Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1490/16.5T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA.
SUBSCRIÇÃO DE OBRIGAÇÕES PELOS CLIENTES.
DEVER DO BANCO DE PRESTAR ESCLARECIMENTOS AOS CLIENTES
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMÉRCIO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 7.º (SOBRE QUALIDADE DA INFORMAÇÃO RESPEITANTE A INSTRUMENTOS FINANCEIROS), 312.º (SOBRE DEVERES DE INFORMAÇÃO DOS INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS) E 314.º (SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL DOS INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS POR VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE INFORMAÇÃO), TODOS DO CVM; 798.º E 799.º, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário:
I - O Banco que promove a subscrição de obrigações emitidas por outra sociedade junto de clientes que não possuem qualificação ou formação técnica que lhes permita conhecer integralmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos expliquem devidamente, tem o dever de prestar aos interessados na aquisição de tais valores mobiliários todas as informações e explicações necessárias para que eles tomem uma posição informada e esclarecida sobre a compra das obrigações, designadamente tem o dever de lhes explicar o que são obrigações, de os informar sobre a entidade que as emite e sobre a relação dela com o Banco e o dever de os informar sobre o risco das obrigações, esclarecendo-os que, em caso de insolvência da sociedade emitente das obrigações, eles, interessados, correm o risco de não serem reembolsados do capital que aplicaram nas obrigações.
II - Como instituição de crédito, está sujeita às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações - impunha às instituições de crédito, designadamente ao critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia actuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.
III - Como intermediário financeiro está sujeito aos deveres de informação prescritos pelo Código de Valores Mobiliários [versão que estava em vigor em Fevereiro de 2007, data da aquisição das obrigações, ou seja o Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelos Decretos-Leis n.ºs 61/2002, de 20 de Março, 38/2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho e 66/2004, de 24 de Março, pelo Decreto-lei n.º 52/2006, de 15 de Março e pelo Decreto-Lei n.º 219/2006, de 2 de Novembro].
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
F... e esposa M..., residentes na rua ..., propuseram a presente acção declarativa com processo comum contra Banco B..., pedindo:
1. A condenação do réu a pagar-lhes a quantia de 115.000,00 euros, a título de capital e juros vencidos e garantidos até data da propositura da acção, bem como os juros vincendos desde a citação até ao integral e efectivo pagamento;
2. Caso assim se não entendesse, se declarasse nulo qualquer eventual contrato de adesão que o réu invocasse para ter aplicado os 100.000,00 euros, que os autores lhe entregaram, em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004;
3. Se declarasse ineficaz, em relação aos autores, a aplicação que o réu tenha feito desses montantes;
4. A condenação do réu a restituir-lhes 115.000 euros, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento;
5. A condenação do réu no pagamento de 5.000,00 euros, a título de dano não patrimonial.
Os fundamentos da acção foram, em resumo, os seguintes:
a) Em Outubro de 2004, o gerente da agência do réu, na Guarda, disse ao autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo ... e com rentabilidade assegurada;
b) O funcionário da agência sabia que os autores não possuíam qualificação ou formação técnica que lhes permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que isso lhes fosse devidamente explicado;
c) O seu dinheiro – €100.000,00 – viria a ser colocado em obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que os autores soubessem em concreto o que era e desconhecendo que a SLN era uma empresa;
d) O que motivou a aplicação do dinheiro foi o facto de o gerente da agência do … da Guarda lhes ter dito que o capital era garantido pelo Banco réu, com juros semestrais, que poderiam levantar o capital e os respectivos juros quando o assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de 3 dias;
e) O autor convenceu-se de que estava a aplicar o dinheiro numa aplicação segura, com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco;
f) Se o autor soubesse que estava a dar uma ordem de compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2004, produto de risco e que o capital não era garantido pelo ..., jamais o teria feito;
g) O gerente da agência do ... não explicou ao autor o que eram obrigações;
h) Os autores pretenderam levantar o seu dinheiro na data de vencimento contratada, no entanto, o réu não lhes disponibilizou tal quantia e também não tem cumprido o pagamento dos juros acordados;
i) Com a sua acção, o réu causou danos patrimoniais aos autores.
O réu contestou, pedindo se julgasse improcedente a acção. Na sua defesa alegou a prescrição do direito dos autores; impugnou a versão dos factos exposta na petição, alegando, em resumo, que os autores subscreveram 2 obrigações SLN 2006, no dia 19 de Fevereiro de 2007 e sabiam perfeitamente qual o produto subscrito.
Os autores responderam. No que diz respeito à prescrição alegaram, em resumo, que não era aplicável o prazo de prescrição de dois anos do n.º 2 do artigo 324.º do CVM; que mesmo que assim se não entendesse devia considerar-se interrompido o prazo de prescrição com o reconhecimento do direito por parte do réu; e por fim que os autores apenas tiveram conhecimento dos exactos termos e condições do produto adquirido em 2015.
