Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2153/13.9TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CONTRATO DE SEGURO
ASSISTÊNCIA EM VIAGEM
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE COMUNICAÇÃO
NULIDADE DA SENTNÇA
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: DL Nº 446/85 DE 25/10, ARTS. 615, 640 CPC
Sumário: 1.- Não deve confundir-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia com vício da decisão da matéria de facto ou com erro de julgamento.

2.- Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente especificar-se os concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados; a omissão desse ónus, imposto pelo nº 1, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto.

3.- O dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais aos aderentes, previsto no art. 5º, nº 1, do DL 446/85, de 25.10, é uma obrigação de meios; não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável.

4.- Nessa linha, o dever de comunicação deve ser realizado de modo adequado, de acordo com a bitola legal de possibilidade do conhecimento completo e efectivo das cláusulas por quem use de comum diligência;

5.- Quanto a esta expressão legal comum diligência, deve ter-se em conta o critério geral de apreciação das condutas em abstracto, ou seja, deve atender-se ao consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e perspicaz.

6.- Deve entender-se que num contrato de seguro, com a cobertura assistência em viagem, a seguradora cumpriu o seu dever de comunicação e o aderente teve a possibilidade de conhecimento completo e efectivo das cláusulas contratuais gerais se ficou provado que: na minuta da apólice com as Condições Particulares do contrato, é feita referência expressa à existência da Condição Especial 721, referente à Assistência em Viagem, aí se dizendo que é garantida a cobertura da mesma de acordo com o estipulado na Condição Especial respectiva; e o aderente declarou que que lhe foram transmitidas nos termos legais todas as informações pré-contratuais necessárias sobre o contrato de seguro proposto; bem como recebeu em suporte documental o resumo da referida Condição Especial; assim como, igualmente, foi informado sobre os procedimentos de acesso à Condição Especial aplicável a qual era facultada em suporte electrónico duradouro, meio tecnológico a que deu o seu consentimento expresso para aceder à página da internet da seguradora, que lhe foi indicada, utilizando para o efeito como “password” o respectivo número de apólice, e cuja introdução permitia o acesso automático à Condição Especial aplicável ao contrato, a qual estaria disponível nessa página durante a vigência do contrato de seguro.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório  

1. V (…), residente em Coimbra, instaurou acção emergente de acidente de viação contra a Companhia de Seguros (…), SA, com sede em Lisboa, pedindo que: 1. Deve ser excluída do contrato de seguro automóvel as cláusulas de exclusão da responsabilidade na parte referente à assistência em viagem, nos termos do artigo 8º do DL 446/85 de 25 de Outubro; 2. Sendo a ré condenada a proceder ao repatriamento do veículo, ou em alternativa proceder ao pagamento da quantia de 4.000 €, referente ao valor venal do mesmo; 3. Deve ainda a ré ser condenada ao pagamento das quantias de a) 10.000 € a título de danos não patrimoniais; b) 18.450 € referente a indemnização por privação de uso de veículo; c) e ainda da quantia correspondente ao tempo que decorrer até ao repatriamento do veículo ou até ao integral pagamento da indemnização peticionada; 4. A estes valores acresce, também, a quantia resultante dos juros que à taxa legal se venham a vencer desde a citação até integral pagamento, acrescida de 5% desde o trânsito em julgado da sentença que assim vier a decidir nos termos do nº 4 do art. 829º-A do Código Civil.  

