Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
231/10.5TBSAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL
ADVOGADO
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
DANO DA PERDA DE CHANCE
CONTRATO DE SEGURO
ORDEM DOS ADVOGADOS
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SATÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.563, 799, 1154, 1157, 1178 CC
Sumário: 1. Porque a obrigação do advogado para com o seu constituinte é uma obrigação de meios impositiva de uma actuação diligente e sagaz, porque a nossa lei consagrou a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, existe, pelo menos no âmbito na figura da perda de “chance”, nexo de causalidade entre a sua decisão de prescindir das testemunhas e a improcedência da acção por falta de prova dos factos alegados.

2. A exclusão, no contrato de seguro, da responsabilidade da seguradora de actos jurídico-processuais de advogado «Por qualquer facto ou circunstância conhecidas do segurado à data do início do período de seguro e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação», não se verifica se o advogado é demandado pelo seu constituinte apenas cerca de cinco anos após ter conhecimento dos fundamentos da perda da acção.

3. Porque, mesmo com toda a prova produzida, é incerto/aleatório o total ganho de causa, mostra-se adequado, na condenação por perda de «chance», fixar em 50% o grau de probabilidade de êxito da acção a incidir sobre o dano provável avançado, como responsabilidade de advogado que, em ato mimético ao do colega, prescindiu das suas testemunhas, assim originando a improcedência do pedido.

4.Celebrado o contrato de seguro com a Ordem dos Advogados, as excepções advenientes do regime das CCG apenas podem ser opostas por esta e perante esta em causas em que apenas intervenham os respectivos membros.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.
 M (…) intentou contra J (…), F (…) e A (…) Insurance Company (Europe), Lda., ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário.

Pediu:
A condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de €73.148,25, incluídos juros vencidos.
Alegou:
Os réus J (…) e F (…), no exercício das respetivas atividades de  solicitador e Advogado, enquanto mandatados pelo Autor numa dada ação, ao prescindirem das testemunhas por si arroladas, não cumpriram de forma diligente o mandato que lhes foi conferido.
O Réu J (…), solicitador, violou o art.109º, al. h) e i) do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, enquanto o Réu F (…), Advogado, violou os art.s 92º e 95º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
A atuação culposa dos réus, que se presume,  impediu o A. de ver ressarcidos os prejuízos que reclamava na ação supra referida, no montante de 9.780.000$00 correspondente ao sinal prestado em dobro, a que devem acrescer juros, desde a data de entrada da providência cautelar, 26.04.2000 até efetivo e integral pagamento, os quais calculados até à presente data ascendem, afirma, a €24.365,82, perfazendo um total de €73.148,25.
A 3.º R. celebrou com a Ordem dos Advogados um Seguro de Responsabilidade Civil Profissional em 2010, com retroatividade ilimitada, e cujo limite engloba o presente pedido.

Contestaram os réus.
A Ré seguradora.
Impugnou o alegado pelo autor.
E, por exceção, invocou:
- o limite de cobertura  do seguro até ao capital de €50.000.
- a exclusão da cobertura da apólice pelo facto da reclamação dos danos,  efetivada pela citação para a presente ação, não ter ocorrido durante a respetiva vigência - art.1º, nº13, §1, das Condições Especiais da Apólice.
- a exclusão da cobertura da apólice pelo conhecimento que o R. Fernando Oliveira tinha dos factos, em que se funda a pretensa responsabilidade civil profissional, no inicio de vigência do seguro, sem os comunicar à seguradora num prazo razoável -art.3º, al. a) e art.8º das Condições Especiais da Apólice.

Os réus J (…) e F (…).
Impugnaram  e excecionaram a prescrição da responsabilidade civil extra-contratual em que se funda a pretensão.
E, em reconvenção, pediram:
a) a condenação do Autor no pagamento da quantia de €5.000, acrescida de IVA, a título de honorários e despesas, com o exercício do mandato no arresto, acção ordinária e registo que invoca;
b) a condenação do Autor no pagamento da quantia de €1.500, a título de indemnização, e multa como litigante de má fé.

Mais requereram a intervenção principal provocada da O (…) Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., para a qual o Réu J (…) tinha transferido a respetiva responsabilidade civil profissional.
 
 Replicou o Autor.
Quanto à contestação da Ré seguradora, A (…) Insurance, alegou:
A cláusula de exclusão ínsita nas Condições Especiais da Apólice que jamais foi explicada ao R. F (…), nem o seu conteúdo publicitado convenientemente junto dos beneficiários do Contrato de Seguro.
Ademais trata-se de condições não negociadas e ínsitas num contrato com clausulado pré conformado pela 3.ª R., nos termos do Dec Lei 446/85 de 25 de Outubro, devendo tal cláusula ser considerada excluída do citado contrato de seguro nos termos do art.8.º do citado Decreto Lei.
Tal limitação de responsabilidade é contraditória com a cláusula de retroatividade ilimitada negociada com a Ordem dos Advogados.
Uma vez que, a ser válida, tal exclusão esvaziaria de sentido qualquer aplicação da dita retroatividade, dado que à partida estaria excluída a cobertura da apólice a sinistros ocorridos antes da sua entrada em vigor, sendo a dita cláusula contrária ao princípio da boa fé.
E ainda que assim se não entenda, tratando-se de uma cláusula limitativa da responsabilidade nos termos da alínea b) do art.18º Dec Lei 446/85, de 25 de Outubro, é nula nos termos do art.12.º e 15.º do referido diploma.
Isto porque o A. é terceiro em relação ao contrato de seguro celebrado entre os 2.º e 3.ª RR. e a responsabilidade que dai pode advir é extracontratual em relação ao contrato de seguro.
 Quanto à mencionada falta de comunicação por parte do seu segurado num prazo razoável, são situações a que o A. é alheio e quando muito os danos que a 3.ª R. tenha poderão vir a ser efetivados em sede de direito de regresso.  Sendo de qualquer forma inoponível ao Autor.
Quanto à contestação dos RR. J (…) e F (…) impugnou a matéria da prescrição e reconvenção.
Conclui requerendo,
a) a condenação dos 1º e 2º RR. como litigantes de má fé em multa e indemnização condigna;
b) em ampliação do pedido, a condenação dos RR. em juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento sobre a quantia peticionada.

Foi admitida a intervenção principal provocada da O (…).
Contestou esta, defendendo-se por impugnação e excecionado a existência de uma franquia, a exclusão do âmbito temporal e pessoal da garantia contratada (solicitador de execução), embora a responsabilidade civil profissional invocada pelo A. se funde exclusivamente na actuação do Réu F (…), enquanto Advogado, ao prescindir das testemunhas em julgamento.
Por fim, excecionou a sua ilegitimidade passiva, mais alegando que os factos em apreço jamais foram participados à chamada O (…).

2.
Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual se decidiu:
«I) julgar parcialmente procedente, por provada, a presente acção e consequentemente:
a) condenar o Réu F (…) a pagar ao Autor a quantia de €33.313,56 (trinta e três mil, trezentos e treze euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente sentença até integral e efectivo pagamento;
b) absolver o Réu F (…)o mais contra si peticionado;
c) absolver os Réus J (…), A (…) Insurance Company (Europe), Lda, e a chamada O (…) Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., totalmente do pedido contra si deduzido;
II) julgar improcedente, por não provado, o incidente de litigância de má fé e em consequência absolver Autor e RR. dos respectivos pedidos.»

