Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
597/17.6PBVIS-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
SEPARAÇÃO DOS PROCESSOS
PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 02/05/2019
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTS. 24.º, 25.º, 27.º, 28.º, 30.º, N.º 1, E 31.º, AL. B), DO CPP
Sumário: I – A conexão de processos não é arbitrariamente determinada pelos tribunais originariamente competentes para o julgamento do(s) crime(s) respeitantes a cada processo; é, antes, definida por regras gerais e abstractas, contidas nos artigos 24.º, 25.º, 27.º e 28.º do CPP, as quais permitem determinar, ex ante, por critérios legais, o tribunal competente para o julgamento conjunto;

II – Estabelecida, nesses termos, a conexão processual e a competência dela decorrente, o “reenvio”, pelo tribunal competente para o julgamento conjunto, de processo apensado, com “fundamento” na “natureza urgente dos autos”, ditada pela situação coactiva do arguido (prisão preventiva), constitui, nos termos e para efeitos do artigos 30.º, n.º 1, e 31.º, al b), uma genuína separação de processo.

Decisão Texto Integral:

I. Relatório:

O Sr. Juiz do Juízo Central Criminal de Viseu (J1) suscitou a resolução do conflito negativo de competência (por conexão) existente entre o próprio e o Sr. Juiz do Juízo Local Criminal de Viseu (J2), estando em causa determinar se cabe (ou não) ao primeiro dos dois Juízos referidos a realização do julgamento relativo ao processo comum singular n.º 43/17.5PBVIS.

 Cumprido o disposto no artigo 36.º, n.º 1, do CPP, apenas o Sr. Procuradora-Geral Adjunto apresentou alegação, no sentido de ser atribuída competência para o indicado fim ao Juízo Central Criminal de Viseu (J2) – doravante apenas designado Juízo Central Criminal; o outro tribunal conflituante será tão só Juízo Local Criminal.


*

II. Fundamentação:

1. Elementos relevantes:

A. No domínio do processo comum colectivo n.º 597/17.6PBVIS, o Ministério Público acusou A.... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, agravado, de um crime de violação de domicílio e de um crime de sequestro, p. e p. pelos artigos 152.º, n.ºs 1, al. a), 2, 4 e 5, 190.º, n.º 1, e 158.º, n.º 1, todos do Código Penal (doravante apenas CP), respectivamente;

B. Por sua vez, no âmbito do processo n.º 43/17.5PBVIS, o Ministério Público, no libelo acusatório deduzido, imputou ao mesmo arguido, A... , a autoria material de um crime de ameaça, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do CP, e de um crime de ofensa à integridade física simples, com previsão típica no artigo 143.º, n.º 1, do dito diploma legal;

C. Posteriormente, no despacho previsto nos artigos 111.º, 112.º e 113.º do Código de Processo Penal (em seguida, CPP), datado de 16-01-2018, o Sr. Juiz do Juízo Local Criminal determinou, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 2, 25.º, 28.º, a), e 29.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, a “apensação” aos autos indicados na alínea A. do proc. 43/17.5PBVIS.

D. Em 05-02-2018, o Sr. Juiz do Juízo Central Criminal lavrou despacho do seguinte teor (transcrição parcial):

«Compulsados os autos, constata-se que a fls. 182, com data de 2/2/2018, consta o termo de apensação aos presentes do PCS 43/17.5PBVIS.

(…).

Cremos, porém, que atenta a proximidade da data para a realização da audiência já designada nestes autos – 19 de fevereiro do corrente mês – tal iria implicar o protelamento do início dos presentes autos, não compatível com a situação coactiva do arguido, o qual se encontra sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.

Na verdade, no mencionado processo, pese embora a prolação de despacho a que se reporta o art. 311.º do C.P.P., não foi determinada a notificação do arguido nos termos e para os efeitos do art. 315.º, ou seja, para o arguido, querendo, contestar e juntar rol de testemunhas, no prazo de 20 dias, o que, a fazer-se agora, tal prazo apenas terminaria muito para lá do referido dia 19.

Ademais, a admitir-se a apensação e a notificar-se agora os demais intervenientes, também não seria assegurado o prazo de 30 dias a que alude o art. 313.º, n.º 2, do C.P.P..

Ora, não podendo as regras de conexão sobrepor-se ao princípio da celeridade processual, em face da natureza urgente dos presentes autos, determina-se a desapensação do identificado processo comum singular dos presentes autos, devendo os mesmos, após trânsito, ser devolvidos ao juízo local criminal – juiz 2.

E. Regressados os autos ao Juízo Local Criminal, foi neles proferido, em 25-05-2018, novo despacho, com o conteúdo infra transcrito, nas partes tidas como relevantes:

(…) esta ordem de desapensação equivale para todos os efeitos legais à declaração de cessação da conexão e subsequente ordem de separação de processos a que alude o n.º 1 do [art.] 30.º do Código de Processo Penal.

Nos termos do artigo 31.º, alínea b) do mesmo Código a competência determinada por conexão, nos termos dos artigos anteriores, mantêm-se para o conhecimento dos processos separados nos termos do n.º 1 do citado artigo 30.º.

Trata-se, como logo a epígrafe daquele preceito legal o indica, de um caso de prorrogação de competência.

A separação de processos não faz, por conseguinte, cessar a competência do tribunal competente em razão da conexão.

Resulta da conjugação dos artigos 24.º, n.º 2, e 31.º do CPP que uma vez estabelecida a conexão, em cada fase do processo (inquérito, instrução ou julgamento) deverá ser o mesmo magistrado a presidir a todos os actos dessa fase, ocorram ou não as vicissitudes processuais que imponham ou aconselhem uma posterior separação de processos.

Por outras palavras, fora do caso previsto no n.º 2 do artigo 30.º do CPP – que aqui não está em causa – cessada a conexão, a competência para o julgamento mantém-se no tribunal que determinou a separação (.,.).

Temos assim de concluir que o tribunal competente para realizar o julgamento nos presentes autos é o Juízo Central Criminal – Juiz 1, desta Comarca de Viseu.

Assim sendo, declaro a incompetência deste Juízo Local Criminal – J2, para realizar o julgamento nos presentes autos (…).»

F) “Reenviado” o processo 43/17.5PBVIS, novo despacho surgiu nos autos com o n.º 597/17.6PBVIS, o qual, nos segmentos que importa ter em conta, se passa a reproduzir:

«A ordem de “desapensação” de tal processo, do processo 597/17.6PBVIS, (…) não equivale a qualquer separação de processos nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do [art.] 30.º do Código de Processo Penal, não tendo aqui aplicação o disposto no artigo 31.º, alínea b) do mesmo Código.

(…).

No caso presente, os processos nunca estiveram conexos.

(…) O que ocorreu não foi uma separação de processos, ou uma real desapensação.

Os processos não estavam conexos e foram separados.

Pelo contrário, os processos estavam separados e assim permaneceram, por não ter sido aceite a sua apensação, sendo certo que só com a aceitação do Juiz titular do processo ao qual foram mandados separar, se poderia considerar “fixada” a conexão/apensação. Tal nunca ocorreu pelo que não ocorreu separação de processos, nos termos estabelecidos pelo art. 30.º  do CPP e portanto não pode operar a prorrogação de competência estabelecida pelo artigo 31.º do mesmo diploma, que vem agora invocada para a remessa dos autos a este Juízo Central Criminal (…).

Por outro lado, neste momento não se verificam os pressupostos para apensação de processos, por não se verificar o pressuposto do n.º 2 do artigo 24.º do CPP, pois que, no PCC 597/17.6PBVIS, já foi o arguido julgado e condenado por decisão transitada em julgado, encontrando-se, neste momento, em cumprimento de pena de prisão. Ou seja, só mesmo pela via da prorrogação de competência que vem invocada – e que se entende não ocorrer, pelas razões expostas – se poderia considerar este Tribunal o competente para conhecer e julgar o proc. 43/17.5PBVIS.

Pelo exposto, declaro a incompetência deste Juízo Criminal para conhecer e julgar o processo comum singular 43/17.PBVIS, e competente para dele conhecer e julgar o Juízo Local Criminal.

(…).»

G) Foi em seguida suscitado, no proc. 597/17.6PBVIS, o presente conflito.