O processo prosseguiu os seus termos e após a audiência final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu:
1. Julgar improcedente a alegação de prescrição;
2. Condenar o réu a pagar aos autores a quantia de cem mil euros [100.000,00 euros] de capital, acrescida dos juros vencidos e garantidos vertidos nas obrigações provadas em 2 dos factos provados, descontando os juros já recebidos, no montante final que vier a ser liquidado, bem como no pagamento dos juros vincendos sobre aquele capital, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
3. Condenar o réu a pagar aos autores a quantia de três mil euros [€3.000,00], a título de compensação por danos não patrimoniais.
O réu não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão recorrida e a absolvição dele do pedido.
Os fundamentos do recurso, mais bem desenvolvidos à frente, consistiram, em resumo:
1. Na impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
2. Na imputação à sentença da violação dos artigos 607.º, n.º 4 e 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, artigos 7.º, 290.º, n.º 1, alínea a), 304.º-A e 312.º a 314.º-D, 323.º-D e 327.º, todos do Código de Valores Mobiliários, da Directiva 2004/39/CE, e 483.º e seguintes, 628.º e 798.º e seguintes do Código Civil.
Os autores responderam. Na resposta alegaram, em resumo:
1. Que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto era de rejeitar;
2. Que era de rejeitar o recurso por ter sido interposto fora de prazo;
3. Que caso assim se não entendesse era de julgar improcedente o recurso.
Depois de o processo ter sido colocado em tabela para julgamento, o autor juntou aos autos dois pareceres, um subscrito pelo Senhor Professor Doutor António Pinto Monteiro e outro subscrito pelo Senhor Professor Doutor António Menezes Cordeiro.
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Questões suscitadas pelo recurso
Como se vê pela exposição efectuada, o recurso suscita questões de facto e de direito.
Em sede de facto, trata-se de saber se o tribunal a quo errou na decisão relativa à matéria de facto e se é de modificar a decisão impugnada no sentido pretendido pelo recorrente.
Em sede de direito, trata-se de saber:
1. Se a decisão relativa à matéria de facto padece das nulidades que lhe foram apontas pelo recorrente;
2. Se a sentença sob recurso violou as normas indicadas pelo recorrente.
Por sua vez, a resposta ao recurso suscita a questão da rejeição do recurso versando sobre a matéria de facto e a questão da rejeição do recurso por ter sido interposto fora de prazo.
Estas questões foram decididas pelo ora relator no despacho liminar. A ambas foi dada resposta negativa.
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Posto isto, entremos na resolução das questões suscitadas pelo recurso. Comecemos pelas questões relativas à decisão da matéria de facto. Dentro delas apreciemos, em primeiro lugar, a nulidade da decisão relativa à matéria de facto.
Nulidade da decisão relativa à matéria de facto
O recorrente aponta duas causas de nulidade à decisão relativa à matéria de facto.
Em primeiro lugar, acusa-a de ser nula com a alegação de que ela não procedeu ao exame crítico das provas, como prescreve o n.º 4 do artigo 607.º do CPC.
Em segundo lugar, acusa-a de incorrer na nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, com a alegação de que há contradição entre os factos provados e a motivação apresentada para sustentar a decisão de os julgar provados.
A pretensão do recorrente de ver declarada nula a decisão relativa à matéria de facto não tem amparo em nenhuma das normas que invocou.
Em primeiro lugar não tem amparo no n.º 4 do artigo 607.º do CPC – a norma onde está previsto o dever de o juiz analisar criticamente as provas produzidas – a alegação de que a violação deste dever é sancionada com a nulidade da decisão relativa à matéria de facto.
Se o juiz declarar quais os factos provados e quais os não provados sem analisar criticamente as provas, estaremos perante uma decisão que não está devidamente fundamentada. Este vício corrige-se - e ainda assim desde que a decisão indevidamente fundamentada recaia sobre algum facto essencial para o julgamento da causa – determinando-se ao tribunal a quo que fundamente devidamente a decisão. É o que resulta da alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC.
Em segundo lugar, não tem amparo na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC a alegação de que, havendo contradição entre a decisão de facto e a respectiva motivação, a sanção é a da nulidade da decisão de facto.
A contradição prevista na 1.ª parte da norma acima indicada - e que constitui causa de nulidade da sentença - é a contradição entre os fundamentos de facto e/ou direito e a decisão final, isto é, entre a fundamentação e a parte dispositiva da sentença. Fora do alcance da norma estão os casos de contradição entre a motivação da decisão de facto e a própria decisão de facto.
Se a motivação da decisão de facto apontar num sentido e a decisão de facto for em sentido contrário, pode ter lugar a anulação da decisão proferida na 1.ª instância ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, na parte em que dispõe que “A relação deve ainda, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida em 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto”.
No caso – ainda que a decisão de facto padecesse das deficiências que lhe foram apontadas - não se justificaria a remessa do processo ao tribunal de 1.ª instância para fundamentar devidamente a decisão nem a anulação da decisão proferida em 1.ª instância. É que tal só se justificaria se o recorrente, pretendendo impugnar a decisão relativa á matéria de facto, alegasse a impossibilidade de o fazer em virtude de a decisão padecer de tais vícios. Não foi o que sucedeu. Nem alegada falta de exame crítico das provas, nem a alegada contradição entre factos provados e respectiva motivação, impediram o recorrente de impugnar a decisão relativa à matéria de facto e de expor as razões da sua discordância. Assim, cabe a este tribunal apreciar tal impugnação e proferir decisão sobre as questões de facto controvertidas em conformidade com a convicção que tiver formado com base na prova produzida.
