Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
181/06.0TASEI-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONTRADITÓRIO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA NULIDADE
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: INCIDENTE CRIME
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 32.º, N.º 5 DA CRP; ARTS. 61.º, 113.º, 119.º, 495.º, DO CPP; ART. 628.º DO CPC.
Sumário: I - O conteúdo essencial do princípio do contraditório é que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida, de a discutir, de a contestar e de a valorar.

II - A concretização do princípio do contraditório não tem que assumir a mesma forma em todos o actos processuais, podendo passar da simples notificação do arguido (ou outro sujeito processual) para que se pronuncie querendo, por escrito, no prazo que lhe for concedido, até ao direito de presença, com assistência de defensor, nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito.

III - O despacho de revogação da suspensão da pena é complementar da sentença, traduzindo uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação, tendo como efeito directo a privação da liberdade do condenado. As suas consequências aproximam-se muito das da sentença que condena em pena de prisão.

IV - O Tribunal a quo deve procurar por todos os meios ouvir presencialmente o condenado, sob pena de violação do disposto no art. 495º, do Código de Processo Penal.

Para o efeito deve ser designada data para audição do arguido, o que deverá ocorrer na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.

V - Tendo transitado em julgado a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, a nulidade a que atrás se fez referência [não tendo sido determinada a audição do arguido nos termos do art. 495.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, pode estar-se perante a nulidade insanável a que alude o art. 119º, al. c) do Cód. Processo Penal] não pode ser já declarada e, consequentemente, não se pode dar sem efeito aquela decisão, ao abrigo da qual o arguido cumpre a respectiva pena de prisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

     Relatório

Por despacho de 25 de Março de 2015, a Ex.ma Juíza da Comarca da Guarda, Instância Local de Seia – Secção de Competência Genérica, J1 –, indeferiu o requerimento de folhas 668 e 669 do arguido A... , em que este solicitava a declaração de nulidade insanável do despacho que lhe revogou a suspensão de execução da pena, prevista no art.119.°, al. c) e d) do C.P.P. e, a sua libertação imediata, com a subsequente designação de data para a sua audição com vista à eventual revogação da suspensão da pena em que foi condenado nos presentes autos.

           Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o arguido A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1.º - Porque o arguido não foi notificado da promoção do Ministério Público tendente à revogação da suspensão da pena - devendo tê-lo sido face ao princípio subjacente ao art. 113°, n.° 10, do C.P.Penal, conjugado com a regra constitucional do art.32.° da C.R.P..

2.º - E ainda porque não foi pessoalmente ouvido, em clara violação dos procedimentos previstos no art.492.°, e segs. do C. P Penal,

3.º - A decisão que revogou a suspensão da pena está ferida da nulidade insanável, face ao disposto no art.119.°, alíneas c) e d) do C.P. Penal.

4.º - Nulidade essa que deveria ter sido oficiosamente conhecida, devendo sê-lo uma vez suscitada em requerimento pelo arguido.

5.º - Ao invés, invocando o trânsito - que não ocorreu e, de resto, não é causa legal de sanação, face ao art.121.° do C.P.Penal - o despacho de 25/3/15, violou as normas citadas, devendo ser revogado.

Termos em que, declarando a invocada nulidade insuprível e, por via dela, considerando sem efeito a decisão de revogação da suspensão e o despacho que não reconhece tal nulidade e, consequentemente, determinando a libertação imediata do arguido e a renovação da diligência tendente à eventual revogação da suspensão - com audição pessoal do arguido -, farão, Vossas Excelências Justiça.

O Ministério Público da Comarca da Guarda, Instância Local de Seia, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da decisão recorrida.

            A Ex.ma Procuradora-geral adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., tendo o arguido respondido ao douto parecer.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            O despacho recorrido tem o seguinte teor:    

« Veio o arguido A... requerer que se declare a nulidade insanável prevista no art." 119.°, al. c e d) do Cód. Proc. Penal e se ordene a sua libertação imediata, com a subsequente designação de data para a sua audição com vista à eventual revogação da suspensão da pena em que foi condenado nos presentes autos.

