Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
360/14.6TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PATRIMÓNIOS ENTRE CÔNJUGES
CRÉDITO DE COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 11/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 1792º CCIV.
Sumário: I – Na vigência da relação matrimonial os cônjuges tornam-se devedores entre si, através da transferência de valores entre os patrimónios – o património comum e os dois patrimónios próprios. Nestes casos surge o chamado “crédito de compensação“ a favor do cônjuge que pagou a mais que a sua parte sobre o outro, mas cuja exigibilidade a lei difere para a partilha.

II - Não existe erro na forma de processo se a Autora, em acção declarativa, com forma de processo comum, reclama do Réu um “crédito de compensação”, alegando que já efectuaram partilha extrajudicial que só posteriormente teve conhecimento da existência do crédito sobre o Réu, e que este o nega, sendo litigioso.

III - A Lei nº 61/2008 de 31/10 (que aprovou o novo regime do divórcio) alterou a redacção do art.1792º do CC, acabando com a chamada “teoria da fragilidade da garantia”, pelo que a violação dos deveres conjugais pode implicar uma situação de responsabilidade civil extracontratual reforçando a actual norma que o cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro, nos termos gerais da responsabilidade civil.

IV - Não constitui abuso de direito o facto de a Autora, após o divórcio por mútuo consentimento, reclamar judicialmente uma indemnização do Réu (ex marido), por danos não patrimoniais, em virtude deste haver mantido uma relação extraconjugal, mas que a Autora só veio a tomar conhecimento depois do divórcio.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

            1.1.- A Autora – A… – instaurou na Comarca de Castelo Branco acção declarativa, com forma de processo comum, contra o Réu – M...

            Alegou, em resumo:

            Autora e Réu contraíram entre si casamento em 2 de Julho de 1994, do casamento nasceram três filhos, mas divorciaram-se por mútuo consentimento em 13 de Agosto de 2013 na Conservatória do Registo Civil de Castelo Branco.

            Em Setembro de 2014 a Autora foi informada que o Réu tinha outra filha, M…, nascida em 2005, cuja existência manteve escondida.

            O Réu nos anos de 2012 e 2013 transferiu de uma conta conjunta com a Autora um valor mensal para a filha, sem consentimento prévio, sendo que metade (estimada em € 20.000,00) era pertencente à Autora.

            Por outro lado, na constância do casamento, o Réu manteve relações extraconjugais, violando os deveres de respeito e fidelidade, e a Autora sente-se humilhada

            Pediu a condenação do Réu a pagar:

            Metade do valor que se vier a apurar ter sido retirado dos rendimentos do casal para ser pago a M… e sua mãe;

            A quantia de € 1.300,00 a título de danos não patrimoniais pela violação dos deveres conjugais de fidelidade e respeito.

            O Réu contestou defendendo-se, em síntese:

            A Autora soube a existência da filha do Réu em finais de 2008, princípios de 2009.

            A conta conjunta foi aprovisionada somente com o produto do trabalho do Réu, e a Autora tinha conhecimento das transferências, e aquando do divórcio compensou a Autora.

            Uma vez que ambos se divorciaram por mútuo consentimento não há lugar a qualquer indemnização.

            Concluiu pela improcedência da acção e em reconvenção pediu a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 5.766,99, a crescida de juros de mora.

            A Autora replicou

            1.2.- Realizada audiência prévia, no saneador decidiu-se:

            Não admitir o pedido reconvencional;

            Absolver o Réu da instância quanto ao 1º primeiro pedido;

            Absolver o Réu do 2º pedido.

            1.3.- Inconformada, a Autora recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

1) Os créditos entre cônjuges pela utilização de bens comuns do casal para pagamento de uma pensão de alimentos da responsabilidade exclusiva de um deles, não têm de ser obrigatoriamente discutidos em processo de inventário, nada impedindo o recurso aos meios comuns ainda para  mais  quando o crédito é  ainda ilíquido e litigioso.

3) Apesar de o artigo 1697 nº2 do CC estatuir que “Sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham respondido bens comuns, é a respectiva importância levada a crédito do património comum no momento da partilha”, isso implica obviamente que o crédito seja conhecido no momento da partilha – que não era – e da lei não resulta a preclusão da possibilidade de o mesmo ser peticionado nos meios comuns.

4) Ao decidir que o crédito pelos valores ainda ilíquidos que o cônjuge marido pagou – utilizando bens comuns do casal – a título de pensão de alimentos a uma filha menor nascida fora do casamento, na constância deste, só pode ser peticionado em processo de inventário, a decisão recorrida violou os artigos 193º do CPC e 1697 do CC

5) Atento o actual regime do divórcio e uma vez que a culpa (pressuposto da responsabilidade civil) deixou de ser discutida é absolutamente indiferente para poder peticionar a indemnização a que alude o artigo 1792 do Código Civil,  que o divórcio tenha ocorrido com ou sem consentimento.

