Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
161/08.0TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
LESÃO
REPARAÇÃO
MÉDICO
PAGAMENTO
SERVIÇOS MÉDICOS CONTRATADOS PELO SINISTRADO
Data do Acordão: 04/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 10º E 14º DA LEI Nº 100/97, DE 13/09 (NLAT); 26º, 28º E 29º DO DL Nº 143/99, DE 30/04.
Sumário: I – As lesões consequentes a um acidente de trabalho poderão incapacitar o trabalhador para o trabalho, conferindo o artº 10º da Lei nº 100/97, de 13/09, o direito à reparação em espécie (compreendendo as prestações referidas na al. a)) e em dinheiro (compreendendo, conforme previsto na al. b), o direito a indemnização, pensão ou capital de remição e demais subsídios aí mencionados).
II – Á entidade responsável pela reparação dos danos provenientes do acidente de trabalho (seguradora e ou empregadora) cabe providenciar por essa reparação, em espécie e em dinheiro, conferindo-lhe a lei, salvas as excepções legalmente previstas, o direito de designar o médico assistente (artºs 26º, 28º e 29º do DL 143/99, de 30/04), sem prejuízo do direito do sinistrado ou da entidade responsável contestarem as resoluções daquele, nos termos previstos nos artºs 30º e 31º do citado DL 143/99.

III – Nos casos em que o sinistrado procurou e encontrou por si os cuidados médicos que recebeu (fora da seguradora), a empresa de seguros, face aos referidos preceitos, não tem de suportar os preços que o sinistrado, à revelia da seguradora, contratou com a empresa de saúde ou profissional de saúde.

IV – Porém, sempre será responsável pelo preço dos actos médicos praticados que, se justificados à luz das ‘legis artis’, a própria seguradora teria de suportar se contratados/praticados por si (embora, proventura, a preço inferior, por contratar para um elevado número de casos).

Decisão Texto Integral:



                                  
                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:                                                          

                        Correu seus termos o presente processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, em que é sinistrado A... e entidade responsável COMPANHIA DE SEGUROS B... , S.A..

                        Foi proferida sentença cuja parte dispositiva transcrevemos:

                        “Pelo exposto, decido condenar a seguradora (sem prejuízo das prestações em espécie previstas na alínea a) do artigo 10º da Lei 100/97, designadamente a terapia de reabilitação integral de 3 vezes por semana medicamente prescrita) a pagar ao sinistrado:

                        - a pensão anual e vitalícia de 7.616,70 euros (em que se inclui já o acréscimo de 10% por familiar a cargo), desde 9/5/2008;

                        - um subsídio de elevada incapacidade de 4.836,00 euros;

                        - um subsídio para adaptação de habitação no valor de 4.836,00 euros;

                        - uma prestação suplementar para assistência constante de terceira pessoa, no montante anual de 5.964,00 euros;

                        - uma indemnização pelas despesas com as deslocações obrigatórias ao Tribunal para exames médicos e tentativa de conciliação, que perfaz o montante de 80,00 euros.

                        Sobre os montantes acima fixados incidirão juros moratórios, à taxa estabelecida ao abrigo do artigo 559º nº1 do Código Civil, desde o respectivo vencimento.

                                                                       *

                        Fixo à acção o valor de 203.494,26 euros”.

                        Esta sentença transitou em julgado.

                        A fls. 89 veio a mulher do sinistrado apresentar requerimento do seguinte teor:

                        “O seu marido ficou com uma pensão vitalícia, ajuda de 3 pessoa no impedimento da requerente e tratamentos pagos pela seguradora.

                        Até final do ano passado andou nos serviços da seguradora sem qualquer resultado positivo, tendo o seu marido até piorado substancialmente.

                        Perante isso a requerente procurou outros tratamentos e informou a seguradora dessa necessidade e que no pagasse mais à clínica anterior, pois que ele cessara ali os cuidados.

                        Recorreu a uma clínica do Porto onde o seu marido foi examinado e onde fez tratamento durante o mês de Janeiro, e necessidade de fazer Fevereiro e Março — 3 ciclos — passando depois a tratamentos de manutenção. A clínica disponibiliza à companhia de seguros os respectivos relatórios.

                        Após o primeiro mês, o seu marido melhorou nitidamente conseguindo, por exemplo, segurar a cabeça e engolir a saliva e até falar, coisas que durante o tempo em que andou na clínica anterior nunca conseguiu.

                        O problema é que a seguradora recusa-se a pagar as novas despesas, tendo-lhe a requerente enviado já as respectivas facturas que somam 1.950€ (exames) + 5.950€ do primeiro mês. A depoente precisa ainda de pagar os 2 próximos meses e depois os tratamentos de manutenção.

                        Requer a V.Ex se digne diligenciar no sentido de ser reconhecido ao sinistrado o direito e pagamento dos novos tratamentos”.

                        O sinistrado foi notificado para apresentar documentação clínica comprovativa dos alegados tratamentos, o que veio a fazer com a junção dos documentos de fls. 100 a 118.

                        A fls. 125, veio a Ré- seguradora informar que “(...) não tendo havido acordo da B... para a alteração do prestador clínico onde o sinistrado deveria realizar os tratamentos, e não se verificando os pressupostos contidos no artigo 26º nº 2 do Decreto-Lei nº 143/99, entende a ora requerente não ser responsável pelos tratamentos pelos quais optou o sinistrado, à sua revelia e fora da sua rede de prestadores clínicos”.

                        Em face do que o sinistrado apresentou o seguinte requerimento:

                        “1) Na sentença com a referência 771221, a Seguradora B... foi condenada, para além do mais, a suportar as prestações em espécie previstas na al. a) do art. 10 da Lei 100/97, designadamente a terapia de reabilitação integral de três vezes por semana, medicamente prescrita.

                        2) Não se diz nessa decisão em que clinica ou lugar devem ser efetuadas essas prestações.

                        3) É certo que essa resposta pode ser encontrada no art. 27 da Lei 98/2009 (anterior art. 25 do D.L. 143/99).

                        4) Só que a questão que, em abstrato, se coloca é a de saber se a entidade responsável fica exonerada da prestação em que foi condenada ou do pagamento da assistência clinica a que foi obrigada se o local dessa assistência não for escolhido mediante acordo com o sinistrado.

                        5) E, nesse aspeto, parecer incontroverso o entendimento de que os deveres da entidade responsável se mantêm, pois está muito mais em causa a prestação do serviço de reabilitação e a garantia constitucional do acesso à saúde por parte do sinistrado, do que a ponderação do seu custo para a entidade responsável.

                        6) O sinistrado está tetraplégico, tem uma incapacidade total e permanente para o trabalho e para a vida, e pensa, sensatamente, que as tentativas para a sua reabilitação não poderão ficar reféns de raciocínios ou estratégias economicistas da seguradora.

                        7) Seja como for, e falando do caso concreto, é verdade que a esposa do sinistrado (e não ele próprio, por não ter condições de vontade e determinação para isso) decidiu transferi-lo da Clinica C... para o Instituto D... de Neurologia do Porto.

                        8) Essa transferência ocorreu no dia 01/12/2014 e dela foi dado conhecimento à Seguradora por mail de 16/12/2014. – doc. 1

                        9) Nesse mail foi explicado à Seguradora que os resultados da reabilitação na C... não estavam a ser positivos, que o sinistrado estava a sofrer uma regressão acentuada e a precisar de uma terapia diferente da que lhe vinha sendo ministrada, tendo desde logo dado conta de que opiniões diversas aconselhavam, para uma mais eficaz reabilitação, o Instituto D... .

                        10) Nessa comunicação foi ainda dito à Seguradora que cessasse os pagamentos à C... e passasse a pagar as despesas que iriam ser debitadas pela nova clinica no Porto.

                        11) Por mail de 09/01/2015, a Seguradora deu efetivamente conta de que deveria ter sido contactada para que a situação do sinistrado fosse analisada e eventualmente ser o mesmo reencaminhado para outra Instituição. – doc. 2

                        12) O certo é que, nesse mesmo mail, a seguradora não disse nem expressa nem tacitamente que não pagaria os tratamentos que viessem a ser debitados pelo Instituto D... , por não ter existido acordo com o sinistrado ou autorização prévia da sua parte.

                        13) Se o tivesse feito, é óbvio que a esposa do sinistrado o teria providenciado o seu imediato regresso à anterior clinica C... , por não ter meios próprios para suportar os tratamentos apropriados seja lá em que sítio for.

                        14) O que a seguradora adiantou foi bem diferente, induzindo de forma clara que não iria levantar quaisquer problemas relativamente à transferência e pedindo tão só que lhe fosse remetida toda a documentação e toda a informação clinica dessa Instituição (referindo-se ao Instituto D... ), donde conste todo o tipo de tratamento realizado ao sinistrado, a periocidade, o custo e as melhorias clinica alcançadas com o mesmo.

                        15) Essas informações e documentos foram remetidos à seguradora por mail de 20/01/2015 - doc. 3

                        16) Ainda por mail de 20/01, a seguradora insistiu no envio de outras informações, que lhe foram remetidas pelo mail de 27/01/2015.

                        17) Nesse mail, a seguradora recebeu a informação de que a avaliação do sinistrado custou 1.950€, que o programa de reabilitação intensivo custava 5.650€ e que os programas futuros custariam 6.350€. – doc. 4

                        18) A este mail a seguradora não deu qualquer resposta, o que criou no sinistrado a convicção, por ausência de oposição, de que poderia continuar a fazer os tratamentos no Instituto D... .

                        19) Entretanto, como as facturas desse Instituto foram sendo debitadas e enviadas ao sinistrado e como teriam de ser pagas, por razões óbvias, o sinistrado em 17/03/2015 remeteu à seguradora um novo mail a dar-lhe conta das despesas já efetuadas. – doc. 5

                        20) A esse mail a seguradora também não respondeu.

                        21) Por isso mesmo, o sinistrado voltou a enviar-lhe um outro mail, em 08/04/2015, nos termos constantes que ora se junta sob o n.º 6, e do qual se transcreve apenas o 1º paragrafo: “Convenhamos que a aparente indiferença com que estão a lidar com o assunto em referência, não é aceitável nem cordial.”

                        22) Em 27/04/2015, e uma vez mais sem obter qualquer resposta às suas anteriores solicitações, o sinistrado remeteu à seguradora um outro mail com mais uma factura de 5.950€ referente ao 3º ciclo de tratamentos e informou que o montante já devido ultrapassaria os 40.000€. – doc. 7

                        23) A seguradora, contudo, continuou a remeter-se ao seu inaceitável silêncio, e só restou ao sinistrado abandonar o Instituto D...o do Porto, por absoluta impossibilidade de pagamento dos tratamentos, disso informando a B... por mail de 12/08/2015. – doc. 8

                        24) Foi este o inenarrável histórico de insistências do sinistrado para com a Seguradora, sem que esta assumisse uma vez que fosse que não aceitaria nem os tratamentos nem os pagamentos das despesas do Instituto D... .

                        25) De resto, já a prever a inércia da seguradora, o sinistrado reabriu o presente processo com um requerimento de 12/02/2015, no qual logo alertou que já estava a fazer tratamentos no Instituto D... , e bem assim das respectivas despesas.

                        26) A seguradora notificada para se pronunciar sobre este requerimento no final de Fevereiro 2015, nada disse, comportando-se com o Tribunal da mesma forma como se comportou com o sinistrado, ou seja, ignorando-o.

                        27) Foi, por isso mesmo, a Seguradora foi novamente notificada, em Abril e Maio de 2015, agora já com a cominação legal de condenação em multa, para vir dizer algo sobre esse requerimento no prazo de 10 dias.

                        28) A verdade é que, como resulta dos autos, a seguradora só mais de 4 meses depois, em 25/9/2015, é que veio efectuar a sua pronúncia e logo para transmitir não ser responsável pelos tratamentos efectuados pelo sinistrado.

                        Aqui chegados e em conclusão,

                        A) A manutenção e continuidade dos tratamentos no Instituto D... só ocorreu devido à inércia e à passividade da seguradora numa pronúncia mais rápida e eficaz.

                        B) Se a seguradora tomasse posição imediata ou pronta acerca da inviabilidade ou impossibilidade desses tratamentos, e se mesmo assim, a esposa do sinistrado continuasse a optar por eles, já podia colocar-se a questão do seu eventual não pagamento por parte daquela.

                        C) Não faz sentido que a seguradora recuse pagar a prestação de cuidados no Instituto D... do Porto, quando se tal prestação continuasse a ser feita na C... de Gouveia, ela também teria de suportar as respetivas despesas como, de resto, vinha fazendo.

                        Deste modo,

                        Deve proferir-se decisão a condenar a Seguradora a pagar ao sinistrado todas as despesas por ele efectuadas no Instituto D... , as quais ascendem a 23.796€, conforme docs. 9 a 14”.

                        Foi então proferido o seguinte despacho:

                        “Da análise da documentação junta aos autos pelo sinistrado e ponderada a posição assumida pela entidade responsável / seguradora, entendemos que, em conformidade com o disposto no art 26.º, do DL nº 143/99, de 30-04 (aplicável aos presentes autos), a seguradora tem, por um lado, o direito de designar o médico assistente do sinistrado, podendo o sinistrado recorrer a qualquer médico apenas nas situações previstas no nº2, do citado artigo.

                        Além disso, nos termos do art 14.º, da Lei nº 100/97, de 13-09, os sinistrados em acidente devem submeter-se ao tratamento e observar e demais prescrições clinicas do médico designado pela entidade responsável (seguradora).

                        No presente caso, pese embora as razões invocadas pelo sinistrado, não tendo os tratamentos de reabilitação em causa, nem o local escolhido por este, sido determinados pela entidade responsável, nem com a mesma acordados, não poderá como tal, ser agora a Seguradora ser responsabilizada pelo pagamento das inerentes despesas, por falta de verificação dos pressupostos legais previstos nos arts 25º e 26º, do cit. Dec Lei nº143/99, de 30-04, nesta medida indeferindo-se o requerido pelo sinistrado”.

                        Inconformado, veio o Autor interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

                        […]

                        Deste modo,

            Dando-se provimento ao recurso, deve revogar-se o despacho recorrido e, em consequência, condenar-se a Seguradora a pagar ao sinistrado todas as despesas por ele efetuadas no Instituto D... , no montante global de 23.796 €, ou, pelo menos, a diferença entre aquelas que pagaria na C... , se o sinistrado lá continuasse (e onde posteriormente regressou), e as que cobraram ao sinistrado no Instituto D... .

                        Não foram apresentadas contra-alegações.

                        Foram colhidos os vistos legais, tendo a Exmª PGA emitido parecer no sentido da parcial procedência do recurso, face ao que já foi decidido no Ac. desta Relação de 27/09/2012.

                                                                       x
                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como única questão em discussão a de saber se o Autor /sinistrado tem direito a ser reembolsado pela Ré – responsável das despesas por aquele suportadas com os tratamentos na clínica de reabilitação por si escolhida.

                                                                       x

                        Como matéria relevante para a análise do recurso temos a descrita no relatório do presente acórdão.

                                                     x
                        -o direito:

                        Pretende o sinistrado ser ressarcido das despesas que efectuou com os tratamentos no Instituto D... do Porto, o que a seguradora recusou fazer, com a argumentação de que apenas aceitou que esses tratamentos fossem realizados na C... de Gouveia, para onde o sinistrado posteriormente regressou.            O despacho sob censura acolheu esta posição da seguradora, baseando-se na falta de verificação dos pressupostos legais previstos nos artºs 25º e 26º do Dec-Lei nº143/99, de 30/04.

A hipótese dos autos encontra clara similitude com aquela sobre qual incidiu o Ac. desta Relação de 27/9/2012, disponível em www.dgsi.pt, com o mesmo relator e adjuntos, e onde se escreveu, com relevância, o seguinte:

                        Dispõe o artº 14º da Lei nº 100/97, de 13/9 (a LAT que é a aqui aplicável):

                        “Artigo 14.º

                        Observância de prescrições clínicas e cirúrgicas

                        1 – Os sinistrados em acidentes devem submeter-se ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável e necessárias à cura da lesão ou doença e à recuperação da capacidade de trabalho, sem prejuízo do direito a solicitar o exame pericial do tribunal.

                        2 – Não conferem direito às prestações estabelecidas nesta lei as incapacidades judicialmente reconhecidas como consequência de injustificada recusa ou falta de observância das prescrições clínicas ou cirúrgicas ou como tendo sido voluntariamente provocadas, na medida em que resultem de tal comportamento.

                        3 – Considera-se sempre justificada a recusa de intervenção cirúrgica quando, pela sua natureza ou pelo estado do sinistrado, ponha em risco a vida deste”.

                        Por sua vez estabelece-se nos artºs 26º e 29º do DL 143/99, de 30/4 (RLAT):

                        “Artigo 26º

                        Médico assistente

                        1 - A entidade responsável tem o direito de designar o médico assistente do sinistrado.

                        2 - O sinistrado poderá, no entanto, recorrer a qualquer médico nos seguintes casos:

                        a) Se a entidade empregadora ou quem a represente não se encontrar no local do acidente e houver urgência nos socorros;

                        b) Se a entidade responsável não nomear médico assistente ou enquanto o não fizer;

                        c) Se a entidade responsável renunciar ao direito de escolher o médico assistente;

                        d) Se lhe for dada alta sem estar curado, devendo, neste caso, requerer exame pelo perito do tribunal.

                        Artigo 29º

                        Escolha do médico operador

                        O sinistrado pode escolher o médico que o deva operar nos casos de cirurgia de alto risco e naqueles em que, como consequência da operação, possa correr perigo a sua vida”.

                        As lesões consequentes a um acidente de trabalho poderão incapacitar o trabalhador para o trabalho, conferindo o art 10º da Lei 100/97, de 13/9, o direito à reparação em espécie (compreendendo as prestações referidas na al. a)) e em dinheiro (compreendendo, conforme previsto na al. b), o direito a indemnização, pensão ou capital de remição e demais subsídios aí mencionados). Se e enquanto tais lesões determinarem uma incapacidade, absoluta ou parcial, de natureza temporária, conferem o direito a uma indemnização correspondente aos períodos e perda da capacidade de ganho; se e quando passarem a determinar uma incapacidade, absoluta ou parcial, mas de natureza permanente, conferem o direito a uma pensão ou capital de remição. Tal incapacidade considera-se permanente quando as lesões desaparecerem totalmente ou se apresentem como insusceptíveis de modificação, com terapêutica adequada (“cura clínica” ou, como vulgarmente também se designa, “alta definitiva”) – cfr. artº 2º, al. f), do DL 143/99, de 30/4.

                        Refere Carlos Alegre em Regime Jurídico Anotado (2.ª edição)- Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais,  pag. 77:

                        “O princípio que enforma a razão de ser de todas estas prestações pecuniárias é o de que a vítima de um acidente de trabalho não só não deve despender nada com as despesas do seu tratamento e recuperação para a vida activa, como deve, ainda, ser indemnizado em função do seu nível salarial, de forma a que, economicamente não saia prejudicado, por causa do acidente. As prestações em dinheiro, porém quer assumam a forma de indemnização ou a de pensão, não reparam integralmente o prejuízo sofrido pelo sinistrado, tendo, tão somente, um carácter compensatório, como se verifica quando se analisa o efectivo cálculo das prestações”.

                        Importa também referir que à entidade responsável pela reparação dos danos provenientes do acidente de trabalho (seguradora e ou empregadora, consoante os casos - cfr. artº 37º da LAT) cabe providenciar por essa reparação, em espécie e em dinheiro, conferindo-lhe a lei, salvas as excepções legalmente previstas, o direito de designar o médico assistente (cfr. artºs 26º, 28º e 29º do DL 143/99, de 30/04), sem prejuízo do direito do sinistrado ou da entidade responsável contestarem as resoluções daquele, nos termos previstos nos artºs 30º e 31º do citado DL 143/99.

                        Chegados aqui, numa primeira análise e tal como se decidiu no despacho recorrido, tendo o sinistrado optado por efectuar os tratamentos em clínica de reabilitação por ele escolhida, e não naquela onde a seguradora tinha concordado em que fossem feitos, seria de excluir a sua pretensão a ser reembolsado das despesas daí decorrentes.

                        Contudo, tal como se decidiu no referido acórdão, citando passagem do parecer do MºPº,  a lógica dos preceitos dos  artºs 14°, da LAT, 26° e 29° do RLAT assenta no seguinte:

                        A reparação dos acidentes de trabalho abrange valores monetários (artº 10º, aI. b), da LAT) e em espécie (artº 10°, aI. a), da LAT). Ora, para a prestação dos pertinentes cuidados médicos, as empresas de seguros habitualmente estabelecem contratos de prestação desses serviços com empresas/clínicas de saúde ou médicos. E, por força de tais contratos, as seguradoras, ao que julgamos, conseguem preços inferiores aos que uma pessoa singular consegue para cada acto médico. Ora, na nossa perspectiva, nos casos em que o sinistrado procurou e contratou por si os cuidados médicos que recebeu (fora da seguradora), a empresa de seguros, face aos referidos preceitos, não tem de suportar os preços que o sinistrado, à revelia da seguradora, contratou, com a empresa de saúde ou profissional de saúde. Porém, sempre será responsável pelo preço dos actos médicos praticados que, se justificados à luz das «leges artis», a própria seguradora teria de suportar, se contratados/praticados por si (embora, porventura, a preço inferior, por contratar para um elevado n. º de casos. Ilustremos com um exemplo: se uma dada cirurgia foi contratada pelo sinistrado por 3.000 euros, mas a seguradora estava em condições de lhe disponibilizar a mesma cirurgia por 2.000 euros, a seguradora só é responsável pelo reembolso de 2.000 euros e não 3.000 euros).

                        Assim, no caso concreto, evidencia-se que ao sinistrado, por contratação por si estabelecida, foram praticados actos médicos que a seguradora sempre teria de prestar (embora, porventura, a preços inferiores). Donde, evidenciando-se que os actos médicos contratados directamente pelo sinistrado foram os adequados, então tem ele direito ao reembolso, até ao valor que a seguradora sempre pagaria, se fossem por si assegurados. Com efeito, a seguradora, por força da apólice de seguro, tem de assegurar ao sinistrado os tratamentos médicos adequados para o restabelecimento, na medida possível, do estado de saúde anterior ao acidente. Na hipótese de o sinistrado contratar por si tais serviços de saúde, compreende-se facilmente que a seguradora não seja responsável por valor superior ao que suportaria, se tais actos fossem por si assegurados. Mas já não tem justificação a empresa de seguros não ser responsável pelo valor que sempre suportaria, se os mesmos actos médicos fossem directamente por si assegurados (através da contratação de tais serviços por si realizada), pois que cair-se-ia, se bem vemos, numa situação de enriquecimento sem causa.

                        Aplicando tal entendimento ao caso sub judice, temos que falta apurar o valor que a Ré -seguradora suportaria pelos actos médicos em causa, se por si assegurados e contratados (em clínica ou profissional de saúde que entendesse, desde que reunissem idoneidade e competência).

                        E, continua o mesmo acórdão, esta solução parece-nos a que, no caso concreto, estabelece  um ponto de justo equilíbrio entre os legítimos interesses da seguradora/responsável em utilizar os meios humanos e materiais à sua disposição, e que entenda serem os mais adequados à recuperação física do sinistrado, e os não menos relevantes interesses do sinistrado em que a reparação infortunística não deixe de levar em linha de conta todas as despesas em que foi obrigado a incorrer por virtude dos tratamentos, consultas e cirurgias directamente impostas pela lesões sofridas.

                        É claro, contudo, que uma solução deste tipo  não poderá revestir um carácter generalista, só podendo valer em casos, como o presente, em que os actos clínicos prestados ao sinistrado por entidades estranhas às designadas pela seguradora / responsável se afiguraram indispensáveis ao tratamento e recuperação clínica do sinistrado.

                        No caso dos autos, a sentença determinou a realização das prestações em espécie previstas na alínea a) do artigo 10º da Lei 100/97, designadamente a terapia de reabilitação integral de 3 vezes por semana medicamente prescrita, e a seguradora nunca pôs em causa em causa que os tratamentos efectuados no Instituto D... do Porto eram adequados e até indispensáveis à recuperação clínica do sinistrado.

                        Termos em que procedem, na medida do exposto, as conclusões do recurso.

                                                           x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em conceder parcial provimento à apelação, indo a Ré condenada a pagar ao Autor o montante, cuja liquidação se relega para uma ulterior fase de execução, correspondente ao reembolso das despesas por ele efectuadas com tratamentos no Instituto D... do Porto, mas tendo como limite os preços que a Ré suportaria por tais serviços, se fossem por si assegurados e/ou contratados.

 Custas do recurso pela seguradora.

                                                                       Coimbra, 28/04/2016

                                                          

                                  

                                                                       (Ramalho Pinto)

                                                           ­­

                                                                     (Azevedo Mendes)

                                                          

                                                              (Joaquim José Felizardo Paiva)