3.
Inconformados, recorreram o réu F (…), e, subordinadamente, o autor.
3.1.
Conclusões do réu:
1- O Advogado fica adstrito à realização de uma prestação, com carácter pessoal, instantânea ou de execução continuada, com vista à resolução de uma ou mais questões jurídicas;
2- Sendo esta uma obrigação de meios, traduzida numa atuação zelosa e diligente.
3- Atuação essa, tida pelo Recorrido, quando lançou mão de todos os mecanismos disponíveis para ver atendida a pretensão o seu cliente.
4- A opção técnica de prescindir das testemunhas na audiência de julgamento de 22.04.2002, deveu-se à sua consideração de que os factos que teria que provar estavam suficientemente alicerçados nos autos, quer com prova testemunhal apresentada no arresto, quer com os documentos juntos, vertidos no então despacho saneador.
5- Inexiste nexo de causalidade adequada entre a omissão de apresentar prova e o dano final da perda da ação;
6- Inexiste nexo quanto ao dano da perda de oportunidade de vencer;
7- Inexiste negligência ou dolo por parte do recorrente.
8- Até porque, como muito bem refere a douta Sentença Recorrida, “…não se pode estabelecer o grau de probabilidade da amplitude do êxito da acção, sem afastar, inclusive, a sua improcedência no julgamento de facto e de direito da questão submetida a juízo...”.
9- Não sendo possível aferir com rigor se o que as testemunhas iam dizer seria suficiente, por si, para o êxito esperado.
10- E porque assim, a perda de uma certa probabilidade de ganhar a ação não foi demonstrada em sede de julgamento.
11- E o Recorrido não perdeu uma oportunidade de obter uma decisão favorável, porque o Recorrente tentou obtê-la, recorrendo a todas as instâncias, inclusive o Supremo Tribunal de Justiça.
12- Não razoável exigir ao Recorrente que oito anos depois, aquando do inicio do Seguro, contasse com um processo judicial como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice.
13- Até mesmo tendo em conta o tempo decorrido entre a tomada de opção pelo Recorrido, em 22.04.2002 e a propositura da ação, contra Recorrido e a Seguradora/Ré, em 7.09.2010.
14- Não lhe sendo por isso exigível um dever de comunicação à Seguradora.
15- Não estando por isso verificada nenhuma condição de exclusão das Condições Especiais da Apólice, nomeadamente a prevista no seu art.3º, al. a) e art.1º.
3.2.
Conclusões do autor:
A) O ora Recorrente concorda com grande parte da douta fundamentação expendida na sentença do tribunal a quo de que ora se recorre acerca da responsabilidade do R. Exmo Senhor DrF (…) porém discorda com dois pontos que ora vem pôr em crise, ou seja a quantificação da indemnização atribuída ao A., ora Recorrente e a não procedência do pedido formulado contra a R. A (…) Insurance e a sua consequente absolvição.
B) Assim, dá-se como reproduzida a fundamentação expedida na douta Sentença ora parcialmente posta em crise a propósito da responsabilidade do aqui Recorrido, Exmo. Sr. Dr. F (…).
C) O Advogado, F (…), incorreu em responsabilidade profissional na violação dos deveres de zelo/diligência profissional, resultando dessa actuação ilícita e culposa a perda de chance de vencer a acção, verificando-se, portanto, o nexo de causalidade adequada entre essa conduta e o dano da perda da acção, total ou parcial.
D) A actuação do seu Advogado, ao prescindir da prova no sobredito contexto, causou ao Autor danos que se objectivaram na impossibilidade de demonstrar a versão dos factos que alegara e vira seleccionados no saneador e, reflexamente, na inviabilidade de fazer valer, na totalidade ou em parte, o bem-fundado da sua pretensão, deixando, assim, de receber o quantitativo pecuniário peticionado.
E) O dano para o Autor traduziu-se na improcedência da acção com a consequente absolvição da Ré (…), do pedido de condenação no peticionado, embora nunca fosse possível saber qual o grau de probabilidade do êxito ou insucesso da acção, caso as suas testemunhas tivessem sido inquiridas, hipótese em que o autor tentaria fazer prova do bem fundado da sua acção.
F) Mas se não há possibilidade de saber se o autor ganharia ou não a acção “omitida” ou “falhada”, tratando-se, portanto, de uma matéria insusceptível de ser provada, “tal não pode conduzir, irremediavelmente, à irresponsabilização do profissional que violou os seus deveres para com o cliente, sob pena de tal implicar, intoleravelmente, a existência de muitas infracções, sem sanção suficiente, com a consequente dificuldade de responsabilizar o Advogado perante o cliente, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato”.
G) Nas circunstâncias apontadas, ao prescindir das testemunhas do Autor, o seu Advogado fê-lo, desde logo, perder toda e qualquer expectativa de ganho de causa na acção, independentemente das vicissitudes processuais que a mesma conheceria, o que representa um prejuízo ou dano, em si mesmo considerado, isto é, um dano autónomo.”(..)
H) Assim, atenta a factualidade dada como provada que conduz à fundamentação supra referida, dúvidas não haverá que os pressupostos da responsabilidade contratual estão preenchidos e por tal, nesta parte a douta Sentença recorrida é isenta de mácula e com tal deve ser parcialmente mantida.
I) Porém, a quantificação do dano de perda de chance que depois é expedida é que peca, salvo o devido respeito, por defeito, e a absolvição da R. A (…) Insurance merece também análise crítica.
J) Chegados a este ponto, mais uma vez se acompanha de perto a douta decisão recorrida e o Acórdão do STJ de 05.02.2013 também citado no referido aresto: “O princípio geral da reconstituição natural, como critério da indemnização dos danos, consagrado pelo artigo 562º, proclama que “quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga á reparação”, ou seja, o princípio de que deve ser reconstituída a situação anterior à lesão, acrescentando o artigo 566º, nº 1, ambos do CC, que “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível,...”, enquanto que o seu nº 3 finaliza no sentido de que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
K) Porém, nos termos do disciplinado pelo artigo 563º, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, referindo o artigo 564º, ambos do CC, no seu nº 1, que “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, sendo certo que o respectivo nº 2 acrescenta que “na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
L) Dos normativos legais acabados de destacar resulta que o dano ressarcível, mesmo que futuro, tem que ser certo, e não meramente eventual, porquanto “só o prejuízo certo pode ser reparado, não podendo sê-lo o mero prejuízo possível ou eventual, de verificação duvidosa[28], que “não é ressarcível, porque falta o requisito da certeza”, embora se trate de “uma certeza apenas relativa, não absoluta”[29], uma certeza relativa que constitui, tão-só, “uma probabilidade suficiente, mas que explica a possibilidade de reparar o dano futuro[30].
M) Como já se disse, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará, equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, de acordo com o disposto pelo artigo 566º, nº 3, do CC. O dano da «perda de chance» deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.Assim sendo, a reparação da perda de uma chance deve ser medida, em relação à chance perdida, e não pode ser igual à vantagem que se procurava.
N) Para tanto, importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realizar a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra, traduzido num valor percentual. Uma vez obtidos tais valores, aplica-se o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado de tal operação o valor da indemnização a atribuir pela perda da chance.”(...)
O) No âmbito da segunda avaliação, ou seja a fixação do “grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo”, não nos parece ajustada a fixação da álea em 50%, uma vez que ao fixar a percentagem não se poderia olvidar que já havia sido decretado um Arresto com base na factualidade que levou à propositura da acção, e o “Fumus Boni Iuris” consequente.
P) Acresce ainda que também o facto de a então R. (…), Lda. ter prescindido de toda a prova, vem aumentar significativamente a possibilidade de a pretensão deduzida pelo Autor, ora Recorrente, ser considerada procedente.
Q) Por fim, também não será inócuo o facto de as testemunhas apresentadas pelo A. na acção principal, coincidirem quase na íntegra com as testemunhas que haviam prestado depoimento no Arresto. Assim,
R) Embora se concorde que o grau de certeza necessário para fazer coincidir a indemnização ora peticionada com o valor peticionado nos autos geradores da responsabilidade do Recorrido não existe, a percentagem fixada não poderá nunca ser inferior a 80% do pedido, sujeita À correcção monetária aplicada na sentença do Ilustre Tribunal “a quo”.
S) Assim deverá a douta sentença ser parcialmente revogada, fixando-se a indemnização em €53.301,68 (€48.782,43x80%=€39,025,95), correspondente a 80% do pedido (€39.025,95) actualizado de acordo com os factores de correcção monetária à data de 30.10.2000 (data da contestação).
T) Violou nesta parte a douta sentença recorrida o disposto nos Arts. 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil.
U) Atenta a matéria dada como provada não se pode também concordar com a fundamentação expedida na douta sentença recorrida acerca da absolvição da R. A (…) Insurance.
V) Trata-se de condições não negociadas e ínsitas num contrato com clausulado pré conformado pela R. Arch Andersen, nos termos do Dec Lei 446/85 de 25 de Outubro, pelo que de acordo com o Art. 8.º do citado Decreto Lei deve tal cláusula ser considerada excluída do citado contrato de seguro. Acresce ainda que,
W) Tal limitação de responsabilidade é contraditória com a cláusula de retroactividade ilimitada negociada com a Ordem dos Advogados, uma vez que a ser válida tal exclusão esvaziaria de sentido qualquer aplicação da dita retroactividade, dado que à partida estaria excluída a cobertura da apólice a sinistros ocorridos antes da sua entrada em vigor.
X) Pelo exposto a dita cláusula é contrária ao princípios da boa fé, constituindo a pretensão da Recorrida segurada um abuso de direito, que expressamente se invoca.
Y) E ainda que assim se não entenda, tratando-se de uma cláusula limitativa da responsabilidade nos termos da alínea b) do Art. 18º Dec Lei 446/85 de 25 de Outubro é nula nos termos do Art. 12.º e 15.º do referido diploma.
Z) Devendo, pois a douta sentença ser revogada, condenando-se a Recorrida A (…) a pagar solidariamente o ora Recorrente a quantia indemnizatória a que o Recorrido F (…) for condenado, até ao montante de €50.000,00 deduzida a franquia aplicável.
AA) Violou, pois nesta parte a douta sentença os Arts. 334.º, 762.º do Código Civil e os Arts. 8.º, 12.º, 15.º e 18.º b) do Dec Lei 446/85 de 25 de Outubro.

4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
A – Do recurso do réu.
1ª - Inexistência de nexo  de causalidade entre a atuação do réu e a oportunidade de o autor obter ganho de causa por perda de “chance”.
2ª – Inverificação da exclusão prevista no art. 3º, al. a) e art. 1º das Condição  Especiais da Apólice.
B – Do recurso do autor.
3ª – Fixação do “grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo em 80%.
4ª – Inverificação do fundamento para absolvição da ré  A (…) Insurance porque as clausulas contratuais do mesmo devem ser consideradas excluídas ex vi dos artº 8º do DL446/85 de 25 de Outubro, declaradas nulas nos termos da alínea b) do seu  Art. 18º, ou  serem tidas por abusivas.

5.
Foram dados como provados os seguintes factos que importa considerar:

A) A fls.12 e 13 dos autos consta um documento denominado “Contrato Promessa”, nele intervindo como primeira outorgante A (…) Lda, representada pelos seus sócios-gerentes (…) e como segundo outorgante o Autor M (…).
B) No âmbito do documento referido em A) consta, além do mais, na cláusula primeira, que “os primeiros outorgantes são donos e legítimos proprietários de um apartamento T2 com garagem e sótão no 4.º andar direito, sito no bloco em propriedade horizontal em Sátão, sito ao (...) lote n.º6, inscrito na matriz predial de Sátão sob o artigo (...)e descrito na conservatória do Registo Predial de Sátão sob o n.º (...)”.
C) Do documento referido em A) consta ainda, na cláusula segunda, que “os primeiros outorgantes prometem vender aos segundos pelo preço global de esc. 6.000.000$00 (seis milhões de escudos) o identificado apartamentos que os segundos se obrigam e prometem comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos”.
D) Do documento referido em A) consta, na cláusula terceira, que “do mencionado preço, os primeiros outorgantes recebem dos segundos, com a assinatura do presente contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, a importância de esc. 4.890.000$00 (quatro milhões oitocentos e noventa mil escudos) de que dão quitação”.
E) Do documento referido em A) consta na cláusula quarta que “o preço remanescente, ou seja, esc.1.110.000$00 (um milhão e cento e dez mil escudos) será liquidado pelo segundo aos primeiros outorgantes com a outorga da escritura do contrato definitivo”.
F) Consta do documento referido em A), como cláusula quinta, que “a marcação da escritura fica a cargo do primeiro outorgante, ou a quem delegar para o fazer, não devendo como tal anteceder o prazo de dois anos após a data deste contrato, salvo comum acordo de ambas as partes intervenientes, ora outorgantes, vendedora e compradora. O primeiro outorgante por carta registada com aviso de recepção com oito dias de antecedência, comunicará o local e hora onde deve comparecer para a assinatura”.
G) Correram termos no Tribunal Judicial de Sátão os autos de procedimento cautelar de arresto n.º126/2000, no âmbito dos quais foi requerente o aqui Autor M (…) e foi requerida A (…)Lda.
H) Os autos de procedimento cautelar de arresto referido em G) deram entrada no dia 26 de Abril de 2000 e foram subscritos pela doutora (…), na qualidade de advogada, e pelo Réu J (…) na qualidade de solicitador.
I) No dia 4 de Julho de 2000, após produção de prova, foi decretado o arresto peticionado nos autos de procedimento cautelar referidos em G).
J) No dia 4 de Agosto 2000 foi deduzida oposição ao arresto mencionado em I).
K) Na sequência do procedimento cautelar referido em G) foram instaurados no dia 18 de Julho de 2000, neste Tribunal Judicial, os autos de acção de processo ordinário n.º128/2000, no âmbito do quais era Autor o aqui Autor e Ré A (…), Lda.
L) Os autos de acção de processo ordinário referidos em K) foram subscritos pela doutora (…), na qualidade de advogada, e pelo Réu J (…), na qualidade de solicitador.
M) Nos autos de acção de processo ordinário referidos em K) peticionava-se a resolução do contrato promessa mencionado em A), alegando o seu incumprimento definitivo por parte da promitente vendedora, concluindo-se pela restituição do sinal prestado em dobro, acrescido de juros vincendos desde a citação, conforme doc. de fls.28-33 que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
N) No dia 31 de Outubro de 2000, foi deduzida contestação nos autos de acção de processo ordinário referidos em K).
O) No dia 19 de Dezembro de 2000 foi requerida uma suspensão nos autos de procedimento cautelar de arresto referidos em G), nos termos do disposto no art.279.º, n.º4 do Código de Processo Civil, tendo o Réu J (…) junto substabelecimento a favor do Réu F (…).
P) No dia 5 de Fevereiro de 2001 foi proferido despacho saneador nos autos de acção de processo ordinário referidos em K).
Q) Da base instrutória do despacho saneador mencionado em P) constam vários artigos respeitantes ao alegado incumprimento definitivo do contrato promessa referido em A).
R) Inicialmente foi designado o dia 27 de Novembro de 2001 para a realização da audiência de discussão e julgamento nos autos de acção de processo ordinário referidos em K), sendo que, após um pedido de suspensão, foi designado, para tal fim, o dia 22 de Abril de 2002.
S) Na ocasião referida em R), o Réu J (…) juntou substabelecimento a favor do Réu F (…)
T) Na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 22 de Abril de 2002 no âmbito dos autos de acção de processo ordinário referidos em K), estavam presentes o Réu F (…), na qualidade de mandatário do Autor, o mandatário da Ré e as testemunhas indicadas pelo Autor, não se encontrando presentes as testemunhas da Ré.
U) Na ocasião referida em T), aberta a audiência de discussão e julgamento, pelo mandatário da Ré foi dito prescindir do depoimento das testemunhas.
V) E pelo mandatário do Autor, o Réu F (…), foi dito que não podendo a Ré produzir quaisquer provas prescinde também da sua, requerendo, por isso, que a decisão final seja proferida de acordo com a factualidade considerada assente no douto despacho de fls.20 e 20 verso.
X) Na resposta à base instrutória mencionada em Q) o Mm.º Juiz respondeu da seguinte forma “quesitos 1.º a 16.º: Não Provados”.
Z) E fundamentou assim aquela resposta: “a convicção alcançada pelo Tribunal para as respostas negativas dadas a toda a matéria quesitada alicerçou-se na total ausência de prova relativamente à mesma, por as partes haverem prescindido da inquirição das respectivas testemunhas, e outros elementos probatórios não existirem nos autos”.
AA) No dia 8 de Julho de 2002 foi proferida sentença no âmbito dos autos de acção de processo ordinário referidos em K), que julgou a acção totalmente improcedente, do respectivo pedido se absolvendo a Ré.
BB) Na fundamentação da sentença referida em AA) consta, além do mais, “assim, e com base na citada recusa da Ré na outorga da respectiva escritura, pede o autor a condenação daquela nos termos supra referidos”.
CC) Mais se acrescentando que “ora, da discussão da causa não resultaram provados quaisquer factos conducentes à satisfação da pretensão do Autor, o qual, aliás, até prescindiu de toda a prova que havia oferecido”.
DD) E que “deste modo, e por não haver provado a invocada falta de cumprimento da obrigação assumida contratualmente pela Ré através da respectiva promessa de venda, pressuposto no qual havia o autor alicerçado o seu pedido de condenação daquela, haverá o mesmo pedido de ser, sem mais, julgado improcedente”.
EE) No dia 12 de Dezembro de 2002, os Réus J (…) e F (…), patrocinando o Autor, interpuseram recurso de apelação da sentença referida em AA).
FF) Por acórdão datado de 16 de Dezembro de 2003, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso, confirmando a sentença referida em AA).
GG) No dia 2 de Março de 2004, os Réus J (…) e F (…), patrocinando o Autor, interpuseram recurso de revista do acórdão referido em FF).
HH) Por acórdão datado de 23 de Setembro de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão referido em FF).