6) É na acção de responsabilidade civil que se vai discutir se há, ou não, um “cônjuge lesado” para efeitos do disposto no artigo 1792 do Código Civil.

7) Ao decidir em sentido contrário a decisão recorrida violou aquele artigo 1792 e o artigo 8.º da Lei 61/2008 que revogou o 1787 do Código Civil, que obrigava à declaração da culpa no divórcio.

Não foram apresentadas contra-alegações.


II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1.- O pedido de condenação do Réu a pagar metade do valor que se vier a apurar ter sido retirado dos rendimentos do casal para ser pago a M… e sua mãe e o erro na forma do processo.

            A sentença declarou a nulidade por erro na forma de processo, insanável, porque o alegado crédito só pode apurar-se na partilha, em processo de inventário, que é o adequado.

            A Apelante sustenta que não obstante o disposto no art.1697 nº2 CC remeter para o “momento da partilha”, tal não é impeditivo de o reclamar nos meios comuns.

A adequação do meio processual não depende do mérito, mas da pretensão deduzida, tal como a configura a Autora.

As relações patrimoniais entre os cônjuges cessam com a dissolução do casamento, designadamente através do divórcio (art.1788 e 1795-A do CC), produzindo-se, neste caso, os seus efeitos entre eles a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, retroagindo-se à data da propositura da acção (arts.1688 e 1789 nº1 do CC).

Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal ( art.1689 do CC ), e sendo esta judicial, através do processo especial de inventário, actualmente regulado pela Lei nº 23/2013 de 5/3.

Na partilha, cada cônjuge receberá os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, conferindo previamente o que dever a este património.

Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes (art.1689 nº2 do CC). Não havendo património comum suficiente para o pagamento das dívidas comunicáveis, poderão estas ser pagas pelo produto dos bens próprios de cada um dos cônjuges, consoante o regime de bens (art.1695 do CC).

Na liquidação do passivo entram ainda as dívidas dos cônjuges entre si, as quais são pagas pela meação do cônjuge devedor no património comum, mas na ausência ou insuficiência de bens comuns respondem os bens próprios de cada um deles (art.1689 nº3 do CC).

Sobre as compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal, o art.1697 nº1 do CC prevê o caso de os bens de um dos cônjuges terem respondido por dívidas da responsabilidade comum para além do que lhe competia, e o nº2 a situação em que por dívidas de um dos cônjuges tenham respondido bens comuns.

Na vigência da relação matrimonial os cônjuges tornam-se devedores entre si, através da transferência de valores entre os patrimónios – o património comum e os dois patrimónios próprios. Nestes casos, surge o chamado “ crédito de compensação “ a favor do cônjuge que pagou a mais que a sua parte sobre o outro, mas cuja exigibilidade a lei difere para a partilha.

A razão de ser deste diferimento prende-se essencialmente com o propósito de se evitarem desentendimentos ou perturbações conjugais e a exigibilidade imediata implicaria atribuir ao cônjuge credor um meio fácil (a ameaça de cobrança) de tutelar economicamente a actividade do cônjuge devedor, como justificou Braga da Cruz no seu anteprojecto (Capacidade Patrimonial dos Cônjuges, BMJ nº69, pág.413 e segs.), ou noutra perspectiva, a não exigibilidade imediata radica na própria natureza jurídica da comunhão (Cristina Dias, “Das Compensações pelo pagamento das dívidas do casal”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.1º, 2004, pág.323).

Por outro lado, compreende-se a opção legislativa no sentido do crédito de compensação incidir, não sobre o património comum, mas sobre o outro cônjuge (devedor), pois de outra forma haveria o risco do cônjuge credor não lograr o pagamento se não houvesse pura e simplesmente património comum ou se este fosse insuficiente.

A Autora, alegando que para pagamento de uma dívida ( de alimentos ) da exclusiva responsabilidade do Réu, este utilizou dinheiro de uma conta conjunta com rendimentos pertencentes ao património comum do casal, reclama o pagamento de metade do valor que se liquidar posteriormente.

Como foram pagas dívidas próprias com bens comuns, tem directa aplicação do disposto no art.1697 nº2 CC, pelo que estamos perante um “crédito de compensação, com exigibilidade diferida para o momento da partilha”.

Não é uniforme o entendimento de que os “créditos de compensação” devem ser relacionados no processo de inventário.

Para Lopes Cardoso, tais créditos não podem ser relacionados no inventário, apesar de serem considerados no momento da partilha (Partilhas Judiciais, vol. III, 3ª ed., pág.391 e 392).