Pelo exposto, indefere-se a arguição de nulidade da decisão relativa à matéria de facto.
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Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
...
Apreciação do tribunal
O julgamento da matéria de facto traduz-se quase sempre numa reconstituição do passado. No caso, trata-se de reconstituir as circunstâncias em que o autor aplicou 100.000 euros em obrigações da SLN denominadas SLN Rendimento Mais 2004.
A reconstituição fiel do que se passou não é fácil.
Em primeiro lugar porque é escassa a prova documental relativa à aquisição das obrigações. Os únicos documentos que podem ser relacionados com tal aquisição são o de fls. 74 e o extracto da conta à ordem dos autores cuja cópia está junta de fls. 21 v.º a 25.
...
Destes meios de prova resulta, assim, que as obrigações SLN eram apresentadas como uma aplicação semelhante a um depósito a prazo, como um produto seguro, como um produto sem risco e em que o capital aplicado estava garantido, não corria riscos.
E resulta também destes mesmos meios de prova que era a direcção do Banco quem dava directrizes para que tais obrigações fossem descritas e apresentadas com as características acima mencionadas. Foi o que afirmou expressamente a testemunha ... e é o que resulta da mensagem de correio electrónico datada de 9 de Julho de 2009. Não acreditámos, assim, na testemunha ..., quando querendo afastar a responsabilidade da direcção do Banco, disse que “o conteúdo do referido correio electrónico era da sua autoria”.
Há indícios de que o autor soube que aplicou dinheiro num produto que, embora tivesse características semelhantes às das de um depósito a prazo, não era um depósito a prazo.
Esta convicção apoia-se, em primeiro lugar, no facto de o autor ter subscrito o documento que está junto a fls. 74 no qual o produto onde o autor aplicou o dinheiro é designado por “... SLN Rendimento Mais 2004”. Trata-se de uma designação que não se confunde com a de um depósito a prazo.
Ainda que não tenha sido o autor a preencher tal documento, a verdade é que o assinou. Apesar de, quando confrontado com ele, tenha dito que, para ele, o documento era “novo”, não encontramos razões para degradar o significado da assinatura do autor em tal documento, dizendo que ele não compreendeu o que estava a assinar e que estava convencido – como disse nas suas declarações - que aplicou o dinheiro num depósito a prazo. Não podemos ignorar que, instado sobre a sua profissão, o autor disse que era “comerciante” há vários anos, o que faz presumir conhecimentos e experiência suficientes para saber que o produto em causa não era um depósito a prazo. Como não podemos ignorar, olhando para o extracto da conta, que não era a primeira vez que o autor estava a aplicar dinheiro num produto diferente de um depósito a prazo.
E a nossa convicção apoia-se nos próprios documentos que o autor juntou (fls. 8 e 9) onde as obrigações aparecem tratadas como produtos idênticos a depósitos a prazo e não como depósitos a prazo.
De resto, se o autor estivesse convencido de que aplicou o dinheiro num depósito a prazo – como disse e repetiu em audiência -, não deixaria de ter dúvidas sobre a sua convicção quando recebeu o extracto bancário com o débito de 100 000 euros na compra do produto em causa ou quando recebeu o extracto com o registo do pagamento dos juros. É que em nenhum de tais documentos figura a designação de depósito prazo. E se na realidade só quisesse aplicar o dinheiro num depósito a prazo, depois de receber os extractos, não deixaria de questionar o funcionário da agência sobre o produto onde efectivamente tinha aplicado o dinheiro. A verdade é que não há o mais ténue indício de que o autor tenha feito tal questionamento.
A nossa convicção é, pois, a de que o autor sabia que estava a aplicar o dinheiro num produto que tinha o nome de “obrigações”, a quem fora dito que, embora não sendo um depósito a prazo, era idêntico a um depósito a prazo.
Do que não há indícios credíveis é da veracidade da alegação dos autores segundo a qual ... (funcionário do ...) disse ao autor que o reembolso do capital era garantido pelo ....
Esses indícios não se colhem no depoimento do autor, que repetiu ao longo do seu depoimento que tinha aplicado o se dinheiro num depósito a prazo.
...
A nossa convicção é, pois, a de que o funcionário do ... não explicou concretamente ao autor o que eram obrigações, nem explicou ao autor qual a relação entre a SLN e o ....
E a nossa convicção é ainda a de que os autores ficaram convencidos o produto onde aplicaram o dinheiro era um produto do .... Basta atentar no seguinte. A comunicação de fls. 74 foi feita em papel timbrado do ...; a designação dada ao produto em tal documento é a de “... SLN Rendimento Mais 2004”; o negócio da compra das obrigações foi tratado com um funcionário do ...; o dinheiro da aplicação saiu de uma conta que os autores tinham no ..., era do ... que recebiam os juros e a correspondência relativa à aplicação do dinheiro.
Daí que seja de manter a decisão de julgar não provado que os autores conheceram desde logo que haviam subscrito obrigações SLN.
Quanto à questão de saber qual teria sido a decisão do autor se lhe tivesse sido explicado que o dinheiro era para ser investido em obrigações da SLN e que o capital não era garantido pelo ..., a nossa convicção era a de que o autor aplicaria o dinheiro na mesma. Vejamos.
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Quanto à questão de saber se os autores desconheciam que tinham adquirido uma aplicação com diferentes características das de um depósito a prazo, pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido, assiste razão à recorrente ao alegar que se trata de matéria conclusiva.
Por todo o exposto altera-se a decisão de facto no seguinte sentido:
Pontos números 2, 6, 18, 34, 39 e 46.48:
O gerente da agência do ... contactou o autor, no sentido de este adquirir Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, dizendo-lhe que se tratava de uma aplicação com características semelhantes às das de um depósito a prazo, com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
Na sequência do referido atrás, o gerente da agência da Guarda do ... preencheu o documento cuja cópia está junta a fls. 74, colheu a assinatura do autor e, cumprindo a solicitação do autor constante de tal documento, adquiriu obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no valor de 100.000,00 euros, em Fevereiro de 2007, sem que os autores soubessem, em concreto, o que eram obrigações.
Ponto n.º 5.º: não provado.
Ponto n.º 7.º: Provado que o que motivou o autor a autorizar a aquisição das obrigações foi o facto de lhe ter sido dito pelo funcionário da agência do ... que o capital era garantido, com juros semestrais também garantidos.
Ponto n.º 8: Provado que o autor adquiriu as obrigações convencido de que estava a colocar o dinheiro numa aplicação segura, com características semelhantes às das de um depósito a prazo, e num produto do ....
Ponto n.º 9.º: Não provado.
Ponto n.º 10: Provado que nunca foi intenção dos autores investirem em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionário do réu, e os autores sempre estiveram convencidos que o réu lhes restituiria o capital e os juros.
Ponto n.º 11: Provado que o funcionário do ... assegurou ao autor que a aplicação em causa tinha segurança idêntica à da de um depósito a prazo.
Ponto n.º 12.º: Provado que o autor ficou convencido da segurança do produto em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos.
Ponto n.º 13.º: Provado que, agora, o réu atribuiu a responsabilidade pelo pagamento a SLN.
Ponto n.º 14.º: Não provado.
Ponto n.º 15.º: Não provado.
Ponto n.º 17: O réu era depositário de €100.000, 00, que mantém aplicados em obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
Ponto n.º 20.º: Não provado.
Ponto n.º 21.º: Não provado.
Ponto n.º 22.º: Não provado.
Ponto n.º 24.º: Não provado.
Ponto n.º 25.º. Não provado.
Ponto n.º 26.º Provado que a direcção comercial do ... veiculava, o que os funcionários da rede de balcões do Banco repetiam junto dos seus clientes, como aconteceu com o autor, que se tratava de um investimento seguro, com garantia do reembolso do capital investido e juros.
Ponto n.º 27.º: Provado que as orientações existentes no ... e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em casa.
Ponto n.º 28.º Provado que o ... pretendia que os seus funcionários transmitissem a ideia de que ao produto em causa não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.
Ponto n.º 29.º: Provado que os autores, por lhes não ter sido restituído o dinheiro aplicado, ficaram impedidos de o usar como entendessem.
Pontos n.ºs 31, 32 e 33: Provado que, ao não restituir o dinheiro aplicado, o réu causou aos autores preocupação e ansiedade e receio de não reaverem o dinheiro.
Ponto n.º 35: Não provado.
Alínea j): Provado que eram do conhecimento dos autores extractos periódicos onde todas as suas aplicações financeiras apareciam discriminadas e separadas de acordo com a sua natureza.
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Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos:
...
Descritos os factos, passemos à resolução das restantes questões suscitadas pelo recurso.
Previamente importa dizer que, apesar de nem os autores o terem afirmado na petição nem o Meritíssimo juiz o ter dito na sentença, é isento de dúvida que o réu é demandado na presente acção na sua condição de sucessor das obrigações do ..., a entidade que adquiriu em nome do autor o produto financeiro em causa nos autos.
Embora os factos relativos a esta sucessão não tenham sido alegados, constitui um facto notório que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2011, de 1 de Setembro, publicada no Diário da República, 1.ª série — N.º 171 — 6 de Setembro de 2011 procedeu à adjudicação da proposta apresentada pelo Banco B... Português, S. A., sociedade anónima de direito português, no âmbito do procedimento de venda directa lançado para alienação da totalidade das acções representativas do capital social do ..., e que, em 30 de Março de 2012 foi efectuada a assinatura do contrato de compra e venda das acções.
Apesar de este tribunal desconhecer as cláusulas do contrato de compra e venda das acções, a verdade é que o réu não põe em causa na presente acção a sucessão nas obrigações do ....
Feita esta observação, entremos na apreciação das questões suscitadas pelo recurso.
Como se escreveu acima, em sede de direito, o recorrente imputou à decisão recorrida a interpretação e aplicação incorrecta dos artigos 607.º, n.º 4 e 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, artigos 7.º, 290.º, n.º 1, alínea a), 304.º-A e 312.º a 314.º-D, 323.º-D e 327.º, todos do Código de Valores Mobiliários, da Directiva 2004/39/CE, e dos artigos 483.º e seguintes, 628.º e 798.º e seguintes, todos do Código Civil.
Já nos pronunciámos sobre a alegada violação do n.º 4 do artigo 607.º do CPC e da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º, ambos do CPC.
Sobre a alegada interpretação incorrecta dos restantes preceitos, cabe dizer o seguinte.
Em primeiro lugar, alguns deles não foram aplicados pela decisão recorrida nem têm relação com as questões suscitadas pelo recorrente. É o que acontece:
1. Com o artigo 313.º do Código de Valores Mobiliários, que diz respeito a questão dos benefícios ilegítimos do intermediário financeiro;
2. Com o 323.º-D do mesmo diploma, que diz respeito a particularidades relativas à execução de ordens de subscrição e de resgate;
3. Com o artigo 327.º do mesmo diploma, que diz respeito à forma das ordens para a realização de operações sobre instrumentos financeiros;
4. Com a Directiva 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, transposta para a ordem jurídica interna de Portugal pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, publicado em 31-10-2007 e cuja entrada em vigor para a generalidade das disposições ocorre em 1 de Novembro de 2007 (n.º 1 do artigo 21.º);
5. Com artigo 628.º do Código Civil, que diz respeito aos requisitos da fiança.
Em segundo lugar, não assiste razão ao recorrente quando acusa a sentença de ter violado a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. E não assiste porque o recorrente faz esta acusação com a alegação de que a sentença não fundamentou como devia a decisão dobre a matéria de facto, quando a falta de fundamentação que é considerada como causa de nulidade pela norma acima indicada é a falta de fundamentação (de facto/direito) da decisão final (referida na parte final do n.º 3 do artigo 607.º do CPC).
Em terceiro lugar, visto o recurso, não se alcança a razão pela qual o recorrente imputa à sentença a violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 290.º do Código dos Valores Mobiliários. Na verdade, este preceito, conjugado com o n.º 1 do artigo 289.º e com a alínea a) do n.º 1 do artigo 293.º, todos do mesmo diploma, foram invocados pela decisão sob recurso para afirmar que o ... interveio no negócio de aquisição das obrigações na posição de intermediário financeiro. Sucede que o recorrente não só não põe em causa a intervenção do ... no negócio na posição de intermediário financeiro, como entende que a actividade de intermediação financeira que desenvolveu foi a descrita na alínea a) do n.º 1 do artigo 290.º, como o atesta de modo expresso a seguinte passagem das alegações: “… no caso da recepção e transmissão de ordens (que é o negócio de intermediação financeira aqui em crise) …”.
Nesta matéria, a única diferente que notamos entre a sentença e o recorrente é seguinte. Enquanto o réu entendeu que a actividade de intermediação financeira consistiu na recepção e na transmissão de ordens por conta de outrem, a sentença foi do entendimento que estava em causa não apenas a recepção de ordens, mas também a execução de ordens por conta de outrem, isto é, a actividade de intermediação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 290.º do CVM, combinada com a alínea a) do n.º 1 do artigo 289.º do mesmo diploma.
A razão está do lado da sentença. Com efeito, provou-se que, depois de ter tido conhecimento da possibilidade de adquirir obrigações da SLN, o autor solicitou ao ... a aquisição do montante de 100.000,00 euros de obrigações denominadas SLN Rendimento Mais 2004, com data-valor de 17 de Janeiro de 2007. Apesar de os autos não documentarem a aquisição das obrigações pelo ..., em nome do autor, a matéria de facto provada não consente qualquer dúvida quanto a tal aquisição. De resto, o recorrente também a não questiona. E, assim, a sentença não merece qualquer censura na parte em que afirmou que o ... interveio no negócio de aquisição das obrigações em causa nos autos na posição de intermediário financeiro, executando a ordem de compra das obrigações dada pelo autor.
Cegados aqui cabe dizer que, das normas indicadas pelo recorrente, as que têm relação com as questões essenciais suscitadas no recurso são as dos artigos 7.º (sobre qualidade da informação respeitante a instrumentos financeiros), 312.º (sobre deveres de informação dos intermediários financeiros) e 314.º (sobre responsabilidade civil dos intermediários financeiros por violação dos deveres de informação), todos do CVM, 798.º e 799.º, ambos do Código Civil.
Na verdade, a divergência fundamental do recorrente em relação à sentença diz respeito à resposta que esta deu à questão de saber se o ... cumpriu, em relação ao autor, os deveres de informação que impendiam sobre si. Enquanto a sentença afirmou que os factos provados impunham a conclusão de que tais deveres não haviam sido cumpridos, o recorrente sustenta o contrário. Assim, em sede de direito, a questão essencial é a de saber se, ao decidir que o ... violou os deveres de informação, a sentença sob recurso decidiu correctamente.
O recorrente opõe-se à conclusão da sentença em matéria de violação dos deveres de informação com base na seguinte linha argumentativa:
1. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Banco e o comportamento efectivamente por ele assumido tem que ver com o facto de o tribunal considerar que a circunstância de o funcionário do ... ter assegurado ao autor que a aplicação financeira em causa era uma aplicação segura semelhante a um depósito a prazo, configurou a prestação de uma informação falsa;
2. O uso de tal expressão refere-se apenas à mecânica do funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido de rentabilidade;
3. Tal afirmação não significa qualquer espécie de “garantia absoluta de investimento” que não existe;
4. O investimento em obrigações era um investimento seguro e não em produto de risco;
5. À data da subscrição das obrigações o intermediário financeiro não tinha a obrigação de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro e mesmo actualmente, depois da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 357-A/2007, de 31-10, o intermediário financeiro não está obrigado a informar o investidor acerca do risco de insolvência do emitente ou do mero risco de não retorno do capital investido na data de maturidade do investimento ou sequer de analisar a robustez financeira do emitente;
6. A informação que devia ser prestada foi prestada como resulta da matéria de facto provada sob os números 36, 37, 39, 40, 46 (sic), 49;
7. O funcionário do Banco não estava impedido, em boa-fé, de acrescentar ao seu argumentário um juízo pessoal sobre a segurança do produto;
8. A recomendação do funcionário e o juízo de valor acerca da segurança do produto não constitui qualquer violação do dever de informação;
9. Quer o artigo 314.º do CVM, quer os artigos 798.º e 799.º, do Código Civil, estabelecem presunções de culpa dos devedores;
10. Cabia aos credores/autores alegar e provar a ilicitude que serve de esteio à sua pretensão;
11. Mesmo que se entendesse a existência de uma presunção de ilicitude, a presunção só poderá existir no caso de incumprimento dos deveres principais do contrato, e não já assim no caso de incumprimento dos deveres acessórios, como é o caso do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens;
12. E assim é necessário que o credor alegue e prove não só a existência desse dever acessório, como o se não cumprimento;
13. A violação do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens não implica qualquer presunção de ilicitude e portanto cabia ao autor alegar e provar que concretas informações é que o banco estava obrigado a dar-lhe e não lhe deu;
14. Tal matéria não consta da matéria de facto provada e por isso a acção tem de improceder;
15. O Banco não prestou qualquer informação falsa ou a utilização de qualquer artifício ou subterfúgio ardiloso que fosse apto a enganar o autor;
16. Quando muito houve da parte do autor um erro espontâneo, mas não um erro provocado, pelo que nenhuma censura há a fazer ao Banco e muito menos que a censura pode se reconduzida a um dolo ou culpa grave.
17. A conduta do funcionário apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência, a negligência inconsciente.
Pese embora o respeito que nos merece a alegação do recorrente, o recurso é de julgar improcedente.
Como se escreveu acima, o ... interveio na aquisição das obrigações em causa nos presentes autos na posição de intermediário financeiro. Esta posição não é, no entanto, a única a tomar em consideração para responder à questão da violação dos deveres de informação. Deve tomar-se em conta também a condição do autor como cliente da agência do ..., na Guarda, onde tinha uma conta à ordem, através da qual realizava pagamentos e outros movimentos financeiros, onde depositava as suas poupanças e de onde saiu o dinheiro para aplicar na compra das obrigações. De resto, foi certamente por o autor ser cliente da agência que um funcionário dela lhe deu a conhecer a possibilidade de adquirir o produto financeiro em causa nos presentes autos e que o negócio de aquisição se concretizou.
Daí que, na resposta à questão dos deveres de informação, o ... tenha de ser colocado na posição de intermediário e na de instituição de crédito.
Como instituição de crédito, estava sujeita às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações - impunha às instituições de crédito, designadamente ao critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia actuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.
Como intermediário financeiro estava sujeito aos deveres de informação prescritos pelo Código de Valores Mobiliários [versão que estava em vigor em Fevereiro de 2007, data da aquisição das obrigações, ou seja o Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelos Decretos-Leis n.ºs 61/2002, de 20 de Março, 38/2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho e 66/2004, de 24 de Março, pelo Decreto-lei n.º 52/2006, de 15 de Março e pelo Decreto-Lei n.º 219/2006, de 2 de Novembro].
E assim:
1. Por aplicação do n.º 1 do artigo 7.º, tinha o dever de prestar informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita sobre os valores mobiliários em causa (obrigações);
2. Por aplicação do n.º 1 do artigo 312.º tinha o dever de prestar ao autor todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada sobre a compra das obrigações, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
Como se vê, a bitola que servia de referência à avaliação do comportamento do ..., em matéria de deveres de informação, era muito exigente. Exigência acrescida pelo facto de ter sido um funcionário do Banco quem tomou a iniciativa de dar a conhecer ao autor a possibilidade de aquisição das obrigações e pelo facto de o funcionário saber que o autor não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente. Sobre esta última fonte de exigência, cabe dizer que ela radica no n.º 2 do artigo 312.º do CVM, onde se afirma que “a extensão e profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e experiência do cliente”.
