Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
970/14.1TBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: PERSONALIDADE JURÍDICA
DESCONSIDERAÇÃO
SOCIEDADE COMERCIAL
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PAGAMENTO
CRÉDITO
IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 11/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.342, 610, 611 CC
Sumário: I – Nem só para situações aparentes de ilicitude é curial e adequado invocar-se a teoria da desconsideração da personalidade das sociedades, antes deve ela “cobrir” um mais vasto leque de situações, nomeadamente quando se instrumentalizam os mecanismos jurídicos em ordem a conseguir uma fictícia separação de patrimónios e assim criar uma ilusão sobre a alienação em si, como seja a constituição de uma sociedade com um único sócio, para quem é transferida por este último um bem imóvel que detinha, quando o objectivo final/mediato era transferir directamente o imóvel para os futuros detentores da sociedade, que o vêm a ser, mas por via de uma singela cessão da totalidade das quotas em seu favor, realizada a posteriori pelo dito único sócio da sociedade ab initio constituída.

II – Na impugnação pauliana, para efeitos da verificação do requisito do art. 610º, al.b) do C.Civil, a situação de impossibilidade de satisfação do crédito ou o seu agravamento deve ser provocada pelo acto a impugnar, exigindo-se um nexo de causalidade adequada entre o acto e o prejuízo, isto é, só deve considerar-se juridicamente causado pelo ato o prejuízo que constituir uma consequência normal, típica, provável daquele.

Decisão Texto Integral:      





       Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO    

            “CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE (…) C.R.L., pessoa coletiva nº (...) , com sede na (...) Caldas da Rainha, intentou a presente ação declarativa que corre termos sob a forma de processo comum contra:

1ºs. réus – A (…) e M (…), residentes na Rua (...) Caldas da Rainha;

2ª ré- “D (…)UNIPESSOAL, LDA.”, pessoa coletiva nº (...) , com sede na (...) , freguesia de Caldas da Rainha – (...) , (...) ;

3º réu- Z (…), solteiro, maior, residente em (...) Mihail kogalniceanu N (...) .

Pediu que a presente ação seja julgada procedente, por provada, e, em consequência:

a) «Ser julgada procedente, por provada, a impugnação da doação do prédio supra descrito no art.º 32;

b) Ser julgada procedente, por provada, a impugnação da constituição de hipoteca sobre o prédio supra descrito no art.º 32 e em consequência

c) Ser a 2ª Ré e o 3º Réu condenados a não se oporem a que a A. execute no património da obrigada à restituição do prédio supra descrito no art. 32 objecto da aludida impugnação, na medida necessária à satisfação dos créditos da A. sobre os 1.ºs Réus, praticando os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei;

d) Quando assim não se entenda, então, deve declarar-se a nulidade da doação do prédio supra descrito no art.º 32 efectuada pelos 1.ºs Réus a favor da 2ª Ré porque simulada, nos termos do art. 240º do C.Civil;

e) E a nulidade da constituição de hipoteca do prédio supra descrito no art.º 32 efectuada pela 2ª Ré a favor a favor do 3.º Réu porque simulada, nos termos do art. Art.º 240 do C.Civil, devendo, em consequência;

f) Ser ordenado o cancelamento do registo do direito de propriedade efectuado a favor da 2ª Ré quanto ao prédio supra descrito no art.º 32 pela Ap. 3183 de 2011/10/19.  

g) Ser ordenado o cancelamento do registo do direito de hipoteca efectuado a favor do 3º Réu quanto ao prédio supra descritos no art.º 32 pela Ap. 3815 de 2012/02/24.

h) Serem os RR. condenados solidariamente em custas, procuradoria condigna e demais de legal.»

Para alicerçar esse seu conjunto de pretensões, muito em síntese, alegou:

- A autora tem por objeto o exercício e funções de crédito agrícola e a prática dos demais atos inerentes à atividade bancária que sejam instrumentais em relação àquelas funções e lhe não estejam especialmente vedadas.

- Em 27/11/2009 outorgou com a mutuária “A (…), Lda.” o Contrato de Mútuo com Fiança, que junta como doc. n.º1, através do qual concedeu a esta um empréstimo no montante de capital de € 100.000,00 (cem mil euros), ficando os ora 1.ºs Réus como fiadores e principais pagadores, renunciando ao benefício de excussão prévia, vencendo o capital mutuado os juros na razão de 8,517% ao ano a liquidar mensalmente.

- Até à propositura desta acção os mutuários apenas lhe entregaram por conta do capital o montante de € 51.330,18, pelo que continua em dívida a esse título a quantia de € 48.669,82, vencido em 20/02/2012, data em que ela Autora foi notificada para reclamar créditos no âmbito do processo de insolvência da mutuária “A (…) Lda.” (proferida por sentença datada de 24/01/2012, já transitada em julgado), quantia essa que acrescida dos juros remuneratórios, e dos juros moratórios (à taxa e sobretaxa acordadas), faz com que a dívida total dos mutuários, entre os quais os 1.ºs Réus, vencida e não paga, ascende ao montante de € 62.800,32.

- No âmbito dos autos de insolvência referenciados da “A (…) Lda.”, foram reclamados créditos no montante global de € 7.814.226,02, sendo que foi apurado pelo Sr. Administrador de Insolvência que a mutuária insolvente apenas é proprietária de activos, cuja liquidação apenas poderá permitir um quantitativo de cerca de € 400.000,00.

- Ela Autora reclamou nesses autos este seu crédito, então quantificado em € 51.039,07, do qual por ser um crédito comum, não perspectiva receber montante que lhe permita efectuar o pagamento parcial ou integral do crédito reclamado.

- Para cobrar os seus créditos, uma vez que não conseguia receber o que lhe era devido, em 05/03/2012, ela Autora instaurou uma acção executiva no Tribunal Judicial de Caldas da Rainha sob o nº563/12.8TBCLD, na qual são executados os mutuários ora 1.ºs Réus, mas na qual ainda não conseguiu liquidar parcial ou integralmente a quantia exequenda peticionada.

- Sendo que estes executados são apenas proprietários de um total de 5 imóveis que não se encontram livres e desonerados, muito pelo contrário (como decorre do conjunto de ónus que incidem sobre cada um deles, que discrimina e quantifica especificadamente), sendo certo que vieram aí a ser reclamados créditos no montante global de € 1.016.745,26, não sendo o seu produto sequer suficiente para assegurar o pagamento desses créditos reclamados por credores hipotecários e titulares de primeiras penhora inscritas sobre os prédios, graduados privilegiadamente em relação ao crédito dela Autora (conforme sentença de verificação e graduação de créditos já proferida).

- Não obstante, apurou que em 18/10/2011, os ora 1ºs. Réus haviam alienado parte do seu património imobiliário, constituído pelo Prédio rústico, composto por terra de semeadura, pinhal e mato, denominado por “ (...) ”, sito na freguesia do (...) , concelho de Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob a ficha n.º 97/freguesia do (...) e inscrito na matriz predial rústica da (...) com o art.º 4.826, com o intuito tão-só de “salvaguardarem património”.

- Mais concretamente, em tal data, por ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO outorgada no Cartório Notarial de Caldas da Rainha, o ora 1.º Réu A (…), com o consentimento da mulher M (…)/ ora 1.ª Ré doou a favor da 2.ª Ré, “D (…) UNIPESSOAL, Lda.”, o dito prédio, sendo que, em 19/10/2011, isto é, passado um dia, registou a sua aquisição.

- O sujeito activo/comprador do imóvel em referência, é representado no acto pelo 1.º Réu marido A (…)que intervém por si e na qualidade de único sócio e gerente da dita 2.ª Ré “D (…) UNIPESSOAL, Lda.”

- Esta 2.ª Ré “D (…) UNIPESSOAL, Lda.,” a quem foi alienado o imóvel identificado, foi detida unicamente pelo 1.º Réu marido, durante um mês, nomeadamente desde 12/10/2011 até 04/11/2011, data em que transmitiu a quota a favor de terceiros, a saber N (…) com uma quota de € 3.700,00 (três mil e setecentos euros) e M (…) com uma quota de €1.300,00 (mil e trezentos euros) e tendo em 11/11/2011 cessado funções como gerente, os quais, por sua vez, deram de penhor tais quotas ao 1.º Réu marido A (...).

- Os ditos 1.ºs Réus não podiam deixar de saber que este seu ato causava um prejuízo à ora Autora, tendo desta forma, em proveito próprio e em prejuízo dela Autora, doado a favor da 2.ª Ré/sua representada, o referenciado imóvel, com o único intuito de esvaziarem o seu activo e reduzirem a garantia patrimonial dela Autora.

- A declaração feita pelos 1.ºs Réus e pela 2.ª Ré, representada pelo 1.º Réu marido, não corresponde a qualquer vontade de celebrar alegada doação, tendo apenas o único fito de ludibriar a ora Autora e os restantes credores, posto que, nunca os 1.ºs Réus quiseram doar o dito imóvel que continuou intimamente ligado ao 1º réu marido – sócio gerente das duas sociedades (“A (…), Lda.” e “D (…) Unipessoal Lda.”) – sendo também que esta sociedade “D (…) Unipessoal Lda.”, ora 2ª Ré, nunca o quis adquirir, antes apenas foi constituída para absorver o património do 1.º Réu.

- Sendo certo que ao constituir a doação um negócio gratuito, nos termos legais procede a impugnação ainda que doadores/1.ºs Réus e donatária/2ª Ré agissem de boa fé.

- Acresce que, e como se não bastasse, logo em 24/02/2012, ou seja, um dia antes da mutuária “A (...) ” se ter apresentado à insolvência e escassos quatro meses após a respetiva aquisição por doação, a 2ª Ré “D (…) Unipessoal Lda.”, em 18.10.2011, muito convenientemente e de forma propositada e intencional, declarou constituir hipoteca desse mesmo imóvel a favor do ora 3º Réu Z (…), para garantia de alegado mútuo concedido no montante de capital de € 100.000,00, posto que nunca o 3.º Réu concedeu à ora 2.ª Ré, a seu pedido e no seu interesse, o montante de € 100.000,00, nem esta o recebeu, antes resultando esta oneração de um conluio arquitectado entre todos os Réus destinado a salvaguardar o património dos 1.ºs Réus ao cumprimento das responsabilidades assumidas perante a Autora, sabendo a 2.ª e o 3.º Réu, enquanto pessoas proximamente relacionadas com os 1.ºs Réus, da grave situação financeira em que aqueles se encontravam, por virtude da fiança prestada a favor da Autora para dívidas da firma “A (...) ”, a qual se encontrava em situação de insolvência.

- Tal comportamento impossibilita a apreensão e/ou alienação liberta do património objecto da constituição de hipoteca, o que diminui substancialmente o seu valor.

-  A 2.ª Ré nunca quis onerar o imóvel referenciado a favor do 3.º Réu, que nunca a quis aceitar, e o 3.º Réu nunca entregou à 2.º Ré a quantia pecuniária mencionada na aludida Escritura Pública de Mútuo com Hipoteca nem o 2.º Réu a recebeu.

- A 2.ª Ré outorgou a Escritura Pública de Mútuo sobre o referido imóvel de má-fé tendo declarado negocialmente uma vontade que não correspondia à sua vontade real, com o intuito de enganar os seus credores, nomeadamente a ora A., enquanto credora dos 1.ºs Réus, sendo certo que o 1.º Réu marido continua até hoje a dispor do imóvel identificado, usufruindo do mesmo.

- A doação efectuada pelo 1.º Réu marido, com o consentimento da 1.ª Ré mulher a favor da 2.ª Ré e a constituição de hipoteca efectuada pela 2.ª Ré a favor do ora 3.º Réu é nula, por simulada – essa doação pelo 1.º Réu a favor da sua representada/ ora 2.ª Ré e a oneração do imóvel em causa apenas foi feita com o único e exclusivo intuito de enganar a Autora e os demais credores da 1.ª Ré, sobre quem são os proprietários do bem em causa nestes autos.

- Face às circunstâncias em que a escritura de doação foi outorgada (quando os 1.ºs Réus já eram detentores de elevadas responsabilidades), a 2.ª Ré, por ser representada pelo único sócio e gerente (ora 1.º Réu marido), estava perfeitamente a par das dívidas que a sociedade representada pelos 1.ºs Réus tinham contraído junto da A. e igualmente consciente das consequência das conduta que assumiu em todo este processo, ou, pelo menos, tinham conhecimento do prejuízo e da impossibilidade económica do 1.º Réu marido para solver as suas responsabilidades vencidas perante a Autora.

                                                           *

Os réus foram devidamente citados, sendo que apenas a 2.ª e 3.º Réu apresentaram contestação.

Muito em suma, depois de admitirem alguma da factualidade aduzida na p.i., contestaram por exceção e deduziram reconvenção, sendo que, no que à 1ª vertente diz respeito, em relação ao negócio que a autora pretende pôr em crise, impugnaram motivadamente a versão dos factos narrada pela Autora, tendo defendido versão diversa, a saber, que tudo não passou da realização de um negócio oneroso, corrente e usual no comércio jurídico actual, celebrado de boa fé e à vista de todos, entre os 1.ºs Réus e os donos e titulares da totalidade do capital social da Sociedade “D (…) Lda.” (e não “D (…) Unipessoal Lda.”), que são precisamente os referenciados M (…) e N (…) (ele gestor de profissão e ela médica dermatologista), de nacionalidade alemã, que haviam decidido investir no país, num projecto turístico que abrangesse também uma componente ligada à saúde, através da construção de um hotel ou equipamento semelhante, o que se veio a concretizar com a aquisição do prédio ajuizado, a que chegaram através de uma imobiliária, então com valor não superior a € 50.000,00, sendo que para tanto efectivamente pagaram o montante de € 300.000,00 (por ter estado implicada a aquisição das quotas da Sociedade 2.ª Ré), e nele se encontra presentemente em construção a unidade hoteleira projetada, fruto do esforço e competência técnica dos promotores, acrescendo que igualmente correspondeu a um negócio real o mútuo de € 100.000,00 por parte do 3º Réu, o qual sendo irmão da dita N (…) a financiou a pedido desta, tendo sido constituído a favor do mesmo a hipoteca em causa.

Em sede reconvencional, invocaram que o prédio ajuizado por via da construção em curso ficará com um valor de mercado muito superior a € 1.500,000,00, donde sustentarem que na eventual procedência da acção, a 2ª Ré só deve responder até ao montante de € 50.000,00, correspondente ao valor de mercado que o prédio tinha aquando da transmissão impugnada para a 2.ª Ré, ou, quando assim se não entender, por mera cautela e subsidiariamente, até ao valor de mercado do terreno, mas sempre com o limite de € 125.000,00, correspondente ao valor que lhe foi atribuído pela Autora.

Pediram, a final, a improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido e bem assim a procedência da referenciada reconvenção.

*

            A Autora apresentou articulado de Réplica, sustentando a improcedência da reconvenção, sem embargo de ter deduzido impugnação ao essencial dos novos factos alegados pelos Réus na respectiva contestação/reconvenção.

                                                                       *

No prosseguimento do processo, foi proferido despacho saneador, no qual se afirmaram todos os pressupostos de validade e de regularidade da instância.

Foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, sem que haja sido apresentada qualquer reclamação.

*

Veio a ter lugar julgamento, com observância do legal formalismo.

Na oportuna sequência foi proferida sentença – incorporando a enunciação dos factos dados como provados e não provados e a correspondente “motivação” – na qual se entendeu, em suma, no que à impugnação pauliana dizia respeito, que não haviam ficado preenchidos todos os requisitos exigidos para permitir a impugnação dos negócios jurídicos de alienação e oneração – quanto à alienação, posto que se devia considerar que constituía um acto oneroso, porque não resultou provado que os terceiros adquirentes actuaram de má fé, e quanto à oneração, porque não ficou provado que o 3ª Réu tinha consciência do prejuízo que causava à Autora – sendo que no que ao pedido subsidiário dizia respeito – declaração de nulidade dos negócios ajuizados, por simulação – igualmente se entendeu que não resultava provada qualquer divergência entre vontade e declaração, nem qualquer acordo simulatório entre os diversos intervenientes, nem tão pouco a intenção de enganar a Autora, acrescendo que, improcedendo todos os pedidos da Autora, prejudicada ficava a apreciação dos pedidos reconvencionais, termos em que se concluiu pelo seguinte concreto “Dispositivo”:

«Nos termos e fundamentos expostos,

1. Julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência,

2. Absolvo os 1.ºs Réus (…), a 2.ª Ré (…). e o 3.º Réu (…)de todos os pedidos formulados pela Autora C (…)

3. Custas da acção a cargo da Autora.

4. Julgo a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência,

5. Absolvo a Autora C (…)L, do pedido formulado pela 2.ª Ré (…), LDA..

6. Custas da reconvenção a cargo da 2.ª Ré.

7. Registe e notifique.»

                                                                       *

            Inconformada com essa sentença, apresentou a Autora recurso de apelação contra a mesma, do qual extraiu as seguintes conclusões:

(…)

                                                                       *

Apresentaram os 2ª e 3º Réus as suas contra-alegações, requerendo simultânea e paralelamente a ampliação do recurso, no contexto do que formulam as seguintes conclusões :

(…)

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR

a) tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Autora/Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 660º, nº2, “in fine”, do mesmo C.P.Civil):

            - incorrecta valoração da prova produzida, existindo razões para alterar a matéria de facto dada como “provada” nos artº.s  “55.” , “74.” , “97.”, “36.” e “92.” ?;

            - em face da matéria dada como provada ocorreu erro na qualificação jurídica dos factos (quanto à existência e validade do mútuo com hipoteca)?;

- incorrecção na aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais, mais concretamente quando o Tribunal a quo considerou desvirtuada a constituição da sociedade 2ª. Ré/Recorrente e assim considerou oneroso o acto de transmissão do imóvel em causa nestes autos (dos 1º.s Réus/ Recorridos A (…)e mulher a favor dos legais representantes da 2ª. Ré “D (…) Ldª.”, N (…) e M (…) ?;

                                                           ¨¨

b) por via da ampliação do objecto do recurso deduzida pelos 2ª e 3º Réus:

- contradição entre os factos dados como provados sob os artº.s  “36.”/“92.”  e “35.” fruto de mero lapso de escrita neste último?

- nunca estariam verificados todos os requisitos para a procedência da impugnação pauliana, mais concretamente, nem o requisito da diminuição da garantia patrimonial do crédito, nem o requisito da impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade da satisfação integral do crédito, em consequência da doação impugnada?

                                                           *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

            Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram “provados” na 1ª instância:

1. A Autora tem por objecto o exercício e funções de CRÉDITO AGRÍCOLA e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária que sejam instrumentais em relação àquelas funções e lhe não estejam especialmente vedadas [1.º P.I.].

2. No âmbito dessa actividade, em 27/11/2009 a Autora outorgou com a mutuária A (…), Lda., tendo as assinaturas dos devedores sido reconhecidas pela Advogada (…), o Contrato de Mútuo com Fiança, através do qual concedeu a Autora à mutuária A (…) Lda., um empréstimo nos termos e para os efeitos consignados na Proposta de Crédito n.º (...) de 11/11/2009 que dele faz parte integrante, no montante de capital de € 100.000,00 (cem mil euros), tendo os ora 1.ºs Réus A (…) e mulher, M (…) ficado como fiadores e principais pagadores, renunciando ao benefício da excussão prévia, vencendo o capital mutuado os juros na razão de 8,517% ao ano a liquidar mensalmente, tendo em 27/11/2009 sido efectuado o crédito na conta D.O. n.º (...) [2.º P.I.].

3. Nos termos da Cláusula Sétima do Contrato [3.º P.I.]: 1.O(A/s) Terceiro(a/s) Contraente(s), constituem-se FIADOR(ES/A/S) e assume(m) solidariamente com o(a/s) MUTUÁRIO(A/S) e como principal(is) pagador(a/es/as) todas as obrigações decorrentes deste contrato e do empréstimo, nomeadamente as de reembolso do capital, de pagamento dos juros, às taxas e sobretaxas ajustadas, além dos impostos, comissões, encargos e despesas, inclusive como decorrer de qualquer alteração ou renovação que venha a ser acordada com o(a/s) MUTUÁRIO(A/S), que desde já aceitam, por qualquer prazo, subsistindo a fiança até completa extinção das obrigações garantidas.

2.O(A/s) FIADOR(ES/A/S) compromete(m)-se a pagar imediatamente e sem qualquer reserva, as quantias que lhe(s) forem reclamadas, logo após aviso para o efeito ou do incumprimento do(a/s) MUTUÁRIO(A/S), subsistindo a fiança até completa extinção das obrigações garantidas.

3.O(A/s) FIADOR(ES/A/S) também declara(m), expressa e irrevogavelmente, que renuncia(m) ao benefício da excussão e a qualquer outro ou prazo facultado por lei, bem como a fazer ou invocar qualquer excepção, oposição ou reserva.

4. O empréstimo seria liquidado conforme o plano financeiro previamente estabelecido na respectiva proposta de crédito [4.º P.I.].

5. Nos termos do ponto 4 da Cláusula Quinta das Condições Gerais a taxa de juro nominal aplicável em cada período será adequada em função das variações que ocorrerem, com referência ao indexante Euribor previsto para a sua determinação, aplicando-se automaticamente e sem necessidade de qualquer comunicação prévia ou posterior. Assim sendo, a taxa de juro remuneratório em vigor no momento do vencimento do empréstimo era de 9,276% ao ano, com vencimento mensal [5.º P.I.].

6. Nos termos da Cláusula Sexta e da Cláusula 19.ª das Condições Gerais, o não cumprimento pontual de quaisquer obrigações dos mutuários para com a Caixa Agrícola, produz o vencimento antecipado e a exigibilidade de toda a dívida [6.º P.I.].

7. Até hoje, os mutuários apenas entregaram à Autora por conta do capital, o montante de € 51.330,18 (cinquenta e um mil trezentos e trinta euros e dezoito cêntimos) pelo que continua em dívida a esse título a quantia de € 48.669,82 (quarenta e oito mil seiscentos e sessenta e nove euros e oitenta e dois cêntimos), vencido em 20/02/2012, na data em que a ora Autora foi interpelada para reclamar créditos no âmbito do processo de insolvência da mutuária A (…), Lda., proferida por sentença datada de 24/01/2012, já transitada em julgado nos autos que sob o n.º 175/12.6TBCLD correm termos pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha [7.º P.I.].

8. Nesta data o juro contratual estava fixado na taxa percentual supra identificada no art.º 5, nos termos do já citado ponto 4 da Cláusula Quinta das Condições Gerais, estando em dívida os juros remuneratórios que se venceram no período entre 27/01/2012 e 20/02/2012 no montante de € 310,27 (trezentos e dez euros e vinte e sete cêntimos) referente apenas aos juros remuneratórios vencidos e não pagos [8.º P.I.].

9. Instados os mutuários para procederem à regularização da dívida, os mutuários, entre os quais os ora 1.ºs Réus A (…) e mulher M (…) nada fizeram até hoje, não obstante as insistências feitas pela Autora nesse sentido, pelo que esta se encontra desembolsada de tais quantias [9.º P.I.].

10. E, nos termos do ponto 4 da Cláusula Terceira e da Cláusula 17 das Condições Gerais, no caso de mora, a taxa de juro acordada é acrescida de uma sobretaxa de 4% pelo que desde a presente data até efectivo e integral pagamento, os juros de mora contratuais a que a Autora tem direito ocorrem à taxa de 13,276%, liquidando-se os vencidos até hoje em € 13.820,23 (treze mil oitocentos e vinte euros e vinte e três cêntimos) [10.º P.I.].

11. Assim, a dívida total dos mutuários, entre os quais dos ora 1.ºs Réus A (…) e mulher M (…) para com a Autora vencida e não paga ascende ao montante de €62.800,32 (sessenta e dois mil oitocentos euros e trinta e dois cêntimos) [11.º P.I.].

12. A mutuária A (…), Lda., apresentou-se a processo de insolvência em 23/01/2012 tendo sido declarada insolvente por sentença de insolvência

proferida em 24/01/2012, já transitada em julgado, nos autos de insolvência de pessoa colectiva (Apresentação) que sob o n.º 1175/12.6TBCLD corre termos pelo 3.º Juízo do

Tribunal Judicial de Caldas da Rainha [13.º P.I.].

13. No âmbito dos autos de insolvência supra identificados tendo sido reclamados créditos no montante global de € 7.814.226,02 (sete milhões oitocentos e catorze mil duzentos e vinte e seis euros e dois cêntimos), foi apurado pelo Senhor Administrador de Insolvência que a mutuária insolvente apenas é proprietária de activos, cuja liquidação apenas poderá permitir um quantitativo de cerca de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) [14.º P.I.].

14. Dos aludidos autos de insolvência, tendo a Autora reclamado os créditos aqui discriminados nos art.ºs 2 a 11 supra, no montante global de € 51.039,07 (cinquenta e um mil e trinta e nove euros e sete cêntimos), e constituindo o crédito da A. um crédito

comum [15.º P.I.].

15. Para cobrar os seus créditos, uma vez que não conseguia receber o que lhe era devido, em 05/03/2012, a ora A. instaurou uma acção executiva, na qual são executados os mutuários ora 1.ºs Réus A (…) e mulher M (…)quanto ao empréstimo supra identificado [16.º P.I.].

16. Na acção executiva referida, que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha sob o n.º 563/12.8TBCLD – 3.º Juízo a ora A. ainda não conseguiu, até hoje, liquidar parcial ou integralmente a quantia exequenda peticionada [17.º P.I.].

17. Os 1.ºs Réus Réus A (…) e mulher M (…) eram os únicos sócios da mutuária insolvente A (…), Lda., que tinha como objecto “o aluguer de automóveis sem condutor, aluguer de viaturas comerciais sem condutor e aluguer de motos sem condutor, transporte de mercadoria por conta de outrem, serviços de reboque rodoviários e pronto – socorro, comércio de automóveis e comércio a retalho de combustíveis para veículos automóveis em estabelecimentos especializados” [18.º P.I.].

18. A gerência era exercida pelo 1.º Réu marido A (…), o qual deliberou conjuntamente com a sócia / ora 1.ª Ré mulher apresentar a sociedade A (…) Lda. à insolvência [19.º P.I.].

19. Os sócios da mutuária A (…) Lda. / ora 1.ºs Réus A (…) e mulher M (…) são casados entre si no regime de comunhão de bens adquiridos – [20.º P.I.].

20. O crédito da Autora venceu-se, por virtude da interpelação para reclamar créditos nos autos de insolvência supra identificados, em 20/02/2012, tendo após essa data, interpelado os co-obrigados/fiadores/ os ora 1.ºs Réus AA (…) e mulher M (…) para honrarem os compromissos de pagamento assumidos, nada tendo conseguido até à presente data [21.º P.I.].

21. Os mutuários/ ora 1.ºs Réus (…) e mulher (…) são apenas proprietários dos bens imóveis infra identificados, os quais não se encontram livres e desonerados, a saber [22.º P.I.]:

1) - Fracção autónoma designada pela letra “Q”, composta de rés-do-chão, com entrada pela Avenida (...) , n.º 14-B e cave pertencente ao Prédio urbano sito na Avenida (...) nºs 12, 12-A, 12-B, 14, 14-A e 14-B, freguesia de Caldas da Rainha – (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob a ficha n.º 1960 - Q/freguesia de Caldas da Rainha – (...) e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art.º6090 – Q.

Sobre a fracção autónoma pertencente ao prédio supra descrito incidem os seguintes ónus:

- 1 Hipoteca registada a favor da CGD, S.A. pelo montante máximo de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros);

- 1 Penhora inscrita a favor da FCE Bank PLC para garantia da quantia exequenda de € 784.868,68 (setecentos e oitenta e quatro mil oitocentos e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos);

- 1 Penhora inscrita a favor da CCAM para garantia da quantia exequenda de € 50.613,51 (cinquenta mil seiscentos e treze euros e cinquenta e um cêntimos).

2) - Fracção autónoma designada pela letra “DC”, composta de segundo andar – Tipo T 1 – identificado pela letra da fracção – destinada a habitação – 1 estacionamento na subcave e uma arrecadação no segundo andar identificados com a letra da fracção pertencente ao prédio urbano denominado “ (...) ”, sito em (...) , (...) ou (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º 4039 – DC/freguesia de (...) – (...) e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art.º 12054 – DC.

Sobre a fracção autónoma pertencente ao prédio supra descrito incidem os seguintes ónus:

- 1 Hipoteca registada a favor do BPN – Banco Português de Negócios, S.A. pelo montante máximo de € 116.800,00 (cento e dezasseis mil e oitocentos euros);

- 1 Penhora inscrita a favor da FCE Bank PLC para garantia da quantia exequenda de € 784.868,68 (setecentos e oitenta e quatro mil oitocentos e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos);

- 1 Penhora inscrita a favor da CCAM para garantia da quantia exequenda de € 50.613,51 (cinquenta mil seiscentos e treze euros e cinquenta e um cêntimos).

3) - Prédio urbano sito na Rua (...) freguesia de (...) – (...) , concelho de (...) , composto de edifício de rés-do-chão, 1.º andar e sótão, com logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º 2725/freguesia de (...) – (...) e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art.º 4045.

Sobre o prédio supra descrito incidem os seguintes ónus:

- 1 Hipoteca registada a favor da Caixa Económica Montepio Geral (transmissão de crédito pelo Finibanco, S.A.) pelo montante máximo de € 265.000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil euros);

- 1 Hipoteca registada a favor da Caixa Económica Montepio Geral pelo montante máximo de € 266.000,00 (duzentos e sessenta e seis mil euros);

- 1 Penhora inscrita a favor da FCE Bank PLC para garantia da quantia exequenda de € 784.868,68 (setecentos e oitenta e quatro mil oitocentos e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos);

- 1 Penhora inscrita a favor da CCAM para garantia da quantia exequenda de € 50.613,51 (cinquenta mil seiscentos e treze euros e cinquenta e um cêntimos).

4) - Prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e logradouro, situado na (...) , freguesia de (...) , concelho de Alcobaça, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob a ficha n.º 3767/freguesia de (...) e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art.º 3321.

Sobre o prédio supra descrito incidem os seguintes ónus:

- 1 Hipoteca registada a favor do BPN – Banco Português de Negócios, S.A. pelo montante máximo de € 81.030,00 (oitenta e um mil e trinta euros);

- 1 Hipoteca registada a favor do BPN – Banco Português de Negócios, S.A. pelo montante máximo de € 32.120,00 (trinta e dois mil cento e vinte euros);

- 1 Hipoteca registada a favor da B (...) – Automóveis, S.A. pelo montante de

capital de € 146.300,00 (cento e quarenta e seis mil e trezentos euros);

- 1 Penhora inscrita a favor da FCE Bank PLC para garantia da quantia exequenda de € 784.868,68 (setecentos e oitenta e quatro mil oitocentos e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos);

- 1 Penhora inscrita a favor da CCAM para garantia da quantia exequenda de € 50.613,51 (cinquenta mil seiscentos e treze euros e cinquenta e um cêntimos).

5) - Prédio misto sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) (Algarve), composto de terra de semear, figueiras, amendoeiras, oliveiras e alfarrobeiras e uma morada de casas com dois compartimentos, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) (Algarve) sob a ficha n.º 1238/freguesia de (...) e inscrito na matriz predial sobre o art.º 14 secção X rústico e 52 urbano.

Sobre o prédio supra descrito incidem os seguintes ónus:

- 1 Hipoteca registada a favor do BPN – Banco Português de Negócios, S.A. pelo montante máximo de € 219.000,00 – Transmissão de crédito – Cessão da quota de

27,84% a favor da P (...) S.A. (duzentos e dezanove mil euros);

- 1 Hipoteca registada a favor do BPN – Banco Português de Negócios, S.A. pelo montante máximo de € 73.000,00 – Transmissão de crédito – Cessão da quota de 27,84% a favor da P (...) S.A. (setenta e três mil euros);

- 1 Penhora inscrita a favor da FCE Bank PLC para garantia da quantia exequenda de € 784.868,68 (setecentos e oitenta e quatro mil oitocentos e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos);

- 1 Penhora inscrita a favor da CCAM para garantia da quantia exequenda de € 50.613,51 (cinquenta mil seiscentos e treze euros e cinquenta e um cêntimos).

22. Sobre os referidos imóveis encontram-se registadas anteriormente à penhora da ora

Autora penhora para garantia de outros créditos, tendo a execução comum identificada

no art. 17.º sido sustada nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 871 do C.P.C. (na redacção anterior à vigente), e tendo a ora A. reclamado créditos no âmbito do processo de execução comum n.º 303/12.1TBCLD a correr termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha [24.º P.I.].

23. Dos aludidos autos de execução a Autora não perspectiva receber o pagamento integral dos créditos reclamados os quais ascendem ao montante de € 53.055,90 (cinquenta e três mil cinquenta e cinco euros e noventa cêntimos) [25.º P.I.].

24. Dado que sobre os imóveis supra identificados no art.º 23 foram reclamados créditos no montante global de € 1.016.745,26 (um milhão dezasseis mil setecentos e quarenta e cinco euros e vinte e seis cêntimos) não sendo o seu produto de venda sequer suficiente para assegurar o pagamento desses créditos reclamados pelos credores hipotecários e titulares de primeiras penhoras inscritas sob os imóveis em causa, graduados privilegiadamente em relação ao crédito da ora Autora, conforme sentença de verificação e graduação de créditos proferida no âmbito da execução comum n.º 303/12.1TBCLD a correr termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha [26.º P.I.].

25. Atentos os ónus ou encargos inscritos e o valor de mercado dos imóveis em causa a ora A. não perspectiva receber qualquer montante por conta do seu crédito [27.º P.I.].

26. Para melhor garantir e reforçar o pagamento do empréstimo supra descrito, os 1.ºs Réus A (…) e mulher M (…) prestaram fiança às obrigações solidárias contraídas junto da Autora pela mutuária A (…), Lda., e como fiadores e reconhecidos devedores solidários e principais, declararam expressa e irrevogavelmente, que renunciavam ao benefício da excussão prévia e a qualquer outro ou prazo facultado por lei, bem como a fazer ou invocar qualquer excepção, posição ou reserva, comprometendo-se a pagar imediatamente e sem qualquer reserva, as quantias que lhes fossem reclamadas, logo após aviso para o efeito ou do incumprimento da MUTUÁRIA, subsistindo a fiança até completa extinção das obrigações garantidas [29.º P.I.].

27. Tendo prestado fiança na qualidade pessoal, enquanto pessoas de reconhecida idoneidade e elevado património imobiliário, sendo que o 2.º Réu marido era à data sócio e gerente da mutuária A (…), Lda., a favor da qual o empréstimo supra descriminado havia sido concedido [30.º P.I.].

28. Por ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO outorgada em 18/10/2011, no Cartório Notarial de (...) , a cargo da Notária (…), lavrada de fls. Cento e vinte a folhas cento e vinte um do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 131-A o ora 1.º Réu A (…), com o consentimento da mulher M (…)/ ora 1.ª Ré doou a favor da 2.ª Ré D (…) UNIPESSOAL, Lda. o seguinte prédio [32.º P.I.]:

- Prédio rústico, composto por terra de semeadura, pinhal e mato, denominado por “ (...) ”, sito na freguesia do (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º 97/freguesia do (...) e inscrito na matriz predial rústica da (...) com o art.º 4.826.

29. E em 19/10/2011, registou a sua aquisição passado um dia após a outorga da supra

referida escritura pública [33.º P.I.].

30. O sujeito activo/comprador do imóvel supra identificado no art.º 32 é representado no acto pelo 1.º Réu marido A (…) que intervém por si e na qualidade de único sócio e gerente da 2.ª Ré “D (…) UNIPESSOAL, Lda,” matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (...) com o número idêntico ao de pessoa colectiva (...) [36.º P.I.].

31. A 2.ª Ré “D (…) UNIPESSOAL, Lda.,” a quem foi alienado o imóvel supra identificado no art.º 32 foi detida unicamente pelo 1.º Réu marido, durante um mês, nomeadamente desde 12/10/2011 até 04/11/2011, data em que transmitiu a quota a favor de terceiros, a saber N (…) com uma quota de € 3.700,00 (três mil e setecentos euros) e M (…) com uma quota de €1.300,00 (mil e trezentos euros) e tendo em 11/11/2011 cessado funções como gerente [39.º P.I.].

32. Os quais, por sua vez, deram de penhor tais quotas ao 1.º Réu marido A (…) [40.º P.I.].

33. Os 1.ºs Réus sabiam que o capital mutuado à firma A (…) Lda. se destinava a ser aplicado na actividade comercial do 1.º Réu marido, enquanto sócio gerente daquela e a favor da qual havia prestado fiança [42.º P.I.].

34. Em 18/10/2011 o referido imóvel tinha um valor não inferior a €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) [49.º P.I.].

35. Em 24/02/2012, o ora 3.º Réu Z (…) por ESCRITURA PÚBLICA DE MÚTUO COM HIPOTECA outorgada no Cartório Notarial de (...) a cargo da Notária (…) a folhas vinte e cinco a vinte e seis versos do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 136-A alegadamente concedeu à ora 2.ª Ré “D (…) UNIPESSOAL, Lda.” um empréstimo no montante de €100.000,00 (cem mil euros) [62.º P.I.].

36. Tendo, nesse acto, a 2.ª Ré “D (…) UNIPESSOAL, Lda.” constituído a favor do ora 3.º Réu Z (…) para garantia do bom e pontual pagamento da quantia mutuada hipoteca voluntária sobre o imóvel supra descrito no art.º 32 [63.º P.I.].

37. Para além do imóvel adquirido por Escritura Pública de Doação a sociedade/ ora 2.ª Ré não possuía qualquer outro património, sendo o único recebido escassos seis dias depois da sua constituição [72.º P.I.].

38. Os donos e titulares da totalidade do capital social da 2.ª Ré – M (…) (gestor) e N (…) (médica, natural do Irão) – são cidadãos de nacionalidade alemã e com residência na Alemanha [8.º Cont.].