II) Em consequência do referido em HH), a requerida nos autos de procedimento cautelar mencionados em G) veio, no dia 2 de Dezembro de 2004 requerer o levantamento do arresto mencionado em I).
JJ) O que foi deferido por despacho datado de 22 de Fevereiro de 2005.
KK) A (…), Lda, requerida nos autos de procedimento cautelar mencionados em G), foi declarada insolvente.
LL) No ano de 2010, a Ré A (…)Insurance Company Europe, Lda celebrou com a Ordem dos Advogados um seguro de responsabilidade civil profissional, designado pela apólice n.ºDP/01018/10/B.
MM) Na cobertura base do seguro de responsabilidade civil mencionado em LL) consta “retroactividade: ilimitada”.
NN) Como segurados do seguro de responsabilidade civil mencionado em LL) constam “todos os membros da Ordem dos Advogados de Portugal com inscrição em vigor, nos termos definidos nas condições especiais da apólice”.
OO) Consta do artigo segundo das condições especiais do seguro de responsabilidade civil mencionado em LL), sob a epígrafe objecto do seguro “a presente apólice tem por objecto garantir ao segurado as consequências económicas de qualquer reclamação de responsabilidade civil que lhe seja legalmente imputável, formulada de acordo com a legislação vigente e pela primeira vez contra o segurado durante o período de seguro, por prejuízos patrimoniais primários causados a terceiros, em consequência de erro ou falta profissional cometido pelo segurado ou por pessoal por quem ele legalmente deva responder, no desempenho da actividade profissional descrita nas condições particulares”.
PP) Consta da cláusula décima das condições especiais do seguro de responsabilidade civil mencionado em LL), sob a epígrafe erro ou falta profissional “erros, omissões ou actos negligentes cometidos no exercício da actividade profissional descrita nas condições particulares”.
QQ) A apólice mencionada em LL) teve o seu início de vigência em 1 de Janeiro de 2010 e dura 12 meses, renováveis, retroagindo os seus efeitos de cobertura, ilimitadamente, a “sinistros” ocorridos antes dessa data.
RR) Como limites de indemnização no seguro de responsabilidade civil mencionado em LL) consta “limite por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado: €50.000,00”.
SS) Consta da cláusula décima terceira das condições especiais do seguro de responsabilidade civil mencionado em LL), sob a epígrafe reclamação “qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado ou contra a seguradora, quer por exercício de acção directa, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice”.
TT) Consta da alínea do artigo terceiro das condições especiais do seguro de responsabilidade civil mencionado em LL), sob a epígrafe exclusões “ficam expressamente excluídas da cobertura da apresente apólice as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação”.
UU) Consta da oitava das condições especiais do seguro de responsabilidade civil mencionado em LL), sob a epígrafe condições aplicáveis às reclamações “notificação de reclamações ou incidências -o tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações da seguradora sob esta apólice, comunicar à seguradora tão cedo quanto seja possível: a) qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; b) qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; c) qualquer circunstância ou incidência concreta conhecida pela primeira vez pelo segurado ou tomador do seguro e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou accionar as coberturas da apólice”.
VV) A chamada O (…)-Companhia Portuguesa de Seguros, SA celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional dos solicitadores de execução com a Câmara dos Solicitadores, na qualidade de tomadora do seguro, titulado pela apólice n.º RC84033100.
XX) O contrato de seguro de responsabilidade civil profissional referido em VV) teve início de vigência em 27/10/2003.
ZZ) Como segurado do seguro de responsabilidade civil mencionado em VV) consta “o solicitador de execução, devidamente habilitado nos termos da legislação especial aplicável, no interesse do qual o contrato é celebrado”.
AAA) Consta do artigo segundo das condições gerais do contrato de seguro de responsabilidade civil mencionado em VV), sob a epígrafe objecto do contrato “o presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade civil que seja imputável ao segurado enquanto na qualidade ou no exercício da actividade profissional de solicitador de execução, nos termos da legislação aplicável”.
BBB) O Réu J (…), membro da Câmara dos Solicitadores, aderiu no dia 27 de Outubro de 2003 ao contrato de seguro de responsabilidade civil mencionado em VV).
CCC) Como limites de indemnização no seguro de responsabilidade civil mencionado em VV) consta “por sinistro e anuidade do seguro: €100.000,00 por cada solicitador de execução”.
DDD) Consta do seguro de responsabilidade civil mencionado em VV) que “fica sempre a cargo da pessoa segura, o solicitador de execução, uma franquia de 10% do valor dos prejuízos, com um mínimo de €500 e um máximo de €1.250,00”.
EEE) Por força do referido em HH) o Autor encontra-se impedido de exercer a sua pretensão mencionada em M).
FFF) Desde o dia 29 de Abril de 2002 até 7.09.2010, data da propositura da presente acção, os Réus J (…) e F (…) não prestaram qualquer informação ao Autor sobre o motivo pelo qual não foram inquiridas as suas testemunhas presentes referidas em T), informando-o, todavia, em data indeterminada, mas posterior a 12.12.2002, que aguardavam a decisão do recurso por si interposto da sentença.
GGG) Desde o dia 29 de Abril de 2002 até 12.12.2002, quando o Autor, por várias vezes, contactou os Réus J (…) e F (…), os mesmos informaram-no de que o processo referido em K) estava a decorrer e que aguardavam uma decisão.
HHH) Em data indeterminada posterior a 23.09.2004 (acórdão do STJ referido em HH), quando se encontrava agastado com a situação, o Autor consultou os autos de acção de processo ordinário referidos em K) e, nessa ocasião, constatou que tinha sido proferido esse acórdão e que a apreciação de mérito no dito processo se encontrava finda.
III) Ao prescindir da produção prova testemunhal na ocasião referida em V), o Réu F (…) coarctou irremediavelmente nesse acto a possibilidade que o Autor tinha de ver satisfeita a pretensão por si deduzida nos autos de acção de processo ordinário referidos em K).
JJJ) No dia 25 de Setembro de 1997 o Autor prometeu vender a (…) que prometeu comprar, o apartamento referido em B) nos termos do contrato dessa data cuja certidão junta em audiência aqui se dá por inteiramente reproduzida.
KKK) (…) habitou, sem pagar qualquer renda, o apartamento referido em B) pelo menos durante um ano desde o dia 25 de Setembro de 1997.
LLL) Os Réus J (…) e F (…) desenvolveram esforços tendentes a que o Autor obtivesse sucesso nos autos de procedimento cautelar de arresto referido em G) e nos autos de acção de processo ordinário referidos em K).
MMM) Os factos mencionados em T) a JJ) eram do conhecimento do Réu F (…)  na data do início de vigência do seguro de responsabilidade civil mencionado em LL), sabendo ainda, nesta mesma data, que tais factos eram potencialmente geradores da sua responsabilidade civil profissional.
NNN) Quando o Réu F (…)  foi citado para contestar a presente acção, e até então, o mesmo não comunicou à Ré A (…) Insurance Company Europe, Lda, nem a qualquer entidade a quem o podia fazer nos termos do seguro de responsabilidade civil mencionado em LL), os factos mencionados em T) a JJ), nem a possibilidade de os mesmos poderem dar origem a uma reclamação e a sua possível responsabilização decorrente do exercício da sua profissão de Advogado.
OOO) O Réu J (…)  não agiu da forma referida em T) a JJ) na sua qualidade de solicitador de execução.
PPP) As cláusulas mencionadas OO) a QQ) e SS) a UU) não foram explicadas ao Réu F (…).
QQQ) As cláusulas mencionadas OO) a QQ) e SS) a UU) foram colocadas pela Ré A (…)Insurance Company (Europe), Lda no contrato de seguro de responsabilidade civil mencionado em LL), sem prévia negociação com os segurados referidos em NN).

6.
Apreciando.
6.1.
Primeira questão.
6.1.1.
Corrobora-se o entendimento plasmado na sentença sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil profissional do Advogado no sentido de que ela assume um cariz misto, consoante as circunstâncias concretas.
Assim, a um tempo, e  se apenas estiverem em causa  os interesses particulares do seu cliente, ela assumirá o cariz de  contratual, via contrato de mandato «sui generis», atípico ou inominado.
E, a outro tempo, se o que importar dilucidar for a possível violação dos deveres gerais do Advogado para com a comunidade, os colegas e a respetiva Ordem, melhor quadra na responsabilidade extracontratual ou aquiliana.
No caso vertente e estando presentes apenas os interesses do autor, cliente do réu Sr. Advogado, emerge a responsabilidade contratual, na modalidade de mandato – arts. 1154º; 1555º; 1157º e 1178º do Código Civil – cfr. para além da doutrina e jurisprudência citadas na sentença, os Acs. do STJ 26.10.2010, p. 1410/04.OTVLSB.L1.S1, de 14.03.2013, p. 78/09.1TVLSB.L1.S1 e de 06.03.2014, p. 23/05.3TBGRD.C1.S1, todos in dgsi.pt.
6.1.2
Nesta conformidade e como é consabido, são pressupostos da responsabilidade contratual, o facto (comissivo ou omissivo) ilícito e culposo, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No recurso está apenas em causa o nexo de causalidade.
Estamos perante uma obrigação de meios e não de resultado: o Advogado não se vincula para com o cliente à certa e necessária consecução/obtenção de um determinado objetivo/interesse/resultado.
Mas antes se compromete, mediante uma atuação tecnicamente adequada, zelosa e diligente, a tudo fazer para que o desiderato pretendido seja atingido.
Sendo especialmente de ter presente que o advogado – versus o que se verifica no mandato prototípico: artº 1161º nº1 al. a) do CC – não está obrigado a seguir as instruções do mandante, antes exerce - certamente que em homenagem ao seu estatuto de profissional liberal independente e ao seu presumido saber técnico - o mandato com autonomia - cfr., vg., art. 83º, nº1, al.s c) e d) do Estatuto da Ordem dos Advogados e Ac. do STJ de 07.01.2010, p. 542/09.2YFLSB.
O que, se por um lado, constitui uma vantagem para o mandatário, por outro exige-lhe maior zelo e empenho, pois que tal autonomia acarreta maior responsabilidade.  
Não obstante este cariz do mandato forense, e como bem se expende na sentença, a responsabilização advém da aplicação das regras gerais, inexistindo neste campo qualquer especificidade.
Assim, ao credor cumprirá provar o incumprimento ou o cumprimento defeituoso por parte do advogado, o que, máxime por estamos perante uma obrigação de meios, passará por demonstrar «que o Advogado não o informou ou que não realizou os actos em que normalmente se traduziria uma actuação zelosa e diligente» -Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, Almedina, 5ª ed., 1992, vol. II, pg.100 (cit. na sent.) e Ac. do STJ de 06.03.2014 sup. cit
Provado isto pelo mandante, emerge a normal/genérica presunção de culpa sobre o mandatário/advogado, impendendo sobre este o ónus de ilidir tal presunção – artº 799º do CC.
6.1.3.
Por outro lado e no que tange à problemática do nexo de causalidade, importa ter presente que está sedimentado o entendimento por parte do nosso mais Alto Tribunal que a nossa lei consagrou, no artigo 563.º, para os casos em que a obrigação de indemnização procede de facto ilícito culposo, quer se trate de responsabilidade extracontratual, quer contratual, a teoria da causalidade adequada na  formulação negativa de  Enneccerus-Lehman.
 Segundo esta, o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar, de todo, indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto.
Na verdade: «O facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação;
A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano;
Ocorrendo concurso de causas adequadas do evento danoso, simultâneas ou subsequentes, qualquer dos autores do facto é responsável pela reparação do dano» - Ac. do STJ de 132.01.2009   p. 08A3747 in dgsi.pt.
Ademais:
 «Esta doutrina … não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».
« …nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:
-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;
-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano» -Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 06.11.2002, p. 02B1750, de 29.06.04, p. 03B4474, de 20.10.2005, p. 05B2286, de  07.04.2005, p. 05B294, de  13-03-2008 p. 08A369, de 05.02.2013, p. 488/09.4TBESP.P1.S1. , todos in dgsi.pt.; e A. Varela, in Das Obrigações em Geral, 10.ª ed, I, 893, 899, 890/1.
6.1.4.
Finalmente urge atentar que o réu, Sr. Advogado, foi responsabilizado com base na figura jurídica da perda de “chance”.
Quanto a esta figura expendeu o Sr. Juiz:
«(a perda de chance)…ocorre quando uma dada acção ou omissão faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu, no caso concreto, que privou o autor da «chance» de obter um resultado favorável
A doutrina da «perda de chance» ou da perda de oportunidade, propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais…
O dano para o Autor traduziu-se na improcedência da acção …embora nunca fosse possível saber qual o grau de probabilidade do êxito ou insucesso da acção, caso as suas testemunhas tivessem sido inquiridas...
Mas …tal não pode conduzir, irremediavelmente, à irresponsabilização do profissional que violou os seus deveres para com o cliente, sob pena de tal implicar, intoleravelmente…dificuldade de responsabilizar o Advogado perante o cliente, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato».
(sublinhado nosso).
Mostra-se curial e proficiente esta argumentação fundada em doutrina e jurisprudência atinentes.
Podendo consultar-se, neste sentido, e para além da doutrina e jurisprudência citadas,  vg. Patrícia Costa, O Dano da Perda de Chance e a sua Perspectiva no Direito Português, Dissertação de Mestrado, 27 e 28, in verbo jurídico e Ac. do STJ de 05.02.2013, os Acs. sup cits. em 6.1.1.
Efetivamente:
«No cumprimento do mandato forense, o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do seu constituinte, naturalmente com respeito das regras de conduta genericamente impostas ao exercício da profissão respectiva, e dispõe de uma margem significativa de liberdade técnica.
A falta de apresentação oportuna do requerimento de prova determinou a improcedência da sua defesa e da reconvenção; mas não se pode determinar qual seria o provável resultado da prova que viesse a ser oportunamente requerida e produzida; nem tão pouco o provável desfecho jurídico da causa.
 Mas
a falta de requerimento de prova para lograr demonstrar os factos controvertidos é causa adequada da perda de oportunidade, autonomamente considerada» -  Ac. do STJ de 14.03.2013,  sup.cit.
Nesta conformidade:
«É admitida a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade, que pressupõe: a possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, mas de verificação incerta» - Ac. do STJ de  06.03.2014  sup.cit.
 (sublinhado nosso).
6.1.5.
Volvendo ao caso presente, o Sr. Juiz considerou a existência de tal nexo  alicerçado no seguinte discurso argumentativo:
«Na fundamentação dessa sentença consta que “da discussão da causa não resultaram provados quaisquer factos conducentes à satisfação da pretensão do Autor, o qual, aliás, até prescindiu de toda a prova que havia oferecido”.
E que “deste modo, e por não haver provado a invocada falta de cumprimento da obrigação assumida contratualmente pela Ré através da respectiva promessa de venda, pressuposto no qual havia o autor alicerçado o seu pedido de condenação daquela, haverá o mesmo pedido de ser, sem mais, julgado improcedente”…
…temos como certo que o Advogado não cuidou nem tratou com zelo a questão que lhe foi confiada, mostrando-se aquele seu acto processual, além de incompreensível, ético-juridicamente, censurável do normal exercício do patrocínio judiciário.
A opção ali tomada foi, em termos objectivos, desconforme ao padrão de conduta profissional que um Advogado medianamente competente, prudente e sensato teria tido, quando confrontado, na ocasião, com a necessidade de provar factos essenciais à procedência da acção…
Exige-se que o dano, provavelmente, não teria acontecido se não fosse a lesão, o que reconduz a questão da causalidade a uma questão de probabilidade, sendo, então, causa adequada aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável, e não aquela que, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para o produzir, mas que só aconteceu devido a uma circunstância extraordinária…
Independentemente da sua autonomia técnica…sabendo que a parte contrária não dispunha de quaisquer testemunhas (al.T e V), o Advogado, F (…) ao prescindir na referida acção da prova testemunhal, cerceou irremediavelmente a possibilidade que o Autor tinha de ver satisfeita a sua pretensão…por insuficiência de prova…
Em consequência…incorreu em responsabilidade profissional na violação dos deveres de zelo/diligência profissional, resultando dessa actuação ilícita e culposa a perda de chance de vencer a acção, verificando-se, portanto, o nexo de causalidade adequada entre essa conduta e o dano da perda da acção, total ou parcial.»
Já o recorrente pugna no sentido de que:
«A opção técnica de prescindir das testemunhas na audiência de julgamento de 22.04.2002, deveu-se à sua consideração de que os factos que teria que provar estavam suficientemente alicerçados nos autos, quer com prova testemunhal apresentada no arresto, quer com os documentos juntos, vertidos no então despacho saneador.
Não sendo possível aferir com rigor se o que as testemunhas iam dizer seria suficiente, por si, para o êxito esperado, pois que a «a “perda de chance” só poderá ser valorada em termos de uma “possibilidade real” de êxito que se frustrou».
(sublinhado nosso).
Mas, sdr, não  assiste razão ao recorrente.
O Sr. Advogado fez uma opção, em função «da sua consideração de que os factos que teria que provar estavam suficientemente alicerçados nos autos».
Mas tal consideração e opção revelaram-se erradas ou, no mínimo, inadmissível e intoleravelmente  arriscadas.
Pois que, como resultou à saciedade da sentença e dos acórdãos que sobre a matéria do processo incidiram, os factos provados ou aqueles que poderiam (e até terão sido) dados como provados com base noutros elementos de prova, não foram suficientes para o seu cliente obter ganho de causa.
Assim sendo, e apesar da sua autonomia e liberdade, o seu dever de adequada, diligente, cuidadosa e prudente atuação técnico-jurídica, impunha-lhe que não prescindisse da  inquirição das testemunhas.
E sendo certo que tal inquirição permite, num razoável e lógico juízo de prognose, concluir pela consistência/possibilidade real, de, com os depoimentos produzidos, ser provada factualidade que pudesse atribuir ao autor, ganho de causa, total ou, ao menos, parcial.
Na verdade a perda de “chance” não exige a prova da certeza do resultado: basta apenas a possibilidade de obtenção do mesmo.
Certo é que esta possibilidade não pode apenas ser meramente subjetiva, teórica ou filosófica, mas real, ou seja, alicerçada em dados/elementos/prova concretos, os quais, pela sua natureza e cariz, têm normal dignidade e relevância para operar a prova dos factos; os quais, se fossem considerados e produzidos, poderiam ter efetivado tal prova.
 Mas, a assim ser, não é arriscado presumir e concluir que, se as testemunhas tivessem sido inquiridas, a possibilidade de o autor provar factos que lhe permitissem ter ganho de causa, era real e consistente.
Pois que a matéria factual sobre a qual os seus depoimentos incidiriam – (in)cumprimento de um contrato promessa -   é campo propício onde a prova testemunhal normalmente se apresenta determinante, porque  tendencialmente conhecedora de factos consubstanciadores de tal (in)cumprimento.
Por conseguinte se concluindo, sem necessidade de mais longos e pleonásticos  considerandos, que in casu,  e no âmbito da figura da perda de chance, existe um nexo de causalidade adequada – máxime considerando o jaez da consagrada na nossa lei e supra referido -  entre a atuação do ilustre advogado e o dano sofrido pelo autor seu constituinte.

6.2.
Segunda questão.
A Ré A (…) Insurance Company Europe, Lda celebrou com a Ordem dos Advogados um seguro de responsabilidade civil profissional tendo como segurados todos os membros da Ordem dos Advogados de Portugal.
De entre as exclusões previstas consta a do artº.3º al. a) das Condições Especiais da Apólice, a saber:
«Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações:
 a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidas do segurado à data do início do período de seguro e que já tenha gerado ou  possa razoavelmente vir a gerar reclamação;”»
O Sr. Juiz considerou verificada esta exclusão.
Aduziu para tanto:
«À data de início do período de seguro era conhecido do segurado, aqui Réu Fernando Oliveira, o facto pessoal (prescindir das testemunhas do Autor) que serve agora de fundamento à reclamação.
A questão é saber se nessa data, 1 de Janeiro de 2010, o segurado devia contar que esse facto, que bem conhecia, podia razoavelmente gerar contra si ou contra a seguradora um processo judicial como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice (art.3º, al.a) e art.1º §13, das Condições Especiais da Apólice)…
E, na verdade, transitada definitivamente em julgado, por acórdão do STJ de 23.09.2004, a sentença que declarou a total improcedência da acção por insuficiência de prova do Autor, cujo Advogado prescindira das testemunhas, era razoável esperar que esse facto gerasse, como gerou, uma acção de responsabilidade civil profissional.
Nas referidas circunstâncias, em termos objectivos, um Advogado medianamente competente, prudente e sensato, conhecedor das vicissitudes processuais daquela acção “falhada”, não podia ignorar, e já antes do início do período do seguro, que a sua conduta no exercício do patrocínio do ora Autor, podia gerar, como gerou, qualquer reclamação.
O Réu, F (…), enquanto Advogado, deveria razoavelmente contar com a probabilidade do Autor, confrontado com aquela renúncia de prova e o total decaimento na acção, vir a assacar responsabilidades, a si e/ou à seguradora.»
 (sublinhado nosso).
Já o recorrente entende que:
«A assim se entender, todos os atos praticados pelos advogados e seus colaboradores, teriam de ser comunicados à Seguradora, para uma real exclusão de responsabilidade por partes destes e para uma transferência da mesma para a seguradora.
Pois a qualquer altura, um cliente poderia discordar de qualquer opção técnica tomada pelo mandatário, mesmo sem se saber qual a real eficácia da mesma, e ter-se-ía que presumir que daí adviria uma qualquer responsabilidade civil profissional.
E sendo que, a audiência de discussão e julgamento onde o Recorrente prescindiu as testemunhas, se realizou a 22.04.2002; Que a sentença do STJ data de 23.09.2004; Que o início do período de seguro se deu a 01.01.2010; E que a ação, contra o Recorrente e também contra a seguradora, deu entrada em 7.09.2010, não é pois razoável exigir ao Recorrente que oito anos depois, aquando do início do Seguro, contasse com um processo judicial como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice.
Não lhe sendo por isso exigível um dever de comunicação à Seguradora.».
Aqui assiste razão ao recorrente.
Há que dizer, com toda a frontalidade, que a função primordial do julgador, o quid essencial do seu múnus, consiste na aplicação do direito em função de uma, sensata e razoável, prévia análise hermenêutico/exegética dos factos apurados.
Podendo assim ele, dos mesmos, retirar outros que, sem os desvirtuar, consistam na sua lógica e/ou normal decorrência.
Ora da analise e interpretação concatenada do provado nos pontos  FFF, GGG, HHH e LLL pode, razoável e sagazmente, concluir-se:
- que o   autor teve conhecimento, em 2002, após a produção da prova no processo pretérito, que as suas testemunhas não foram inquiridas.
- Que, então, soube que perdeu a ação em primeira instância.
-  Que  soube que houve recurso e que se aguardava o resultado deste.
- que apos ter sido proferido o Ac. do STJ, em 23.09.2004, o autor consultou o processo e teve conhecimento que, definitivamente, perdeu a ação.
Considerando que o autor já sabia dos recursos interpostos e que estava, legitimamente, interessado e ansioso por saber a deliberação final do STJ, é perfeitamente plausível e admissível admitir que teve conhecimento do decesso final e definitivo e, até, dos fundamentos do mesmo – pois que até facilmente percetíveis e intuíeis, porque essencialmente atinentes à insuficiência de matéria factual com ónus a seu cargo – nos meses seguintes à prolação de tal aresto,  ou seja, até princípios de 2005, ou concedendo, ao menos durante o ano de 2005.
De facto não é concebível, dados os  relevantes montantes em causa em tal ação, que o autor não diligenciasse assiduamente junto do seu advogado para saber da decisão final.
Pelo que, mesmo admitindo alguma relutância deste em lha comunicar, porque negativa, não se pode conceber e admitir o seu desconhecimento do Acordão do Supremo para além – ou muito para além -  de um ano após ele ter sido prolatado.
Ora tendo o autor sabido do desfecho negativo do processo e dos seus fundamentos  por volta do ano de 2005, só em setembro de 2010, ou seja, cerca de  quatro ou cinco anos após - demanda o seu advogado.
Este largo lapso de tempo clama a conclusão de que o autor se tinha conformado – ou, ao menos, o que vale o mesmo - indiciava ter-se conformado com o desfecho final do litígio.
Até porque não se provou que em tal amplo ínterim ele tivesse praticado atos demonstrativos de inconformismo ou tivesse manifestado vontade de que iria exigir responsabilidades  jurídico/formais ao advogado.
Acresce que atuações semelhantes de renuncia à produção da prova –máxime na vertente testemunhal – não são excecionais na postura e atuação dos senhores advogados, antes pelo contrário.
E, não obstante, não deixam de ser excecionais, ou, no mínimo, pouco frequentes  ou numa percentagem diminuta, os casos da sua responsabilização judicial pelos respetivos constituintes.
Pelo que, in casu, atenta esta prática e o largo período de tempo – vários anos – que decorreu até o autor se decidir a instaurar a presente ação, não se pode concluir que o Sr. Advogado, deveria, razoavelmente, admitir, que iria ser demandado por ter perdido a ação, rectius por ter prescindido da prova testemunhal, com o consequente dever de comunicar tal à ré seguradora.
Antes sendo de concluir que ele estava, razoavelmente, convicto de que tal não iria acontecer.
Decorrentemente e inexistindo motivo válido e relevante, vg. o aduzido na sentença, para exclusão da responsabilidade da seguradora, deve esta ser chamada à mesma.

6.3.
Terceira questão.
Quanto a esta matéria expendeu o julgador, mais uma vez assessorado por doutrina e jurisprudência pertinentes:
«O dano da «perda de chance» deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.
Uma vez que o dano que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que é, ainda, um dano certo, embora distinto daquele, a indemnização fixada deve reflectir essa diferença, cuja expressão é dada pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado …Daí que a reparação da perda de oportunidade deva ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava …
Tanto implica, em primeiro lugar, a avaliação do dano final e, em seguida, fixar o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra, traduzido num valor percentual que aplicado à avaliação do dano final corresponde ao valor da indemnização a atribuir pela perda da chance…- Acs. do STJ 10-03-2011 e de 05-02-2013, dgsi.pt.; Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado, Coimbra Editora, 2008, 227 a 232; Patrícia Costa, O Dano da perda de chance e a sua perspectiva no Direito Português, Dissertação de Mestrado, 104.
Na hipótese em apreço, na acção de que esta depende, o Autor pedia a condenação da, então, Ré na restituição do sinal em dobro (€48.782,43, equivalente a esc.4.890.000$00 x 2), acrescida de juros vincendos desde a citação.
Como referido, considerando a natureza do dano em análise, nunca a indemnização poderia atingir a totalidade da quantia, inicialmente, peticionada pelo Autor.
Atendendo a que se não pode estabelecer o grau de probabilidade da amplitude do êxito da acção, sem afastar, inclusive, a sua improcedência no julgamento de facto e de direito da questão submetida a juízo, com base na equidade, que é agora o critério de referência do estabelecimento da indemnização por equivalente a ter em conta, fixa-se o mesmo em 50%. - Ac.s STJ 28-09-2010  e de STJ 05-02-2013, RL 3.05.2012  www.dgsi.pt julgaram equitativo fixar em 50%, para cada uma das partes, o grau da possibilidade de ocorrer uma ou outra situação (procedência, improcedência – total ou parcial-), na falta de qualquer outra base lógica em que assentar tal juízo de prognose póstuma.»
Já o autor entende dever ser fixada  a percentagem de 80% como probabilidade de ganho de causa.
Isto porque: «não se poderia olvidar que já havia sido decretado um Arresto com base na factualidade que levou à propositura da acção, e o “Fumus Boni Iuris” consequente.
O ter prescindido de toda a prova, vem aumentar significativamente a possibilidade de a pretensão deduzida pelo Autor…ser considerada procedente.
E o facto de as testemunhas apresentadas pelo A. na acção principal, coincidirem quase na íntegra com as testemunhas que haviam prestado depoimento no Arresto».
Mais uma vez se constata a proficiente e curial fundamentação da sentença neste particular, pelo que, perante os factos apurados, desde logo, de jure stricto, seria difícil a sua censura ou reparo.
Acresce que neste ponto a sua decisão foi tomada com base num juízo de prognose póstuma e alicerçada na equidade.
Ora quando assim é, mais difícil ainda se alcança a possibilidade de tal censura, pois que neste campo o julgador atua com uma liberdade de convicção e decisão ainda maiores do que quando se limita à interpretação e aplicação de uma norma concreta.
Pelo que tal censura apenas pode sobrevir se se concluir por uma evidente insuficiência do factualismo apurado e perspetivado na decisão e/ou por uma inadmissível dilucidação/interpretação – vg. por insubsistente ou ilógica – do mesmo.
Ora nada disto se verifica.
Na verdade mesmo que se inquirissem as testemunhas, nada garante que o seu depoimento levasse, necessária e inelutavelmente, à prova de todos os factos alegados pelo autor para alicerçar a sua pretensão.
Efetivamente nada nos permite concluir que os depoimentos das testemunhas da providencia cautelar implicasse tão auspicioso resultado.
Quer porque poderiam não ser do mesmo teor –lato senso, ie., mesmo quanto ao modo do seu depoimento e à sua razão de ciência – quer porque os factos da providencia certamente que não coincidiam, rigorosa e totalmente,  com os da ação.
Não sendo também de olvidar que os réus da ação outrossim apresentariam prova e contraprova, ou, ao menos, instariam as testemunhas do autor para abalar a sua credibilidade, com as possíveis consequências negativas para o demandante quanto à prova dos factos por si alegados.
Depois, mesmo que tais factos se apurassem, tal não implicava que o autor, direta e automaticamente, obtivesse ganho de causa.
Já que sobre os mesmos ainda teria de incidir a análise e apreciação jurídicas do julgador, a qual poderia apenas conceder parcialmente a sua pretensão ou, até, desatende-la in totum.
Finalmente importa ainda considerar que o ato do Sr. Advogado de prescindir das testemunhas foi algo fruto das circunstâncias do momento, porque sugestionado ou até determinado pelo prévio ato do seu colega – advogado da ré – em prescindir das suas – factos U e V.
Quiçá no generoso fito de aliviar trabalho a todos os intervenientes processuais e contribuir para a mais célere solução da causa.
Certo que foi um ato menos cuidadoso e cauteloso – porque falho de uma análise adequada sobre a força e virtualidade dos factos já apurados para o ganho da ação - mas não foi ato premeditado, maduramente pensado, caso que acarretaria uma maior exigência do seu estudo e ponderação, com a consequente acrescida responsabilização subjetiva pela má opção tomada.
Mesta conformidade também o grau de censura do seu ato não se apresenta elevado, pelo que, outrossim, por este motivo, pecaria por exagerada a sua adstrição a suportar, com base na mera possibilidade de ganho de causa, uma percentagem indemnizatória, superior a 50% do valor do dano, se tal ganho fosse consecutido.
Mostra-se, pois, adequada e sensatamente fixada  a percentagem de 50%

 6.4.
Quarta questão.
Como se viu, a responsabilidade da ré Seguradora foi admitida na questão 2ª pelos motivos aí aduzidos.
Assim e satisfeita aquela pretensão do réu recorrente, que é também a do autor, quedava prejudicada a sua apreciação, pois que o tribunal apenas tem de pronunciar-se sobre questões e não outrossim,  sobre motivações ou argumentações.
Porém sempre se dirá que  não seria pelos fundamentos aduzidos pelo autor que a questão seria decidida de acordo com a sua pretensão.
Em primeiro lugar importa atentar que o seguro não foi celebrado com os advogados, individualmente e de per se considerados, mas antes com a respetiva Ordem enquanto instituição autónoma e com personalidade jurídica.
Assim, a violação de disposições ínsitas no regime das CCG coloca-se, direta e, logo, relevantemente, relativamente à Ordem dos Advogados e não a cada um dos seus membros abrangidos pelo seguro.
Logo, o que importaria saber é se os representantes da Ordem foram ou não informados das exclusões e, se  tendo-o sido, por sua vez informaram, ou não, os seus membros abrangidos pelo seguro. Sendo que, nesta hipótese, e se fosse da procedência da exclusão aventada pela Seguradora, teriam de ser os segurados a pedir responsabilidades à Ordem.
Mas a Ordem não é parte no processo pelo que  tal problemática não  se coloca e tem relevância.
Em segundo lugar e no atinente ao invocado motivo de ser abusiva e violadora da boa fé porque esvaziaria de sentido qualquer aplicação da clausula de retroatividade ilimitada negociada com a Ordem dos Advogados, importa notar que tal exclusão do artº 3º al. a) das Condições especiais não é absoluta e impeditiva da aplicação de tal possibilidade retroativa.
Pois que como sagazmente descortinou o Sr. Juiz a quo e ressumbra do teor de tal cláusula:
«a retroactividade da cobertura sempre teria aplicação quando o facto ou circunstância não fosse conhecida do segurado na data de inicio do seguro e/ou, à luz do critério da diligência média, no caso concreto, objectivamente não fosse razoável para o segurado figurar esse facto ou circunstância como causa ou risco de reclamação.».
(sublinhado nosso).

(Im)procedem parcialmente os recursos.

7.
Sumariando.
I – Porque a obrigação do advogado para com o seu constituinte é uma obrigação de meios impositiva de uma atuação diligente e sagaz, porque a nossa lei consagrou a teoria da causalidade adequada na  formulação negativa de  Enneccerus-Lehman, existe, pelo menos no âmbito na figura da perda de “chance”, nexo de causalidade entre a sua decisão de prescindir das testemunhas e a improcedência da ação por falta de prova dos factos alegados.
II – A exclusão, no contrato de seguro, da responsabilidade da seguradora de atos jurídico-processuais de advogado «Por qualquer facto ou circunstância conhecidas do segurado à data do início do período de seguro e que já tenha gerado ou  possa razoavelmente vir a gerar reclamação», não se verifica se o advogado é demandado pelo seu constituinte apenas cerca de cinco anos após ter conhecimento dos fundamentos da perda da ação.
III – Porque, mesmo com toda a prova produzida, é incerto/aleatório o total ganho de causa,  mostra-se adequado, na condenação por perda de «chance», fixar em 50% o grau de probabilidade de êxito da ação a incidir sobre o dano provável avançado, como responsabilidade de advogado que, em ato mimético ao do colega, prescindiu das suas testemunhas, assim originando a improcedência do pedido.
IV - Celebrado o contrato de seguro com a Ordem dos Advogados, as exceções advenientes do regime das CCG apenas podem ser opostas por esta e perante esta em causas em que apenas intervenham os respetivos membros.

8.
Deliberação.
Termos em que se acorda conceder parcial provimento aos recursos e, consequentemente  condenar também a ré Arch Insurance Company (Europe) nos termos decididos para o réu Fernando Oliveira.
No mais se mantendo a sentença.

Custas na proporção fixada com abrangência da ré seguradora.

Coimbra, 2014.04.29



Carlos Moreira ( Relator )
Moreira do Carmo
Anabela Luna de Carvalho