Outra posição é no sentido de que os créditos devem ser discutidos em processo de inventário subsequente ao divórcio por ser o adequado para conhecer dos “créditos de compensação” ( cf., por ex. Ac RL de 21/2/2002 ( CJ ano XXVII, I, pág.111), Ac RG de 17/1/2013 ( proc. nº 456/06), Ac RC de 12/3/2013 ( proc. nº 797/08), disponíveis em www dgsi.pt ).

Na situação dos autos, comprova-se que as partes, em 30/12/2013, já efectuaram, por acordo, a partilha, embora sem contemplar este crédito, que se revela litigioso.

A Autora alegou que só posteriormente teve conhecimento da existência do crédito sobre o Réu.

A razão de ser do diferimento da exigibilidade do crédito para o momento da partilha (perturbação do casamento) deixou aqui de verificar-se, sendo que a Autora (credora) alega a superveniência subjectiva do crédito.

Por outro lado, segundo o disposto nos arts.32, 37 e segs. da Lei nº 23/2013 de 5/3, sendo negada a dívida em processo de inventário e não aprovada por acordo, os interessados mantêm o direito de exigir o pagamento pelos meios comuns.

Verifica-se até, pela posição assumida nos articulados, que o crédito reclamado se apresenta litigioso, tanto mais que o Réu sem negar a transferência, alega na contestação que a Autora teve conhecimento dessas movimentações e, por isso, consentiu tacitamente, para além de haver sido compensada na partilha, pois foi favorecida economicamente.

Neste contexto, tendo em conta a pretensão da Autora e a natureza do crédito, a posição assumida pelas partes, e as razões de economia processual, o conhecimento superveniente do crédito, o processo comum apresenta-se adequado.

2.2.- O pedido de indemnização por danos não patrimoniais e o abuso de direito

A Autora fundamenta o pedido de indemnização por danos não patrimoniais no instituto da responsabilidade civil extracontratual (arts.1792 nº1 e 483 e segs. CC).

Para o efeito, alegou que, tendo-se divorciado por mútuo consentimento em 13/8/2013, só mais tarde, no início de 2014 tomou conhecimento de que o Réu manteve secretamente um relacionamento extraconjugal, tendo uma filha de nome M…, nascida em 18/6/2005, situação que configura violação dos deveres de respeito e fidelidade, por se sentir humilhada e de que a sua vida matrimonial foi uma “farsa”.

O Réu opôs-se dizendo que a Autora já sabia muito antes do divórcio por mútuo consentimento da existência da filha do Réu e ao anuir naquela modalidade do divórcio “desresponsabilizou o Réu de qualquer indemnização”.

            A sentença rejeitou a pretensão indemnizatória, absolvendo o Réu do pedido, com fundamento no abuso de direito, por conduta contraditória.

O art.1972 nº1 (redacção do DL nº 496/77 de 25/11) CC dispunha - “ O cônjuge declarado único ou principal culpado (…) deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento”.

É consensual o entendimento de que esta norma postula apenas a indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, ou seja, pelo próprio divórcio, cujo pedido deve ser formulado na respectiva acção de divórcio (art.1972 nº2 CC), e já não a indemnização devida nos termos gerais (art.483 e segs. CC) baseada nos fundamentos do divórcio, a reclamar em acção comum. E, nesta dimensão normativa, foi julgada conforme a Constituição (cf. Ac nº 118/2001 do TC de 29/3/2001 (DR II de 24/4/2001)).Esta perspectiva do dano, assim caracterizado, como “o ruir de um projecto de vida” a que o divórcio põe fim (cf., por ex., Ac STJ de 3/11/2005 (proc. nº 04BAA05), em www dgsi.pt ) arranca da ratio legis da norma, por influência do direito francês.

A norma positivada no art.1792 CC traduzia a chamada “teoria da fragilidade da garantia”, segundo a qual pelo facto de os deveres conjugais serem imbuídos de uma natureza própria, tal impediria uma indemnização pelo seu incumprimento. Mas esta concepção vinha sendo posta em causa, argumentando-se que aos deveres conjugais correspondem direitos subjectivos cuja lesão pode provocar danos ( cf., por ex., Heinricsh Horster, “ A Respeito da Responsabilidade Civil dos Cônjuges entre Si”, Scientia Juridica, 1995, nº253, pág. 115 )

A Lei nº 61/2008 de 31/10 (que aprovou o novo regime do divórcio) alterou a redacção do art.1792 do CC e deixou de prever expressamente a possibilidade de o cônjuge (inocente) pedir indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução, ressalvando os casos em que o divórcio tenha por fundamento a al. b) do art.1781 CC (alteração das faculdades mentais), remetendo agora para o regime geral da responsabilidade civil ( art.483 e segs. CC ), embora se divirja quanto à sua amplitude ( cf., por ex., Pamplona Corte-Real, Direito da Família, 2ª ed., 2011, pág. 17 e segs.).

            A teoria da fragilidade da garantia foi, por isso, postergada, pelo que a violação dos deveres conjugais pode implicar uma situação de responsabilidade civil extracontratual e daí que o art.1792 nº1 CC reforce que o cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro, nos termos gerais da responsabilidade civil, ou seja, na cláusula geral do art.483 do CC.

            Uma acção com estes contornos pressupõe a comprovação dos pressupostos típicos da responsabilidade civil, importando, desde logo indagar da violação ilícita dos direitos de outrem, máxime dos direitos de personalidade, e dos danos.

            Não está em causa, por conseguinte, as implicações da violação dos factos que consubstanciam os deveres conjugais na perspectiva da cessação do casamento, ou como fundamento do divórcio, mas como elementos da responsabilidade civil delitual.

            Por isso, o divórcio por mútuo consentimento que as partes escolheram para dissolver o casamento não retira à Autora interesse em agir, enquanto pressuposto processual que consiste na necessidade de tutela judiciária, e também não significa, sem mais, uma renúncia tácita ao direito de indemnização por danos não patrimoniais, agora reclamados.

            Vejamos o tópico do abuso de direito.

Como é sabido, o abuso de direito (art.334 CC),  na variante do “venire contra factum proprium”, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, ao pressupor duas atitudes antagónicas, sendo a primeira (o factum proprium) contrariada pela segunda atitude, com manifesta violação dos deveres de lealdade e dos limites impostos pelo princípio da boa fé.

            O Prof. Baptista Machado (Obra Dispersa, vol.I, pág.415 a 419), depois de afirmar que a ideia imanente na proibição do venire contra factum proprium é a do “dolus praesens“, pelo que é sobre a conduta presente que incide a valoração negativa, sendo a conduta anterior apenas o ponto de referência, para se ajuizar da legitimidade da conduta actual, enuncia três pressupostos que caracterizam o instituto: uma situação objectiva de confiança (uma conduta de alguém entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura), o investimento na confiança (o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte , com base na situação de confiança criada, toma disposição ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a confiança legítima vier a ser frustrada), e boa fé da contraparte que confiou. No mesmo sentido, Paulo Mota Pinto, “Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório”, BFDUC, Volume Comemorativo, 2003, pág.269 e segs., com referências doutrinárias e jurisprudenciais.

Ora, para haver conduta contraditória seria necessário, antes de mais, a comprovação de que a Autora, ao optar pelo divórcio por mútuo consentimento, já soubesse da relação extraconjugal do Réu e do nascimento da filha, em plena vigência do casamento, o que manifestamente não é o caso, pois tal facto revela-se controvertido, face à posição assumida pelas partes, designadamente à alegação da superveniência subjectiva, logo o estado do processo não legitimava o tribunal a conhecer imediatamente do mérito da causa (art.595 nº1 b) CPC).

            2.3.- Síntese Conclusiva

i)Na vigência da relação matrimonial os cônjuges tornam-se devedores entre si, através da transferência de valores entre os patrimónios – o património comum e os dois patrimónios próprios. Nestes casos, surge o chamado “crédito de compensação“ a favor do cônjuge que pagou a mais que a sua parte sobre o outro, mas cuja exigibilidade a lei difere para a partilha.

            ii) Não existe erro na forma de processo se a Autora, em acção declarativa, com forma de processo comum, reclama do Réu um “crédito de compensação”, alegando que já efectuaram partilha extrajudicial que só posteriormente teve conhecimento da existência do crédito sobre o Réu, e que este o nega, sendo litigioso.

iii)A Lei nº 61/2008 de 31/10 (que aprovou o novo regime do divórcio) alterou a redacção do art.1792 do CC , acabando com a chamada “teoria da fragilidade da garantia”, pelo que a violação dos deveres conjugais pode implicar uma situação de responsabilidade civil extracontratual reforçando a actual norma que o cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro, nos termos gerais da responsabilidade civil.

            iv)Não constitui abuso de direito o facto de a Autora, após o divórcio por mútuo consentimento, reclamar judicialmente uma indemnização do Réu (ex marido), por danos não patrimoniais, em virtude deste haver mantido uma relação extraconjugal, mas que a Autora só veio a tomar conhecimento depois do divórcio.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida.

2)

            Condenar nas custas a parte vencida a final.

            Coimbra, 10 de Novembro de 2015.


( Jorge Arcanjo )

( Manuel Capelo )

( Falcão de Magalhães )