39. Em 2011 decidiram investir e Portugal, num projeto turístico, que abrangesse também uma componente ligada à saúde, designadamente, na área da nutrição e das medicinas alternativas [9.º Cont.].

40. Para o efeito, procuraram um terreno situado em local aprazível, onde fosse possível construir um hotel ou equipamento semelhante [10.º Cont.].

41. Decidiram que o local ideal para avançar com o investimento seria a zona situada no eixo (...) -Óbidos [11.º Cont.].

42. Em Setembro de 2011 tomaram conhecimento, através de um agente imobiliário da zona, que os 1ºs Réus pretendiam vender um terreno, situado na (...) de Óbidos, precisamente o prédio rústico identificado no art.º 32 da P.I. [12.º Cont.].

43. Após terem contactado o 1.º Réu marido encetaram-se negociações com vista à aquisição do terreno, tendo as partes para o efeito reunido, somente, por duas vezes [13.º Cont.].

44. Durante as negociações foi necessário recorrer a um intérprete, uma vez que nem M (…) nem N (…) falam português nem os 1.ºs Réus a língua destes [14.º Cont.].

45. Em Setembro de 2011, o terreno em causa, com a área de 6508m2, encontrava-se inculto e não tinha viabilidade de construção confirmada pela Câmara Municipal de Caldas da Rainha (doravante designada abreviadamente por CMCR ou Câmara) [15.º Cont.].

46. Sendo que, o 1.º Réu marido, durante as negociações, exibiu uma fotocópia de um ofício da CCDR datado de 13/03/1995 e de uma deliberação da CMCR tomada em 06/02/1995, ou seja, antes da entrada em vigor do PDM (publicado pela resolução do Conselho de Ministros nº 101/2002 de 18/06) que autorizava a construção de um hotel no local, o que fez aumentar ainda mais o interesse na compra do terreno [16.º Cont.].

47. A única informação era que o terreno, nos termos do PDM em vigor para o concelho de Caldas da Rainha, se inseria em área de Espaço Urbano Nível 2, UOPG 4, Área de integração do (...) a abranger por Plano de Urbanização e na Reserva Ecológica Nacional, onde não seria, de todo, permitido construir [17.º Cont.].

48. E em Setembro de 2011 corria a informação nos serviços técnicos da CMCR que estaria iminente, a abertura do procedimento para a discussão/alteração, do plano de urbanização do (...) e (...) , que teria como consequência a suspensão do PDM, pelo período de dois anos [18.º Cont.].

49. Enquanto durasse a referida suspensão, não se podia construir no terreno, a não ser edifícios autorizados em sede de pedidos de informação prévia que tivessem dado entrada na CMCR em data anterior à publicação da decisão de suspensão do PDM [19.º

Cont.].

50. E tudo apontava no sentido de o novo Plano/Unidade Operativa de Gestão para o (...) e (...) pretender restringir ainda mais a capacidade edificativa dos

terrenos situados na encosta da (...) , onde se localiza o terreno em questão, por se tratar de uma área muito sensível do ponto de vista ambiental [20.º Cont.].

51. Para se saber com exatidão o que seria possível construir no local era necessário fazer um levantamento topográfico georreferenciado que permitisse, com clareza, integrar a propriedade na cartografia do PDM, para perceber, com base nesse levantamento, que área da propriedade se integrava em área edificável, para daí quantificar e apresentar um projeto urbanístico para o terreno [21.º Cont.].

52. Enquanto tal procedimento não fosse levado a cabo, não se sabia ao certo se era possível construir no local e o quê [22.º Cont.].

53. Perante tais circunstâncias, as partes tomaram consciência que era necessário avançar com a concretização do negócio e dar inicio ao procedimento de informação prévia junto da CMCR, o mais rapidamente possível [23.º Cont.].

54. Os donos e titulares da totalidade do capital social da 2.ª Ré foram aconselhados a constituir uma empresa para realizar o seu investimento em Portugal, não só pelas razões fiscais que se iriam colocar no futuro com a exploração do empreendimento turístico, mas sobretudo devido ao facto de não serem casados, os meios financeiros necessários à execução do projeto provirem de fontes diversas (designadamente de empréstimos de familiares) e cada um participar no investimento em percentagens diferentes [24.º Cont.].

55. Perante o supra referido circunstancialismo, o 1º Réu marido e N (…) e M (…)acordaram que aquele, conjuntamente com a sua mulher, lhes transmitiriam onerosamente o prédio referido no artigo 32.º da P.I., previamente detido por uma sociedade e a respectiva sociedade, pelo preço de €300.000,00 (Trezentos Mil Euros) na condição de ser obtida, em sede de pedido de informação prévia, autorização para construir no terreno um edifício com uma área de construção mínima de 1500m2 [25.º Cont.].

56. Encontrando-se os 1.ºs Réus e N (…) assessorados por diversos técnicos, nomeadamente, economistas, advogados e engenheiros, coube a estes

definirem a formalização do negócio referido [27.º Cont.].

57. Assim, na sequência do acordado, o 1.º Réu marido constituiu a 2.ª Ré, transferiu, com o consentimento da sua esposa, o terreno em causa para a sociedade, enquadrou a atividade da sociedade junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social e posteriormente vendeu a sociedade, proprietária do terreno, pelo preço de €300.000,00 (trezentos mil euros) mas sempre na condição de ser obtida, em sede de pedido de informação prévia, autorização para construir no terreno um edifício com uma área de construção mínima de 1500m2 [28.º Cont.].

58. Todos os custos relacionados com a constituição e regularização da sociedade, transferência do terreno para a sociedade (ora 2.ª Ré), com os documentos, técnicos e procedimentos necessários à obtenção da autorização para construir no terreno, seriam da responsabilidade dos 1.ºs Réus [29.º Cont.].

59. Em execução do acordado, como já acima mencionado, o 1.º Réu marido em 12 de Outubro de 2011 constituiu a sociedade comercial unipessoal por quotas denominada D (…) Unipessoal Lda., com o capital social de €5.000,00 (Cinco Mil Euros) e

com o objeto social de “...Construção Civil, promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Arrendamento de bens imobiliários e administração de imóveis. Prática de clínica geral e especializada...”, sendo aquele o seu único sócio e gerente até 18 de Outubro de 2011 [30.º Cont.].

60. Em 18 de Outubro de 2011 foi realizada a doação já acima mencionada [31.º Cont.].

61. Aquando da transmissão o valor patrimonial tributável do terreno ascendia a €1.530,53 (Mil Quinhentos E Trinta Euros e Cinquenta e Três Cêntimos) tendo sido atribuído à doação o valor de €2.500,00 (Dois Mil E Quinhentos Euros) [32.º Cont.].

62. Em acto imediatamente subsequente à doação, portanto, no mesmo dia 18 de Outubro de 2011 e no mesmo Cartório Notarial, os 1.ºs Réus cederam a totalidade do capital social da 2.ª Ré, pelo preço global de €300.000,00 (Trezentos Mil Euros) a M (…9 e N (…), tendo naquela mesma data o 1.º Réu marido renunciado à gerência, transmitindo, assim, o terreno vido de mencionar para a esfera jurídica e controlo total e absoluto de N (…) e M (…) [33.º Cont.].

63. Naquela mesma data, isto é, em 18 de Outubro de 2011 e por escritura pública de divisão, cessão de quota e alteração parcial de pacto, lavrada a folhas cento e vinte e duas a folhas cento e vinte e quatro verso, do livro de notas para escrituras diversas número Cento e Trinta e Um do cartório notarial de Caldas da Rainha a cargo da Dra. (…), o 1º Réu marido dividiu a sua única quota com o valor nominal de €5.000,00 (Cinco Mil Euros) representativa da totalidade do capital social da 2ª Ré, em três novas quotas com o valor nominal de €2.500,00 (Dois Mil E Quinhentos Euros), €1.200,00 (Mil E Duzentos Euros) e €1.300,00 (Mil e Trezentos Euros) [34.º Cont.].

64. Para, em seguida, por aquele mesmo título, transmitir a N (…), naquele acto representada pelo seu gestor de negócios e advogado Dr. (…), a quota com o valor nominal de €2.500,00 (Dois Mil e Quinhentos Euros) pelo preço de €150.000,00 (Cento e Cinquenta Mil Euros) tendo naquela data sido pago e entregue aos 1.ºs Réus, por intermédio do já mencionado advogado e gestor de negócios, a quantia de €25.000,00 (Vinte e Cinco Mil Euros) [35.º Cont.].

65. Mais acordaram, que aquela quota era “cedida livre de quaisquer ónus ou encargos, com todos os seus correspondentes direitos e obrigações” e que o remanescente do preço no montante de €125.000,00 (Cento e Vinte E Cinco Mil Euros) seria pago pela Sra. N (…) aos 1.ºs Réus no “prazo máximo de dez dias após a aprovação pela Câmara Municipal de Caldas da Rainha do pedido de viabilidade de construção, aprovação que deverá ser emitida no prazo de sessenta dias a contar da presente data, relativamente ao prédio rústico, pertença da sociedade, denominado por (...) , sito na freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número noventa e sete”, isto é, o prédio identificado no artigo 32.º da P.I. [36.º Cont.]

66. Acordaram, ainda, que “...como pressuposto e condição essencial da aquisição, por parte da cessionária da quota da sociedade, os cedentes declaram, asseguram e garantem à cessionária que em relação ao referido e acima identificado prédio rústico do qual a sociedade é dona e legitima proprietária, que o prédio tem a área que consta da respectiva matriz e descrição predial e a configuração constante do levantamento topográfico que as partes anexaram à presente escritura e que não existe qualquer litígio relacionado com o identificado prédio, designadamente no que se refere à área, limites e configuração da propriedade, nem em relação à mesma foi proferida qualquer decisão judicial ou administrativa, ou se encontra pendente qualquer processo judicial ou administrativo que possa vir a afectar de algum modo o seu valor ou o poder de disposição da sociedade sobre o mesmo e mais declaram, asseguram e garantem à cessionária ter o prédio capacidade edificativa para a construção de um prédio urbano com área coberta mínima de 1500m2 e que a área urbana susceptível de edificação abrange pelo menos metade da área do prédio rústico, a comprovar pela Câmara Municipal de Caldas da Rainha em sede de pedido de informação prévia...” [37.º Cont.].

67. Por aquela mesma escritura, o 1.º Réu marido e N (…), naquele momento osúnicos sócios da 2.ª Ré, deliberaram alterar parcialmente o pacto social, nomeadamente

os seus artigos 1º, 3º e 4º, transformando a 2.ª Ré numa sociedade comercial por quotas,

nomeando N (…) como gerente da mesma [38.º Cont.].

68. Por acto imediatamente subsequente à escritura referida no artigo 34º da Contestação, e também naquele dia 18 de Outubro de 2011, por escritura pública de cessões de quotas, renúncia à gerência, unificação de quota, alteração parcial do pacto e constituição de penhor, lavrada a folhas cento e vinte e cinco a folhas cento e vinte e oito verso, do livro de notas para escrituras diversas número Cento e Trinta e Um do cartório notarial de (...) a cargo da Dra. (…), os 1.ºs Réus alienaram as quotas com os valores nominais de €1.300,00 (Mil e Trezentos Euros) e €1.200,00 (Mil e Duzentos Euros), respetivamente a M (…) e N (…), pelo preço de €78.000,00 (Setenta e Oito Mil Euros) e €72.000,00 (Setenta e Dois Mil Euros), tendo aqueles pago e entregue aos 1.ºs Réus, por intermédio do seu advogado e gestor de negócios Dr. (…), as quantias de €13.000,00 (Treze Mil Euros) e €12.000,00 (Doze Mil Euros) [39.º Cont.].

69. Também à semelhança do acordado entre as partes na escritura pública supra referida no artigo 34.º da Contestação, os 1.ºs Réus e N (…) e M (…) acordaram que as quotas referidas no artigo anterior [40.º Cont.]:

a) eram cedidas livres de quaisquer ónus ou encargos, com todos os seus correspondentes direitos e obrigações;

b) que relativamente ao remanescente dos preços em dívida, os mesmos deveriam ser pagos no “prazo máximo de dez dias após a aprovação pela Câmara Municipal de Caldas da Rainha do pedido de viabilidade de construção, aprovação que deverá ser emitida o prazo de sessenta dias a contar da presente data, relativamente ao prédio rústico, pertença da sociedade, denominado por (...) , sito na freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número noventa e sete”, isto é, o prédio identificado no artigo 32.º da P.I.;

c) que “...como pressuposto e condição essencial da aquisição, por parte dos cessionários das quotas da sociedade, os cedentes declaram, asseguram e garantem aos cessionários que em relação ao referido e acima identificado prédio rústico do qual a sociedade é dona e legitima proprietária, que o prédio tem a área a que consta da respectiva matriz e descrição predial e a configuração constante do levantamento topográfico que as partes anexaram à escritura lavrada neste Livro de Notas a folhas cento e vinte e dois e seguintes e, que não existe qualquer litígio relacionado com o identificado prédio, designadamente no que se refere à área, limites e configuração da propriedade, nem em relação à mesma foi proferida qualquer decisão judicial ou administrativa, ou se encontra pendente qualquer processo judicial ou administrativo que possa vir a afectar de algum modo o seu valor ou o poder de disposição da sociedade sobre o mesmo e mais declaram, asseguram e garantem aos cessionários ter o prédio capacidade edificativa para a construção de um prédio urbano com área coberta mínima de 1500m2 e que a área urbana susceptível de edificação abrange pelo menos metade da área do prédio rústico, a comprovar pela Câmara Municipal de Caldas da Rainha em sede de pedido de informação prévia...”.

70. Em simultâneo com a cessão, portanto na mesma escritura identificada no artigo 39.º da Contestação, o 1.º Réu marido renunciou à gerência da 2.ª Ré [41.º Cont.].

71. Assim, para pagamento da quantia de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros), correspondente à soma dos montantes de €25.000,00 (Vinte e Cinco Mil Euros), €13.000,00 (Treze Mil Euros) e €12.000,00 (Doze Mil Euros) identificados nas escrituras vindas de mencionar, o advogado de N (…) e M (…), Dr. (…),em 18 de Outubro de 2011 emitiu à ordem do 1º Réu marido, o cheque nº 980345021, no montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros), sacado sobre a conta nº 00409488702, da qual é titular a sociedade de advogados denominada (…)L, no Banco (…) S.A. [42.º Cont.].

72. Todos os actos praticados pelo advogado Dr. (…), na qualidade de gestor de negócios de N (…) e M (…), nas escrituras vindas de mencionar, foram ratificados em 31 de Outubro de 2011 [43.º Cont.].

73. Por força de tais actos, a totalidade do capital social da sociedade D (…) Lda. foi cedido a M (…) e N (…), sendo a partir desta data, estes últimos, os únicos e exclusivos sócios/donos da sociedade e, como tal, de forma indireta, os únicos e exclusivos donos do terreno em discussão nos presentes autos [44.º Cont.].

74. Conforme supra referido, o montante de €300.000,00 (trezentos mil euros), como contrapartida da cedência da totalidade do capital social da sociedade e do direito de propriedade sobre o terreno, seria pago da seguinte forma [45.º Cont.]:

a) €50.000,00 (cinquenta mil euros) no acto da celebração das escrituras de cessão de quotas.

b) O remanescente em dívida, no montante global de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) “...no prazo máximo de dez dias após a aprovação pela Câmara Municipal de Caldas da Rainha do pedido de viabilidade de construção, aprovação que deverá ser emitida no prazo de sessenta dias a contar da presente data relativamente ao Prédio Rústico pertença da sociedade....”.

75. De modo a garantir o pagamento do valor global de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) em dívida, M (…) e N (…), constituíram, a favor dos 1.ºs Réus, um penhor sobre as quotas de que ambos eram titulares na sociedade D (…) Lda. [46.º Cont.],

76. Este penhor abrangia todos os direitos resultantes das mencionadas quotas, conforme resulta das escrituras públicas supra referidas nos artigos 34º e 39º da Contestação [47.º Cont.].

77. No que se refere a tais penhores ficou acordado que “...os mesmos terminam automaticamente quando estiverem totalmente extintas as responsabilidades que este contrato garante, autorizando desde já os primeiros outorgantes (os 1.ºs Réus na presente acção) os seus cancelamentos em sede de registo comercial, com a apresentação dos depósitos do pagamento da integralidade dos valores em divida, no valor de cento e oitenta e cinco mil euros e sessenta e cinco mil euros nos serviços do registo competentes, por não existir da sua parte qualquer interesse na manutenção dos mesmos, cumpridas que estejam as obrigações que garantem e que emergem deste contrato...” [48.º Cont.].

78. O penhor sobre as quotas foi sujeito a registo pelo Dep. 1819/2011-11-04 e Dep. 1820/2011-11-04 [49.º Cont.].

79. Na sequência da realização do levantamento topográfico georreferenciado constatou-se que área máxima de construção admitida no local ascendia a 1.341m2, ligeiramente abaixo dos 1500m2 pretendidos, mas como aquele valor era muito próximo dos parâmetros acordados, as partes entenderam que tal circunstância não colocava em causa a celebração do negócio [50.º Cont.].

80. Em 10 de Novembro de 2011 deu entrada na Câmara Municipal de Caldas da Rainha um pedido de informação prévia para construir no terreno uma moradia unifamiliar, com a área total de construção de 1.341m2, dando origem ao processo interno daquela autarquia com o nº 03/2011/1558 de 10.11.2011 [51.º Cont.].

81. A CMCR, por deliberação camarária com o nº 1783, tomada em reunião de 19 de Dezembro de 2011, emitiu parecer favorável e deferiu o pedido de informação prévia apresentado, tendo essa decisão sido comunicada ao requerente da informação pelo oficio nº 1239, datado de 30 de Dezembro de 2011 [52.º Cont.],

82. Na sequência da aprovação do pedido de informação prévia, M (…9 e N (…) no dia 2 de Janeiro de 2012, pagaram aos 1.ºs Réus o remanescente do preço em dívida no montante de €250.000,00 (Duzentos e Cinquenta Mil Euros), mediante os seguintes cheques, todos emitidos em 2 de Janeiro de 2012, a favor do Réu A (…) e sacados sobre a conta do BES com o nº 00409488702 de que é titular a Sociedade de Advogados (…) RL [55.º Cont.]:

 cheque nº 5904665709 no montante de €40.000,00 (Quarenta Mil Euros);

 cheque nº 8804665695 no montante de €40.000,00 (Quarenta Mil Euros);

 cheque nº 6304665687 no montante de €40.000,00 (Quarenta Mil Euros);

 cheque nº 3804665679 no montante de €40.000,00 (Quarenta Mil Euros);

 cheque nº 0604665661 no montante de €40.000,00(Quarenta Mil Euros);

 cheque nº 1204665725 no montante de €34.098,13 (Trinta e Quatro Mil e Noventa e Oito Euros e Treze Cêntimos);

 cheque nº 8404665717 no montante de €12.000,00 (Doze Mil Euros);

83. Para além destes pagamentos foi ainda descontado, no valor final a pagar aos 1.ºs Réus, o montante de €3.901,87 (Três Mil Novecentos e Um Euros e Oitenta e Sete Cêntimos) correspondente a parte do capital social que não tinha sido depositado pelo 1.º Réu marido, aquando da constituição da sociedade e o montante de €1.098,13 (Mil e Noventa e Oito Euros e Treze Cêntimos) referente a impostos, certidões, taxas pagas à CMCR, e parte dos honorários devidos aos técnicos que elaboraram o pedido de informação prévia, da responsabilidade dos 1ºs Réus, mas que foram pagos pela sociedade D (…) Lda., através de suprimentos efectuados pelos sócios M (…) e N (…) [56.º Cont.].

84. Com o pagamento da quantia de €250.000,00 (Duzentos e Cinquenta Mil Euros), referente a parte do preço ainda em dívida, os 1.ºs Réus, por declaração emitida em 2 de Janeiro de 2012 declararam “... autorizar o cancelamento do registo/menção PENHOR DE QUOTA com o nº 1819/2011-11-04, que incide sobre a quota de €3.700,00 de que é titular N (…), , para garantia da quantia de €185.000,00, e o cancelamento do registo/menção PENHOR DE QUOTA com o nº 1820/2011-11-04 que incide sobre a quota de € 1.300,00 de que é titular M (…), , para garantia da quantia de €65.000,00, ambas as quotas da sociedade D (…) LDA, anteriormente denominada D (…) UNIPESSOAL LDA com sede na Av. (...) Caldas da Rainha, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Caldas da Rainha sob o número igual ao da pessoa colectiva (...) , com o capital social de cinco mil euros integralmente realizado, por prescindirem das mencionadas garantias, por terem sido pagos e se encontrarem totalmente extintas as responsabilidades que os penhores garantiam e nada mais terem a exigir ou a reclamar dos identificados N (…) e M (…) seja a que titulo for...” [57.º Cont.].

85. Com base nessa declaração a 2.ª Ré, em 9 de Janeiro de 2012, procedeu ao cancelamento do registo de penhor incidente sobre as quotas tituladas por M (…) e N (…), através do Dep.10/20120109 e Dep. 11/20120109 [58.º Cont.].

86. No inicio de 2012 a 2.ª Ré celebrou com a sociedade G (…), Lda., com sede na Rua (...) , em Caldas da Rainha, um contrato de prestação de serviços de Arquitetura e Engenharia, com vista à elaboração dos Projetos da Área de Arquitetura e Engenharia Civil do Edifício Habitacional a construir no terreno e o acompanhamento de toda a obra na figura de Gestão e Coordenação do Projeto, pelo preço de 40.000,00 Euros (Quarenta mil euros), acrescido do valor do IVA, a ser pago da seguinte forma [59.º Cont.]:

 20.750,00 Euros (vinte mil setecentos e cinquenta euros) S/Iva, relativos à fase de projeto (Licenciamento e Execução);

 19.250,00 Euros (dezanove mil duzentos e cinquenta euros) S/Iva, relativos à fase de Gestão e coordenação de Obra;

87. Em 10 de Janeiro de 2013 a 2.ª Ré submeteu a aprovação junto da CMCR um projecto de arquitetura para a construção de uma moradia unifamiliar a implantar no terreno que deu origem ao processo camarário nº 01/2013, [60.º Cont.]

88. Este projecto foi aprovado em sessão de Câmara de 20 de Maio de 2013 e a aprovação comunicada à sociedade em 7 de Junho de 2013 [62.º Cont.].

89. Muito resumidamente, o projecto prevê a construção de uma moradia com 2 pisos,

composta por 16 quartos, 19 instalações sanitárias, 3 salas comuns, 2 escritórios e uma

garagem, [62.º Cont.]

90. O custo estimado da obra ascende ao montante de €1.350.000,00 (Um Milhão Trezentos e Cinquenta Mil Euros) e a sua execução a 19 meses [63.º Cont.].

91. Para financiar o início deste projeto N (…) pediu ao 3.º Réu, seu irmão, Z (…)a concessão de um empréstimo no montante de €100.000,00 (Cem Mil Euros) pelo prazo de cinco anos [64.º Cont.].

92. Como garantia do reembolso deste empréstimo N (…) e M (…) acordaram com o 3.º Réu em dar de garantia o prédio identificado no artigo 32.º da P.I. [65.º Cont.].

93. Nesse pressuposto, e aproveitando a presença de N (…) em Portugal, no dia 24 de Fevereiro de 2012, a 2.ª Ré, representada por N (…), e o 3.º Réu, representado pelo seu advogado e gestor de negócios Dr. (…), outorgaram no Cartório Notarial de Caldas da Rainha, (…) a fls. 25 a 26 verso do livro de notas para escrituras diversas número cento e trinta e seis – A daquele cartório, escritura pública de mútuo com hipoteca, em que o 3º Réu declarou que concedia um empréstimo de € 100.00,00 (Cem Mil Euros) à 2.ª Ré, tendo esta, por sua vez, se confessado devedora deste montante [66.º Cont.].

94. Sucede que a 2.ª e o 3.º Réu, bem como M (…9 e N (…) desconheciam, em absoluto, a situação financeira e as alegadas dívidas dos 1ºs Réus, bem como a sociedade A (…) Lda. [128.º Cont.].

95. Após a conclusão das negociações para a compra do terreno, que ocorreram em Setembro de 2011, M (…9 e N (…), nunca mais contactaram com os 1.ºs Réus [130.º Cont.].

96. Só com a citação para a presente acção é que a 2.ª e o 3.º Réu, e M (…9e  N (…) tomaram conhecimento da situação de insolvência da sociedade A (...) [131.º Cont.].

97. A 2.ª Ré, N (…), M (…) e o 3º Réu não tiveram consciência de qualquer prejuízo para a Autora, pois desconheciam a existência da sociedade A (…) de que os 1.ºs Réus eram fiadores de quaisquer empréstimos contraídos por esta sociedade e que aquela sociedade e os 1.ºs Réus não tivessem património, ou património suficiente, que garantisse o crédito da Autora e que os actos ora impugnados provocavam um prejuízo à Autora [143.º Cont.].

98. A 2.ª Ré encontra-se a desenvolver o projeto imobiliário que será edificado no terreno referido no artigo 32.º da P.I. [156.º Cont.],

99. Este projecto consiste na construção de uma moradia unifamiliar de tipologia T16, com um piso acima da cota soleira, e outro abaixo da cota soleira, com uma cércea de 6,30m, com cinco lugares de estacionamento, com uma área total de construção de 1.314,41m2 [157.º Cont.].

100. O custo estimado da obra que a 2ª Ré pretende construir no terreno ascende ao montante de €1.350.000,00 (Um Milhão Trezentos e Cinquenta Mil Euros) e a sua execução a 19 meses [158.º Cont.],

101. O terreno adquirido pela 2.ª Ré, à data da sua transmissão, ou seja 18 de Outubro de 2010, encontrava-se inculto, cheio de mato e silvas e com algumas árvores e não tinha viabilidade de construção confirmada pela CMCR [173.º Cont.].

102. Por desconhecerem se viria a ser aprovado o projecto de construção, N (…) e M (…) pagaram apenas a quantia de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros) pela aquisição da quota pertencente aos 1.ºs Réus e representativas da totalidade do capital social da 2.ª Ré, aquando da celebração das escrituras públicas de cessões de quotas referidas nos artigos 34º e 39º da contestação [175.º Cont.],

103. Tendo ficado acordado que o remanescente, no montante de €250.000,00 (Duzentos E Cinquenta Mil Euros), só seria devido, quando e se a CMCR autorizasse a construção no local de um prédio urbano com a área coberta mínima de mil e quinhentos metros quadrados e desde que a área urbana suscetível de edificação abrangesse pelo menos metade da área do terreno [176.º Cont.].

104. Só com aquela aprovação é que os 1.ºs Réus receberam o remanescente do preço devido com as supra referidas cessões de quotas [177.º Cont.].

105. Somente após a transmissão do prédio dos 1.ºs Réus para a 2.ª Ré, é que o terreno obteve informação prévia favorável da CMCR, permitindo à 2.ª Ré construir uma moradia com uma área total de 1.341m2 [178.º Cont.].                                                                                                                      ¨¨

 E os seguintes os factos “não provados”:

a) Que o 1.º Réu marido, com o consentimento da mulher/ ora 1.ª 1.ª Ré, cerca de quatro meses antes de apresentar a firma mutuária A (…) Lda., à insolvência, alienou e onerou a favor da 2.ª Ré, parte do património imobiliário de que dispunha, o qual não se encontrava onerado, com o único propósito de evitar o pagamento a credores, entre os quais à Autora Caixa Agrícola [31.º P.I.].

b) Que nunca os ora 1.ºs Réus quiseram doar o imóvel supra descrito no art.º 32 nem a 2.ª Ré o quis adquirir [34.º P.I.].

c) Que só assim foi declarado para de forma consciente, intencional e em conluio arquitectado entre os 1.ºs Réus e a 2.ª Ré, representada no acto de doação pelo 1.º Réu marido, diminuir o património dos 1.ºs Réus à possibilidade de satisfação dos seus créditos para com a Autora, frustrando a apreensão e venda judicial do seu património imobiliário [35.º P.I.].

d) Que em proveito próprio e em prejuízo da ora Autora os 1.ºs Réus doaram a favor da 2.ª Ré /sua representada, o referido imóvel, com o único intuito de esvaziarem o seu activo e reduzirem a garantia patrimonial da ora Autora [43.º P.I.].

e) Que o 1.º Réu marido e a 1ª Ré mulher, que prestou ao seu referido marido o seu consentimento para o acto de doação em causa, tinham conhecimento que a diminuição

do seu património comprometia a possibilidade de satisfação dos créditos assumidos junto da Autora dado que daí resultava uma impossibilidade económica dos 1.ºs Réus para poder solver as suas responsabilidades vencidas perante a A. [44.º P.I.].

f) Que a declaração feita pelos 1.ºs Réus e pela 2.ª Ré, representada pelo 1.º Réu marido não corresponde a qualquer vontade de celebrar a alegada doação, tendo apenas o único fito de ludibriar a ora Autora e os restantes credores [45-.º P.I.].

g) Que foi desse modo, que os 1.ºs Réus conseguiram manter a posse e a exploração comercial do referido bem embora a propriedade estivesse aparentemente em nome de terceiro/ ora 2.ª Ré/ empresa da qual o 1.º Réu marido era sócio fundador e gerente, sabendo que a Autora podia a todo o momento penhorar o património dos 1.ºs Réus, caso o não fizesse [50.º P.I.].

h) Que nunca os 1.ºs Réus quiseram doar o imóvel supra descrito, que continuou, portanto, intimamente ligado ao 1.º Réu marido – sócio gerente das duas sociedades – a

mutuária A (…), Lda. e a 2.ª Ré D (…) UNIPESSOAL, Lda.,” e a referida sociedade/ora 2.ª Ré nunca o quis adquirir [52.º P.I.].

i) Que a referida sociedade/ora 2.ª Ré apenas foi constituída para absorver o património do 1.º Réu [53.º P.I.].

j) Que só assim se compreende a forma concertada com que os 1.ºs Réus e a 2.ª Ré agiram com o intuito de prejudicar a Autora [57.º P.I.].

k) Que os 1.ºs Réus e a 2.ª Ré, representada pelo 1.º Réu marido, outorgaram a doação do prédio descrito no art.º 32 de má-fé, uma vez que declararam negocialmente uma vontade que não correspondia à sua vontade real, com o intuito de enganar a ora Autora, enquanto credora dos 1.ºs Réus [58.º P.I.].

l) Que nunca o 3.º Réu concedeu à ora 2.ª Ré, a seu pedido e no seu interesse, o montante de € 100.000,00 (cem mil euros), nem esta o recebeu [64.º P.I.].

m) Que a 2.ª e 3.º Réu fingiram/simularam celebrar o Contrato de Mútuo com Hipoteca apenas para onerarem o património que a 2.ª Ré sabia que se encontrava afecto aos créditos assumidos pelo sócio fundador / ora 1.º Réu marido junto da Autora, agravando assim a impossibilidade da ora Autora obter a satisfação integral dos seus créditos pela venda do aludido imóvel [65.º P.I.].

n) Que a oneração datada de 24/02/2012 resultou de um conluio arquitectado entre todos os Réus destinado a salvaguardar o património dos 1.ºs Réus ao cumprimento das

responsabilidades assumidas perante a Autora, sabendo a 2.ª e o 3.º Réu, enquanto pessoas proximamente relacionadas com os 1.ºs Réus, da grave situação financeira em que aqueles se encontravam, por virtude da fiança prestada a favor da Autora para dívidas da firma A (…), Lda. [68.º P.I.].

o) Que a 2.ª Ré. nunca quis onerar o imóvel supra descrito no art.º 32 a favor do 3.º Réu que nunca a quis aceitar, e o 3.º Réu nunca entregou à 2.º Ré a quantia pecuniária mencionada na aludida Escritura Pública de Mútuo com Hipoteca nem o 2.º Réu a recebeu [70.º P.I.].

p) Que tanto é assim que a referida sociedade/ora 2.ª Ré não podia ignorar que os 1.ºs Réus se encontravam em grave situação económica por terem onerado todo o seu património para garantia de dívidas de sociedade comercial dominada pelo 1.º Réu marido [71.º P.I.].

q) Que a 2.ª Ré outorgou a Escritura Pública de Mútuo sobre o referido imóvel de má-fé tendo declarado negocialmente uma vontade que não correspondia à sua vontade real, com o intuito de enganar os seus credores, nomeadamente a ora A., enquanto credora dos 1.ºs Réus [74.º P.I.].

r) Que o 1.º Réu marido continua até hoje a dispor do imóvel supra identificado no art.º 32, usufruindo do mesmo [75.º P.I.].

s) Que apesar de o bem imóvel supra referido estar registado em nome da referida sociedade/ora 2.ª Ré, a alegada doação permitiu que o 1.º Réu arranjasse o subterfúgio ideal que permitisse continuar a dispor do bem, até hoje [76.º P.I.].

t) Que os Réus quiseram e conseguiram, através dum conluio previamente arquitectado entre os 1.ºs Réus, a 2.ª Ré/ representada pelo 1.º Réu marido único e o 3.º Réu/ pessoa da máxima confiança dos 1.ºs Réus e da ora 2.ª Ré, tornar impossível a liquidação do crédito da Autora, nomeadamente impedindo a penhora e subsequente venda judicial dos bens em causa [77.º P.I.].

u) Que os 1.ºs Réus tiveram plena consciência de que ao doarem o único imóvel livre e desonerado que possuíam a favor da 2.ª Ré e esta ao onerá-lo a favor do 3.º Réu estavam de facto a diminuir o seu património prejudicando desta forma a Autora que viu séria e definitivamente agravada a sua possibilidade de obter a satisfação parcial ou

integral do seu crédito [78.º P.I.].

v) Que não é crível que os sócios e o actual gerente da 2.ª Ré não tivessem conhecimento das dívidas e compromissos quer dos 1.ºs Réus quer da sociedade representada por estes [80.º P.I.].

w) Que os Réus mantinham uma relação de amizade e não existiu no “acordo”, “na parceria” tão rudimentarmente alinhada entre a 2.ª Ré e o 3.º Réu qualquer intenção do

3.º Réu disponibilizar o valor de € 100.000,00 (cem mil euros) e da 2.ª Ré em construir

qualquer moradia destinada a alojamento local no referido prédio onerando-o, conforme declarado na escritura [81.º P.I.].

x) Que nem tão-pouco consequentemente teve intenção a ora 2.ª Ré de restituir a importância que alegadamente recebeu ou de vir a pagar juros à taxa legal de um por cento ao ano [82.º P.I.].

y) Que só assim foi declarado para criar a aparência que o alegado contrato de mútuo seria oneroso [83.º P.I.].

z) Que a 2.ª e o 3.º Réu agiram de má-fé com o intuito de prejudicar e enganar a A., como credora [84.º P.I.].

aa) Que a doação efectuada pelo 1.º Réu marido a favor da sua representada/ ora 2.ª Ré e a oneração do imóvel e causa apenas foi feita com o único e exclusivo intuito de enganar a Autora e os demais credores da 1.ª Ré, sobre quem são os proprietários do bem em causa nestes autos [85.º P.I.].

bb) Que o terreno não valia mais do que €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros) [174.º Cont.].

cc) Que o terreno aquando da transmissão para a 2.ª Ré somente tinha o valor de €50.000,00 (Cinquenta Mil euros) [182.º Cont.].

dd) Que a aprovação só foi possível devido ao esforço, competência técnica e trabalho desenvolvido pelos técnicos envolvidos e ao facto de a Câmara ter reconhecido a qualidade e mais-valia do projeto apresentado pela 2ª Ré para toda a região Oeste [179.º Cont.].

ee) Que não fora o trabalho desenvolvido pela 2.ª Ré e jamais a Câmara autorizava a construção no terreno, ou, pelo menos, não autorizava a construção com a dimensão que veio a ser aprovada [180.º Cont.].

ff) Que conferiu e aumentou inegavelmente o valor de mercado do terreno após a sua transmissão para a 2.ª Ré [181.º Cont.].

                                                                       *

3.2 – A Autora/recorrente sustenta a incorrecta valoração da prova produzida, existindo razões para alterar a matéria de facto dada como “provada” nos artº.s  “55.” , “74.” , “97.” e “92.”.

Será assim?

(…)

Que dizer?

Desde logo, que o contrato de mútuo em causa, atento o seu invocado valor (de € 100.000,00), tinha que ser celebrado por escritura pública (cf. art. 1143º do C.Civil), sendo nessa medida um negócio formal (cf. art. 219º do C.Civil).

Sucede que, o concreto aspeto (cláusula) do tempo do cumprimento da obrigação por parte do mutuante (entrega do montante emprestado), nem sequer se encontra abrangido pela exigência de forma[2], pelo que ter ele ficado a constar da escritura tinha seguramente a virtualidade de facilitar a correspondente prova do cumprimento/verificação dessa obrigação …

Ora, é certo que a prova documental até aponta efectivamente para que essa entrega só ocorreu num período subsequente à escritura (através de entregas parcelares, tituladas por 4 cheques datados de 30.12.2012, 27.07.2012, 24.08.2012 e 24.12.2013, respectivamente, conforme “confessado” pelos próprios 2ª e 3ª Réus no art. 74º da sua contestação/reconvenção com suporte em prova documental junta aos autos), o que veio a ser confirmado/certificado pelos Srs. Peritos no Relatório da sua Perícia (cf. fls. 921-923)…

Mas isso não retira que prova foi feita no sentido de que houve efetiva entrega do montante mutuado!

Aliás, nesse mesmo sentido aponta ter sido dado como “não provado” pela sentença recorrida que nunca o 3º Réu tivesse concedido à 2ª Ré o empréstimo dos € 100.000,00, nunca aquele tivesse entregue essa quantia ou que esta última não o tivesse recebido [cf., em especial, as alíneas “l)” e “o)”, do correspondente elenco], factos estes que a Autora/recorrente não impugna como tais…

Sendo para nós perfeitamente compreensível a dilação ocorrida, não só por tal não contender com o previsto prazo de restituição da quantia – ao fim de 5 anos, como consta da mesma escritura (cf. fls. 205-210) – como igualmente por a escritura só ter sido ratificada alguns meses depois, dada a intervenção de “gestores de negócios” na mesma (cf. fls. 548-552), só então sendo plenamente eficaz entre as partes, sendo certo que essa mesma ratificação posterior consta devidamente anotada no próprio registo da hipoteca (cf. fls. 197-199).

E nem se argumente que, neste quadro, não se podia considerar provada a existência do mútuo (e por consequência da hipoteca), por ser o mútuo um contrato real “quoad constitutionem” – isto é, para cuja válida constituição, se exige como elemento essencial, a tradição da coisa emprestada – quando no caso vertente tal não sucedeu na data da escritura.

De referir que neste ponto vamos já passar em alguma medida à apreciação de uma outra das questões colocadas no recurso, qual seja a de que ocorreu erro na qualificação jurídica dos factos (quanto à existência e validade do mútuo com hipoteca).

Salvo o devido respeito, também não assiste qualquer razão à Autora/recorrente quanto ao que aduz nesta sede e para este efeito.

Senão vejamos.

É que o sustentado nesta sede partia do pressuposto que o constante da celebrada escritura de mútuo com hipoteca constituía uma “declaração recognitiva das obrigações futuras, o que não condiz com o teor confessório do mesmo”.

Sucede que não é esta a nossa interpretação do ocorrido: o mútuo é um negócio formal, com o sentido de que tinha de ser celebrado por escritura pública atento o montante em causa (€ 100.000,00), o que se mostra verificado; no particular dos elementos essenciais do contrato de mútuo os mesmos constam da escritura celebrada – sujeitos do contrato, declaração de concessão de um empréstimo, montante deste, condições e prazo da sua restituição – sendo que a cláusula respeitante ao tempo do cumprimento da obrigação por parte do mutuante (entrega do montante emprestado) é aspeto que não tinha de figurar expressamente como elemento literal do negócio para que o mesmo fosse formalmente válido; em todo o caso, enquanto facto instrumental para a boa decisão da causa resultou positivamente apurado, donde nenhum óbice ter sido percepcionado pelo Exmo. Juiz a quo neste particular.

O que tudo serve para dizer que quando juridicamente, sob o ponto de vista dogmático, se sublinha que “o mútuo é, de sua natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa[3], quer-se precisa e efetivamente significar que sendo a atribuição patrimonial efectuada pelo mutuante um elemento constitutivo ou integrante do contrato, este não existe sem a entrega, mas tal não implica ou exige que essa entrega tenha de estar sempre já realizada para que se possa considerar celebrado um contrato de mútuo.

Isto é – como nesta parte doutamente aduziram a 2ª e 3ª Réu nas respetivas contra-alegações, com apoio na melhor doutrina[4] – essa entrega, sendo normalmente anterior, pode perfeitamente ser contemporânea do negócio, sendo certo que o contrato só se torna perfeito ou consolida com essa entrega.

Ora cremos que foi precisamente isto que aconteceu no caso vertente, em que por via da necessidade de ratificação da escritura, o contrato só se tornou eficaz entre as partes em data posterior à da escritura, sendo que nessa decorrência e muito antes do decurso do prazo de 5 anos acordado para a obrigação de restituição pela mutuária, teve lugar a entrega de toda a quantia pelo mutuante.

Nesta linha de entendimento – que temos por inquestionável e inabalável –  não vemos como censurar a opção do Exmo. Juiz de 1ª instância quanto a ter dado como “provado” o que consta dos pré-citados artigos “36.” e “92.” .

É que não se evidencia qualquer erro de julgamento neste particular!

Sem embargo, impõe-se a correcção do teor literal do dito artigo “35.”, mediante a supressão do já antes referido e qualificado como incorrecto termo verbal “alegadamente”, o que se fará através da opção por uma redacção consonante com a dos demais e que traduz, afinal, o que a escritura em causa permite fazer, isto é, o que as partes declararam perante o oficial público, donde a seguinte nova redacção para esse artigo dos factos “provados”:

«35. Em 24/02/2012, o ora 3.º Réu Z (…) por ESCRITURA PÚBLICA DE MÚTUO COM HIPOTECA outorgada no Cartório Notarial de (...) a cargo da Notária (…) a folhas vinte e cinco a vinte e seis versos do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 136-A declarou conceder à ora 2.ª Ré “D (…) UNIPESSOAL, Lda.” um empréstimo no montante de €100.000,00 (cem mil euros) [nova redacção quanto ao art. 62.º P.I.]».

Procede nesta estrita medida a impugnação da matéria de facto deduzida pela Autora/recorrente, sendo certo que já ficou igualmente apreciada e decidida a ampliação do recurso neste particular suscitada pela 2ª e 3ª Réus.

*

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1– Cumpre agora concluir a apreciação da primeira das questões igualmente supra enunciada, a da invocação de que em face da matéria dada como provada ocorreu erro na qualificação jurídica dos factos (quanto à existência e validade do mútuo com hipoteca) .

Na verdade, já supra se assentou no preliminar entendimento quanto a esta questão, tendo sido no sentido de que não ocorreu qualquer erro de julgamento quer em termos de convicção alcançada, quer em termos do que substancialmente foi dado como provado sob os artigos “35.”, “36.” e “92.”

Ora se assim é, importa agora afirmar decisiva e conclusivamente que se mostra apurado ter sido celebrado – e como tal ser perfeitamente existente! – um válido e legal contrato de mútuo com hipoteca entre a 2ª Ré e o 3º Réu, nos termos resultantes e expressos na escritura ajuizada respeitante a esse particular, e para este efeito dada como reproduzida, posto que, nenhuns mútuos parcelares e/ou informais cumpra com autonomia considerar verificados!

Sendo certo que, face à factualidade “provada” que como tal subsiste, inexiste de todo lastro factual para um tal entendimento…

Ao invés, quanto a nós resulta insofismavelmente da factualidade dada como provada, na sua interpretação conjugada, que houve uma real e efectiva vontade de ambas as partes em celebrar esse dito contrato, tendo sido apurados os elementos essenciais de ambos os contratos, nenhum vício formal ou outro se descortinando no documento/escritura que formalmente traduziu essa vontade negocial.

Improcede assim, sem necessidade de maiores considerações, esta questão recursiva.

*

            4.2 – Cumpre agora apreciar a invocada incorrecção na aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais, mais concretamente quando o Tribunal a quo considerou desvirtuada a constituição da sociedade 2ª. Ré/Recorrente e assim considerou oneroso o acto de transmissão do imóvel em causa nestes autos (dos 1º.s Réus/ Recorridos A (…) e mulher a favor dos legais representantes da 2ª. Ré “D (…) LdªN (…) e M (…).

            Sendo certo que o vamos fazer com a apreciação conjunta do suscitado em via da ampliação do objecto do recurso por parte dos 2ª e 3º Réus, a saber, que nunca estariam verificados todos os requisitos para a procedência da impugnação pauliana, mais concretamente, nem o requisito da diminuição da garantia patrimonial do crédito, nem o requisito da impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade da satisfação integral do crédito, em consequência da doação impugnada.

            Isto porque, as conclusões a que chegamos sobre uma e outra questão se complementam e reforçam, apontando inequivocamente para um mesmo resultado.

            Senão vejamos.

Na sentença sustentou-se, em suma, que o 1º Réu marido queria transmitir e  transmitiu o prédio em causa nos presentes autos a M (…) e N (…) pelo preço de € 300.000,00, quantia esta que foi desembolsada por estes, donde não podia haver dúvidas que o negócio celebrado entre aqueles foi oneroso, e que a constituição da 2ª Ré, doação e cessões de quotas foram atos meramente formais e instrumentais daquele negócio.

            Em contraponto a esse entendimento perfilhado na sentença recorrida, sustenta a Autora/recorrente nas suas alegações recursivas que se encontra por detrás da teoria da desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva a necessidade de corrigir comportamentos ilícitos, fraudulentos, de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade – seja actuando em abuso de direito, em fraude à lei ou, de forma mais geral, com violação das regras de boa fé e em prejuízo de terceiros – donde, mal teria andado a sentença recorrida quando considerou estarem reunidos os requisitos para aplicar esta teoria.

            Isto porque a dita 2ª. Ré (“D (…) Unipessoal Ldª.”, depois transformada em “D (…), Ldª.”) teria sido constituída com a finalidade de realizar um investimento em Portugal por parte dos promotores do empreendimento turístico, os citados N (…) e M(…) não havendo o mínimo sinal de fraude ou abuso de direito na constituição dessa sociedade.

            Esta afirmação só não nos mereceria uma convicta reserva, caso a sociedade tivesse sido constituída pelos citados N (…) e M (…), o que sabemos não ter sido o caso, antes a mesma foi confessadamente constituída pelo 1º Réu marido, A (…) o qual em tudo teve as necessárias autorizações/consentimentos da 1ª Ré mulher, M (…).

            Ora se assim sucedeu, em nosso entender, nem só para situações aparentes de ilicitude é curial e adequado invocar-se a referenciada teoria, antes deve ela “cobrir” um mais vasto leque de situações, nomeadamente quando se instrumentalizam os mecanismos jurídicos em ordem a conseguir uma fictícia separação de patrimónios e assim criar uma ilusão sobre a alienação em si, como seja a constituição de uma sociedade com um único sócio, para quem é transferida por este último um bem imóvel que detinha, quando o objectivo final/mediato era transferir directamente o imóvel para os futuros detentores da sociedade, que o vêm a ser, mas por via de uma singela cessão da totalidade das quotas em seu favor, realizada a posteriori pelo dito único sócio da sociedade ab initio constituída.

            Que foi o que sucedeu no caso vertente!

            Neste sentido aponta a melhor doutrina sobre esta questão, relevando que entre a diversidade de situações em que tem sido operado o levantamento da personalidade coletiva, se descortinam “situações de violação não-aparente de normas jurídicas: a pretexto da personalidade colectiva, são descuradas normas de contabilidade, de separação de patrimónios ou de clareza nas alienações”.[5] 

Revertendo mais uma vez ao caso vertente, recorde-se que resultou manifestamente apurado que os ditos N (..:9 e M (…) foram aconselhados a constituir uma empresa para realizar o seu investimento em Portugal (não só pelas razões fiscais que se iriam colocar no futuro com a exploração do empreendimento turístico, mas sobretudo devido ao facto de não serem casados, os meios financeiros necessários à execução do projeto provirem de fontes diversas, designadamente de empréstimos de familiares, e cada um participar no investimento em percentagens diferentes), sendo que foi perante este circunstancialismo que o 1º Réu marido e os ditos N (…) e M (…)acordaram que aquele, conjuntamente com a sua mulher, lhes transmitiriam onerosamente o prédio ajuizado, previamente detido por uma sociedade e a respectiva sociedade, pelo preço de € 300.000,00 (cf. factos provados sob os artigos “54.” e “55.”)…

Isto é, cotejando este propósito das partes com o que veio a suceder, resulta, quanto a nós, que houve efetivamente vários negócios, mas que foram instrumentais do único negócio efectivamente pretendido pelas partes envolvidas, qual seja, o da transmissão onerosa do prédio ajuizado pelo preço de € 300.000,00, a saber:

a)  Contrato de sociedade, relativo à constituição da “D (…) UNIPESSOAL, Lda.”, sendo a totalidade do capital social desta sociedade representado por uma única quota com o valor nominal de € 5.000,00, e pertencente ao 1º Réu marido;

b) Contrato de doação relativo à transmissão do prédio para a sociedade “D (…)UNIPESSOAL, Lda.”;

c) Divisão daquela quota, e cessões das quotas a N (…) e a M (…), pelo preço de € 300.000,00.

Nesta linha de entendimento, merece-nos inteiro acolhimento o que foi sustentado na sentença recorrida no seguinte segmento:

«Com efeito, a realização dos negócios jurídicos acima mencionados, no curto intervalo de tempo de 12/10/2011 a 18/10/2011, no contexto e circunstâncias descritos nos factos provados, de transmissão do prédio em causa dos 1.ºs Réus para M (…) e N (…), na qualidade de adquirentes da totalidade das quotas da 2.ª Ré, pelo preço de €300.000,00, independentemente de saber se estamos em face de um único acto (resultante da coligação de contratos, porque foi estruturado através de negócios jurídicos económico-teleologicamente interdependentes e coligados entre si, como defendem os Réus22) para efeitos do disposto no art. 612.º, do CC, ou se estamos antes em face de uma transmissão posterior à doação para efeitos do disposto no art. 613.º, do CC, configuram sempre a prática de um acto oneroso, pois em ambos os casos desconsidera-se sempre a personalidade da sociedade 2.ª Ré.

Ou dito de outro modo, quer se considere, por um lado, que a “primeira transmissão” do prédio em causa ocorreu entre o 1.º Réu e a 2.ª Ré sociedade (de que o 1.º Réu era sócio único) com a prática de um acto gratuito (de doação) e a “transmissão posterior” desse mesmo prédio ocorreu com a cessão da totalidade das quotas da 2.ª Ré a terceiros (M (…) e N (…)), ou, por outro lado, quer se considere que todos os referidos negócios configuram um único acto resultante de contratos coligados, por qualquer dessas vias, M (…) e N (…) passaram efectivamente a ser os proprietários de tal prédio através da prática de um acto oneroso (único ou final) e por isso se exige o requisito da má-fé, que cumpre à Autora provar.

(22) Citando na sua contestação o Prof. Mota Pinto, na sua obra intitulada Onerosidade e gratuitidade das garantias de dívidas de terceiro na doutrina da falência e da impugnação pauliana, na compilação de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, publicado in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, III IURIDICA, Coimbra, 1983, pág. 107 e ainda João Cura Mariano in Impugnação Pauliana, 2ª Edição, Almedina, pág. 218.»

            Sendo certo que, conforme douto entendimento, é curial falar-se da "equivalência entre venda de participações sociais e transmissão do património da sociedade (nele incluída a empresa) e de transmissão indirecta do património social (incluindo a empresa). Pelo simples facto de que sociedade e (sua) empresa não são a mesma coisa, o património social não é o mesmo que património empresarial; nem tudo que se inclui no activo e (sobretudo) no passivo de uma sociedade é elemento ou meio da respectiva empresa. Ora, a aquisição da totalidade ou da maioria das participações numa sociedade equivale a uma aquisição indirecta (ou substancial) não apenas da empresa social mas também do restante património social”.[6]

            Não vemos assim que mereça qualquer censura a opção feita na sentença recorrida de, através do recurso à desconsideração da personalidade das sociedades, entender que a realização de todos os negócios acima descritos configuravam uma verdadeira e efetiva transmissão do prédio em causa dos 1.ºs Réus para N (…) e M (…) (independentemente de se saber se se estava em face de apenas um único negócio de transmissão ou de vários negócios coligados entre si, porque a propriedade do prédio foi realmente transmitida para terceiros ao adquirirem a totalidade de tal sociedade), face ao que se tratava de um acto oneroso (porque foi vendido pelo preço de € 300.000,00) e, consequentemente, era exigível o requisito da má fé.

Requisito este que, no que aos terceiros adquirentes dizia respeito (os ditos N (…) e M (…)) não resultou manifestamente provado, pois que até resultou positivamente apurado a boa fé destes últimos, isto é, que estes efetivamente não tinham qualquer consciência do prejuízo que o acto de transmissão do prédio referido pudesse causar ao credor, a ora Autora/recorrente.

Dito de outra forma: competindo no caso vertente o ónus de prova à Autora (ex vi do art. 342º, nº 1, do C.Civil) não logrou ela provar qualquer facto susceptível de integrar a consciência do prejuízo de que dependia a má-fé dos terceiros adquirentes dos bens em causa, donde, na medida em que a lei exige a má fé do devedor e dos terceiros, uma vez que a Autora/recorrente não logrou provar que os terceiros adquirentes actuaram de má-fé (antes pelo contrário, ficou provado que estes actuaram de boa-fé), desnecessário era até apurar se os 1.ºs Réus actuaram de má fé.

O que tudo serve para dizer que, não resultando provada a má fé dos terceiros adquirentes, não pode proceder a impugnação pauliana contra a transmissão do prédio em causa.

Assim improcedendo este argumento recursivo – o do desacerto no recurso à desconsideração da personalidade da sociedade 2ª Ré – sustentado nas alegações recursivas da Autora/recorrente.

Sucede que, a nosso ver, mesmo a entender-se nos termos propugnados pela Autora/recorrente, isto é, que a sequência de atos jurídicos consubstanciavam apenas e tão-somente uma única transmissão do prédio ajuizado do 1º Réu para a 2ª Ré sociedade e nada mais – porque as eventuais transmissões posteriores de quotas não eram mais do que isso mesmo, meras cessões de quotas da sociedade, dado que o prédio em causa continuaria sempre a pertencer à mesma pessoa colectiva (a 2ª Ré), face ao que se trataria então de um acto gratuito (doação) e, consequentemente, não seria exigível o requisito da má fé – ainda assim sempre improcederia o recurso da Autora/recorrente.

Isso precisamente porque sempre procederia o sustentado pela 2ª e 3º Réus através da ampliação do objeto do recurso.

É o que cuidaremos de evidenciar na sequência, com a brevidade possível.

O primeiro argumento aduzido nesta sede e para este efeito é o de que não se encontra verificado o requisito para a procedência da impugnação pauliana que é o da diminuição da garantia patrimonial do crédito.

Ora, neste particular merece-nos inteiro acolhimento o aduzido nas contra-alegações recursivas, nomeadamente quando se sublinha que ao ser transferido o terreno para a 2ª Ré, foi aumentado, ao mesmo tempo e na exata proporção, o valor da quota com o valor nominal de € 5.000,00 de que o 1º Réu marido era titular naquela sociedade, a 2ª Ré.

Podendo-se aqui até invocar o que foi esclarecido pelos Srs. Peritos, a saber, quando questionados sobre qual seria o valor da referida quota de € 5.000,00 detida pelo 1º Réu marido, à data de 18 de Outubro de 2011, após a transmissão para a 2ª Ré do mencionado prédio, aqueles Srs. peritos responderam que “dado que o terreno foi doado, tendo-lhe sido atribuído o valor de €2.500,00, a quota valeria €7.500,00. Mas como o terreno foi avaliado por €184.000,00, resulta uma diferença de €181.500,00 que aumenta o valor da quota. Conclui-se, assim, que a quota com o valor nominal de €5.000,00, teria, considerando a avaliação do terreno, um valor de €189.000,00 (€5.000,00+€2.500,00+€181.500,00 ou €5.000,00+€184.000), à data de 18/10/2011.”(cf. fls. 923 dos autos).

No limite, «(…), em termos patrimoniais, o ativo dos 1ºs Réus, o valor do seu património, não aumentou nem diminuiu com aquele negócio jurídico, o resultado foi uma operação neutra do ponto de vista patrimonial: os 1ºs Réus deixaram de ter um prédio e passaram a ter uma quota, numa sociedade, de valor igual ao valor do terreno, uma vez que a transmissão do prédio para a sociedade provocou um aumento do valor da quota nominal de €5.000,00 (Cinco Mil Euros) que já integrava o património dos 1ºs Réus, na exata medida do valor do prédio transmitido.»[7]

Quota esta que constituía à data um bem desonerado e perfeitamente penhorável, sendo disso caso…

Donde não poder ser licitamente sustentado que, com a doação e por força da doação, nenhum bem tenha efetivamente subsistido como garantia de cumprimento para a aqui Autora/recorrente!

Por outro lado, sustentam os 2ª e 3º Réus, que não se encontra verificado o requisito da impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade da satisfação integral do crédito, em consequência da doação impugnada.

Será assim?

Temos presente que que a “impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do crédito” (ou agravamento dessa impossibilidade)” a que se reporta o art. 610º, nº1, al.b) do C.Civil, por força do disposto neste art. 611º do mesmo C.Civil, afere-se através duma avaliação da situação patrimonial do devedor após a prática do acto a impugnar, sendo que é o peso comparativo do montante das dívidas e do valor dos bens conhecidos do devedor que indicará se desse acto resultou a mencionada impossibilidade.

Daqui resulta que a impugnação pauliana não só pode ter lugar quando o património do devedor não está apetrechado de bens para solver uma determinada dívida, mas também quando, apesar dos bens existentes serem suficientes para pagar essa dívida, não têm um valor que garanta a satisfação de todas as dívidas conhecidas por cujo pagamento o devedor é responsável. Existindo esta insuficiência, a garantia patrimonial de qualquer crédito comum mostra-se danificada, deixando os respectivos credores de terem assegurada a satisfação integral dos seus créditos.”[8]

Sucede que, conforme igualmente melhor entendimento nesta matéria, “Conforme consta do art. 610º, al.b) do C.C., a situação de impossibilidade de satisfação do crédito ou o seu agravamento deve ser provocada pelo acto a impugnar, exigindo-se um nexo de causalidade entre o acto e o prejuízo. Só se a situação de impossibilidade ou o seu agravamento for consequência do acto praticado é que este pode ser impugnado, não sendo suficiente uma mera proximidade cronológica entre o acto e essa situação.

Este nexo não se satisfaz com uma pura relação de causa e efeito, devendo também aqui aplicar-se a teoria da causa adequada, na formulação de que só deve considerar-se juridicamente causado pelo acto o prejuízo que constituir uma consequência normal, típica, provável daquele.»[9]

Ora é esse juízo – de verificação de nexo de causalidade adequada entre o acto e o prejuízo – que entendemos não se conseguir consistentemente fazer no caso vertente, não só pelo precedentemente exposto quanto à valoração positiva da quota social após a doação, mas também na medida em que, conforme resulta da matéria de facto dado como provada, mais concretamente sob os artigos “63.” a “74.”, não obstante logo imediatamente à transmissão do prédio, os 1ºs Réus terem transmitido as quotas representativas da totalidade do capital social da 2ª Ré a N (…) e M (…) ocorreu que os mesmos 1º Réus ficaram titulares de um crédito de € 250.000,00, o qual poderia ter sido facilmente do conhecimento da Autora ora Recorrente e penhorável por esta.

Na verdade, os contratos de cessões de quotas foram formalizados por escritura pública, sendo por isso de acesso público no respetivo cartório notarial, acrescendo que os penhores a favor dos 1º Réus sobre as quotas por estes transmitidas a N (..:) e M (…), para o bom pagamento da quantia de € 250.000,00, foram inscritos na Conservatória do Registo Comercial de (...) , com o que foi dada publicidade acrescida àqueles contratos...

Situação que perdurou ainda por alguns meses (cf. facto provado sob o artigo “84.”), sendo certo que só nessa posterior data os 1º Réus receberam o remanescente do preço devido (cf. factos provados sob os artigos “82.” e “104.”)!

O que tudo serve para dizer que com base nesta linha de argumentação, isto é, pela não verificação destes requisitos necessários à procedência da impugnação pauliana, sempre improcederia o pedido correspondente deduzido pela Autora através da propositura da ação.

            Donde, “brevitatis causa”, improcede fatalmente o recurso.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Nem só para situações aparentes de ilicitude é curial e adequado invocar-se a teoria da desconsideração da personalidade das sociedades, antes deve ela “cobrir” um mais vasto leque de situações, nomeadamente quando se instrumentalizam os mecanismos jurídicos em ordem a conseguir uma fictícia separação de patrimónios e assim criar uma ilusão sobre a alienação em si, como seja a constituição de uma sociedade com um único sócio, para quem é transferida por este último um bem imóvel que detinha, quando o objectivo final/mediato era transferir directamente o imóvel para os futuros detentores da sociedade, que o vêm a ser, mas por via de uma singela cessão da totalidade das quotas em seu favor, realizada a posteriori pelo dito único sócio da sociedade ab initio constituída.

II – Na impugnação pauliana, para efeitos da verificação do requisito do art. 610º, al.b) do C.Civil, a situação de impossibilidade de satisfação do crédito ou o seu agravamento deve ser provocada pelo acto a impugnar, exigindo-se um nexo de causalidade adequada entre o acto e o prejuízo, isto é, só deve considerar-se juridicamente causado pelo ato o prejuízo que constituir uma consequência normal, típica, provável daquele, o que não se verifica quando a transmissão do prédio para a sociedade provocou um aumento do valor da quota nominal de € 5.000,00 que já integrava o património dos 1ºs Réus, na exata medida do valor do prédio transmitido.  

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, pela improcedência da apelação, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos, por até se encontrar reforçado o sentido decisório face ao sustentado procedentemente pelos RR./recorridos com a ampliação do objeto do recurso.    

            Custas do recurso pela Autora/recorrente.

Coimbra, 15 de Novembro de 2016

 Luís Filipe Cravo ( Relator)

Fernando Monteiro

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] Neste sentido PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, a págs. 212.
[3] Assim PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1986, a págs. 680.

[4] Trata-se de CARVALHO FERNANDES, in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. II, 4ª ed., a págs. 67-68.
[5] Citámos ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, in “Manual de Direito das Sociedades”, Tomo I, Livª Almedina, 2004, a págs. 379.
[6] Assim COUTINHO DE ABREU, in “Curso de Direito Comercial”, vol. II, a págs. 398 e segs., aliás citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/03/2010, no proc. n.º 4056/03.6TBGDM.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj, que foi invocado na sentença recorrida.
[7] Cf. ponto “133.” das ditas contra-alegações.
[8] Citámos J. CURA MARIANO, in “Impugnação Pauliana”, Livª Almedina, 2004, a págs.168.
[9] Citámos J. CURA MARIANO, in local e obra referenciados na nota anterior, a págs. 174-175.