Informática da Polícia Judiciária, com termo de juntada a fls 239/240.
Destes elementos, que foram alvo de discussão contraditória no decurso da audiência de julgamento, resulta que o disco rígido no qual se encontravam guardados os ficheiros em causa se encontrava na posse do arguido e que nesses ficheiros guardava imagens de menores obtidas em poses pornográficas, em práticas sexuais diversas e explícitas, com adultos e entre si, obtidos através de downloads de sítios da internet de pornografia infantil.
Ora, resultando tais elementos probatórios de apreensão e de exames periciais efectuados, o resultado das perícias não pode ser posto em causa sem mais, face ao que dispõe o artº 163º, 1, do CPP, que atribui ao juízo pericial um valor probatório tarifado, ao presumir que ele se encontra subtraído ao poder de livre apreciação do julgador e ao exigir a este um especial dever de fundamentação sempre que dele divirja. (nº 2)

Quanto à integração da previsão típica do artº 176º, 5, do CP ela é óbvia: o arguido detinha na sua posse suportes de ficheiros de imagens contendo menores em práticas que se podem qualificar de pornográficas.
Atente-se na fundamentação que, a propósito do crime de pornografia de menores foi usada no acórdão recorrido:
O artº 176 do CP refere-se a menor, pelo que se reporta a todos os menores e não só a menores de 14 anos, em sintonia com a Convenção sobre o Cibercrime adoptada em Budapeste em 23.11.2001 aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 88/2009 ratificada por Decreto do Presidente da República nº 91/2009 (in DR 1ª Série de 15-09-2009) em que no seu artº 9 são definidas como menores pessoas com menos de 18 anos de idade.
No mesmo artº 9 faz-se referência às infracções relacionadas com pornografia infantil e recomenda-se aos Estados subscritores que:
“1. Cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para estabelecer como infracção penal, em conformidade com o seu direito interno, as seguintes condutas, quando cometidas de forma intencional e ilegítima:
a) Produzir pornografia infantil com o objectivo da sua difusão através de um sistema informático;
b) Oferecer ou disponibilizar pornografia infantil através de um sistema informático;
c) Difundir ou transmitir pornografia infantil através de um sistema informático;
d) Obter pornografia infantil através de um sistema informático para si próprio ou para terceiros;
e) Possuir pornografia infantil num sistema informático ou num meio de armazenamento de dados informáticos.
2. Para efeitos do n.º 1, a expressão “pornografia infantil” inclui qualquer material pornográfico que represente visualmente:
a) Um menor envolvido num comportamento sexualmente explícito;
b) Uma pessoa que aparente ser menor envolvida num comportamento sexualmente explícito;
c) Imagens realísticas que representem um menor envolvido num comportamento sexualmente explícito.”
Em 25 de Maio de 2000 a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou o Protocolo Facultativo para a Convenção sobre os direitos da criança, que trata da venda de crianças, prostituição e pornografia infantis.
Os Estados Partes no presente Protocolo, inquietos com a crescente disponibilidade de pornografia infantil na Internet e outros novos meios tecnológicos e recordando a Conferência Internacional sobre o Combate à Pornografia Infantil na Internet (Viena 1999) e em particular as suas conclusões que apelam à criminalização mundial da produção, distribuição, exportação, transmissão, importação, posse intencional e publicidade da pornografia infantil, e sublinhando a importância de uma cooperação e parceria mais estreitas entre os Governos e a indústria da Internet, acordam em proibir a pornografia infantil.
No artº 2 al c) do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança dizem que “pornografia infantil significa qualquer representação por qualquer meio de uma criança no desempenho de actividades sexuais explícitas (sublinhado nosso) reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins predominantemente sexuais”. - Ac RE de 25.10.2016 disponível in dgsi procº 562/11.7TASSB.E1 cuja orientação nos guiou.
(…)
Por outro lado, temos os factos a que respeitam os números 75 a 80 relativos ao material que foi encontrado no disco rígido “Maxtor” onde o arguido tinha fotografias de menores em “poses pornográficas” exibindo o corpo nu, designadamente a zona genital e os seios, em práticas sexuais diversas e explícitas com adultos e entre si, obtidos através de downloads de sítios da internet, os quais eram detidos pelo arguido para satisfação dos seus instintos libidinosos.
Estes factos correspondem ao cometimento do imputado crime de pornografia de menores, previsto no nº 4, do artigo 176º.
Por isso, também neste pormenor, improcede o recurso do arguido.

Como última questão suscitada por este temos que põe em causa a medida das penas, quer as parcelares quer a única, que enformou o cúmulo jurídico.
A operação de determinação da medida das penas aplicadas a este arguido foi objecto da seguinte fundamentação:
Arguido A1.
A determinação concreta da pena deve valorizar as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, militem a favor do arguido ou contra ele; assim, impõe-se ponderar:
- grau de ilicitude do facto: elevado, atendendo ao bem jurídico cuja tutela a pena visa assegurar que é a autodeterminação sexual e a reserva da vida privada;
- modo de execução do crime: os locais onde ocorreram os crimes: quanto à M3: na marquise da própria casa do arguido e no pavilhão de treinos; quanto à devassa da vida privada: na sua casa e nos balneários do pavilhão e da piscina; o período de tempo ---vários meses quanto à menor M3 e cerca de dois meses quanto às piscinas municipais de --- ao longo dos qual os comportamentos se desenvolveram e o número de vezes;
- gravidade das consequências: perturbação da menor e as marcas de tristeza e de angústia deixadas nas ofendidas bem como insegurança relativamente às situações desenvolvidas;
- grau de violação dos deveres impostos ao agente: elevado, tendo em conta que aproveitou as relações familiares e de confiança da M3 e bem assim quanto às atletas;
- intensidade do dolo: grau mais elevado – dolo directo – artigo 14º, nº 1, representação do facto e actuação com intenção de o realizar;
- sentimentos manifestados no cometimento do crime: desprezo completo pela sensibilidade e pudor da M3, acrescido do egoísmo da satisfação dos seus próprios instintos libidinosos e bem assim da reserva e pudor das pessoas que filmou;
- fins ou motivos que o determinaram: satisfação sexual própria menosprezando os sentimentos alheios, embora os problemas do voyerismo e o stress tenham influência;
- condições pessoais do agente e situação económica: vive com a esposa e os filhos, está sem ocupação e vivem do rendimento da esposa, tiveram acentuada diminuição do estatuto económica por ter ficado sem auferir vencimento;
- conduta anterior aos factos: sem antecedentes criminais;
- conduta posterior aos factos: arrependimento e esforço de recuperação procurando tratamento.
Definindo, a partir deste quadro, a importância da justa retribuição do ilícito e da culpa, bem como as necessidades da prevenção especial e, depois, da prevenção geral (confirmação da ordem jurídica), chamando a ponderação entre a gravidade da culpa expressa no facto e a gravidade da pena com a graduação da importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa), levando em conta a atenuação decorrente do stress e da “situação doentia” em que o arguido se encontrava, o tribunal entende que o arguido A1 deve ser condenado nas seguintes penas:
1- quanto aos dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1, do Código Penal correspondente ao toque no pénis na marquise de --- e ao beijo no pavilhão: nas penas de um ano e nove meses de prisão e um ano e seis meses de prisão, respectivamente, resultando a distinção do próprio contexto em que os factos ocorreram, sendo que no primeiro caso é mais grave tendo em conta que foi na própria casa do arguido, próximo da esposa e dos filhos, estando a menor consigo em resultado do convite da filha e da confiança existente entre as famílias;
2- quanto ao crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigoº 171º, nº 3, alínea b) do Código Penal, (factos 19 a 53) na pena de um ano e três meses de prisão tendo em conta o conteúdo das conversas, as solicitações e a “pressão” exercida sobre a menor M3, bem como as fotografias e as carícias e bem assim o tempo que durou tal actuação;
3- um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176º, n.º 4, Código Penal, (“ficheiros guardados no computador”) na pena de três meses de prisão, atendendo ao número de ficheiros e à circunstância de os mesmos não se mostrarem acedidos em tempos recentes;
4- seis crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192º, n.º 1, al. b) do Código Penal, (ofendidas M4, M5, M6, M7, M8 e M9) nas penas de sete meses de prisão cada um, face à gravidade decorrente de se tratar de uma situação em que o grupo estava num campo de férias, no âmbito da actividade do --- de que era treinador e responsável;
5- três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigoº 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M10, M11 e M12), nas penas de sete meses de prisão cada um, no mesmo contexto do anterior com a diferença, irrelevante para este efeito, de se tratarem de pessoas adultas;
6- co-autoria material, três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigoº 192º, nº 1, alínea b) do Código Penal (ofendidas M13, M14 e M15), nas penas de seis meses de prisão cada um, em relação aos anteriores considera-se a diferença resultante de não existir a situação de responsabilidade pela organização e de confiança instalada.

(…)
Cúmulo jurídico
(…)
No caso concreto do arguido A1, trata-se de criminalidade grave e com consequências nefastas tendo em conta os bens jurídicos em causa, o elevado numero de situações e a envolvência temporal e a dispersão de locais de actuação, por outro há que ter em conta a atenuação decorrente das circunstâncias especificas em que o mesmo se encontrava; por isso, na concretização da pena única deve acrescer à parcelar mais grave uma parcela mediana da outra pena parcelar.
A soma das penas do arguido A1 é de onze anos e seis meses de prisão (1 A 9 M + 1 A 6 M + 1 A 3 M + 3 M + 7 M +7 M +7 M +7 M +7 M +7 M + 7 M +7 M +7 M + 6 M + 6 M + 6 M), sendo a pena mais elevada de um ano e nove meses.
Considerando essa moldura, a situação concreta deste arguido, nomeadamente a ausência de antecedentes criminais, o contexto das actuações em causa, as circunstâncias supra referidas, a personalidade do arguido revelada no arrependimento e na busca de tratamento com interiorização da gravidade dos seus comportamentos e bem assim a amplitude temporal da sua actuação, o arguido A1 deve ser condenado na pena única de quatro anos e seis meses de prisão.
Na determinação da medida das penas a aplicar ao agente são atendidas todas as circunstâncias que a favor dele deponham ou contra ele militem, designadamente as necessidades de repressão deste tipo de crimes, com nefastas consequências para a saúde mental e a formação dos nossos jovens, e as premências de retribuição da conduta, em termos de prevenção especial.
E se é verdade que essas razões são prementes, até tendo em vista o fim de protecção da organização da nossa sociedade e do seu ordenamento legal, não podemos olvidar que, em todos os casos, as penas (tipo e medida) deverão sempre ser encontradas tendo em atenção o princípio da culpa, de retribuição.
O tribunal recorrido escalpelizou devidamente todas as circunstâncias a atender para o efeito.
É neste exercício dialéctico de deve e haver entre as circunstâncias que favorecem o arguidos e aquelas que o prejudicam, ou seja, da respectiva conjugação, e atenta a moldura penal aplicável, que há-de resultar a pena concreta a fixar (artº 71º, CP).
Vem agora o arguido questionar a medida da pena aplicada ao crime de abuso sexual de criança (factos passados na marquise de ---) que foi fixada em 1 ano e 9 meses de prisão.
Ora, atentas todas as circunstâncias atrás relevadas e ainda que a moldura abstracta se estende de 1 a 8 anos cremos que a medida encontrada, a pecar, é por defeito, nunca por excesso.
Não procedem as razões invocadas de que não ficaram demonstradas consequências negativas para a M3, o que parecer dar a entender que o comportamento em causa é anódino, insignificante, quando praticado por um homem de mais de 40 anos perante uma criança de 13 anos de idade!
Pretende ver também reduzida a pena que lhe foi aplicada pela prática de um crime de abuso sexual relativamente à menor M3, que referencia como tendo consistido em ‘escritos’.
No entanto, em nome do rigor, cumpre corrigir tal afirmação pois o que está em causa, como aliás resulta expressamente do acórdão, não são meros escritos mas antes a factualidade provada em 19 a 53, que se refere ao «conteúdo das conversas, as solicitações e a “pressão” exercida sobre a menor M3, bem como as fotografias e as carícias».
Ora, face à multiplicidade da sua natureza, extensão e gravidade de tais factos, e bem assim do período temporal por que perduraram, cremos ser ajustada uma pena concreta de 1 ano e 3 meses numa moldura penal que se estendia até aos 3 anos de prisão.

Põe também em causa a pena fixada para os crimes de devassa da vida privada.
Pretende que deve ser aplicada a alternativa pena de multa relativamente aos crimes da Piscina da ---.
Quanto a tais crimes (factos 5 a 18) é de considerar que do modo descrito, e com a colaboração da co-arguida, durante dois meses, duas vezes por semana, o recorrente obteve imagens de mulheres e crianças nuas, entre outras, três mulheres, desnudadas e em roupa interior, sendo visíveis os seios e os órgãos sexuais das mesmas.
Condenou-o numa pena de 6 meses de prisão por cada um dos crimes, sendo que a moldura penal respectiva é de prisão até 1 ano ou multa até 240 dias (artº 192º, 1, b), CP).
Pretende o arguido que exista alguma correspondência entre a sua situação e a da co-arguida, condenada em pena de multa. Todavia, as suas situações subjectivas não são idênticas, sendo reforçados o dolo e a culpa relativamente ao arguido, pois que era este quem se mostrava animado por um propósito de satisfazer os seus desejos e instintos sexuais sendo que a co-arguida, quando com ele se envolveu afectivamente se mostrava emocionalmente fragilizada e com problemas de saúde o que denota alguma dependência relativamente a ele, traduzida até na sua actividade acessória na execução do crime.
Assim sendo, mostra-se ajustada a opção pela alternativa pena de prisão relativamente ao recorrente, já que a pena de multa, só por si, não é susceptível de «realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». (artº 70º, CP)
Cremos que o historial que decorre dos factos provados, com múltiplos actos praticados pelo arguido, com reiteração prolongada no tempo, demonstra a insuficiência da pena de multa.
Dessa resenha factual resulta que as exigências de prevenção especial relativamente ao recorrente [quer na sua vertente de recuperação, quer de repressão] são prementes já que a sua situação pessoal descrita não fez aumentar os níveis de auto-censura, como lhe era exigível e exigido, não se coibindo ela de, não obstante isso, levar a cabo as suas condutas.
Tal determina, por si só, e como efeito imediato, uma manifesta incapacidade da pena alternativa de multa para influenciar a conduta do recorrente, reconduzindo-a á via da legalidade.
Por isso, será de manter a condenação em pena de prisão relativamente a tais crimes.
Põe o arguido igualmente em causa as penas de 7 meses de prisão fixadas para os restantes crimes da mesma natureza.
Como vimos já, a moldura penal estende-se de 1 mês a 1 ano de prisão. Dado o modo como os crimes foram praticados (de forma sub-reptícia, em alguns casos visando menores e visando a satisfação da sua lascívia), cremos serem ajustadas as penas fixadas, que, apesar de tudo se encontram fixadas em medida próxima do eixo médio da moldura.
Como última questão, temos a medida da pena única encontrada para o cúmulo jurídico.
Na operação de concretização da pena única que há-de caber ao concurso de crimes, deverá proceder-se a uma análise dinâmica dos factos e da personalidade do agente, a uma simbiose dessas circunstâncias:
- a situação temporal dos factos a atender (sua concentração temporal, sua dispersão temporal, seu carácter ocasional ou pluriocasional);
- a sua gravidade relativa e sua relacionação («conjunção típica em identidade de natureza, permitindo apreender a dimensão global da ilicitude»);
- a personalidade do agente, retratada no modo do surgir dos factos ilícitos, nas suas circunstâncias e na sua reiteração e os seus antecedentes criminais, o que tudo pode indiciar uma personalidade atreita à prática de delitos criminais ou de um determinado grupo dos mesmos, ou a uma personalidade deformada sem o necessário juízo crítico de auto-censura;
- pois que será da conjugação desses factos e circunstâncias que se há-de apurar o grau de culpa do agente e a pena única que a há-de retribuir.
No nosso caso temos que os crimes, a que corresponderam as penas parcelares foram praticados em múltiplas ocasiões, num período temporal que se estendeu entre alturas do mês de Julho de 2011 e Novembro de 2012.
Considerando todas essas circunstâncias, e tendo em conta que a pena única há-de ser balizada por um mínimo de 1 ano e 9 meses (pena parcelar mais elevada) e um máximo de 11 anos e 6 meses de prisão (soma material de todas as penas cumuladas), cremos que a pena única, concretizada no acórdão recorrido, de 4 anos e 6 meses de prisão se mostra correctamente doseada, não se mostrando exagerada, como pretende o recorrente. Mostra-se a adequada à gravidade dos factos e à personalidade do agente.

Termos em que, na improcedência de cada um dos recursos, se acorda nesta Relação em confirmar o douto acórdão recorrido.

Custas pelo arguido A1, com taxa de justiça fixada em 5 UC’s.

Coimbra, 24 de Abril de 2018

Jorge França (relator)

Alcina da Costa Ribeiro (adjunta)