O Banco tinha, assim, o dever de prestar ao autor todas as informações e explicações necessárias para que ele tomasse uma posição informada e esclarecida sobre a compra das obrigações, devendo tais informações ser completas, verdadeiras, actuais, claras, objectivas e lícitas. Concretamente tinha o dever de explicar ao autor o que eram obrigações, tinha o dever de o informar sobre a entidade que as emitia e sobre a relação dela com o ... e tinha ainda o dever de o informar sobre o risco das obrigações, informando-o designadamente que, em caso de insolvência da sociedade emitente das obrigações, ele, autor, corria o risco de não ser reembolsado do capital que aplicou nas obrigações. E a informação sobre este risco de incumprimento em caso de insolvência justificava-se pelo seguinte. Uma vez que o valor mobiliário em causa (obrigações) se caracterizava por conferir o direito ao reembolso do capital investido e aos juros acordados, o único facto que poderia pôr em causa tal direito era a insolvência do devedor, ou seja, da sociedade emitente.
E assim, se se omitisse tal informação não se poderia dizer que a que houvesse sido prestada era completa. Devia, pois, o autor ter sido informado que o reembolso do capital que aplicou nas obrigações estava garantido, salvo se, na data acordada para a restituição do capital, a sociedade emitente estivesse impossibilitada de o fazer. E esta informação devia ser prestada ainda que, na altura da aquisição das obrigações, não existissem quaisquer indícios da insolvência da sociedade emitente. É que o perigo de o autor não ser reembolsado não derivava do facto de, na altura da aquisição das obrigações, não haver indícios de insolvência da sociedade emitente; o perigo advinha dessa insolvência se verificar no futuro, concretamente na data prevista para o reembolso do dinheiro investido. Como é bom de ver, não pode deixar de se mencionar o risco do emitente, ainda que seja para dizer que esse risco não existe.
Não colhe, assim, a alegação do recorrente quando afirma que o ... não estava obrigado a prevenir o investidor acerca da hipótese de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente no instrumento financeiro.
Os factos apurados mostram que o ... não prestou ao autor todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada sobre a compra das obrigações e que alguma da informação que prestou não era completa.
Assim, não prestou informações necessárias a uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada sobre a compra das obrigações quando:
1. Não explicou ao autor o que eram obrigações; a explicação era necessária porque o autor não sabia concretamente em que é que consistiu este produto e o funcionário bancário que deu a conhecer ao autor a possibilidade de adquirir tal produto sabia da ignorância do autor sobre tal produto;
2. Não informou o autor que o devedor do produto que adquirira era a SLN; e esta explicação era necessário porque o autor adquiriu as obrigações convencido de que se tratava de um produto ....
Por sua vez, ao descrever as obrigações com um produto com “características semelhantes às das de um depósito a prazo”, “com capital garantido”, quando, na realidade, havia o risco de insolvência do emitente, o Banco não prestou uma informação completa e verdadeira. Note-se que a não prestação de informação completa e verdadeira correspondia a uma orientação superior do ..., pois provou-se que a direcção comercial do Banco veiculava, o que era repetido pelos funcionários junto dos seus clientes, como aconteceu com o autor, que se tratava de um investimento seguro, de um investimento ao qual não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.
Contra esta conclusão não vale a alegação do recorrente, segundo a qual a descrição que o funcionário do Banco fez ao autor das obrigações, como uma aplicação segura com características semelhantes às de um depósito a prazo, não tinha a natureza de informação, mas antes de uma recomendação do funcionário do banco e de um juízo de valor acerca da segurança do produto, pelo que não houve violação do dever de informação.
No entender deste tribunal, a descrição que o Banco fez do produto – produto seguro, no sentido de que o reembolso do capital e dos juros não corria riscos - é informação. E informação incompleta e não verdadeira.
Porém, ainda que tal descrição do produto fosse de caracterizar como uma mera recomendação, ainda assim, por aplicação do n.º 2 do artigo 7.º do Código dos Valores Mobiliários, tal recomendação devia ser completa e verdadeira.
Por todo o exposto é de concluir que o ... não cumpriu os deveres de informação que impendiam sobre si, quer como instituição de crédito, quer como intermediário financeiro.
E é de afirmar que a violação foi culposa, pois o réu não ilidiu a presunção de culpa estabelecida no n.º 2 do artigo 314.º do CVM, segundo o qual “a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
Contra a presunção de culpa não vale a seguinte alegação do recorrente:
1. Que a referência que foi feita pelo funcionário do ... à segurança e ausência de risco da aplicação e à sua similitude com um depósito a prazo tinha que ver com o modo de funcionamento da aplicação financeira e que, findo o prazo de investimento, haveria o retorno integral do capital acrescido de juros;
2. Que o funcionário do banco havia associado tal garantia de capital e juros com o facto de a SLN ser a holding do banco e como tal dava a mesma garantia do ...;
3. Que a expressão tinha de ser vista num contexto em que ainda não tinha deflagrado a crise de Setembro de 2008, não havendo nessa altura conhecimento de qualquer situação de incumprimento das obrigações assumidas em títulos, ou a insolvência dos emitentes.
E não vale pelo seguinte.
E não vale porque nenhuma das circunstâncias alegadas tornava inexigível o cumprimento do dever de informar o autor sobre o único facto que punha em risco a não restituição do capital, concretamente a insolvência da devedora, emitente das obrigações.