***

II. Cumpre decidir:

O cerne do dissídio enunciado nos despachos conflituantes circunscreve-se à questão de saber se ocorreu, ou não, a situação específica de conexão subjectiva prevista no artigo 25.º do CPP – decorrente da existência de concurso de crimes imputados a A... , para cujo conhecimento são competentes os dois referenciados tribunais (Juízo Local Criminal e Juízo Central Criminal, ambos de Viseu) –, determinante da “apensação” do proc. comum singular ao proc. comum colectivo, um e outro já acima bem identificados, e, em momento posterior, da separação do primeiro dos referidos processos, idónea à prorrogação de competência regulada no artigo 31.º, alínea b), do CPP.

A resposta, pronta e directa, só pode ser no sentido da verificação do dito caso de conexão dos processos em causa, com as inerentes consequências jurídico-processuais acima consideradas, a qual, em contrário do afirmado pelo Sr. Juiz do Juízo Criminal Central, não depende da aceitação de qualquer um dos tribunais em conflito; antes assenta nas regras juridicamente impostas.

Essa conexão é determinada pela disposição normativa do artigo 25.º do CPP.

«As regras da conexão, mesmo sendo desvios à competência normal, são também regras de competência geral e abstracta, fixada por lei anterior ao facto, permitindo determinar ex ante, por critérios gerais, o tribunal competente.» - Anotação de Henriques Gaspar ao artigo 24.º do CPP, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2104, pág. 96.

Consequência da conexão é a apensação, ou seja, a conjugação de processos envolvidos. No rigor dos termos, a apensação não é tanto o acto material ou naturalístico, tendo, sobretudo, um sentido e alcance normativos, onde sobreleva a fixação da regra sobre o modo de continuidade do procedimento penal.

«A apensação constitui noção ou categoria processual que não tem expressa definição nos códigos de processo; poderá, porém, ser definida por forma deduzida da praxe, como a conjugação de processos (no sentido de suportes para a prática de diversos actos do procedimento), com continuidade do procedimento; mas, neste sentido, a apensação não constitui tanto o modo ou o procedimento material, mas a fixação da regra sobre o modo de continuidade do procedimento. A apensação dos processos na conexão significa que os processos apensados ficam ligados ao processo que determinou a conexão (…); a partir da apensação a continuidade processual e os actos de sequência passam a ser praticados num só processo, que é então o processo principal (…).» - Henriques Gaspar, anotação ao artigo 29.º do CPP, mesma obra, pág. 106).

Verificado, nos ditos termos, fundamento determinante da conexão processual, a declarada, pelo Juiz do Juízo Central Criminal, “desapensação” só pode ser tida como uma genuína cessação da conexão e ulterior separação do processo, ao abrigo do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do CPP, constitutiva de uma situação de prorrogação de competência, nos termos definidos pelo artigo 31.º, al. b) do mesmo compêndio legislativo (veja-se, em caso que com o presente tem evidente similitude, o despacho do Sr. Juiz Presidente da Secção Criminal da Relação de Guimarães, de 31-01-2011, publicado em www.dgsi.pt).

Em síntese conclusiva:

- A conexão de processos não é arbitrariamente determinada pelos tribunais originariamente competentes para o julgamento do(s) crime(s) respeitantes a cada processo; é, antes, definida por regras gerais e abstractas, contidas nos artigos 24.º, 25.º, 27.º e 28.º do CPP, as quais permitem determinar, ex ante, por critérios legais, o tribunal competente para o julgamento conjunto;

- Estabelecida, nesses termos, a conexão processual e a competência dela decorrente, o “reenvio”, pelo tribunal competente para o julgamento conjunto, de processo apensado, com “fundamento” na “natureza urgente dos autos”, ditada pela situação coactiva do arguido (prisão preventiva), constitui, nos termos e para efeitos do artigos 30.º, n.º 1, e 31.º, al b), uma genuína separação de processo.

Em razão do exposto, a competência para o julgamento relativo ao processo n.º 43/17.5PBVIS pertence ao Juízo Central Criminal.


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III. Dispositivo:

Posto o que precede, decidindo o presente conflito negativo, julgo competente para o julgamento do arguido A... no âmbito do processo comum singular n.º 43/17.5PBVIS o Juízo Central Criminal de Viseu – J1.

Sem tributação.

Cumpra-se o disposto no art. 36.º, n.º 3, do CPP.


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Coimbra, 5 de Fevereiro de 2019

(Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado electronicamente pelo signatário – art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Alberto Mira, Presidente da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra