Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
192/17.0T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: REGISTO PREDIAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO
Data do Acordão: 01/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.140, 141, 154 CRP, 139 Nº5, 6 CPC, 279 CC
Sumário: 1. A contagem do prazo da impugnação judicial das decisões do Conservador faz-se nos termos especificamente previstos no artigo 154º do CRegPredial, sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis as normas constantes do CPC.

2. É-lhe assim aplicável o disposto no artigo 139º, ns. 5 e 6, do CPC, podendo o ato de impugnação ser praticado num dos três dias úteis seguintes, mediante o pagamento da multa aí prevista.

Decisão Texto Integral:             





                                                                                   

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

A (…) veio, ao abrigo do disposto no artigo 140º do Código do Registo Predial, interpor recurso contencioso do despacho proferido a 20 de dezembro de 2016 pelo Exma. Conservadora da Conservatória do Registo Predial da (...) que lavrou provisoriamente por dúvidas o ato de registo requisitado pela Ap.1 de 19/11/2016 – pelo qual se requereu o registo da promessa de alienação de metade do prédio rústico descrito sob o n.º 00 (...) da freguesia e concelho de X (...) , figurando como promitente compradora a “S (…), Lda.” e como promitente vendedora A (…)– a com fundamento em não se mostrar cumprido o princípio do trato sucessivo na modalidade de continuidade das inscrições.

A Exma. Sr. Conservadora manteve a decisão recorrida, nos termos do disposto no art.º 142.º-A do CN.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer concordando na aderindo na íntegra à posição perfilhada pela Exma. Sra. Conservadora.

Pelo juiz a quo foi proferida decisão a não receber a impugnação judicial por intempestiva.


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Inconformado com tal decisão a Impugnante dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

 1ªA decisão sob recurso violou, diversas normas legais, designadamente o artigo 139.º-5 e 6, do CPC 2013.

2ª Motivos pelos quais, e muito embora sem que isso possa constituir qualquer demérito, por pequeno, ou mínimo até, que seja, para com a Meritíssima 1 Senhora Doutora Juíza recorrida, deverá tal decisão ser anulada.

3ª Prolatando-se em substituição dela, douto acórdão, que determine que a impugnação judicial em causa seja recebida, seguindo depois no tribunal a quo, os ulteriores termos processuais dela.

9 Assim decidindo, como temos disso a mais firme certeza, que não poderá, nem irá, deixar de suceder, farão V. Exas., Exmos. Senhores Doutores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, a melhor e mais justa justiça, que aliás sempre fazer, pelo que a isso nos têm, e de uma forma sistemática, habituado.


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Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. (in)Tempestividade da impugnação judicial.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O juiz a quo proferiu despacho de não recebimento da impugnação judicial, por intempestiva, com os seguintes fundamentos:
São estes os factos relevantes para a apreciação desta questão:
1 – A (…) relativamente ao acto de registo a que se refere a apresentação n.º 1 de 2016/11/19 foi notificada, através do seu Ilustre mandatário, do despacho de qualificação através de carta registada enviada em 21 de Dezembro de 2016 – cfr. documento de fls. 57 a 60 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.
2 – A (…) apresentou petição de impugnação judicial por correio electrónico e por telecópia em 30 de Janeiro de 2017, tendo enviado o original da petição por via postal que foi recepcionado na Conservatória do Registo Predial da (...) em 1 de Fevereiro de 2017 – cfr. documentos de fls. 2 a 16 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.
Preceitua o n.º 1 do artigo 141.º do Código de Registo Predial que “O prazo para a interposição de recurso hierárquico ou de impugnação judicial é de 30 dias a contar da notificação a que se refere o artigo 71.º”
No que respeita à contagem dos prazos estipula o artigo 155.º do mesmo diploma legal, nos seus n.ºs 2 e 3, que “O prazo é contínuo, não se incluindo na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr./O prazo que termine em sábado, domingo, feriado, em dia com tolerância de ponto ou em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.
Importa salientar que da conjugação destas normas legais resulta que o prazo para a interposição da impugnação judicial não tem natureza judicial, pelo que não se suspende no decorrer das férias judiciais (cfr., neste sentido, o recente Ac. da Relação de Guimarães, de 11-02-2016, processo n.º In casu constata-se que tendo a requerente A (…)  sido notificada do despacho de qualificação através de carta registada enviada em 21 de Dezembro de 2016 considera-se notificada em 26 de Dezembro de 2016 (nos termos previstos do n.º 2, 2ª parte do artigo 154.º do Código de Registo Predial).
Donde, o prazo de trinta dias para apresentação da impugnação judicial terminou em 25 de Janeiro de 2017.
A requerente do registo A (…) apresentou petição de impugnação judicial por correio electrónico e por telecópia em 30 de Janeiro de 2017, tendo enviado o original da petição por via postal, original recepcionado na Conservatória do Registo Predial da (...) em 1 de Fevereiro de 2017.
Em face do exposto, forçoso é concluir que a petição foi apresentada para além do prazo de trinta dias previsto no artigo 141.º n.º 1 do Código de Registo Predial, razão pela qual se decide não receber a impugnação judicial apresentada por A (…).”
Aceitando que a notificação se considera efetuada no dia 26 de novembro, a Apelante/Impugnante insurge-se contra o decidido, com a alegação de que o prazo em causa é um prazo judicial, pelo que lhe será de aplicar o disposto nos artigos 155º e 156º do CRegP, no artigo 139º, nº1, do CPC, e no artigo 279º do CC – iniciando-se o prazo a 27 de dezembro, o 3º dia útil seguinte ao termo do prazo seria dia 30 de janeiro, data da prática do ato.
Começando o prazo a contar no dia seguinte ao dia em que a notificação se considera efetuada (a contagem do prazo inicia-se a 27 de dezembro), e contado de forma seguida, conforme o expressamente previsto nos ns. 1 e 2, do artigo 155º do CRegPredial, o prazo terminaria, efetivamente, a 25 de janeiro.
A questão que aqui se coloca é se lhe será aplicável o disposto no artigo 139º nº5, do CPC que permite a prática do ato num dos três dias uteis seguintes ao termo do prazo, independentemente de justo impedimento, ficando a sua validade dependente, tão só, do pagamento de uma das multas aí previstas.

A natureza do prazo em questão e o modo de contagem do mesmo tendo sido origem de controvérsia ao longo das várias versões dadas aos arts. 141º e ss. do CRegPredial.

Embora os atos típicos praticados pelos conservadores não sejam atos administrativos, mas atos que se inserem no âmbito do direito privado, tendo uma natureza judicial ou parajudicial[1], os interessados tem à sua disposição dois meios de impugnação das decisões do conservador que recuse a prática de um ato nos termos em que foi requerido (recusa parcial ou total, ou efetuado como provisório, por natureza ou por dúvidas):

a) Recurso hierárquico para o Diretor Geral dos Registos e do Notariado;

b) Impugnação Judicial para o tribunal da área da circunscrição a que pertence o serviço de registo.

O artigo 141º do atual CRegPredial estipula que o interessado tem um prazo de 30 dias a contar da notificação do despacho de recusa ou da provisoriedade, seja para recorrer hierarquicamente, seja para deduzir impugnação judicial.

Na vigência do CRegPredial aprovado pelo DL nº 224/84 de 6 de julho, na redação dada aos artigos 140º a 149º (e que aditou os art. 147º-A a 147º-C) pelo DL 533/99, de 11 de dezembro), e na ausência de qualquer outra norma que dispusesse sobre o modo de contagem de tal prazo, discutia-se então se, a tal prazo de 30 dias (para interpor recurso hierárquico ou contencioso), se aplicariam as regras de contagem dos prazos vigentes no direito administrativo ou as regras constantes do Código de Processo Civil[2].

A doutrina e a jurisprudência dominantes entendiam, então, que tal prazo se contava, nos termos processuais a partir da notificação do despacho sob impugnação, sendo a regra da contagem dos prazos a da continuidade fixada no artigo 144º, nº1, do CPC e que o cômputo dos prazos se encontraria regulado nas regras dos artigos 279º e 296º[3].

Com a publicação do DL 116/2008, que teve por objetivo a desmaterialização e desformalização de atos e processos na área do registo predial, introduzindo inúmeras alterações ao CRegPredial, a discussão manteve-se nos mesmos moldes, sem que tal diploma houvesse lançado alguma luz sobre a questão.

O Dec. Lei nº 125/2013, de 30 de Agosto, que procedeu a novas alterações ao Código de Registo Predial, veio, então, aditar os artigos 154º a 156º, relativamente a notificações, prazos e direito subsidiário:

Artigo 154º

Notificações

1 – As notificações previstas no presente código, quando não devam ser feitas por via eletrónica nos termos previstos no nº2 do artigo anterior, ou por qualquer outro meio previsto na lei, são realizadas por carta registada, podendo também ser realizadas presencialmente, por qualquer funcionário, quando os interessados se encontrem nas instalações do serviço.

2 – A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

3 – A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a morada indicada pelo notificando nos atos ou documentos apresentados no serviço de registo.

Artigo 155º

Contagem dos prazos

1 – É havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas.

2 – O prazo é contínuo, não se incluindo na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr.

3 – O prazo que termine em sábado, domingo, feriado, em dia de tolerância de ponto ou em dia em que o serviço não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

Artigo 156º

Direito Subsidiário

Salvo disposição legal em contrário, aos atos, processos e respetivos prazos previstos no presente código é aplicável, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil.

Numa tentativa de clarificar as matérias relativas ao modo de contagem do prazo de impugnação dos autos do conservador, o legislador veio, nos ns. 2 e 3 do art. 154º e no nº2 do artigo 155º, consagrar as soluções que já vinham sendo defendidas pela jurisprudência maioritária, por aplicação subsidiária do regime constante no Código de Processo Civil e nos arts. 279º e 296º, do CC.

Contudo, apesar de aí estabelecer algumas regras específicas de contagem dos prazos (algumas parcialmente coincidentes com o estabelecido nos arts. 279º CC e 144º CPC), o legislador consagrou ainda a regra da “aplicação subsidiária do disposto no Código de Processo Civil”, nomeadamente quanto aos “processos e respetivos prazos”, o que poderá suscitar dúvidas relativamente à aplicabilidade de algumas disposições do CPC, como é o caso do artigo 139º, nº5.

A previsão da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil quanto aos “prazos”, contida no artigo 155º do CRegP, tem vindo a ser entendida como um argumento no sentido da sua caraterização como prazo de natureza processual, com aplicação dos artigos 144º e 145º do CPC (atuais artigos 138 e 139º)[4].

Assim sendo, considera-se-lhe aplicável o disposto no artigo 139º, nº5, pelo que, tendo o ato sido praticado no 3º dia útil seguinte ao temo do prazo, a validade do ato encontrava-se dependente do pagamento imediato da multa prevista na al. c), do nº5 do artigo 139º do CPC.

Praticado o ato no 3º dia útil seguinte sem que tenha sido paga imediatamente a multa devida, deveria a secretaria ter procedido à notificação do interessado nos termos previstos no nº6 do artigo 139º do CPC, o que não se mostra efetuado.

Assim sendo, dá-se razão ao apelante, determinando-se a substituição do despacho recorrido por outro que determine o cumprimento do disposto no nº6 do artigo 139º do CPC[5].

A apelação será de proceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine o cumprimento do disposto no nº6 do artigo 139º do CPC.

Sem custas.                

                                                                Coimbra, 16 de janeiro de 2018

                                                                                           Maria João Areias ( Relatora )

                                                                                          Alberto Ruço

                                                                               Vítor Amaral


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. A contagem do prazo da impugnação judicial das decisões do conservador faz-se nos termos especificamente previstos no artigo 154º do CRegPredial, sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis as normas constantes do CPC.
2. É-lhe assim aplicável o disposto no artigo 139º, ns. 5 e 6, do CPC, podendo o ato de impugnação ser praticado num dos três dias úteis seguintes, mediante o pagamento da multa aí prevista.


[1] Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, “Impugnação das Decisões do Conservador nos Registos”, Almedina 2002, p.57.
[2] No sentido de que o próprio prazo de interposição do recurso hierárquico tem natureza processual, estando sujeito ao regime do Código de Processo Civil em tudo quanto não tenha como pressuposto a prática de atos judiciais, nem for especialmente regulado no registo predial, se pronunciou o Parecer do C.T. da DGRN no âmbito do Prc. 33/97 DSJ-CT in BRN nº 11/97 (Pareceres) 19. No sentido de que o prazo de interposição de recurso contencioso era continuado e que teria natureza substantiva e não processual, cfr., Ac. TRE, de 11 de junho de 1987, in CJ Ano XII, Tomo III, p.250, e Ac. RP de 8 de maio de 1986, in BMJ nº 357, p.493.
[3] Neste sentido Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, “Impugnação das Decisões do Conservador nos Registos”, Almedina 2002, p. 74 e 75, salientando que após a alteração introduzida pelo DL nº 329º-A/95, deixou de se falar em prazo judicial e passou a referir-se a prazo processual, e defendendo que se o meio utilizado for a carta registada, a notificação se presume efetuada no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, caso o não seja. No sentido de que o regime legal de contagem do prazo de interposição de recurso é o do CPC, se pronunciou o Acórdão do TRP de 29-11-2005, relatado por Antas de Barros; também no sentido de lhe ser aplicável o disposto no art. 144º, respeitante à continuidade do prazo, se pronunciou o Ac. TRL de 19-05-2009, relatado por Dina Monteiro; no sentido de que lhe seriam aplicáveis não só as regras do art. 144º do CPC, como as regras do art. 145º, ns. 5 e 6, do mesmo código, relativas à possibilidade de prática do ato num dos três dias seguintes, mediante o pagamento de uma multa, se pronunciou ainda o Ac. do TRC de 06-10-2009, relatado por Judite Pires, acórdãos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido se pronunciou o Acórdão do TRP de 06-02-2014, relatado por Mário Fernandes, e Ac. TRC de 28-01-2014, relatado por Catarina Gonçalves. No sentido da não aplicabilidade da suspensão resultante das férias judicias, solução com a qual se concorda porquanto o legislador referiu expressamente quais as causas de suspensão do prazo no nº3 do artigo 155º do CRegP, se pronunciou o Acórdão do TRG de 11-02-2016, relatado por Bessa Pereira, acórdãos disponíveis in www.dgs.pt.
[5] Em igual sentido, cfr. Acórdão do TRC de 06-10-2009, relatado por Judite Pires, embora ainda ao abrigo do regime anterior ao DL 125/2013 (disponível in www.dgs.pt.).