Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
70/13.1TBSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
PAPEL COMERCIAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GUARDA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL E CRIMINAL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 289, 290, 293, 324 CVM, 306, 334 CC, DL Nº 69/2004 DE 25/3
Sumário: 1. O denominado papel comercial (cujo regime jurídico vem regulado no DL 69/2004, de 25.3) é um valor mobiliário de natureza monetária.
2. A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem, designadamente para aquisição de papel comercial, levadas a cabo por uma entidade bancária permitem a qualificação do seu serviço e actividade como de intermediação financeira.

3. Em relação à responsabilidade contratual do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade, consagra o art. 324º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários, um prazo de prescrição de 2 anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos (salvo dolo ou culpa grave).

4. Deve entender-se que ambos estes dois requisitos se verificam se alguém subscreve uma aplicação em papel comercial em 25.1.2008, pelo montante de 150.000 € (em 3 tranches de 50.000 €), indicando-se no documento a remuneração anual do investimento, assim como a sua duração de 1 ano, mencionando-se concretamente que o vencimento/reembolso ocorria a 26.1.2009; ou seja, o negócio celebrado dava-se por executado nessa data de 26.1.2009, dia em que o A. receberia o capital e a remuneração, sendo a partir de tal data que se inicia a contagem do prazo de prescrição, por o mesmo a partir dessa data poder exercer o seu direito (art. 306º, nº 1, do CC), designadamente a reclamação do capital.

5. A invocação da prescrição não pode integrar, só por si, abuso de direito, nos termos do art. 334º do CC.

6. Não integra abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por não exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, a invocação da prescrição pelo R. Banco (o B (…), entretanto nacionalizado, e hoje denominado Banco (…)) relativamente à reclamação do A. de restituição de capital aplicado em papel comercial de uma empresa do antigo grupo empresarial em que se integrava tal Banco (hoje falida) se apenas se apurou que o R. Banco em data indeterminada transmitiu ao A. que estava em curso uma reestruturação mas o reembolso estava assegurado.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. M (…), residente em Seia, intentou a presente acção declarativa contra B (…) com sede no Porto, e Banco (…), com sede em Lisboa, pedindo a condenação solidária dos réus a pagar-lhe a quantia global de 191 647,50 €, acrescida de juros, à taxa legal de 5,553%, contados desde 26.1.2013 até integral pagamento.

Alegou, em síntese, ser titular de uma conta no balcão de Seia do (…), na qual, a 25.1.2008, tinha depositado, pelo menos, 150.000 €. Por sugestão da gerente do balcão e, após ter expressamente advertido que o investimento do dinheiro só seria feito se fosse 100% seguro, decidiu investir em papel comercial emitido pela (…) S.A., que tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e o reembolso assegurado um ano após a aplicação, com a garantia do (…). Já em 2009 o (…) efectuou o pagamento de juros, o que reforçou a sua confiança no produto. Porém, nada mais foi pago, sendo-lhe dito, pela gerente do balcão, que tinha havido problemas com a aplicação e estava a ser preparada uma reorganização ou remontagem do produto, sendo-lhe, contudo, garantido que o (…) asseguraria o pagamento dos juros. Em 2011 foi negado o retorno do capital ao autor com o argumento que as aplicações de papel comercial (…) estavam congeladas por estar em curso um processo de reestruturação e compra do Banco. Nunca lhe foi facultada uma nota informativa sobre a natureza e funcionamento do papel comercial, sendo-lhe garantida a absoluta restituição do investimento, o mesmo sucedendo com todos os restantes clientes do Banco em Seia. Assim, o B (…) está obrigado a indemnizá-lo dos prejuízos que lhe causou. 

Contestou o B (…), alegando que, em virtude de operação de fusão, assumiu, na íntegra, a titularidade dos direitos e obrigações do B (…), sendo juridicamente a mesma entidade colectiva, embora com a actual denominação. Que configurando o autor a sua intervenção como intermediação financeira, está prescrita a sua responsabilidade, nos termos do disposto no art. 324, nº 1, do Código dos Valores Mobiliários, considerando que o contrato de intermediação financeira ocorreu, no limite, em 25.1.2008. Que os juros foram pagos ao autor porque a (…), entidade emitente do papel comercial, o habilitou com os montantes necessários para o efeito, já que sobre ela impendia a obrigação de pagamento. Que nunca assumiu a obrigação de pagamento de juros e de reembolso do capital investido pelo autor. Que o autor foi informado que, além da tradicional aplicação em depósito a prazo, havia a hipótese de adquirir um produto emitido por uma empresa pertencente ao mesmo grupo empresarial do B (…) que oferecia um juro superior ao que rendiam os simples depósitos a prazo, sendo ainda informado que se tratava de produto com a garantia e segurança do próprio B (…) uma vez que a empresa emitente era do mesmo grupo empresarial, sendo o seu capital detido exclusivamente pela S (…)S.A., entidade que também detinha a totalidade do capital social do B (…) As informações prestadas eram verdadeiras à data, sendo então totalmente imprevista e imprevisível a nacionalização do capital do B (…) e a sua separação do universo a que a (…) pertencia. 

Em réplica, o autor defendeu o prosseguimento da acção apenas contra o réu B (…), e quanto à prescrição alegou que o réu, através de vários actos e procedimentos, sempre prometeu que reembolsava o capital e juros, independentemente da natureza do produto e da intervenção da (…), pelo que a invocação da prescrição do crédito traduz-se num manifesto abuso de direito, na vertente do venire contra factum proprium. Mesmo que assim não fosse, o certo é que a prescrição não se verificou, uma vez que, para o autor, o B (…) e a (…) eram uma e a mesma coisa. Daí que não se possa afirmar que aquele Banco tenha sido intermediário financeiro, intervindo nessa qualidade na operação bancária, razão pela qual não é aplicável o citado art. 324º do Código dos Valores Mobiliários. Até perto do Natal de 2011, altura em que o B (…) lhe negou a restituição do capital e juros, sempre prometeu ao autor o reembolso, embora com dilações e explicações relacionadas com a reorganização ou remontagem do produto. Só por essa altura é que teve a noção, ainda que de forma muito difusa e pouco aproximada, dos termos e da natureza do produto que negociou e só então lhe foi dito que as operações ou aplicações em papel comercial (…) estavam congeladas. Assim, qualquer prazo prescricional, a verificar-se, só se iniciou em Dezembro de 2011, não se verificando, por isso, a prescrição, atenta a data da instauração da acção.

Em sede de despacho saneador, o tribunal absolveu da instância o Banco (…) por julgar verificada a excepção de ilegitimidade passiva, determinando a alteração da denominação no processo do B (…) e o B (…) para Banco (…) S.A.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o R., B (…), do pedido.

*

2. O A. interpôs recurso, tendo concluído como segue:

(…)

3. O R. Banco contra-alegou, tendo pugnado pela manutenção do decidido.

II – Factos Provados

 

1. O autor é titular da conta nº 392 291 010 001, do Balcão de Seia do «B (…)» [alínea A)].

2. No dia 25 de janeiro de 2008 tinha depositados nessa conta, pelo menos, € 150 000,00 [alínea B)].

3. Por sugestão da gerente desse balcão, (…), o autor decidiu aplicar esse dinheiro num produto que lhe concedesse uma taxa de juro favorável [alínea C)].

4. Foi-lhe então proposto pela dita gerente que investisse tal quantia em papel comercial emitido pela «(…), S.A.», subscrevendo o autor o documento denominado “Comunicação Cliente” de fls. 7vº [alínea D)].

5. Na sequência dessa subscrição, em 2 de janeiro de 2009, o «B (…)» creditou-lhe € 1 937,68, a título de juros [alínea E)].

6. Em 4 de março de 2009, creditou-lhe mais € 2 400,00 desses juros [alínea F)].

7. Em 1 de abril de 2009, creditou-lhe novamente € 2 400,00, também a título de juros estipulados [alínea G)].

8. O «B (…)» recusa o reembolso do capital e juros respeitantes ao produto aludido em 4. e remete para o «(…), S.A.», empresa que já foi declarada insolvente [alínea H)].

9. O «B (…)», na sequência de operação de fusão registada na competente Conservatória do Registo Comercial, tem hoje a denominação de «B (…)S.A.», mantendo assim, na íntegra, a titularidade de todos os direitos e obrigações daquele [alínea I)].

10. A Lei nº 62-A/2008, de 11 de novembro “nacionaliza todas as ações representativas do capital social do B (…) S.A., e aprova o regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização” [alínea J)].

11. Aquando do facto descrito em 3. e 4., o autor alertou expressamente a gerente da agência, (…), que só “investiria” aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem 100% seguros [ponto 1º].

12. Foi-lhe então assegurado por aquela gerente, que a aplicação descrita em 4. tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e que, sendo uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juros, não comportando qualquer risco [pontos 2º, 3º].

13. Ao tempo, o «B (…)» era uma instituição bancária que oferecia total confiança ao investidor [ponto 4º].

14. Confiando nessas informações, o autor aceitou então aplicar € 150 000,00 naquele papel comercial, em três tranches de € 50 000,00 cada, no dia 25 de janeiro de 2008, subscrevendo o documento aludido em 4., já previamente manuscrito por alguém da agência [ponto 5º].

15. Os pagamentos de juros aludidos em 5. a 7. reforçaram a confiança do autor que tinha apostado num produto credível e seguro [ponto 6º].

16. Além dos juros aludidos em 5. a 7., o «B (…)», ora réu «B (…)S.A.», não procedeu ao pagamento de mais nenhuns juros [ponto 7º].

17. Surpreendido com o facto, o autor procurou obter explicações, tendo-lhe sido dito que estava em curso uma reestruturação mas o reembolso estava assegurado [pontos 8º, 9º].

18. Como isso não voltou a suceder, em data não apurada, o autor pediu o retorno do capital, o que foi negado, remetendo o réu a responsabilidade para a «C (...) , S.A.» [pontos 10º, 11º].

19. Nunca foi facultada ao autor uma nota informativa acerca da natureza e funcionamento desse produto, o papel comercial «C(…), S.A.» [ponto 12º].

20. As orientações e comunicações internas existentes no «B (…)», que este transmitia aos seus comerciais e respetivos balcões, consistiam em afirmar a segurança e fidelidade do produto em causa, a sua solidez, a sua rentabilidade que vinha demonstrada desde 2001, e assegurar que sendo a «C (…) S.A.» uma empresa pertencente ao grupo empresarial do Banco, este cobriria sempre a solvabilidade do produto [ponto 13º].

21. Sendo esta estratégia de sucesso veiculada internamente de forma reiterada [ponto 14º].

22. A nota de serviço (IS) nº 19/01, datada de 5 de fevereiro de 2003, cujo tema é “mercado de capitais” e subtema “papel comercial”, em vigor aquando da comercialização daquele produto, determinava que a entidade garante da solvabilidade do papel emitido era o “B (…) e/ou Banco (…)” [ponto 15º].

23. À data da realização do investimento, a nacionalização do capital do Banco e a sua separação do universo «S (…)SGPS, S.A.» a que a «C (…) S.A.» pertencia era totalmente imprevista e imprevisível [ponto 19º].

*

Não se provaram os seguintes factos:

(…)

4. Aquando da subscrição da aplicação aludida em 4., o autor foi informado que se tratava de produto com garantia de reembolso idêntica à do próprio Banco, uma vez que a empresa emitente – a «C(…), S.A.» – era do mesmo grupo empresarial em que o Banco se achava integrado, ou seja, da «S (…) SGPS, S.A.» e que o seu capital social era detido exclusivamente, ainda que por forma indireta, pela referida «S (…), SGPS, S.A.», entidade esta que detinha também a totalidade do capital social do Banco réu [ponto 17º].

(…)

*

 

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Nulidade da sentença.

- Qualificação jurídica da intervenção do R. no investimento feito pelo autor.

- Excepção de prescrição.

- Abuso do direito.

- Responsabilidade do R. decorrente da sua intervenção.

2

(…)

Procede, pois, parcialmente, a impugnação da matéria de facto, passando a 1ª parte do ponto 4. dos factos dados como não provados a ser dada como provada, nos seguintes termos, sob facto provado 24. (a negrito):

24. Aquando da subscrição da aplicação aludida em 4., o autor foi informado que se tratava de produto com garantia de reembolso idêntica à do próprio Banco, uma vez que a empresa emitente – a «(…) S.A.» – era do mesmo grupo empresarial em que o Banco se achava integrado.

3. O recorrente diz que a sentença é nula, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do NCPC, por a mesma ter omitido pronúncia sobre o abuso de direito por si invocado na réplica para contrariar a excepção de prescrição, por sua vez alegada pelo R. na contestação.

Tal artigo, número e alínea, sua 1ª parte, dispõem efectivamente que a sentença é nula se o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. É um preceito em íntima conexão com o disposto no art. 608º, nº 2, 1ª parte, do mesmo código, onde se estatui que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. Porém, esta disposição logo ressalva que não terão de ser conhecidas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Ora, no caso concreto disse-se, na sentença recorrida (seu ponto 7.), que o conhecimento e decisão sobre o invocado abuso do direito resultam prejudicados do que se expôs no ponto 5. da presente sentença, e esse ponto 5. foi aquele em que se concluiu que não existia responsabilidade civil indemnizatória do R./recorrido. Assim, face à conclusão a que a sentença recorrida chegou (no aludido ponto 5.) tornava-se desnecessário conhecer da questão do alegado abuso de direito, invocado apenas para paralisar a prescrição arguida pelo R./recorrido.

Não existe, por isso, qualquer nulidade da sentença.         

4. O papel comercial, cujo regime jurídico está definido no DL 69/2004, de 25.3, é valor mobiliário de natureza monetária (cfr. art. 1º, nº 1, do mesmo diploma). 

O Código dos Valores Mobiliários não define o que são os intermediários financeiros, mas dá a noção de intermediação financeira, quem são os intermediários financeiros e quais os serviços e actividades de investimento.  

Quanto àquela noção estabelece, segundo o art. 289º, nº 1, a), do CVM, que são actividades de intermediação financeira os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros. Por sua vez, intermediários são, nos termos do art. 293º, nº 1, a), do mesmo diploma, as instituições de crédito (e as empresas de investimento) que estejam autorizadas a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal. Finalmente, são serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, segundo o art. 290º, nº 1, a) e b), do mesmo código, a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem.

Resulta dos factos provados 4., 12., 14. e 24., que o A. adquiriu papel comercial da C (…) junto do R. a quem deu ordem de compra do mesmo, o que o R. fez, por conta do A.

Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção do R. não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma actividade de intermediação financeira.

Pouco importando, pois, como o A. a terá perspectivado. Os serviços e actividades de intermediação financeira são o que são à face da lei, e não como um interessado as vê. A não ser assim, como justamente se assinala na decisão recorrida, o âmbito legalmente definido e delimitado de uma actividade sofreria alterações por via da maior ou menor precisão de conhecimentos do investidor.

5. O R. invocou a prescrição. A sentença recorrida apesar de dizer que atenta a ausência de prova da responsabilidade do R. estava prejudicado o conhecimento da prescrição acabou por dela conhecer, concluindo que ela se tinha verificado.

Cabe, neste momento, conhecer de tal excepção. Na verdade, na apreciação do mérito da causa deve seguir-se uma determinada ordem lógica de conhecimento. Ora, a procedência duma excepção peremptória baseada em facto preclusivo, como é o caso da prescrição, conduz à inutilidade da verificação jurídica dos factos que constituem a causa de pedir (vide neste sentido L. Freitas, CPC Anotado, Vol. II, 2ª Ed., nota 3. ao artigo 493º, pág. 333/334, nota 5. ao artigo 510º, pág. 402/403, e nota 2. ao artigo 660º, pág. 679/680, todos os artigos do anterior código de processo civil). Por conseguinte na decisão recorrida devia ter-se primeiro conhecido da mencionada prescrição e, caso ela não se verificasse, só depois se conheceria da causa de pedir alegada pelo A., ao invés do que se fez. Vejamos então.

O art. 324º, nº 2, do CVM, em relação à responsabilidade contratual do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade, consagra um prazo de prescrição de 2 anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos (salvo dolo ou culpa grave que não vem invocado).

O autor subscreveu a aplicação conforme consta do documento “Comunicação Cliente” de fls. 7v. (facto provado 4.). Compulsado tal documento (assinado pelo A.) vê-se que a subscrição ocorreu em 25.1.2008. A compra do papel comercial foi no montante de 150.000 € (em 3 tranches de papel de 50.000 €). No mesmo documento indica-se a remuneração anual do investimento, assim como a sua duração de 1 ano, mencionando-se que o vencimento/reembolso ocorria a 26.1.2009. Ou seja, o negócio celebrado - a aquisição do dito papel comercial - tinha o seu termo, dava-se por concluído nessa data de 26.1.2009, dia em que o A. receberia o capital e a remuneração. E do mesmo documento constam os termos essenciais do negócio, concretamente o montante da aplicação, a sua remuneração e o prazo do negócio. Tanto basta para concluir que era a partir de tal data que se iniciou a contagem do prazo de prescrição, pois o A. a partir dessa data estava em perfeita posição de exercer o seu direito, designadamente a reclamação do capital, nos termos do art. 306º, nº 1, do CC, independentemente de o A. saber ou não que o produto financeiro em que investiu tinha um maior ou menor risco de perda.

Instaurada a acção em 8.2.2013, decorreu o prazo de prescrição.

Contudo, há que considerar o disposto no art. 325º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual a prescrição é interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, dispondo o nº 2 que o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.

Resultou demonstrado que o R. em Março e 1.4.2009 pagou juros ao A. (factos 6. e 7.). Ora, o pagamento de tais juros vencidos traduz inequivocamente o reconhecimento tácito da dívida de capital que os gerou (neste sentido A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., anotação ao referido artigo, pág. 290). Tal reconhecimento interrompeu a prescrição, assim se inutilizando todo o tempo decorrido até 1.4.2009, começando a correr novo prazo no dia seguinte a essa data, como decorre do art. 326º do CC. Portanto, verificar-se-ia a prescrição de 2 anos em 2.4.2011, antes da entrada em juízo da presente acção (em 8.2.2013). Salvo se o A. lograsse provar novo reconhecimento interruptivo da prescrição, antes daquele dia 2.4.2011, prova que lhe competia, nos termos do art. 342º, nº 2, do CC, pois tinha de provar tal facto como contra-excepção à excepção de prescrição invocada pelo R.

Acontece, que se provou que o R. reconheceu, de novo, o direito do A., desta vez expressamente, como decorre do facto provado 17., pois o R. assegurou-lhe o reembolso. Todavia, não ficou apurado em que data esse facto ocorreu. Isto porque o A. não o alegou na p.i., nem na réplica (o que alegou em termos de datas reportou-se a facto diferente, pois o que alegou foi que no Natal de 2011 foi pedir o retorno do capital o que lhe foi negado, factualidade que se provou sob 18., com excepção da data). Ora, essa prova da data precisa do aludido reconhecimento não se mostra feita pelo A., prova que era manifestamente relevante quanto às consequências jurídicas - basta pensar que tal reconhecimento pode ter ocorrido por ex. em 3.4.2011 ou data posterior, e aí já não se poderia falar em interrupção da prescrição; ou por ex. em 6.2.2011 ou data anterior, e aqui iniciado um novo prazo de prescrição de 2 anos o mesmo teria o seu termo no limite em 7.2.2013, portanto em data anterior à entrada da acção em juízo, com a consequente ocorrência da prescrição.  

Face ao explanado, não se pode afirmar, com certeza, que ocorreu nova interrupção da prescrição em curso. Constatação que se vira contra o A., pois, então, é de dar por verificada, em 2.4.2011, a aludida prescrição.      

Acresce que se nos reportarmos apenas às alegações do A./recorrente esta conclusão ainda mais se evidencia. Na realidade, o mesmo alega (nas págs. 25/26) que em 2010 foi ao Banco saber a razão pela qual não lhe tinham sido creditados os juros do ano anterior e foi nessa ocasião que lhe disseram que estava em curso uma reestruturação, mas que o reembolso estava garantido, como provado em 17. Quer isto dizer, que o reconhecimento do direito do A., provado sob 17., se teria dado, na sua própria óptica, em 2010. O que equivaleria a uma interrupção da prescrição em 2010. Mas, então, tal significa inelutavelmente que o novo prazo prescricional de 2 anos terminou em 2012. A prescrição do seu direito ter-se-á dado, então, em 2012, antes da propositura da acção em Fevereiro. Isto é, partindo da alegação de recurso do A. torna-se claro que quando propôs a acção já o seu direito estava prescrito, o que reforça, ainda mais, a conclusão a que se chegou que efectivamente ocorreu a aludida prescrição.

Importa, pois, absolver o R. do pedido (art. 576º, nº 3, do NCPC).        

Adite-se, ainda, que em bom rigor, nem o tribunal carecia de entrar no raciocínio jurídico exposto, pois em lado algum da réplica o A. contra-atacou com a invocação de causa interruptiva da prescrição. Apenas se tendo limitado a dizer que a invocação da prescrição pelo R. configurava um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.  

6. Cabe, por conseguinte, por verificada a prescrição do direito do A., analisar se tal prescrição invocada pelo R. configura o alegado abuso de direito.

Nas suas alegações (corpo e conclusões) o A. estriba esse abuso de direito apenas na circunstância factual descrita no facto 17., sem mais desenvolvimento ou justificação jurídica. É argumentação muito seca, sem apoio em doutrina ou jurisprudência, para uma figura jurídica tão vasta.

Vejamos então. À partida a invocação da prescrição não pode integrar, só por si, abuso de direito, nos termos do art. 334º do CC (neste sentido o Ac. do STJ, de 12.3.1996, em BMJ, 455, pág. 441 e segs.). Na verdade, a figura jurídica do abuso de direito pressupõe a existência de um direito que é exercido com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, o que se pode revelar por diversas formas, a apreciar em cada caso concreto, como a conduta anterior do titular do direito, incompatível com o seu exercício, a falta de qualquer razão minimamente justificativa, o propósito de causar dano a alguém, etc. Por outro lado, a prescrição é uma causa justificativa de recusa do cumprimento da respectiva obrigação, por motivos de diversa natureza, como a certeza e segurança jurídicas ou sanção da negligência do titular do direito, e a sua invocação traduz sempre, de algum modo, um certo “abuso” ou excesso, na medida em que o devedor se furta ao cumprimento da obrigação que, em princípio, deveria ser cumprido e que aliás se mantém como obrigação natural cfr. art. 304º do CC). A sua invocação, porém, está legalmente reconhecida e, por isso, não pode equiparar-se ao abuso de direito, salvo em casos especiais em que se prove algum dos aludidos excessos.

Um desses casos especiais, reunidas determinadas circunstâncias de facto, poderá ser o do mencionado venire contra factum proprium.

O venire traduz, em geral, o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento anteriormente assumido por esse exercente, pelo que, o comportamento que tenha imprimido confiança aos sujeitos envolvidos ficará de pé, caso os resultados dessa conduta constituam uma clamorosa injustiça.

Os seus pressupostos passam por: a) situação de confiança, traduzida na boa fé, que leva uma pessoa a acreditar estavelmente, em conduta alheia – no factum proprium; b) uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis; c) investimento dessa confiança como orientação de vida, desenvolvendo actividade na crença do factum proprium, actividade que se vê agora destruída pelo venire, com o correlativo regresso injusto à situação anterior; d) imputação da situação criada à outra parte, por esta ter culposamente contribuído para tal, por ex. por se ter assistido à execução do contrato através de situações que se arrastaram no tempo e pacificamente (vide, entre outros, os Acds. do STJ, de 5.2.1998, BMJ, 474, pág. 431 e segs., e de 1.3.2007, Proc.06A4571, em www.dgsi.pt, e na doutrina, sobretudo Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo IV, 2007, págs. 280/282 e 290/294, 296/297). 

Descendo ao caso concreto, questionemo-nos se tal aludido facto provado 17, integrará um venire ?

Note-se que estamos perante uma eventual paralisação dos efeitos da prescrição. Como se referiu acima, há uma certa tensão conflitual entre a invocação da prescrição - dada a sua natureza já “abusiva” ou “excessiva” derivada da vontade de o devedor se furtar ao cumprimento da obrigação, o que o sistema permite - e o abuso de direito na sua invocação, na modalidade de venire contra factum proprium, (não aceitação de comportamentos posteriores contraditórios violadores da, entretanto, fundada confiança de uma das partes, gerada pela outra parte com a sua conduta inicial).

Só uma situação de especiais circunstâncias de facto pode, pois, anular o funcionamento de um importante instituto como a prescrição, atentas as razões que lhe estão na base.

No nosso caso convém começar por reparar que a nacionalização do B (…)e a sua separação do grupo a que pertencia, e ao qual também pertencia o emitente do papel comercial era totalmente imprevista e imprevisível (factos 10. e 22.). Igualmente é de realçar que previamente à atitude do R. apenas se apurou que foram pagos juros ao A., em 3 momentos, até Abril de 2009 (facto 16.). E depois de o R. ter dito que estava em curso uma reestruturação mas o reembolso estava assegurado, em momento temporalmente indeterminado (facto 17.), o R., também em momento temporalmente indeterminado, recusou o retorno do capital ao A. por ter remetido a responsabilidade para o emitente do papel comercial (factos 8. e 19.). Cremos que esta situação se acomoda mais a um enquadramento jurídico próprio da interrupção da prescrição (como mais atrás verificámos), e no limite a uma eventual renúncia à prescrição, do que a um abuso de direito na modalidade do venire para obstar à verificada prescrição.  

Aquele assegurar de reembolso não se nos afigura, portanto, uma situação geradora de integrar um venire. Era preciso provar-se mais circunstâncias de facto que essa, era preciso, no nosso ver, uma actuação consciente do R. indutora de confiança no A., fazendo-lhe crer que não valia a pena accioná-lo judicialmente, que nunca faria uso do direito a invocar a prescrição. O que a factualidade substantiva não demonstra. Não se descortina aqui, na conduta do R. um manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé ao exercer o seu direito de invocar a prescrição.

Improcede, pois, a arguição do A. de que existe no caso em apreço um venire contra factum proprium integrador de abuso de direito do R. ao invocar a prescrição do direito do A.  

7. Face ao que se expôs no supra ponto 5. e ao que aí se concluiu, verificação da excepção peremptória de prescrição do direito do A., com as consequências também acima referidas, queda inútil apreciar se os factos provados integram a causa de pedir alegada pelo A. e permitem a procedência do pedido poe este formulado e consequente condenação do R. 

8. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) O denominado papel comercial (cujo regime jurídico vem regulado no DL 69/2004, de 25.3) é um valor mobiliário de natureza monetária; 

ii) A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem, designadamente para aquisição de papel comercial, levadas a cabo por uma entidade bancária permitem a qualificação do seu serviço e actividade como de intermediação financeira;

iii) Na apreciação do mérito da causa deve seguir-se uma determinada ordem lógica de conhecimento; a procedência duma excepção peremptória baseada em facto preclusivo, como é o caso da prescrição, conduz à inutilidade da verificação jurídica dos factos que constituem a causa de pedir;

iv) Em relação à responsabilidade contratual do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade, consagra o art. 324º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários, um prazo de prescrição de 2 anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos (salvo dolo ou culpa grave);  

v) Deve entender-se que ambos estes dois requisitos se verificam se alguém subscreve uma aplicação em papel comercial em 25.1.2008, pelo montante de 150.000 € (em 3 tranches de 50.000 €), indicando-se no documento a remuneração anual do investimento, assim como a sua duração de 1 ano, mencionando-se concretamente que o vencimento/reembolso ocorria a 26.1.2009; ou seja, o negócio celebrado dava-se por executado nessa data de 26.1.2009, dia em que o A. receberia o capital e a remuneração, sendo a partir de tal data que se inicia a contagem do prazo de prescrição, por o mesmo a partir dessa data poder exercer o seu direito (art. 306º, nº 1, do CC), designadamente a reclamação do capital;

vi) A invocação da prescrição não pode integrar, só por si, abuso de direito, nos termos do art. 334º do CC;

vii) Não integra abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por não exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, a invocação da prescrição pelo R. Banco (o B (…) entretanto nacionalizado, e hoje denominado Banco (…)) relativamente à reclamação do A. de restituição de capital aplicado em papel comercial de uma empresa do antigo grupo empresarial em que se integrava tal Banco (hoje falida) se apenas se apurou que o R. Banco em data indeterminada transmitiu ao A. que estava em curso uma reestruturação mas o reembolso estava assegurado; tal poderia, contudo, ocorrer caso se tivessem provado circunstâncias de facto reveladoras de uma actuação consciente do R. indutora de confiança no A., fazendo-lhe crer que não valia a pena accioná-lo judicialmente, que nunca faria uso do direito a invocar a prescrição (o que no caso não se apurou).

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se confirmando a decisão recorrida.

*

Custas pelo A./recorrente. 

*

                                                                   Coimbra, 5.5.2015

  Moreira do Carmo ( Relator )

   Fonte Ramos

  Maria João Areias

         Voto de vencido:

 Voto vencida por entender não se encontrar demonstrada a prescrição do direito do autor.

O artigo 342º nº2 do CVM estabelece um prazo de prescrição de dois anos para a responsabilidade civil do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade, com culpa leve ou levíssima. Caso nos encontremos perante uma situação de imputação de danos decorrente de dolo ou culpa grave do intermediário financeiro, será de aplicar o prazo geral de prescrição da responsabilidade contratual – segundo uns, será o prazo de 20 anos, previsto no artigo 309º do CC[1], e segundo outros, ser-lhe-á aplicável o prazo prescricional de três anos do artigo 498º do CC[2].

O prazo de dois anos previsto no nº 2 do art. 342º, começa a contar a partir da data em que o cliente lesado tenha conhecimento do negócio e dos respetivos termos.

O autor deu ordem de compra do papel comercial, apondo a sua assinatura na “Comunicação Cliente”, junta à p.i. como doc. 1, datada de 25.01.2008. Tal como reconhece a Ré, na sua contestação, esse documento é uma mera ordem dada ao banco para que, por conta do cliente, fossem compradas “3 tranches de papel comercial C (…) S.A., no valor de 50.000,00 € cada, no valor de 50.000,00 €, pelo valor total de 150.000,00 €”, dele constando ainda os dizeres: “Remuneração: Euribor 12 meses (dia 24.01.2008) + 1,25% ano = 4,303 + 1,5 = 5,553%” e Vencimento/Reembolso: 26 de janeiro de 2009. E nada mais consta de tal autorização para compra dada pelo autor, nomeadamente quanto às características do produto a adquirir.

O autor alegou e provou que, ao ser-lhe proposto o investimento em tal produto, alertou expressamente a gerente da agência de que só investira aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fosse 100% segura, tendo-lhe sido assegurado que, sendo uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juro, não comportando qualquer risco (pontos 3, 4, 11, 12 e 20, da matéria de facto).

Mais alegou e provou que “nunca foi facultada ao autor uma nota informativa acerca da natureza e funcionamento desse produto, o papel comercial C(…), S.A.” (ponto 19 da matéria de facto).

O ónus da prova do decurso do prazo prescricional impende sobre o réu, ao abrigo do disposto no nº2 do art. 342º do CC.

Provado que o autor se limitou a assinar aquela “comunicação cliente”, e que nunca lhe foi fornecida qualquer nota informativa acerca das características do produto que se dispôs a adquirir, era à Ré que incumbia a prova da data a partir da qual o autor terá tido acesso a tais elementos.

O autor alega que, só no final de 2011, é que teve a noção, ainda que de forma muito difusa e pouco aproximada, dos termos e da natureza do produto que negociou com o B (...) e só então lhe foi dito que as operações ou aplicações em papel comercial C(…) SA estavam congeladas. Tal reconhecimento contudo, não importará a prescrição do seu direito, uma vez que a ação deu entrada em tribunal em 08.02.2013. Quanto a tal matéria, a Ré limita-se a alegar que “Ainda que antes não soubesse exatamente as condições da subscrição do produto financeiro em causa, a verdade é que sabia que ele se vencia a 26.01.2009, e que nessa data deveria ter sido reembolsado do capital investido”.

Não resultando, dos factos dados como provados, em que momento é que a autora teve conhecimento (se é que alguma vez teve) dos exatos termos e condições do produto por si adquirido através da Ré, tal falta de prova funcionará contra a Ré, beneficiária do invocado prazo de prescrição.

Não se terá, assim, por verificado o prazo de prescrição de dois anos.

 A meu ver, ainda se colocaria a questão de saber se não nos encontraríamos perante uma atuação com dolo ou culpa grave do intermediário financeiro, face aos deveres legais de informação que sobre este impendem, nomeadamente quanto aos riscos especiais nas operações a realizar, em particular quanto à informação prévia a disponibilizar e que se mostre necessária à tomada de decisão. A graduação do grau de negligência (grave, leve e levíssima) terá de aferir-se pelo padrão de culpa para o efeito consagrado no artigo 304º, nº2 do CVM[3], e pelos específicos deveres de informação previstos no nº1 do artigo 312º relativamente ao período anterior à formação do contrato, destinados a garantir uma “tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente quanto “aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”, dispondo o nº2 do artigo 312º que a extensão da obrigação de informar será tanto maior quanto menor o grau de conhecimentos e experiência do cliente[4].

No caso em apreço, não nos encontramos perante a ocorrência de danos na sequência de uma mera falta de informação, mas perante o recurso a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou pouco fiel ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se estivesse em poder de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido. A qualificação como grave da culpa do intermediário remeter-nos-ia, então, para o prazo geral de prescrição, mais alargado.

Assim sendo, julgaria a prescrição improcedente, apreciando o mérito do pedido formulado pelo autor.

                                                                             

      Maria João Areias




[1] Cfr., entre outros, Gonçalo André Castilho dos Santos, “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente”, Almedina, pág. 256.
[2] Pedro de Albuquerque defende a aplicação do prazo prescricional do artigo 498º, quer à responsabilidade extracontratual quer à obrigacional, in “A aplicação do prazo prescricional do art. 498º do Código Civil à responsabilidade contratual”, ROA 1989, págs. 793 e ss.).
[3] Segundo a referida norma, “nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” consagrando, no entendimento de Gonçalo André Castilho dos Santos, um padrão de culpa que transcende o do bom pai de família contido no art. 487º, nº2 do CC, de diligentissimus pater famílias, estando em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam – “A Responsabilidade civil do intermediário financeiro (…), pág. 210.
[4] O CVM contém inúmeras normas de proteção ao investidor não qualificado, impondo ao intermediário financeiro o dever de buscar informações acerca dos conhecimentos e experiência do cliente, com o objetivo de possibilitar efetivamente a avaliação de que “o cliente compreende os riscos envolvidos”, para então formar seu juízo acerca da adequação do investimento para o cliente, informando-o em conformidade (o artigo 314º). Mais se salienta a imposição de que a prestação das informações previstas no nº1 do artigo 312º seja efetuada por escrito, imposição que se estende à advertência a efetuar ao cliente de que determinada operação não é adequada ao seu perfil (nº2 do art. 314º).