Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4552/11.1TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
FORÇA EXECUTIVA
ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: COIMBRA 2º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL N.º 269/98 DE 1.9 E ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA DO S. T. J, N.º 7/2009, DE 25.03.
Sumário: I – Na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, a que respeita o DL n.º 269/98 de 1.9, em que o réu não contestou, não pode ser recusada força executiva à parte do pedido que contende com o pedido de juros remuneratórios, na medida em que esse pedido não é manifestamente improcedente.

II - Assim, se não houver contestação e se não se verificarem excepções dilatórias ou o pedido da acção se não revelar manifestamente improcedente, não é permitido ao juiz atribuir força executiva à petição inicial nos termos do art.º 2º do DL n.º 269/98, de 01.09, e excepcionar dela os juros remuneratórios, com base no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S. T. J, n.º 7/2009, de 25.03.

III – Os Acórdãos Uniformizadores do Supremo Tribunal de Justiça, embora devam ser tendencialmente de observar, não se sobrepõem nem se substituem à lei; não têm força vinculativa, mas somente persuasiva.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, na 1ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra

                                                                         ***

I – RELATÓRIO

A..., S.A., com sede em Lisboa, instaurou a presente acção especial para pagamento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, contra B... e marido C..., ambos residentes na Rua...em Coimbra, alegando, em síntese:

- Que, no exercício da sua atividade comercial, concedeu aos réus crédito direto sob a forma de contrato de mútuo, no dia 21.05.2010, tendo, assim, emprestado aos referidos réus a importância de € 2.337,17 euros (Doc. nºs. 1 e 2, juntos com a p.i.);

-que, nos termos desse contrato, os réus obrigaram-se a pagar a importância acima referida e respetivos juros, imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida em 30 prestações mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10 de Julho de 2010 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes;

-também ficou acordado que, na falta de pagamento de três ou mais prestações na data do respetivo vencimento, as demais prestações ficavam vencidas imediatamente; cada uma possui o valor de € 98,03 euros;

-e ainda que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 16,528% –, acrescida de quatro pontos percentuais;

-os réus, porém, não pagaram a 12ª. prestação, vencida a 10.06.2011;

Por isso, os réus devem à autora a quantia referente à 12ª. prestação e seguintes, a que acrescem os juros, incluindo a cláusula penal referida, e ainda o imposto de selo, à taxa de 4% ao ano.

- Acresce que a autora emprestou ainda à ré mulher, através de contrato datado de 20 de Setembro de 2007, sob a forma de mútuo para, de acordo com informação prestada pela mesma ré mulher, adquirir uma viatura, a importância de € 11.325,00 euros (v. Doc. nº. 5, junto com a p.i.);

-que, nos termos desse contrato, a ré mulher obrigou-se a pagar a importância acima referida e respetivos juros, comissão de gestão, imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida em 60 prestações mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10 de Outubro de 2007 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes;

-também ficou acordado que, na falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respetivo vencimento, as demais prestações ficavam vencidas imediatamente; cada uma possui o valor de € 289,75 euros;

-e ainda que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 16,945% –, acrescida de quatro pontos percentuais;

-a ré mulher, porém, não pagou a 45ª. prestação, vencida a 10.06.2011;

Por isso, a ré mulher deve à autora a quantia referente à 45ª. prestação e seguintes, a que acrescem os juros, incluindo a cláusula penal referida, e ainda o imposto de selo, à taxa de 4% ao ano, imposto de selo este da responsabilidade da ré mulher;

-instada pela autora para pagar a importância em dívida e respetivos juros, a ré mulher fez a entrega àquela do mencionado veículo adquirido, de modo a que a autora diligenciasse pela sua venda e, em consequência, creditasse o valor dessa venda por conta da dívida, ficando a demandada de pagar-lhe o saldo do que viesse a ficar em débito;

-a 3 de Outubro de 2011, a autora procedeu à venda do veículo citado pelo preço de € 1.521,53 euros, tendo esse valor sido abatido no valor da dívida da ré;

-ficou a ré mulher a dever o capital de € 3.432,64 euros, a que acrescem os juros e imposto de selo;

- esse empréstimo para obtenção de veículo foi também subscrito pelo réu marido, destinando-se a viatura a ser utilizada pelo casal.

Citados pessoalmente, os dois Réus não apresentaram oposição.

A instância foi julgada válida e regular, nada tendo obstado ao conhecimento do mérito.

Procedeu-se à audiência de julgamento, com a observância do ritualismo legal, que da acta consta.

Oportunamente, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Por todo o exposto, decido:

-julgar parcialmente procedente a presente acção, condenando os réus a pagar à autora, no que respeita ao crédito firmado em 21.05.2010, a quantia de € 98,03 euros (noventa e oito euros e três cêntimos) – correspondente à 12ª. prestação, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de vencimento dessa prestação até integral pagamento, à taxa de juro contratual acordada, acrescida de 4 pontos percentuais, mais o respetivo imposto de selo, à taxa de 4%;

-e condenar os mesmos réus a pagar à autora, no que respeita ao citado crédito firmado em 21.05.2010, a quantia que vier a ser liquidada, através de incidente de liquidação previsto no artº. 378.º, do CPC, referente ao capital correspondente às prestações 13ª. a 30ª., excluindo-se de tais prestações a parte correspondente a juros remuneratórios, imposto e seguros, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, desde 10.06.2011 até integral pagamento, à taxa de juro contratual ajustada, acrescida de 4 pontos percentuais, mais o respetivo imposto de selo, à taxa de 4%, no mais se absolvendo os réus do pedido;

-condenar os réus a pagar à autora, no que respeita ao crédito firmado em 20.09.2007, a quantia de € 289,75 euros (duzentos e oitenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos) – correspondente à 45ª. prestação, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de vencimento dessa prestação até integral pagamento, à taxa de juro contratual acordada, acrescida de 4 pontos percentuais, mais o respetivo imposto de selo, à taxa de 4%;

-e condenar os mesmos réus a pagar à autora, no que respeita ao citado crédito firmado em 20.09.2007, a quantia que vier a ser liquidada, através de incidente de liquidação previsto no artº. 378.º, do CPC, referente ao capital correspondente às prestações 46ª. a 60ª., deduzido o crédito de € 1.521,53 euros (mil, quinhentos e vinte e um euros e cinquenta e três cêntimos) (relativo à venda do veículo dos réus pela autora), excluindo-se ainda de tais prestações a parte correspondente a juros remuneratórios, imposto e seguros, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, desde 10.06.2011 até integral pagamento, à taxa de juro contratual ajustada, acrescida de 4 pontos percentuais, mais o respetivo imposto de selo, à taxa de 4%, no mais se absolvendo os réus do pedido.

Custas legais a suportar pela autora e réus, na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente (v. artº. 446.º, nº. 1, do CPC). 

Notifique e registe.”

Inconformado com a referida sentença, o A..., SA, interpôs o presente recurso, pretendendo seja revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que condene os RR., ora recorridos, solidariamente entre si, na totalidade do pedido, tendo, para o efeito, apresentado a sua motivação e as respectivas conclusões.

Os recorridos responderam ao recurso interposto, pedindo a sua improcedência e a manutenção da douta sentença recorrida.

Nesta Relação foi admitido o recurso, mantendo-se a espécie, o efeito e o regime de subida que haviam sido fixados na 1ª Instância, nada obstando ao seu conhecimento.                                                  

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                                                             ***

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objecto do recurso

É pelas conclusões das alegações do recurso que se afere e delimita o seu objecto – cfr., designadamente, as disposições conjugadas dos art.s 664º, 684º, n.º 3, 685º-A, nºs 1, 2 e 3, e 685º-B, nºs 1, 2 e 3, todos do C. P. Civil.

Analisando as conclusões do presente recurso, as questões a decidir são as seguintes:

1 - Saber se se impõe aditar à matéria de facto dada como provada mais um número com redacção igual ou semelhante à seguinte: “O A. dirigiu aos RR., em 14 de Novembro de 2011, as cartas juntas aos autos como documentos nº 3 e 4 da petição inicial, que aqui se dão por reproduzidas”.

2 – Saber se, não devendo nem podendo a sentença pronunciar-se sobre quaisquer outras questões, face à ausência de contestação dos RR., deveria ter-se limitado a conferir força executiva à totalidade da petição inicial e não poderia ter em conta a doutrina do Acórdão Unificador de Jurisprudência n.º 7/2009 de 5.5.09 para recusar a executoriedade a parte do pedido, e se, ao assim não ter procedido, violou a mesma art.º 2º do regime aprovado pelo Decreto-Lei 259/98, de 1 de Setembro.

2. Os Factos.

Antes de mais, vejamos quais os factos dados como assentes e provados.

 

2.1. Os Factos Assentes e Provados:

Resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:

1) A autora é uma instituição de crédito.

2) No exercício da sua atividade comercial, concedeu aos réus crédito direto sob a forma de contrato de mútuo, no dia 21.05.2010, tendo, assim, emprestado aos referidos réus a importância de € 2.337,17 euros (v. Doc. nºs. 1 e 2, juntos com a p.i.).

3) Nos termos desse contrato, os réus obrigaram-se a pagar a importância acima referida e respetivos juros, imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida em 30 prestações mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10 de Julho de 2010 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes.

4) Também ficou acordado que, na falta de pagamento de três ou mais prestações na data do respetivo vencimento, as demais prestações ficavam vencidas imediatamente; cada uma possui o valor de € 98,03 euros.

5) E ainda que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 16,528% –, acrescida de quatro pontos percentuais.

6) Os réus, porém, não pagaram a 12ª. prestação, vencida a 10.06.2011, liquidando-se, então, todas as demais prestações, no montante de € 98,03 euros cada uma, e emitindo declaração de resolução do contrato de mútuo desde a data desse vencimento (v. fls. 27).

7) A autora emprestou ainda à ré mulher, através de contrato datado de 20 de Setembro de 2007, sob a forma de mútuo para, de acordo com informação prestada pela mesma ré mulher adquirir uma viatura, a importância de € 11.325,00 euros (v. Doc. nº. 5, junto com a p.i.).

8) Nos termos desse contrato, a ré mulher obrigou-se a pagar a importância acima referida e respetivos juros, comissão de gestão, imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida em 60 prestações mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10 de Outubro de 2007 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes.

9) Também ficou acordado que, na falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respetivo vencimento, as demais prestações ficavam vencidas imediatamente; cada uma possui o valor de € 289,75 euros.

10) E ainda que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 16,945% –, acrescida de quatro pontos percentuais.

11) A ré mulher, porém, não pagou a 45ª. prestação, vencida a 10.06.2011, liquidando-se, então, todas as demais prestações, no montante de € 289,75 euros cada uma, e emitindo declaração de resolução do contrato de mútuo desde a data desse vencimento (v. fls. 27).

12) Instada pela autora para pagar a importância em dívida e respetivos juros, a ré mulher fez a entrega àquela do mencionado veículo adquirido, de modo a que a autora diligenciasse pela sua venda e, em consequência, creditasse o valor dessa venda por conta da dívida, ficando a demandada de pagar-lhe o saldo do que viesse a ficar em débito.

13) A 3 de Outubro de 2011, a autora procedeu à venda do veículo citado pelo preço de € 1.521,53 euros, tendo ficado com essa quantia para si por conta da importância que os réus deviam referente ao contrato citado em 7).

14) Tal contrato de mútuo para obtenção de veículo foi também subscrito pelo réu marido, destinando-se a viatura a ser utilizada pelo casal.

2.2. Os Factos não Provados:

Todos os que, alegados pela autora, não constam dos factos provados.

3. O Direito

Ora, como já referimos supra, é pelas conclusões das alegações do recurso que se afere e delimita o seu objecto – cfr., designadamente, as disposições conjugadas dos art.s 664º, 684º, n.º 3, 685º-A, nºs 1, 2 e 3, e 685º- B, nºs 1, 2 e 3, todos do C. P. Civil.

Analisando as conclusões do presente recurso, as questões a decidir são as seguintes:

1 - Saber se se impõe aditar à matéria de facto dada como provada mais um número com redacção igual ou semelhante à seguinte: “O A. dirigiu aos RR., em 14 de Novembro de 2011, as cartas juntas aos autos como documentos nº 3 e 4 da petição inicial, que aqui se dão por reproduzidas”.

2 – Saber se, não devendo nem podendo a sentença pronunciar-se sobre quaisquer outras questões, face à ausência de contestação dos RR., deveria ter-se limitado a conferir força executiva à totalidade da petição inicial e não poderia ter em conta a doutrina do Acórdão Unificador de Jurisprudência n.º 7/2009 de 5.5.09 para recusar a executoriedade a parte do pedido, e se, ao assim não ter procedido, violou a mesma art.º 2º do regime aprovado pelo Decreto-Lei 259/98, de 1 de Setembro.

                                                               *

1 - Relativamente à primeira questão suscitada pelo recorrente (Saber se impõe aditar à matéria de facto dada como provada mais um número com redacção igual ou semelhante à seguinte: “O A. dirigiu aos RR., em 14 de Novembro de 2011, as cartas juntas aos autos como documentos nº 3 e 4 da petição inicial, que aqui se dão por reproduzidas”.), entendemos que lhe não assiste a razão.

Com efeito, conclui, neste âmbito, o recorrente:

Ao abrigo do disposto no art.º 2.º do regime aprovado pelo D.L. n.º 269/98, de 01.09, tendo os RR. sido pessoal e regularmente citados para os termos da presente acção e não tendo apresentado contestação, consideram-se confessados todos os factos articulados pelo A. na petição inicial.

Na verdade in casu impõe-se dar como provado – o que se não verifica na sentença recorrida – a matéria de facto constante da parte final do art.º 9.º da petição inicial e o que consta das cartas juntas aos autos com a petição como respectivos docs. n.ºs  3 e 4.

Assim, impõe-se aditar à matéria de facto dada como provada mais um número com redacção igual ou semelhante à seguinte:

“O A. DIRIGIU AOS RR. EM 14 DE NOVEMBRO DE 2011 AS CARTAS JUNTAS AOS AUTOS COMO DOCUMENTOS Nº 3 E 4 DA PETIÇÃO INICIAL, QUE AQUI SE DÃO POR REPRODUZIDAS”.

Quid Juris?

Como dissemos supra, entendemos que não assiste a razão ao recorrente.

Com efeito, dispõe o art.º 2.º do anexo ao DL n.º 269/96 de, 1.9:

“Se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.”.

Ora, afigura-se-nos que se configura aqui uma situação sui generis de cominatório semi-pleno, uma vez que, não obstante a falta de contestação, não há lugar à confissão dos factos alegados pelo autor, sendo que, no entanto, sempre ao tribunal cabe a análise da factualidade alegada com vista a concluir por qualquer das situações obstativas à conferência de força executiva à petição: que ocorra, de forma evidente, matéria de excepção dilatória ou manifesta improcedência do pedido.[1]

Não se diz, pois, no aludido preceito, que a falta de apresentação da contestação por parte do réu determina a confissão dos factos alegados pelo autor na petição inicial.

Como veremos, quando nos debruçarmos sobre a segunda questão colocada, e para a qual remetemos nesta sede, não se mostra que, in casu, ocorra – da análise da factualidade alegada com vista a concluir por qualquer das situações obstativas à conferência de força executiva à petição –, de forma evidente, matéria de excepção dilatória ou manifesta improcedência do pedido.[2]

Bem pelo contrário.

Deve improceder, pois, esta primeira conclusão da motivação do recurso interposto pelo recorrente, devendo manter-se integralmente a douta decisão recorrida, no que se refere à matéria de facto assente e provada, porquanto se não mostra ter a mesma violado o disposto no invocado art.º 2.º do anexo ao DL n.º 269/96, de 1.9.

Improcede, pois, esta primeira conclusão da motivação do recurso interposto pelo recorrente, devendo manter-se integralmente a douta decisão recorrida, porquanto se não mostra ter a mesma violado o disposto no invocado art.º 2.º do anexo ao DL n.º 269/96, de 1.9, ou em qualquer outro.

                                                                  *

2 - Relativamente à segunda questão colocada pelo recorrente (Saber se, não devendo nem podendo a sentença pronunciar-se sobre quaisquer outras questões, face à ausência de contestação dos RR., deveria ter-se limitado a conferir força executiva à totalidade da petição inicial e não poderia ter em conta a doutrina do Acórdão Unificador de Jurisprudência n.º 7/2009 de 5.5.09 para recusar a executoriedade a parte do pedido, e se, ao assim não ter procedido, violou a mesma art.º 2º do regime aprovado pelo Decreto-Lei 259/98, de 1 de Setembro.), entendemos que assiste a razão ao recorrente.

Com efeito, conclui, neste âmbito, o recorrente:

O Acórdão do S.T.J. nº 7/2009, não é Lei no País e, aliás, é inaplicável a sua orientação aos contratos celebrados após a entrada em vigor do dito Decreto-Lei 133/2009, de 2 de Junho, cujo artigo 33º, nº 1, alínea a), expressamente revogou o Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro.

O dito acórdão não é, aliás, Assento.

O artigo 2º do Código Civil foi revogado pelo nº 2 do artigo 4º do Decreto-Lei 239-A/95, de 12 de Dezembro.

Atento também natureza do processo em causa – processo especial – e o facto de os RR., regularmente citados, não terem contestado, deveria o Senhor Juiz “a quo” ter de imediato conferido força executiva à petição inicial, não havendo nem podendo assim pronunciar-se sobre quaisquer outras questões, face ao disposto no artigo 2º do regime aprovado pelo Decreto-Lei 259/98, de 1 de Setembro, preceito que a sentença recorrida violou.

Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso e, por via dele, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por acórdão que condene os RR, ora recorridos, solidariamente entre si na totalidade do pedido, ou seja, que confira força executiva à totalidade da petição inicial.

Quid Juris?

Entendemos que, como dissemos supra, assiste a razão ao recorrente.

Com efeito, a questão colocada consiste em saber se, face à ausência de contestação dos RR., na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, a sentença deveria ter-se limitado a conferir força executiva à totalidade da petição inicial, ou, pelo contrário, se poderia ter em conta a doutrina do Acórdão Unificador de Jurisprudência n.º 7/2009, de 5.5.09, para recusar a executoriedade a parte do pedido.

Vejamos.

Desde já diremos que vamos seguir de perto o Ac. desta Relação de 10.05.2011, por nós relatado. [3]

A questão enunciada tem vindo a ser diversamente tratada pelos vários arestos das Relações, apontando uns que a jurisprudência uniformizadora não releva para concluir pela manifesta improcedência da pretensão[4] e concluindo outros em sentido contrário.[5]       

Como vimos supra, na análise da primeira questão colocada pelo recorrente, dispõe-se no art.º 2.º do anexo ao DL n.º 269/96, de 1.9, que se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.

Pensamos que – como também referimos na mesma sede – se configura aqui uma situação sui generis de cominatório semi-pleno, uma vez que, não obstante a falta de contestação, não há lugar à confissão dos factos alegados pelo autor, sendo que, no entanto, sempre ao tribunal cabe a análise da factualidade alegada com vista a concluir por qualquer das situações obstativas à conferência de força executiva à petição: que ocorra, de forma evidente, matéria de excepção dilatória ou manifesta improcedência do pedido.[6]

Ora, in casu, salvo o devido respeito, não se verifica a existência, de forma evidente, de qualquer excepção dilatória – das que se prevêem, conjugadamente, nos art.s 193º, 288º e 494º, do C. P. Civil.

E será que a pretensão formulada pelo autor é manifestamente improcedente ou manifestamente inviável, designadamente, na parte tocante aos juros remuneratórios pedidos?

A pretensão é manifestamente improcedente ou inviável quando a lei a não comporta ou quando os factos a não justificam, face ao direito vigente.[7] Ou seja, quando for evidente que, pelos fundamentos apresentados – causa de pedir – o demandante não tem o direito a que se arroga, ou “…quando a inviabilidade da pretensão do autor for de tal modo evidente que se torna inútil qualquer instrução e discussão da causa… sendo exemplo característico: o de ser fora de dúvida que o autor não tem o direito material que se arroga contra o réu”.[8] Ou ainda, dito de outro modo, quando a improcedência da pretensão é de tal modo visível que se afigura ostensiva, indiscutível, irrefutável.

Ora, face à divergência da Jurisprudência neste âmbito, o STJ viu-se na necessidade/obrigação de lavrar um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, o que significa, antes de mais, que a pretensão do A. não se afigura, manifestamente improcedente ou inviável. Isto é: veio, depois, de discussão jurídica ao mais alto nível, a entender-se/decidir-se ser juridicamente improcedente, mas não, manifestamente improcedente.

De facto, o STJ fixou jurisprudência[9] no sentido de “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781.º do Cód. Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.

Coloca-se aqui, pois, a questão de saber qual a força jurídica a atribuir a um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.

Ao contrário dos anteriores Assentos, não têm carácter geral e abstracto e limitam a sua força vinculativa aos processos onde forma proferidos.

É certo que, constituem precedentes judiciais qualificados e o facto de o seu não acatamento poder suscitar sempre (independentemente do valor da causa ou da sucumbência) a possibilidade de recurso (n.º 2, alín. c) do art.º 678.º do CPC), no dizer de Abrantes Geraldes[10], “constitui um fortíssimo factor de redução da margem de incerteza e de insegurança quanto à resposta a determinadas questões jurídicas, ante a mais que provável revogação da decisão se acaso for interposto recurso. Assinalando a posição assumida pelo órgão de cúpula da ordem jurisdicional relativamente a determinada questão, o acórdão de uniformização implica uma natural adesão dos demais órgãos jurisdicionais (efeito persuasivo) e do próprio Supremo se e enquanto a respectiva doutrina não caducar por via da modificação legislativa ou por elaboração de outro acórdão da mesma natureza”.

No entanto, no plano dos princípios, desde logo constitucionais (art.º 203.º da CRP), não está qualquer tribunal obrigado a decidir no sentido indicado por um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, podendo o STJ alterar, ele mesmo, essa jurisprudência.

Quer dizer:

Apesar de ser tendencialmente de observar quanto à doutrina que adoptou – art.s 763º a 770º do C. P. Civil –, ele não tem força de lei, nem se substitui a esta.

De facto, o Acórdão n.º 810/93, de 7.12, julgou inconstitucional a norma do art.º 2º, do C. Civil, por violação do art.º 115º, n.º5, da Constituição, e o D. L. n.º 329-A/95, de 12.12, veio revogar aquele preceito, retirando os Assentos das fontes consagradas do direito e não conferiu essa qualidade aos Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência.

Assim, não tem força vinculativa geral, mas apenas persuasiva, mesmo para os tribunais comuns de hierarquia inferior.[11]

Por conseguinte, entendemos que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo devia ter observado a lei em vigor, isto é, o citado art.º 2º, do D. L. n.º 269/98, de 01.09, por se sobrepor ao referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, e ter simplesmente conferido força executiva à totalidade da petição inicial.

E, consequentemente, atenta a natureza do processo em causa – processo especial – e o facto de os RR., regularmente citados, não terem contestado, deveria o M. mo Juiz a quo, condenando solidariamente os RR., ter de imediato conferido força executiva à petição inicial, não havendo, assim, necessidade, sequer, de se pronunciar sobre quaisquer outras questões.

Nesse sentido se pronunciou, designadamente, também, o Ac. da Relação de Lisboa, proferido no Proc. n.º 153/08.0TBLSB-L1, onde se referiu que “não tendo o apelado (…) contestado, apesar de citado pessoalmente, o tribunal recorrido deveria limitar-se a conferir força executiva à petição, nos termos do art.º 2.º do Regime dos Procedimentos a que se refere o art.º 1.º do diploma preambular do DL n.º 269/98 de 1.9 e não a analisar, quanto a um dos RR., da viabilidade do pedido, uma vez que este não era manifestamente improcedente (isto é, ostensiva, indiscutível, irrefutável)”, concluindo que, “nos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de contrato de valor não superior a € 15.000,00, se o R., citado pessoalmente, não contestar, o juiz apenas poderá deixar de conferir força executiva à petição, para além da verificação evidente de excepções dilatórias, quando a falta de fundamento do pedido for manifesta, por não ser possível nenhuma outra construção jurídica.”.

Ao assim não ter decidido, o Tribunal a quo, fez uma errada interpretação a aplicação do direito, devendo ser revogada a decisão recorrida e substituir-se por outra que, condenando solidariamente os RR., confira a omitida força executiva à totalidade da petição inicial.

Em suma (art.º 713º, n.º 7, do C. P. Civil):

            I – Na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, a que respeita o DL n.º 269/98 de 1.9, em que o réu não contestou, não pode ser recusada força executiva à parte do pedido que contende com o pedido de juros remuneratórios, na medida em que esse pedido não é manifestamente improcedente.

II - Assim, se não houver contestação e se não se verificarem excepções dilatórias ou o pedido da acção se não revelar manifestamente improcedente, não é permitido ao juiz atribuir força executiva à petição inicial nos termos do art.º 2º do DL n.º 269/98, de 01.09, e excepcionar dela os juros remuneratórios, com base no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S. T. J, n.º 7/2009, de 25.03.

III – Os Acórdãos Uniformizadores do Supremo Tribunal de Justiça, embora devam ser tendencialmente de observar, não se sobrepõem nem se substituem à lei; não têm força vinculativa, mas somente persuasiva.

                                                               *

III. DECISÃO

Face ao exposto, os Juízes, na 1ª Secção Cível:

Julgam procedente o recurso de apelação interposto e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, conferem, em sua substituição, força executiva à totalidade da petição inicial.

Sem custas.

                                                               *

Carlos Barreira (Relator)

Barateiro Martins


Arlindo Oliveira (vencido, nos termos que se seguem:
Perfilho a decisão vencida, dando acolhimento ao decidido no STJ 7/2009, referido no Acórdão em apreço, pelas razões constantes da decisão proferida no Processo nº 67/11.9T2VGS.C1, que relatei e se encontra publicado no sitio deste tribunal na d.g.s.i.)


[1] V. Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6.ª ed., pág. 101.
[2] V. Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6.ª ed., pág. 101.
[3] No processo n.º 1946/10.3TBPBL.C1
[4] Ac. da Relação do Porto, de 25.02.2010 (Apelação n.º 764/09.6TBPFR.P1, 2ª Secção Cível.
[5] V. g., Ac. RC de 11.5.10/ITIJ e RL de 22.4.10/ITIJ.
[6] V. Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6.ª ed., pág. 101.
[7] Idem, pág. 105.
[8] Prof. Alberto dos Reis, a propósito do indeferimento liminar por manifesta improcedência, in Código de Processo Civil, anotado, Volume II, 3ª Edição-Reimpressão, pag. 377 e 378.
[9] Ac. n.º 7/2009 de 25.3.09, DR- I Série-A , de 5.5.09.
[10] “Recursos em Processo Civil”, 2.ª ed., pág. 366.
[11] Cfr., entre outros, António Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo regime”, pág. 444 e 474, e José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, Tomo I, 2ª Edição, pag. 202 a 209.