Por todo o exposto, a decisão recorrida não merece censura por ter concluído que o ... não cumpriu, em relação ao autor, deveres de informação que resultavam para aquela entidade do facto de ter intervindo como intermediário financeiro e como instituição de crédito no negócio de compra das obrigações em causa nos autos.
Como não merece censura por ter afirmado que a inobservância dos deveres de informação tornou o ... responsável pelos prejuízos causados aos autores, nos termos do n.º 1 do artigo 314.º do CVM.
Questão diferente, mas não suscitada na alegação de recurso, é a de saber se o prejuízo a ressarcir correspondeu – como afirmou a sentença – ao capital investido, acrescido dos juros remuneratórios que foram garantidos pelo Banco, durante o período de duração de cada uma das aplicações, com desconto dos juros recebidos.
Não cabe, no entanto, a este tribunal conhecer de tal questão. Com efeito, resulta do n.º 2 do artigo 608.º do CPC (aplicável em sede de recurso de apelação por remissão do n.º 2 do artigo 663.º do mesmo diploma) que o tribunal não pode conhecer das questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso delas, o que não é o caso da questão do prejuízo a ressarcir ao abrigo do n.º 1 do artigo 314.º do CVM.
Resta apreciar o recurso contra a decisão que julgou improcedente a excepção de prescrição. Os seus fundamentos foram em resumo os seguintes:
1. Que não se havia apurado a data exacta em que os autores tomaram conhecimento dos exactos termos e condições dos produtos por si adquiridos através do réu e que tal incerteza funcionava contra o réu, beneficiário da invocação da prescrição;
2. Que os autores tiveram a certeza da perda do capital, aquando da maturidade das obrigações, e que tendo em conta a data da entrada em juízo da acção, ainda que se considerasse que o prazo de prescrição era de dois anos, o direito dos autores não se mostrava prescrito;
3. Que ainda que assim se não entendesse, não podia deixar de se entender que o funcionário do ... agiu com culpa grave pelo que o prazo de prescrição era o de 20 anos e não o de 2 anos previsto no n.º 2 do artigo 324.º do CVM.
O recorrente pugna pela prescrição do direito dos autores com a seguinte linha argumentativa:
1. O produto em causa venceu-se em Outubro de 2014, conforme resultava da data de pagamento do último cupão, e da própria alegação do autor, segundo a qual na data do seu vencimento pretendeu levantar o dinheiro, mas que o banco não o liquidou;
2. Caso não tivessem tido conhecimento em 2008 da natureza do produto, tiveram conhecimento dele em Outubro de 2014.
3. A presente acção deu entrada em Novembro de 2016, decorridos mais de dois anos da data desse conhecimento.
Como se vê, a pretensão do recorrente labora em dois pressupostos:
1. No pressuposto de que o prazo de prescrição a que estava sujeito o direito invocado pelos autores era o de 2 anos previsto no n.º 2 do artigo 324.º do CVM, segundo o qual salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos;
2. No pressuposto de que o prazo de prescrição começou a correr em Outubro de 2014, altura em que o produto em causa teve a sua maturidade e vencimento.
Salvo o devido respeito, a pretensão do recorrente não é de acolher pelo seguinte.
Em primeiro lugar não está provado que as obrigações adquiridas pelo autor se venceram em Outubro de 2014. O que está provado é o prazo do empréstimo (10 anos). Não sabemos, no entanto, quando é que se iniciou tal prazo, pois tal facto não foi alegado.
Em segundo lugar, tal facto não resulta dos meios de prova indicados pelo recorrente, designadamente do extracto da conta à ordem (fls. 21 v.º a 25) e do documento de fls. 26, ambos da autoria do recorrente. O que resulta destes documentos é que foram pagos juros relativos às obrigações em causa nos autos até 27 de Abril de 2015.
Em terceiro lugar – mesmo que resultasse da instrução da causa o vencimento das obrigações em Outubro de 2014 - estava vedado ao recorrente servir-se deste facto para invocar a prescrição. É que, em tal hipótese, o facto teria de considerar-se essencial à procedência da excepção invocada. E sendo essencial só poderia ser tomado em consideração na decisão se tivesse sido alegado pelo réu. É o que resulta do n.º 1 do artigo 5.º do CPC, na parte em que dispõe que “às partes cabe alegar os factos essenciais em que se baseiam as excepções invocadas”. Sucede que não foi alegado. Na contestação, o réu, que se referiu ao produto adquirido pelos autores como sendo “obrigações SLN 2006, com vencimento em 2016, sustentou a prescrição com base numa alegação diferente da que serve de fundamento ao recurso. Concretamente baseou-a na alegação de que os autores tiveram conhecimento da “suposta subscrição abusiva, pelo menos em finais de 2008, data da nacionalização do Banco e da consequente separação do grupo SLN com o conhecimento generalizado que aí se verificou relativamente a estas duas entidades”.
Pelo exposto, mantém-se a decisão que julgou improcedente a excepção de prescrição.
Decisão:
Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Considerando que o recorrente ficou vencido, condena-se o mesmo nas custas do recurso, ao abrigo do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Coimbra, 14 de abril de 2018.

Emídio Santos ( Relator )
Catarina Gonçalves
António Magalhães