Alegou, em síntese, a celebração com a ré de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, referente ao veículo de matrícula X(...), sua propriedade, que tem por objecto, além do mais, a garantia de assistência em viagem, garantia por si accionada por si na sequência de uma avaria no veículo, ocorrida na Alemanha. Perante a comunicação da ocorrência a ré sugeriu o transporte do veículo até à oficina de reparação mais próxima, o que fez, transporte só iniciado pelas 12 horas com a chegada do reboque, o que implicou uma espera de 6 horas em plena auto-estrada com 4 pessoas dentro do veículo, incluindo uma criança, acrescendo o sofrimento provocado pelas altas temperaturas que se faziam sentir. Chegado o reboque e dada a falta de um táxi para transporte dos passageiros, o veículo foi colocado no reboque com todos os passageiros e condutor dentro do mesmo, pois não pretendiam esperar mais tempo e continuar na berma da auto-estrada. Efectuado o transporte para uma oficina de reparação automóvel, já a mesma se encontrava fechada à chegada, situação comunicada de imediato à ré, que sugeriu que pernoitassem num hotel por si indicado, o que aconteceu, mas apenas num quarto composto somente por uma cama e dois sofás cama, alojamento inadequado para 4 pessoas, tanto mais que uma delas nem sequer pertencia à família, o que originou grave desconforto, dada a privação da sua intimidade. No dia seguinte na oficina de reparação automóvel onde se encontrava o seu veículo o mecânico informou que o motor do veículo teria de ser substituído, orçando a reparação em 4.000 €. Dado o valor da reparação ser elevado, bem como a mesma requerer um período de espera incomportável para o autor, por estar longe da sua residência, o autor solicitou à ré o transporte de veículo para Portugal, tendo a ré respondido que o valor da reparação não permitia o seu transporte para Portugal e que apenas procederia ao pagamento das despesas inerentes à deslocação do autor para o nosso país, excluindo a dos passageiros, pois tal não se encontrava coberto pelo contrato de seguro, podendo o transporte do autor ser efectuado de autocarro, mas os passageiros teriam de suportar o preço dos seus bilhetes, que rondavam os 485 €. Como os passageiros não tinham consigo aquela quantia e sob proposta da ré a filha do autor, que se encontrava em Coimbra, entregou nesse mesmo dia a agente da ré a referida quantia, não tendo em virtude de tal problemática, sido possível efectuar a viagem nesse dia, por já não existirem autocarros disponíveis, ao que a ré sugeriu que o transporte para Portugal fosse efectuado no dia seguinte através de um veículo alugado, o que implicou a permanência do autor e passageiros por mais uma noite na Alemanha, num hotel garantido pela ré. No dia seguinte o autor e passageiros iniciaram a viagem de regresso a Portugal, num veículo alugado. O autor foi posteriormente informado pela Europ Assistance que o repatriamento da sua viatura para Portugal não se encontrava contratualmente previsto, o que o autor desconhecia, pois aquando da celebração do contrate de seguro automóvel, tal cláusula não lhe foi comunicada e explicada, nem as condições gerais e especiais da apólice sequer lhe foram entregues, estava o autor convicto de que a assistência em viagem contratualizada cobriria todas as despesas inerentes a acidente e avaria, bem como ao transporte de todos os passageiros. Que a ré agiu violou os deveres de comunicação e informação que a lei lhe impunha, previstos nos artºs 5º e 6º do DL 446/85, de 25.10, pelo que essas cláusulas de exclusão da responsabilidade, na parte referente à assistência em viagem, devem ser excluídas do contrato, nos termos do artigo 8° do DL 446/85 de 25 de Outubro. Em consequência do não repatriamento do veículo por parte da ré viu-se o autor impedido de utilizar o mesmo, o que tem vindo a causar grandes transtornos ao autor, bem como ao seu agregado familiar, pois teve necessidade de reorganizar toda a sua vida ao que acresce a grave perturbação emocional causada pela péssima assistência prestada na Alemanha, pelo que tem direito à peticionada indemnização por de danos não patrimoniais, bem como ao recebimento 50 € por cada dia de privação de uso do veículo, que à data ascende ao montante pedido e ainda à quantia correspondente ao tempo que decorrer até ao repatriamento do veículo ou até ao integral pagamento da indemnização peticionada.

A ré contestou, dizendo, em suma, que num primeiro contacto o segurado não sabia qual a sua localização e ficou de a comunicar, tendo voltado posteriormente ao contacto e informado a empresa de assistência em viagem que iria accionar os serviços da concessionária da auto-estrada, o que não fez. Foram enviados os meios necessários para o local e nessa altura, estabelecido contacto com o segurado, foi-lhe explicado qual seria a actuação da assistência em viagem, de acordo com as condições contratuais especificamente em relação ao veículo, designadamente a confirmação da avaria. Foi organizado pela assistência em viagem o alojamento e o transporte do condutor e passageiros até um hotel. Foi solicitado um orçamento de reparação para o veículo, conhecido esse orçamento verificou-se que os custos de reparação do veículo, já que se tratava de uma situação em que o motor havia gripado, eram manifestamente superiores ao valor do veículo, pelo que se estava em presença de uma situação de abandono legal da viatura e não de repatriamento da mesma, por isso não coberta pelo seguro. A assistência em viagem organizou o transporte de todos os ocupantes com destino a Portugal, e apesar de ser fim-de-semana esse transporte veio a ocorrer, tenho sido assegurado o serviço de táxi para garantir os respectivos transferes e bem assim garantida a estadia de todos os ocupantes do veículo seguro. Assim, os transtornos invocados pelo autor não são da responsabilidade da ré e se os houve, não decorrem de uma má ou incorrecta prestação de serviço da sua parte, pois a situação de avaria do veículo ocorreu a 21.7.2012 e teve o seu fim com o repatriamento do autor a 23.7.201, ou seja dois dias depois, pelo que é incompreensível o pedido formulado a este título relativo a danos morais. Quanto ao pedido de pagamento do valor venal do veículo do autor, resulta que este aceita e concorda que a reparação do veículo não era aconselhável, sendo o veículo uma perda total, consequentemente não podendo haver lugar ao repatriamento do veículo, assim como não há lugar ao pagamento relativo à paralisação do veículo porque o autor reconhece não ser reparável. Que, qualquer valor ou questão relativa à reparação do veículo ocorreria sempre a expensas do autor, não cabendo à assistência em viagem pagar o valor do veículo ou a sua reparação. Quanto ao mais, o autor tinha e teve atempadamente conhecimento das condições contratuais relativas à assistência em viagem. Assim, a acção deve ser julgada improcedente.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo a R. sido condenada a pagar ao A. a quantia de 500 €, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento, no mais, indo absolvida.

*

2. O A. recorreu, e formulou as seguintes conclusões:

(…)

3. A R. contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

II – Factos Provados

  

- O autor celebrou com a ré, em 28 de Setembro de 2011, um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, com a apólice nº 90.01385618, referente ao veículo de marca Ford Escort 1.8 TD CLX, de matrícula X(...), pertencente ao autor.

- Tal contrato de seguro tinha por objecto, além do mais, a garantia de assistência em viagem - "Assistência em viagem base".