Para sustentar o peticionado alega, no essencial, que por decisão proferida em 28.05.2013 foi determinada a revogação da suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado, porquanto aquele não cumpriu com o pagamento da condição de suspensão daquela. Por despacho de fls.440 foi determinada a notificação do arguido para exercer o contraditório, o qual foi cumprido apenas na pessoa da sua defensora oficiosa. Alega assim que a notificação para exercer o contraditório deveria ter sido efectuada na pessoa do arguido, nos termos do art.°113.°, n.º10 do Cód. Proc. Penal, defendendo que tal notificação tem que ser pessoal. Por outro lado, alega ainda que o procedimento relativo à execução da pena suspensa impõe a audição do condenado, a qual tem que ser presencial, como resulta do disposto no n.º 2 do art.º 495.° do Cód. Proc. Penal. Sucede porém que o arguido não foi notificado, nem sequer ouvido, entendendo o arguido que a falta de tais formalidades integram nulidade insanável prevista no art.° 119.°, al. c) e d) do Cód. Proc. Penal.

Cumpre apreciar.

Dispõe o art.°118.º do Cód. Processo Penal que “1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. 2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular. 3 - As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova.”

Nos termos do art.°119.º do mesmo diploma legal “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição; b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.°, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência; c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência; d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade; e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.°; f) O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.”

De seguida, prevê o art.º 120.º do mesmo diploma que “1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte. 2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: a) O emprego de uma forma de processo quando a lei determinar a utilização de outra, sem prejuízo do disposto na alínea f) do artigo anterior; b) A ausência, por falta de notificação, do assistente e das partes civis, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência; c) A falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória; d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. 3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas: a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado; b) Tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência; c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito; d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.”

No que às nulidades respeita, vigora o princípio da legalidade, do qual resulta que o elenco legal das nulidades, sejam estas sanáveis ou insanáveis, é taxativo. Estamos perante normas com carácter excepcional que, por isso, não admitem aplicação analógica.

As nulidades insanáveis têm os efeitos previstos no art.º122.º do Cód. Proc. Penal, nos termos do qual “1 - As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar. 2 - A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade. 3 - Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.”

Conforme resulta do excerto da norma do transcrito art.º119.º do Cód. Proc. Penal, as nulidades insanáveis devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do processo, até ao trânsito em julgado da sentença da decisão final, não sendo inconstitucional a preclusão do direito de arguir uma nulidade insanável com o trânsito em julgado da decisão final, se o arguido teve plena oportunidade processual de a arguir, na sequência de notificação pessoal dessa decisão, que não foi impugnada. Com efeito, o trânsito em julgado da decisão final sana todas as nulidades do processo e da sentença, ressalvado o regime da revisão de sentença (Ac. do Tribunal Constitucional n.º 146/2001) - neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem 3.ª edição actualizada, pág. 303.

Defende Germano M. Silva, que “A designação legal de nulidade insanável não é correta. Com efeito, a nulidade não pode ser declarada após a formação do caso julgado da decisão final que, neste aspecto, actua como meio de sanação. A declaração da nulidade insanável pode ter lugar em qualquer fase do procedimento, mas apenas enquanto a decisão final não transita em julgado. No processo, a nulidade absoluta é coberta pela impossibilidade, depois de findo aquele, de a fazer reviver, no seu todo ou parcialmente. A decisão judicial com trânsito em julgado não se anula, como se não declara a nulidade de actos de um processo que fundou com decisão irrevogável” - Curso de Processo Penal II, Verbo-1999, p. 75.

            Perfilham também este entendimento M. Simas-Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I Vol. – 199, p. 603, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 9ª ed.-1998, p. 305 e Souto Moura, bem João Conde Correia, ao afirmarem que “… no direito processual os actos nulos só podem ser anulados até ao trânsito em julgado da decisão final. Com a formação do caso julgado, mesmo as nulidades arguíveis em qualquer estado do procedimento, incluindo os vícios da própria sentença, tornam-se insindicáveis. O valor da segurança jurídica acaba por sobrepor-se à justiça processual, inviabilizando qualquer modificação da sentença definitiva …” - João Conde Correia, Contributo Para a análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Stvdia Ivridica, 44 (1999), pag. 116-7.

Adianta ainda Maia Gonçalves, que “ … o acto que enferma de nulidade tem existência jurídica e por isso subsiste enquanto não for declarado nulo”, sendo certo, que não obstante a sua designação legal as nulidades insanáveis não podem ser oficiosamente conhecidas e declaradas após o trânsito em julgado da decisão final.

Neste sentido já entendeu a Jurisprudência ao decidir que “I – Não obstante as nulidades insanáveis poderem ser oficiosamente declaradas “em qualquer fase do procedimento” (artigo 119º do CPP), a decisão judicial com trânsito em julgado, se não for ele própria nula, cobre a nulidade dos actos processuais até então praticados. (cfr., neste sentido, v.g. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, Lisboa, 1955, pág. 268 e o Ac do STJ de 7 de Junho de 1989, proc.º n.º 40045/3º e o Ac. da Rel. do Porto de 19-3-1997, Col. de Jur., ano XXII, tomo 2, pág. 226. II – O próprio Tribunal Constitucional já teve oportunidade de salientar que não é inconstitucional o artigo 119º quando interpretado no sentido de que as nulidades, qualquer que seja a sua natureza, ficam sanadas logo que se forme caso julgado, não mais podendo ser arguidas ou conhecidas oficiosamente (Ac. n.º 146/2001, de 28 de Março de 2001, proc.º n.º 757/00, DR.II série, de 22 de Maio). …” – Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 10.07.2008 – relator Cruz Bucho, proc. 1156/08-2.

No que concerne às nulidades praticadas após a sentença já transitada em julgado, tem-se também entendido que ocorrendo nulidade insanável depois do trânsito em julgado da sentença condenatória, os actos praticados ou omitidos e os actos subsequentes que deles dependam e que puderem ser afectados pela nulidade, têm existência e/ou relevância jurídica, pelo que subsistem enquanto – e se - a nulidade não for declarada. Por outro lado, tais nulidades devem ser suscitadas ou conhecidas oficiosamente até ao trânsito em julgado da decisão proferida.


*

Visto o direito, analisemos a situação presente.

Resulta dos presentes autos o seguinte:

Por sentença proferida em 8.05.2008 (fls. 172 a 180 foi o arguido A... condenado pela prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.º 348.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal ex vi art.º 16.º, n.º 2 do Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, na pena de 8 (oito) meses de prisão. Tal pena de prisão foi suspensa na sua execução pelo período de um ano, com o dever de o arguido, nesse prazo, liquidar a quantia exequenda e legais acréscimos devidos na execução n.º 0901 2004 0100 2163

Tal sentença foi pessoalmente notificada ao arguido em 30.11.2010. (fls. 258).

Em face do incumprimento do dever de pagamento a que ficou condicionada a suspensão da pena de prisão, foi o arguido pessoalmente notificado para se pronunciar, tendo efectuado comunicações ao processo (fls. 323, 376 e 410).

Por despacho proferido em 26.04.2013 (fls. 436 a 439), veio o Ministério Público promover a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.

Na sequência de referida promoção, por despacho proferido em 3.05.2013 (fls. 440), foi determinada a notificação do arguido a fim de exercer o contraditório quanto ao teor do promovido, tendo sido notificada para o efeito a sua ilustre defensora oficiosa (fls.441), que nada disse.

Por despacho proferido em 30.05.2013 (fls. 442 a 448), foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de oito meses de prisão a que o arguido foi condenado nos presentes autos.

O arguido foi notificado pessoalmente da decisão que revogou a suspensão da pena de prisão a que foi condenado no dia 09.11.2013 (através de carta rogatória remetida às autoridades Luxemburguesas), conforme resulta de fls. 470, nada tendo oposto à mesma ou sequer recorrido da mesma, pelo que a referida decisão transitou em julgado.

Por despacho proferido em 13.01.2014 (fls. 484) e na sequência de promoção do Ministério Público, atento o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, foram emitidos os competentes mandados de detenção e condução do condenado ao estabelecimento prisional competente, a fim de cumprir a pena a que foi condenado, o que veio a suceder no passado dia 3.03.2015 (fls. 641), estando já liquidada a contagem da pena de prisão e a mesma homologada judicialmente, conforme decorre de fls. 649 a 652.


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Conforme vimos supra, o arguido suscita duas questões essenciais no requerimento que apreciamos:

- que a notificação para o exercício do contraditório, no que concerne à promoção de fls. 436 e seguintes, deveria também ter sido efectuada pessoalmente ao arguido, nos termos do art. 113º, n.º 10 do Cód. Proc. Penal;

- que o procedimento relativo à execução da pena suspensa, previsto nos art. 492º e seguintes do Cód. Proc. Penal impõe a audição do condenado, audição essa que tem que ser presencial, nos termos do art. 495º, n.º 2 Cód. Proc. Penal, o que não ocorreu nos presentes autos.

Defende assim que a preterição de tais formalidades constitui a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c) e d) do Cód. Proc. Penal, a qual deverá ser declarada, com a inerente libertação do arguido e designação de data para a sua audição presencial, com vista à eventual revogação da suspensão da pena.

Vejamos.

No que concerne à primeira questão colocada pelo arguido, importa, antes de mais, salientar que a notificação pessoal exigida pelo art.º 113º, n.º 10 do Cód. Proc. Penal apenas se reporta “à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas às medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução de pedido de indemnização civil”.

Para as demais decisões judiciais – onde se inclui a notificação para o exercício do contraditório quanto à promoção do Ministério Público de revogação da suspensão da execução da pena de prisão – entende a lei que a notificação ao defensor assegura suficientemente o cabal exercício do direito de defesa.

De resto, mesmo que assim se não entendesse, a falta de notificação pessoal ao arguido da promoção do Ministério Público no sentido da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não constitui nulidade insanável, desde logo, pelo facto de não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no art.119º do Cód Proc. Penal, as quais são taxativas, ou noutra disposição legal. Assim sendo, uma eventual irregularidade ou nulidade dependente de arguição que tivesse ocorrido, já há muito se encontra sanada, atento o silêncio do arguido e o decurso dos respectivos prazos (art.s 120º nº3 e 123º, ambos do Cód. Proc. Penal).

No que respeita à segunda questão suscitada pelo arguido, impõe-se referir que se é certo que resulta dos autos que não foi determinada a audição do arguido, nos termos do art. 495º, n.º 1 e 2 do Cód. Processo Penal, podendo estar-se perante a nulidade insanável a que alude o art. 119º, al. c) do Cód. Processo Penal, na sequência das considerações jurídicas expendidas supra, entendemos que a mesma já não pode ser declarada, considerando que a decisão que revogou a suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado, já há muito transitou em julgado.

De resto, neste sentido e em situação similar à que apreciamos nos presentes autos já entendeu a Jurisprudência ao decidir que, “I - As nulidades insanáveis, enquanto espécie do género invalidades processuais, não se confundem com o vício de inexistência jurídica, produzindo efeitos jurídicos no processo se e enquanto não forem declaradas, não podendo mais sê-lo após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao procedimento. II - A nulidade insanável por falta de audição do arguido nos termos do art. 495.º, n.º 2, do CPP, pode ser invocada perante o tribunal competente para a execução e deve ser oficiosamente conhecida por aquele, antes de proferida decisão sobre a revogação da suspensão da pena ou da PTFC e mesmo depois de proferida tal decisão, enquanto a mesma não transitar em julgado. III - Na verdade, a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119.º do CPP, por falta de audição prévia do arguido nos termos do art. 495.º, n.º 2, do CPP, não constitui vício próprio da decisão de revogação, pelo que não se coloca a questão de saber se o tribunal esgotara o poder jurisdicional respectivo ao proferir a decisão revogatória. É exterior e prévia àquele despacho, constituindo a invalidade da decisão revogatória mero efeito da declaração de nulidade nos termos do art. 122.º do CPP. IV - Tanto do ponto de vista gramatical, como sistemático e teleológico, não há nenhuma razão para que a referência do art. 119.º do CPP a qualquer fase do procedimento deva ser entendida como reportando-se unicamente às fases preliminares (inquérito e instrução) e à fase de julgamento do processo penal. Antes, abrange igualmente as nulidades insanáveis verificadas na fase de execução do processo penal, nomeadamente as respeitantes às normas do CPP que disciplinam a execução das penas não privativas da liberdade.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30.09.2014, disponível in www.dgsi.pt, (que vimos seguindo de perto).

Refira-se que a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119º do CPP, por falta de audição prévia do arguido nos termos do art. 495º nº2 do CPP, não constitui vício próprio da decisão de revogação, apresentando-se como exterior e prévia àquele despacho (neste sentido, Ac. RL de 17.10.2007, relator Carlos Almeida, embora qualificando o vício como mera irregularidade na vigência da anterior redacção do art.º 495º nº2 CPP). Na verdade, a invalidade da decisão revogatória constitui efeito da declaração de nulidade nos termos do art.122º do Cód. Proc. Penal, pelo facto de ser afectada pela omissão da audição prévia do arguido.

Do que vem dito resulta que o acto que enferma de nulidade tem existência jurídica, produzindo efeitos jurídicos no processo se e enquanto não for declarado nulo, sendo certo que, não obstante a sua designação legal, as nulidades insanáveis não podem ser conhecidas e declaradas após o trânsito em julgado da decisão final, que é precisamente o que se verifica nos presentes autos.

Conforme defendido no Acórdão vindo de transcrever, a insusceptibilidade de apreciação e declaração da nulidade insanável após o trânsito em julgado da decisão revogatória, justifica-se, desde logo, por razões de segurança e certeza jurídicas que impõem que não possa vir a discutir-se o que apenas por inércia dos sujeitos processuais, neste caso do arguido, não foi discutido anteriormente, designadamente após ter sido notificado pessoalmente de tal decisão.

Resulta assim inquestionável que o arguido foi pessoalmente notificado da decisão que revogou a suspensão da pena de prisão em que foi condenado. Resulta ainda que não recorreu da mesma, nem opôs à mesma qualquer nulidade, antes se mantendo inerte e consequentemente com a mesma se conformando. Dúvidas não restam assim que a decisão agora colocada em crise pelo requerimento que apreciamos já há muito transitou em julgado.

O trânsito em julgado da aludida decisão sanou quaisquer nulidades ocorridas em momento anterior, o que impede que, nesta fase processual (após transito em julgado da decisão colocada em crise), se aprecie e declare quaisquer nulidades processuais anteriores.

Em face dos fundamentos supra expostos, e no seguimento da promoção que antecede, indefere-se o requerido pelo arguido.».

*
                O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. (Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido A... as questões a decidir são as seguintes:

- se o despacho de revogação da suspensão da pena, proferido em 28 de Maio de 2013, padece de nulidade insanável face ao disposto no art.119.°, alíneas c) e d) do C.P.P.; e

- consequentemente, se o despacho recorrido de 25/3/15 devia ter declarado essa nulidade insanável mesmo que o despacho proferido em 28 de Maio de 2013 tivesse transitado em julgado o que, de resto, não ocorreu.


-

            Passemos ao conhecimento da primeira questão.

O recorrente A... sustenta que o despacho de revogação da suspensão da pena, proferido em 28 de Maio de 2013, padece de nulidade insanável face ao disposto no art.119.°, alíneas c) e d) do C.P.P., alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:

- Por sentença de 8.05.2008 foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com a condição de nesse prazo, liquidar uma dívida para com a Segurança Social objecto de execução fiscal no processo n.º 0901 2004 0100 2163;

- O arguido, por alegada extrema dificuldade financeira não pagou aquela dívida, nem no prazo assinalado, nem posteriormente;

- Em consequência, o Ministério Público, em 26/04/2013, promoveu a revogação da suspensão e foi determinada a notificação do arguido para exercer o contraditório; 

- Tal notificação foi efectuada à defensora oficiosa, que nada disse, e não foi notificada pessoalmente ao arguido;

- Por despacho de 30.05.2013 foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de oito meses de prisão a que o arguido foi condenado nos presentes autos e consequente cumprimento da pena de 8 meses de prisão;

- Em primeiro lugar, a notificação para o exercício do contraditório deveria ter sido efectuada também na pessoa do arguido, nos termos do n.º 10, do art.113.°, do C.P.P., pois as notificações pessoais aí mencionadas são exemplificativas, não podendo deixar de abranger a notificação do arguido para exercer o contraditório numa situação de eventual revogação da suspensão da pena;

- A interpretação restritiva – no sentido de que só os actos enumerados no n.º 10, do art.113.°, do C.P.P. seriam de notificação obrigatória ao arguido, com exclusão de quaisquer outros, por muito gravosas que pudessem ser as respectivas consequências – é violador das garantias do  processo criminal consagradas nomeadamente no art.32.º, n.ºs 1, 5 e 10 da C.R.P.;

- Em segundo lugar, o procedimento relativo à execução da pena suspensa previsto nos artigos 492.º e seguintes do C.P.P., designadamente no art.495.°, n.º2, impõe a audição presencial do condenado, sem a qual não pode dar-se cumprimento ao estatuído nos artigos 51.º, 55.º e 56.º do Código Penal.

Vejamos.

A resposta à presente questão impõe uma abordagem, sucinta, às normas alegadamente violadas pelo Tribunal recorrido.

O art.32.º, da C.R.P., epigrafado de «Garantias de processo criminal», na parte que ora interessa, estabelece o seguinte:

« 1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. (…)

   5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. (…)

   10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.».

Observam, a este respeito, os Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira, que a fórmula do n.º 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes do art.32.º da lei fundamental, uma vez que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. No entanto serve ainda de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. 

Como emanação de “todas” as garantias de defesa asseguradas ao arguido neste citado n.º1, o  n.º5 do art.32.º, da C.R.P. dá guarida ao princípio do contraditório, estabelecendo como sua extensão processual a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar.

O conteúdo essencial do princípio do contraditório é que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão ( mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida, de a discutir, de a contestar e de a valorar.

Ou seja, o princípio do contraditório conduz a que, sempre que uma decisão possa atingir directamente a esfera jurídica do arguido ele tenha que ser ouvido, ou se lhe dê a possibilidade efectiva de se fazer ouvir.

Emanação do princípio do contraditório é sem dúvida o art.61.º, nº 1, alíneas a) e b) do C.P.P., quando estatui:

     «1- O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:

          a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito.

          b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte; (…)».

Resulta deste preceito que a concretização do princípio do contraditório não tem que assumir a mesma forma em todos o actos processuais, podendo passar da simples notificação do arguido (ou outro sujeito processual) para que se pronuncie querendo, por escrito, no prazo que lhe for concedido, até ao direito de presença, com assistência de defensor, nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito.

A presença pessoal do arguido, para além de ser um seu direito do arguido, é ainda um dever, porquanto, nos termos do art.61.º, n.º 3 do C.P.P. « Recaem em especial sobre o arguido os deveres de:

  « a) Comparecer perante o juiz, o Ministério Público ou os órgãos de polícia criminal sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado».

Por fim, o art.32.º, n.º10, da C.R.P., estende e garante os direitos de audiência e de defesa, já consagrados para o processo criminal nos anteriores números da mesma norma, aos processos de contra-ordenação e demais processos sancionatórios, como são os processos disciplinares.

Fulcral é saber agora como deve ser dado conhecimento ao arguido da decisão que afecta os seus direitos, por forma a possibilitar o exercício do seu direito de defesa, ou seja, como deve o arguido ser notificado para exercer o contraditório. 

O n.º10, do art.113.º, do C.P.P., que resulta da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro (  correspondente ao anterior n.º 9, do mesmo preceito)  estabelece que «  As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; (…)».

Resulta desta norma que, em regra, as notificações do arguido são feitas ao respectivo advogado ou defensor nomeado, mas nos casos em que as notificações respeitam à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, exige-se a notificação pessoal do arguido, além da notificação do respectivo advogado ou defensor.

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2010, de 21/5, a propósito da notificação da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, fixou já jurisprudência no sentido de que « Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. (…).[4]

Considerou-se para o efeito, nomeadamente, que o despacho de revogação da suspensão da pena é complementar da sentença, traduzindo uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação, tendo como efeito directo a privação da liberdade do condenado. As suas consequências aproximam-se muito das da sentença que condena em pena de prisão. Tendo esse alcance, a decisão de revogação da suspensão, que implica sempre um juízo de ponderação, deve estar colocada no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levada ao conhecimento do condenado e, assim, indirectamente, tem no n.º 9 ( actualmente n.º 10) do art.113.º do C.P.P., um mínimo de correspondência verbal para exigir-se a notificação daquela decisão tanto ao defensor como ao condenado.

No caso em apreciação, temos como pacífico que o arguido A... , por sentença proferida em 8.05.2008, e transitada em julgado, foi condenado pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena de 8 (oito) meses de prisão, que lhe foi suspensa na sua execução pelo período de um ano, com o dever de o arguido, nesse prazo, liquidar a quantia exequenda e legais acréscimos devidos numa fiscal.

Em face do incumprimento do dever de pagamento a que ficou condicionada a suspensão da pena de prisão, foi o arguido pessoalmente notificado para se pronunciar, tendo efectuado comunicações ao processo (fls. 323, 376 e 410).

Em 26.04.2013 (fls. 436 a 439), veio o Ministério Público promover a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e, na sequência desta promoção, por despacho proferido em 3.05.2013 (fls. 440), foi determinada a notificação do arguido a fim de exercer o contraditório quanto ao teor do promovido. Esta notificação foi efectuada na sua ilustre defensora oficiosa (fls.441), que nada disse.

Será que a douta promoção do Ministério Público, que por despacho proferido em 3.05.2013 foi dada a conhecer ao arguido, deve incluir-se no n.º10 do art.113.º do C.P.P., e ser notificada tanto ao defensor como ao condenado, sob pena de violação deste preceito e das garantias do processo criminal consagradas no art.32.º, n.ºs 1, 5 e 10 da C.R.P.?

Cremos que a resposta deve ser negativa, como se decidiu no despacho recorrido.

A douta promoção do Ministério Público de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, por incumprimento do dever de pagamento a que ficou condicionada a suspensão da pena de prisão, não tem qualquer correspondência na letra e no espírito do n.º10 do art.113.º do C.P.P., para se exigir a sua notificação tanto ao defensor como ao condenado.

A decisão instrutória, a designação de dia para julgamento,  a sentença, e os despachos de aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial, que o n.º10 do art.113.º do C.P.P., exige serem notificados tanto ao defensor como ao condenado, são decisões judiciais, e com ela quer-se assegurar um efectivo conhecimento do seu conteúdo para o arguido as poder impugnar, se assim o entender, .

O despacho de acusação, incluído no n.º10 do art.113.º do C.P.P., é uma decisão crucial para o arguido pois fixa o objecto do processo, e em boa parte dos casos o arguido pode impugnar a acusação através de requerimento de abertura da instrução.

Também a dedução do pedido de indemnização civil, que anda de mãos dadas com a acusação ( art.77.º do C.P.P.), é relevante para o arguido pois fixa, mas em matéria cível, os limites da sua eventual condenação.

Se as decisões judiciais, a acusação e o pedido cível fixam determinados limites e conteúdos ao arguido, a promoção do Ministério Público em causa é uma simples manifestação da opinião, após a prolação da sentença, por parte do respectivo Magistrado sobre o comportamento do arguido e consequências que entende se devem retirar desse comportamento. Não é uma decisão que afecta o arguido em paralelismo a nível teleológico com as situações enumeradas no n.º10 do art.113.º do C.P.P..

Ao contrário do que sucede com a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão que, por ser considerada complementar da sentença, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2010 entendeu estar abrangida na letra e espírito do n.º10 do art.113.º do C.P.P., a simples promoção do Ministério Público para que seja revogada a suspensão da execução da pena não se integra na letra de nenhuma das situações enumeradas naquele número, nem nas razões que conduziram à solução legislativa de mandar notificar, naquelas situações, não só o defensor como ainda o condenado.

Assim, consideramos que a notificação do defensor do arguido, para o arguido se pronunciar sobre a promoção do Ministério Público, cumpre a exigência do contraditório, referenciado  nomeadamente na al. b) , n.º1, do art.61.º do C.P.P..

De resto, como bem assinala o despacho recorrido, ainda que assim não se entendesse e a lei impusesse a notificação pessoal ao arguido, a falta dessa notificação pessoal da aludida promoção do Ministério Público não se mostra cominada em qualquer norma processual penal como nulidade, pelo que, mais não constituiria que uma simples irregularidade ( art.118.º, n.º2 do C.P.P.), que por não ter sido suscitada no prazo a que alude o art.123.º, n.º1 do  Código de Processo Penal, há muito estaria sanada.

Se o primeiro argumento do arguido para a declaração de nulidade do despacho de revogação da suspensão de execução da pena não merece proceder, já o segundo argumento, relativo à ausência da sua audição, nos termos do art. 495º, n.º 2 do Código de Processo Penal, merece diferente decisão.

Em matéria de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, por falta de cumprimento de condição de suspensão, rege o do art. 495º,  do Código de Processo Penal, que na parte que nos interessa estatui: « O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.».     

O Tribunal a quo deve procurar por todos os meios ouvir presencialmente o condenado, sob pena de violação do disposto no art. 495º,  do Código de Processo Penal.

Para o efeito deve ser designada data para audição do arguido, o que deverá ocorrer na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.

Se o arguido, notificado para comparecer, faltar à diligência, sem qualquer justificação, e não se mostrar possível assim a sua audição, cremos que o princípio a seguir será o que se mostra estabelecido no n.º 4 do art.185.º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, para o incidente de incumprimento da liberdade condicional, numa situação idêntica: « a falta injustificada do condenado vale como efectiva audição para todos os efeitos legais.».

No caso em apreciação, não foi designada data para audição do arguido A... , nem consequentemente foi notificado dessa data.

Não tendo o arguido sido ouvido presencialmente, nem tendo sido envidados todos os esforços necessários à sua audição presencial, antes de ser proferida a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, entendemos que este despacho incorreu na nulidade prevista no art.119.º, al. c), do Código de Processo Penal ( a nulidade da alínea d) do art.119.º, do C.P.P. nada tem que ver com a presente situação uma vez que não respeita à “falta de inquérito ou de instrução”). 

A própria decisão recorrida admite que, não tendo sido determinada a audição do arguido nos termos do art. 495º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal, pode estar-se perante a nulidade insanável a que alude o art. 119º, al. c) do Cód. Processo Penal.

Porém, entendeu o Tribunal a quo que essa nulidade, apesar de ser qualificada como insanável, não pode ser já declarada no despacho recorrido uma vez que a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão já transitou em julgado.

Já o recorrente defende que essa declaração deveria ter sido declarada, tivesse ou não transitado em julgado a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão.

Esta divergência remete-nos para a fulcral questão seguinte.


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   Segunda questão: saber se o despacho recorrido devia ter declarado a nulidade insanável em que incorreu o despacho proferido em 28 de Maio de 2013, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, mesmo que este tivesse transitado em julgado, o que de resto, no entender do arguido, não ocorreu.

Alega a este propósito o arguido A... o seguinte:

- a decisão revogatória, cuja validade põe em crise, não transitou em julgado porquanto dela teve conhecimento apenas aquando da sua detenção em 3-3-2015, e assim o recurso daquela decisão está interposto em tempo;

- mas ainda que a decisão revogatória tivesse transitado, sempre a nulidade insanável não ficaria sanada por esse trânsito, já que tal causa de sanção não está prevista na lei, mormente no art.121.º do Código de Processo Penal.

Apreciando.

Nos termos do art.628.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do disposto no art.4.º do Código de Processo Penal, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.  

A autoridade do caso julgado visa proteger a força e credibilidade da decisão judicial, tornando, pois, em princípio, imodificável a decisão.

Temos como assente que o despacho proferido em 28 de Maio de 2013, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão ao arguido A... , foi notificado pessoalmente a este no dia 9 de Novembro de 2013, através de carta rogatória remetida às autoridades Luxemburguesas, conforme resulta de fls. 470.

O arguido não interpôs recurso desse despacho revogatório, que lhe foi notificado no 09.11.2013, a não ser através do recurso interposto já em Abril de 2015 e que, por despacho de 14 de Abril de 2015, não foi admitido, por interposto fora do tempo.

O despacho proferido em 28 de Maio de 2013, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão ao arguido A... , não sendo já susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, transitou em julgado.

Tendo transitado em julgado a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, entendemos, tal como mencionado no despacho recorrido, que a nulidade a que atrás se fez referência não pode ser já declarada e, consequentemente, não se pode dar sem efeito aquela decisão, ao abrigo da qual o arguido cumpre a respectiva pena de prisão.  

Efectivamente, pese embora o art.119.º, n.º1 do Código de Processo Penal estabeleça que as nulidades insanáveis - entre as quais se incluem as que resultam da ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência - «devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento», tal declaração não deve ter lugar depois do termo do procedimento, ou seja, depois da decisão final transitar em julgado.  

Assim é defendido na doutrina, nomeadamente, pelos Prof.s Paulo Pinto de Albuquerque e Germano M. Silva e pelos Conselheiros Simas-Santos e Leal-Henriques e Maia Gonçalves, bem como na jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.7-2008, e na do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 30.09.2014, tal como consta do douto despacho recorrido.

O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 146/2001, de 28 de Março de 2001, decidiu já que o caso julgado é um valor constitucional iluminado pelo n.º 2 do art.32.º, pelos n.ºs 2 e 3 do art.205.º e pelo n.º 3 do art.282.º da C.R.P. e que o art.119º, do C.P.P. não é inconstitucional quando interpretado no sentido de que as nulidades, qualquer que seja a sua natureza, ficam sanadas logo que se forme caso julgado, não mais podendo ser arguidas ou conhecidas oficiosamente.

O despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, quer se considere que integra a decisão final, dando efectividade à condenação cuja execução ficou condicionalmente suspensa, quer se considere que é complementar da sentença, traduzindo uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação, tem de considerar-se como uma decisão final, que põe termo ao procedimento, tendo como efeito directo a privação da liberdade do condenado.

O arguido A... , após conhecimento da decisão que lhe revogou a suspensão da execução da pena de prisão e até se consumar o trânsito em julgado, dispôs da possibilidade de exercer os seus direitos em que se concretiza o princípio constitucional das garantias de defesa, incluindo a arguição da nulidade resultante da sua não audição presencial nos termos do art.495º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Tendo-se tornado definitiva a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, mais não resta que julgar improcedente esta questão e o recurso, mantendo-se , consequentemente, o douto despacho recorrido, proferido a 25 de Março de 2015.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e manter o douto despacho recorrido.

             Custas pelo recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                     


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Coimbra, 16 de junho de 2015

                                                                                             

(Orlando Gonçalves - relator)

                                                                                                                            

(Inácio Monteiro - adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] DR n.º 99, 1ª Série de 21-05-2010