- Consta das condições particulares do contrato, além do mais, que "O Tomador de Seguro foi informado de que deverá ler atentamente o disposto nas Condições Gerais e Especiais da Apólice, às quais acederá via suporte electrónico duradouro… O Tomador de Seguro declarou que lhe foram transmitidas nos termos legais todas as informações pré-contratuais necessárias e prestados todos os devidos esclarecimentos sobre o contrato de seguro proposto e bem assim sobre os procedimentos de acesso às condições gerais e particulares as quais serão facultadas em suporte electrónico duradouro…".

- No dia 21 de Junho de 2012, na sequência de uma avaria no veículo, ocorrida na Alemanha, quando o autor fazia a viagem de regresso da Ucrânia, sua terra natal, onde se havia deslocado para passar férias, o autor solicitou à ré a assistência em viagem. Na altura, o autor estava acompanhado de uma filha e uma neta (com quase 11 anos de idade) residentes na Ucrânia e de um amigo que reside em Portugal. Pelas 6 horas da manhã - hora da Alemanha -, o autor contactou telefonicamente a assistência em viagem, mas como não soube explicar o local em que se encontrava, não foi possível iniciar quaisquer diligências. Cerca de duas horas depois, o autor voltou a contactar a assistência em viagem e explicou onde se encontrava. Foi-lhe sugerido o transporte do veículo até à oficina de reparação mais próxima, ao que o autor assentiu. Todavia, o reboque só chegou cerca das 12/13 horas. Durante essas horas de espera, o autor e seus acompanhantes esperaram dentro do veículo, do qual não saíam com medo de atropelamentos, pelo que não se deslocaram para fazer refeições e outras necessidades. Chegado o reboque, como não chegara um táxi para transporte dos passageiros e eles não pretendiam esperar mais tempo na berma da auto-estrada, o veículo foi colocado no reboque, os acompanhantes do autor foram lá dentro e o autor viajou ao lado do condutor do reboque. Foi assim efectuado o transporte para uma oficina de reparação automóvel. O serviço de assistência em viagem sugeriu ao autor que pernoitassem num hotel que indicou, o que o autor aceitou. Contudo, foi reservado apenas um quarto do referido hotel, com uma cama de casal e duas camas portáteis extra. O autor e seus acompanhantes tiveram de dormir no mesmo quarto, o que lhes provocou desconforto, dada a falta de privacidade.

- No dia 22 de Junho, o autor dirigiu-se à dita oficina de reparação automóvel, onde se encontrava o seu veículo e após inspecção pelo mecânico este concluiu que o motor do veículo teria de ser substituído e tal reparação foi orçamentada em € 4.000 / € 4.500. Pelo diagnóstico, o autor pagou € 117,49. Conhecido esse orçamento, verificou-se que os custos de reparação do veículo, já que se tratava de uma situação em que o motor havia gripado, eram manifestamente superiores ao valor do veículo.

- Nos termos da al. b) do nº 3 do artº 9º das cláusulas gerais do contrato, relativo à assistência em viagem, “...O Serviço de Assistência não será obrigado a efectuar o repatriamento ou transporte do veículo, suportando apenas as despesas com o seu abandono legal, quando o valor da reparação, de acordo com a informação dada pela oficina ou concessionário do local onde o sinistro ocorreu, exceda o seu valor venal em Portugal (...).

- Dado o valor da reparação ser bastante elevado, bem como o facto de aquela requerer um período de espera incomportável para o autor, por estar longe do seu local de residência, o autor solicitou à ré o transporte de veículo para Portugal. A ré respondeu que, dado o valor da reparação do veículo, este não poderia ser transportado para Portugal e que apenas procederia ao pagamento das despesas inerentes à deslocação do autor para Portugal, excluindo a dos passageiros, pois tal não se encontrava coberto pelo contrato de seguro. Assim, segundo a ré, o transporte do autor poderia ser efectuado de autocarro, mas os passageiros teriam de suportar o preço dos seus bilhetes, que rondavam os € 485. Como os passageiros não tinham consigo aquelas quantias, foi proposto ao autor que tal quantia fosse entregue ao seu agente de Coimbra e que deste modo a ré asseguraria a viagem a todos os passageiros. A filha mais nova do autor, A (…), que se encontrava em Coimbra, entregou nesse mesmo dia ao agente indicado pela ré a referida quantia. Todavia, não foi possível efectuar a viagem nesse dia, por já não existirem autocarros disponíveis. Então a ré sugeriu que o transporte para Portugal fosse efectuado no dia seguinte (23 de Junho) através de um veículo alugado. Tal implicou a permanência do autor e acompanhantes por mais uma noite na Alemanha. Para o efeito, a ré garantiu o alojamento num hotel, mas desta vez foram reservados dois quartos. Só no dia 23 de Junho o autor e acompanhantes fizeram a viagem de regresso a Portugal, num veículo alugado.

- O autor foi posteriormente informado, por comunicação escrita, datada de 19 de Julho de 2012, remetida pela Europ Assistance que o "repatriamento da sua viatura para Portugal não se encontrava contratualmente previsto"…. "Recordamos o estipulado na garantia de Transporte de Veículo: “O Serviço de Assistência não será obrigado a efectuar o repatriamento ou transporte do veículo suportando apenas as despesas com o seu abandono legal quando o valor da reparação, de acordo com a informação dada pela oficina ou concessionário do local onde o sinistro o ocorreu, exceda o seu valor venal em Portugal".

- O valor do veículo do autor era de 1.500€/2.000€.

- Até ao presente o veículo não regressou a Portugal, estando o autor impedido de o utilizar. Tal facto tendo vindo a causar grandes transtornos ao autor, bem como ao seu agregado familiar, composto por si pela sua esposa e filha, dado que era o único meio de transporte da família, sendo utilizado nas deslocações para o trabalho, passeios familiares e idas às compras. O autor teve necessidade de reorganizar toda a sua vida o que lhe trouxe incómodos.

- O montante de € 485 foi devolvido ao autor alguns dias após o seu regresso a Portugal.

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Factos não provados:

- que o veículo do autor tinha o valor de € 4.000;

- que o autor pagou a quantia de € 15,80, mais € 250 de combustível para o automóvel de aluguer no qual regressaram a Portugal;

- que o autor desconhecia a cláusula geral 9º nº 3 b) do contrato, pois aquando da celebração do contrato de seguro automóvel tal cláusula, não lhe foi comunicada e explicada;

- que as condições gerais e especiais da apólice não foram entregues ao autor;

- que não lhe foram explicadas, entre outras, as cláusulas de exclusão da responsabilidade da ré no âmbito da assistência em viagem, que o autor desconhece até à presente data;

- que o autor estava convicto de que a assistência em viagem contratualizada cobriria todas as despesas inerentes a acidente e avaria, bem como ao transporte de todos os passageiros.

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Nos termos conjugados dos arts. 663º, nº 2, in fine, e 607º, nº 4, 2ª parte, do NCPC, em virtude de acordo e prova documental junta pelo apelante com a sua p.i., sob doc. nº 1, a fls. 17 a 22, aditam-se aos factos provados outros dois, com a seguinte redacção:

- A minuta da apólice com as Condições Particulares do contrato (a fls. 17/22), cobre, além de outras, a assistência em viagem base. Nessas Condições Particulares, 1ª página (a fls. 17) é feita referência expressa à existência de Condições Especiais, a 712 e a 721, sendo que na última página (a fls. 22) se identifica a Condição Especial 721-Assistência em Viagem, aí se dizendo que é garantida a cobertura de Assistência em Viagem, de acordo com o estipulado na Condição Especial respectiva.

- E mais à frente (a fls. 20/21) ainda consta que em relação à entrega das Condições Gerais e Especiais foi devidamente informado o tomador do seguro e deu o seu consentimento expresso a que a mesma seja feita por meio de suporte electrónico duradouro, através do acesso que lhe é facultado pela página da internet da Companhia de Seguros (…) SA, disponível em www.acoreanaseguros.pt utilizando para o efeito como “password” o respectivo número de apólice, cuja introdução permitirá o acesso automático às Condições Gerais e Especiais aplicáveis ao contrato, as quais estarão disponíveis nessa página durante a vigência do contrato de seguro. Mais declarou que na presente data e com estas Condições Particulares lhe foi também entregue em suporte documental o resumo das referidas Condições Gerais e Especiais.

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III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença.

- Alteração da matéria de facto.

- Entrega do contrato, comunicação e informação das cláusulas gerais do contrato de seguro.

- Dano não patrimonial.

2.1. O recorrente defende que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do NCPC, por não constar do elenco dos factos provados ou não provados que o contrato de seguro celebrado era um contrato de adesão com cláusulas gerais contratuais, apesar da alegação do recorrente na p.i. e aceitação da recorrida na contestação (cfr. conclusões 5. a 13.).

Dispõe este normativo, que a sentença é nula quando:

(…)

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…;

É preceito que está em íntima conexão com o art. 608º, nº 2, 1ª parte, do NCPC, onde se estatui que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras).

Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepção (cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão) constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado (vide L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 3. ao artigo 668º do anterior CPC, pág. 704).

Na sentença recorrida conheceu-se dos pedidos formulados pelo recorrente e causas de pedir por ele invocadas, não havendo, por isso qualquer nulidade.

Outra realidade diferente, que é a que perpassa pela mente do A./recorrente, opera a nível da decisão da matéria de facto, ou por erro no julgamento de determinado facto, ou por deficiência ou obscurantismo nesse julgamento, ou contradição entre um facto e outro, ou por desconsideração da matéria de facto alegada. Nestes casos, o que a parte discordante deve fazer é impugnar a matéria de facto, nos termos do art. 640º do NCPC.

Ora, pela arguição do recorrente constata-se que o mesmo pretendia que se desse por provado que o contrato celebrado era um contrato de adesão com cláusulas contratuais gerais, pelo que assim sendo devia era ter impugnado a decisão da matéria de facto e não arguir a nulidade da sentença. Acrescente-se, ainda, que tal impugnação estaria votada a completo fracasso, visto que a qualificação de um contrato, do género invocado pelo recorrente, é matéria de direito, insusceptível, por isso, de ser levada a qualquer factualidade material.      

Improcede, assim, a arguição de tal nulidade.

2.2. O recorrente defende igualmente que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, por considerar que no conhecimento do pedido formulado atinente aos danos não patrimoniais a sentença se ter cingido à espera de 6 horas na auto-estrada não tendo contemplado todo o comportamento da recorrida na prestação da assistência em viagem, pelo que compreendeu erroneamente o tribunal a quo o peticionado (cfr. conclusões 34. a 45.).

Na sentença recorrida sobre o pedido indemnizatório por danos morais o tribunal deixou dito que:

“O autor requereu indemnização por danos não patrimoniais devido à espera de 6 horas na auto-estrada. No que concerne a esta questão, cumpre dizer, antes de mais, que o autor contactou a assistência em viagem pelas 6 horas do dia 21, mas nessa altura não conseguiu explicar o local onde se encontrava, pois ele próprio não sabia. Duas horas depois, voltou a contactar a assistência em viagem e explicou onde se encontrava. Só a partir desse momento é que a assistência poderia ser prestada. Porém, o reboque só chegou cerca das 12/13 horas. Chegou o reboque, mas ainda não chegara um táxi para transporte do autor - e passageiros - e como eles não pretendiam esperar mais tempo na berma da auto-estrada, o veículo avariado foi colocado no reboque, os acompanhantes do autor foram lá dentro e o autor viajou ao lado do condutor do reboque. A assistência em viagem deve ser prestada com rapidez e eficácia – o que manifestamente não aconteceu. Assim, pensamos que, no que a esse aspecto concerne, deve a ré indemnizar o autor pelos incómodos sofridos durante essas horas de espera na auto-estrada, dentro do veículo, do qual não saía com medo de ser atropelado… Nos termos do artº 496º nº 1 do Código Civil, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Segundo o nº 3 do mesmo artigo, o montante dessa indemnização é fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º ou seja, “o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”. Além disso, o montante desta indemnização há-de ser “proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” - Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 486. Dispõe o artº 562º do Código Civil que, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obrigou à reparação”. Quando tal reconstituição não se afigura possível, a indemnização é fixada em dinheiro (cfr. artº 566º nº 1 do Código Civil). O princípio geral que preside à obrigação de indemnizar é o da restauração ou reposição natural, isto é, o de que a reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse havido lesão, conforme o disposto no artº 562º do Código Civil. “O fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes”. Aquele princípio só é substituído pela indemnização em dinheiro quando for impossível a restauração natural, quando esta não reparar integralmente os danos ou quando a restauração in natura for excessivamente onerosa para o devedor (artº 566º, nº 1 do C.C.).

Ora, tendo em conta tudo quanto acima se referiu, o tribunal entende equitativo fixar em € 500 a indemnização que a ré deverá pagar ao autor a título de danos não patrimoniais”.

Mais uma vez o apelante não tem razão. O tribunal recorrido pronunciou-se sobre os danos morais invocados pelo recorrente e fixou a indemnização em determinado montante.

Pode ter errado, por não ter contemplado todos os danos apurados. Mas essa é realidade diferente, tratar-se-á de erro de julgamento, que inclusive aflorou o pensamento do A./recorrente quando afirma que há compreensão errónea por parte do tribunal a quo do peticionado. Este eventual erro na subsunção dos factos à norma jurídica não se confunde com a referida omissão de pronúncia: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante um erro de julgamento, mas não perante omissão de pronúncia geradora de nulidade.

Não procede, pois, a arguição de tal nulidade.  

3. Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.

Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:

i) Que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

ii) Qual o sentido correcto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;

iii) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;

iv) E por que razão assim seria, com análise critica criteriosa;

v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.

Ora, das suas alegações de recurso – corpo e conclusões - verifica-se que o recorrente não cumpriu desde logo o 1º dos indicados requisitos legais, pois não indicou, em lado algum, que pontos de facto em concreto considerava incorrectamente julgados (cfr. conclusões 14. e 32.).

Antes o apelante impugna o constante na página 12 da sentença, 4º parágrafo, que transcreveu no art. 15º do corpo das alegações. Ora, essa página 12 da sentença, e indicado parágrafo, estão inseridos na parte do direito, na análise dos factos e sua subsunção ao direito, ou seja, na fundamentação jurídica da dita sentença (que vai dessa página 12 até à página 14 da mesma decisão recorrida), enquanto os factos provados e não provados estão elencados nas páginas 6 a 8 da referida sentença.

Não se compreende, portanto, a impugnação deduzida que em vez de ser dirigida à matéria de facto - provada ou não provada - antes visa considerações de direito produzidas na decisão recorrida, que como é natural será debatida na análise jurídica que este tribunal da Relação terá de proceder por via da impugnação de direito que o apelante apresentou.      

Improcede, por isso, tal impugnação.

4. O apelante defende que a recorrida, apesar de ter o respectivo ónus de prova, não comprovou ter-lhe entregue as condições gerais e especiais do contrato, nem lhe ter comunicado e informado as cláusulas gerais do contrato de seguro (cfr. conclusões 15. a 31. e 33.).

Na decisão recorrida escreveu-se que:

“O contrato de seguro celebrado entre o autor e a ré tem por objecto, além do mais, a garantia de assistência do veículo automóvel seguro (“assistência em viagem base”).

Não se provou que as condições gerais e especiais da apólice não foram entregues ao autor; que não lhe foram explicadas, entre outras, as cláusulas de exclusão da responsabilidade da ré no âmbito da assistência em viagem; que o autor estava convicto de que a assistência em viagem contratualizada cobriria todas as despesas inerentes a acidente e avaria, bem como ao transporte de todos os passageiros. A sua própria esposa referiu que o marido percebe bem a língua portuguesa e sabe ler, consegue perceber os documentos…Ou seja, o autor percebe a língua portuguesa bem melhor do que a esposa…Assim, não podemos concluir que a ré violou os deveres de comunicação e informação que a lei lhe impunha.

(…)

Cumpre apreciar a questão do repatriamento do veículo.

O valor do veículo em Portugal era de 1.500 €/ 2.000 €. O mecânico concluiu que o motor do veículo teria de ser substituído e tal reparação foi orçamentada em € 4.000 / € 4.500. Ora, nos termos da al. b) do nº 3 do artº 9º das cláusulas gerais do contrato, relativo à assistência ao veículo, “...O Serviço de Assistência não será obrigado a efectuar o repatriamento ou transporte do veículo, suportando apenas as despesas com o seu abandono legal, quando o valor da reparação, de acordo com a informação dada pela oficina ou concessionário do local onde o sinistro ocorreu, exceda o seu valor venal em Portugal (...) – cfr. fls. 46. Logo, a ré não está obrigada a custear o transporte do veículo para Portugal, nem a pagar o valor do mesmo, nem a indemnizar o autor pela privação do uso do mesmo…”.

Estamos, face ao 1º e 2º facto provados, perante um contrato de adesão, contendo cláusulas contratuais gerais (art. 1º, nº 1, do DL 446/85, de 25.10). Nem a recorrida contesta que assim seja.  

Dispõe o art. 5º de tal diploma, com a epígrafe “Comunicação” que:

1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.  

Por sua vez dispõe o art. 6º de tal DL, com a epígrafe “Dever de informação” que:

1. O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

2. Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados. 

Segundo Almeida Costa e Menezes Cordeiro o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável. Nessa linha, o nº 2, esclarece que o dever de comunicação varia, no modo da sua realização e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas. Como bitola, refere-se a lei à possibilidade do conhecimento completo e efectivo das cláusulas por quem use de comum diligência. Encontra-se aqui uma afloração do critério geral de apreciação das condutas em abstracto e não em concreto (em Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação, 1ª Ed., pág. 25, e ainda o 2º autor mencionado em Tratado de D. Civil, II, Parte Geral, Negócio Jurídico, 4ª Ed., pág. 428/429).

Assim, em princípio, um clausulado bem impresso, perfeita e completamente legível, sendo as letras de tamanho razoável, e também o respectivo espaçamento, satisfará a exigência legal.

O grau de diligência postulado por parte do aderente e que releva para efeitos de avaliar o esforço posto na comunicação é o comum, devendo ser calculado em abstracto, mas de acordo com as circunstâncias típicas de cada caso, tendo-se em conta o nível cultural do aderente. Ou seja, o teor da comunicação deve ser cumprido com uma possibilidade razoável de, usando de comum diligência, o aderente tomar real e efectivo conhecimento da integralidade das cláusulas, do teor das mesmas, para que as perceba.

Descendo ao caso concreto vemos que foi o próprio apelante quem juntou aos autos, com a p.i., a minuta da apólice com as Condições Particulares do contrato (a fls. 17/22), o qual cobria, além de outras, a assistência em viagem base. Nessas Condições Particulares, 1ª página (a fls. 17) é feita referência expressa à existência de Condições Especiais, a 712 e a 721, sendo que na última página (a fls. 22) se identifica claramente a Condição Especial 721-Assistência em Viagem, aí se dizendo que é garantida a cobertura de Assistência em Viagem, de acordo com o estipulado na Condição Especial respectiva. Mas refere-se mais nessas Condições Particulares, pois delas consta (a fls. 19) o que ficou enunciado no 3º facto provado, designadamente que o apelante declarou que lhe foram transmitidas nos termos legais todas as informações pré-contratuais necessárias e prestados todos os devidos esclarecimentos sobre o contrato de seguro proposto e bem assim sobre os procedimentos de acesso às condições gerais e especiais (nesse facto provado por lapso escreveu-se a palavra particulares em vez de especiais) aplicáveis as quais serão facultadas em suporte electrónico duradouro. E mais à frente (a fls. 20/21) ainda consta que em relação à entrega das Condições Gerais e Especiais foi devidamente informado e deu o seu consentimento expresso a que a mesma seja feita por meio de suporte electrónico duradouro, através do acesso que lhe é facultado pela página da internet da Companhia de Seguros (…), SA, disponível em www.acoreanaseguros.pt utilizando para o efeito como “password” o respectivo número de apólice, cuja introdução permitirá o acesso automático às Condições Gerais e Especiais aplicáveis ao contrato, as quais estarão disponíveis nessa página durante a vigência do contrato de seguro, mais declarando que na presente data e com estas Condições Particulares lhe foi também entregue em suporte documental o resumo das referidas Condições Gerais e Especiais.       

Como acima se disse, não se impõe que o aderente tenha efectivamente conhecido as cláusulas, mas sim essa possibilidade, tendo em conta os dados de facto da concreta situação. Naturalmente que qualquer obrigação de meios tem em vista o resultado da satisfação do interesse do credor. Dito por outras palavras, o devedor só cumprirá a obrigação se proporcionar ao aderente a possibilidade de conhecimento em concreto. Não basta pois que se empregue a diligência medianamente exigível para a obrigação poder considerar-se cumprida, só quando aquela que foi despendida tiver sido suficiente para a obtenção do resultado é que pode falar-se em cumprimento desta obrigação, salvo se este não se tiver verificado por negligência do credor/aderente, mas só por isso (neste sentido Ana Prata, em Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação, 2010, págs. 242/243).

Quanto à expressão legal comum diligência, deve ter-se em conta o critério geral de apreciação das condutas em abstracto, como acima apontámos, ou seja, deve atender-se ao consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e perspicaz (vide Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais, 2ª Ed., pág. 61 e 234/235). Assim, não pode aceitar-se como compreensível a demissão do aderente do cuidado e da atenção aos negócios que celebra ou que não consulte e leia as condições gerais que lhe oferece a empresa, já que o tráfico jurídico-comercial exige uma determinada diligência de todos os que nele intervêm. Podemos, pois, adiantar que o efectivo conhecimento pelo aderente é de presumir se o mesmo tiver tido acesso ao clausulado integral, por se supor que com uma diligência normal teria podido conhecer as cláusulas contratuais gerais.

Ora, no caso concreto, não se apurando que o recorrente desconheça a língua portuguesa, ou tenha dificuldades na sua compreensão, e ficando provado que foi o próprio apelante quem juntou aos autos a minuta da apólice com as Condições Particulares do contrato, onde é feita referência expressa à existência da Condição Especial 721, referente à Assistência em Viagem, aí se dizendo que é garantida a cobertura da mesma de acordo com o estipulado na Condição Especial respectiva, e que o apelante declarou que lhe foram transmitidas nos termos legais todas as informações pré-contratuais necessárias e prestados todos os devidos esclarecimentos sobre o contrato de seguro proposto e bem assim sobre os procedimentos de acesso às condições gerais e especiais aplicáveis as quais eram facultadas em suporte electrónico duradouro e, ainda, que em relação à entrega das Condições Gerais e Especiais foi devidamente informado e deu o seu consentimento expresso a que a mesma seja feita por meio de suporte electrónico duradouro, através do acesso que lhe é facultado pela página da internet da Companhia de Seguros (…), SA, disponível em www.acoreanaseguros.pt utilizando para o efeito como “password” o respectivo número de apólice, cuja introdução permitirá o acesso automático às Condições Gerais e Especiais aplicáveis ao contrato, as quais estarão disponíveis nessa página durante a vigência do contrato de seguro, mais declarando, ainda, que na presente data e com estas Condições Particulares lhe foi também entregue em suporte documental o resumo das referidas Condições Gerais e Especiais, só pode concluir-se que o recorrente teve claramente a possibilidade de conhecer as condições de cobertura e exclusão referentes à Condição Especial atinente à assistência em viagem.

Na verdade, o recorrente não só declarou que que lhe foram transmitidas nos termos legais todas as informações pré-contratuais necessárias sobre o contrato de seguro proposto, como recebeu em suporte documental o resumo da referida Condição Especial, como, igualmente, foi informado sobre os procedimentos de acesso à Condição Especial aplicável a qual era facultada em suporte electrónico duradouro, meio tecnológico a que deu o seu consentimento expresso para aceder à página da internet da recorrida, que lhe foi indicada, utilizando para o efeito como “password” o respectivo número de apólice, e cuja introdução permitia o acesso automático à Condição Especial aplicável ao contrato, a qual estaria disponível nessa página durante a vigência do contrato de seguro.   

Pelo que, é de concluir que a recorrida provou ter cumprido a sua obrigação de meios, de comunicação integral ao recorrente das cláusulas contratuais gerais insertas no contrato, que o fez de modo adequado, assim tornando possível o seu conhecimento completo e efectivo pelo recorrente que se não as conheceu, como alega, só de si se pode queixar, já que utilizando uma diligência comum teria tido acesso à Condição Especial referente à Assistência em Viagem e às cláusulas gerais desta Condição Especial.

Nem se diga, como o recorrente o faz (na conclusão 26.), que as cláusulas gerais da Condição Especial, juntas pela recorrida aos autos (com a contestação a fls. 43/51), não fazem referência ao contrato de seguro celebrado com o recorrente, pois logo na página inicial, ao cimo, e bem legível, é assinalado que se trata das cláusulas da Condição Especial 721 – Assistência em Viagem, como também consta da minuta da apólice referente às Condições Particulares, como mais acima indicámos.

Nem se afirme também que foi violado o art. 6º do DL 446/85, alusivo ao dever de informação, porque, por um lado, está provado que o recorrente declarou que que lhe foram prestados todos os devidos esclarecimentos sobre o contrato de seguro proposto, e, por outro lado, não se provou, nem se divisa, nem o apelante o concretiza, que aspecto compreendido nas cláusulas gerais contratuais pretendia aclaração ou que lhe tivesse sido negada.

Não houve, por isso, qualquer violação dos arts. 5º e 6º de tal diploma, como defende o apelante, devendo tais cláusulas manterem-se contratualmente, e não ser excluídas ao abrigo do art. 8º, a) e b), de tal DL.

Sendo assim, e resultando do art. 9º, nº 3, 3º parágrafo, da aludida Condição Especial - que diga-se é um clausulado bem impresso, perfeita e completamente legível, sendo as letras de tamanho razoável – que o Serviço de Assistência não era obrigado a efectuar o repatriamento ou transporte do veículo, suportando apenas as despesas com o seu abandono legal, quando o valor da reparação, de acordo com a informação dada pela oficina ou concessionário do local onde o sinistro ocorreu, exceda o seu valor venal em Portugal, como comprovadamente ocorreu, a sentença recorrida decidiu bem ao ditar que a apelada não estava obrigada a custear o transporte do veículo para Portugal, nem a pagar o valor do mesmo, nem a indemnizar o autor pela privação do uso do mesmo.           

Improcede, pois, esta parte do recurso.

5. O recorrente questiona o âmbito e valor dos danos não patrimoniais fixados no tribunal a quo (cfr. conclusões 34. a 43.). Como mais atrás se viu, na sentença recorrida (transcrita no ponto 2.2.) fixou-se a indemnização por danos morais em 500 €, pelo número de horas, 4/5h, de espera na auto-estrada que o recorrente suportou até à chegada do reboque, privado de refeições e outras necessidades. Só que os danos apurados não ficaram por aqui, tendo a decisão recorrida errado ao cingir-se unicamente a eles. Apuraram-se mais factos (cfr. o 4º, 5º e 7º), concretamente que chegou o reboque, mas não chegara ainda um táxi para transporte do autor - e passageiros - e como eles não pretendiam esperar mais tempo na berma da auto-estrada, o veículo avariado foi colocado no reboque, vendo-se o autor forçado a viajar ao lado do condutor do reboque – e os acompanhantes do autor dentro da viatura. Mais, efectuado o transporte para uma oficina de reparação automóvel, o serviço de assistência em viagem sugeriu ao autor que pernoitassem num hotel que indicou, o que o autor aceitou, contudo, foi reservado apenas um quarto do referido hotel, com uma cama de casal e duas camas portáteis extra, vendo-se o autor e seus acompanhantes obrigados a dormir no mesmo quarto, o que lhes provocou desconforto, dada a falta de privacidade. Mais, no dia seguinte o autor dirigiu-se à dita oficina de reparação automóvel, onde se encontrava o seu veículo e após inspecção pelo mecânico este concluiu que o motor do veículo teria de ser substituído e feito o orçamento verificou-se que os custos de reparação do veículo, já que se tratava de uma situação em que o motor havia gripado, eram manifestamente superiores ao valor do veículo, pelo que dado o valor da reparação ser elevado, bem como o facto de aquela requerer um período de espera incomportável para o autor, este por estar longe do seu local de residência solicitou à ré o transporte de veículo para Portugal, tendo a ré respondido que, dado o valor da reparação do veículo, o mesmo não poderia ser transportado para Portugal e que apenas procederia ao pagamento das despesas inerentes à deslocação, de autocarro, do autor para Portugal - tendo os passageiros de suportar o preço dos seus bilhetes -, só que não foi possível efectuar a viagem nesse dia, por já não existirem autocarros disponíveis. Mais, então a ré sugeriu que o transporte para Portugal fosse efectuado no dia seguinte através de um veículo alugado, o que implicou a permanência do autor - e acompanhantes - por mais uma noite na Alemanha. 

Como se referiu na decisão recorrida a assistência em viagem deve ser prestada com rapidez e eficácia – o que manifestamente não aconteceu.

Desta sorte, e concordando-se com as considerações de direito tecidas na sentença recorrida sobre a aplicação e interpretação dos arts. 496º, 562º e 566º do CC e oportuna citação doutrinal de Antunes Varela, entendemos que o valor da indemnização tem de ser aumentada, relativamente aos 2 dias de incómodos sofridos pelo recorrente.

Considerando-se, assim, equitativo fixar em 2000 € a indemnização que a ré deverá pagar ao autor a título de danos não patrimoniais.

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Não deve confundir-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia com vício da decisão da matéria de facto ou com erro de julgamento;

ii) Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente especificar-se os concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados; a omissão desse ónus, imposto pelo nº 1, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto;

iii) O dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais aos aderentes, previsto no art. 5º,  nº 1, do DL 446/85, de 25.10, é uma obrigação de meios; não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável;

iv) Nessa linha, o dever de comunicação deve ser realizado de modo adequado, de acordo com a bitola legal de possibilidade do conhecimento completo e efectivo das cláusulas por quem use de comum diligência;

v) Quanto a esta expressão legal comum diligência, deve ter-se em conta o critério geral de apreciação das condutas em abstracto, ou seja, deve atender-se ao consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e perspicaz;

vi) Deve entender-se que num contrato de seguro, com a cobertura assistência em viagem, a seguradora cumpriu o seu dever de comunicação e o aderente teve a possibilidade de conhecimento completo e efectivo das cláusulas contratuais gerais se ficou provado que: na minuta da apólice com as Condições Particulares do contrato, é feita referência expressa à existência da Condição Especial 721, referente à Assistência em Viagem, aí se dizendo que é garantida a cobertura da mesma de acordo com o estipulado na Condição Especial respectiva; e o aderente declarou que que lhe foram transmitidas nos termos legais todas as informações pré-contratuais necessárias sobre o contrato de seguro proposto; bem como recebeu em suporte documental o resumo da referida Condição Especial; assim como, igualmente, foi informado sobre os procedimentos de acesso à Condição Especial aplicável a qual era facultada em suporte electrónico duradouro, meio tecnológico a que deu o seu consentimento expresso para aceder à página da internet da seguradora, que lhe foi indicada, utilizando para o efeito como “password” o respectivo número de apólice, e cuja introdução permitia o acesso automático à Condição Especial aplicável ao contrato, a qual estaria disponível nessa página durante a vigência do contrato de seguro.

IV – Decisão

  

Pelo exposto, julga-se procedente, parcialmente o recurso e, em consequência condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de 2.000 €, no mais se mantendo a decisão recorrida.

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Custas na proporção do vencimento/decaimento.

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  Coimbra, 16.12.2015

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias