Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
158/07.8JAAVR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: CONCURSO DE CRIMES
CÚMULO JURIDICO
Data do Acordão: 05/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADO
Legislação Nacional: ARTIGOS 77º E 78º CP
Sumário: 1.- Há lugar a cúmulo jurídico de penas e à aplicação de uma pena unitária no caso de conhecimento superveniente do concurso, quando o agente praticou dois ou mais crimes antes do trânsito da condenação por qualquer deles, e a situação só vem a ser conhecida depois do trânsito em julgado da primeira condenação.
2.- O momento a atender para efeitos da verificação da existência de concurso de crimes que imponha a aplicação, nos termos das normas citadas, de uma pena única, é portanto, o do trânsito em julgado da primeira condenação. E assim:

- Se todos os crimes foram praticados antes do trânsito da condenação por qualquer deles, encontram-se todos numa relação de concurso a ser objecto do mesmo cúmulo jurídico, a sancionar com uma pena única;

- Se alguns dos crimes foram cometidos antes do trânsito da condenação por qualquer deles, e outros foram cometidos depois desse trânsito, há que distinguir: a) os primeiros juntamente com o crime objecto da primeira condenação transitada integrarão o mesmo cúmulo jurídico, a sancionar com uma pena única; b) os segundos portanto, os cometidos a partir da primeira condenação transitada, integrarão outro cúmulo [ou outros cúmulos] a sancionar com outra pena única, verificados que sejam os mesmos pressupostos, ou manter-se-ão autónomos, no caso contrário; c) nas situações referidas em a) e b), as penas únicas mantêm-se autónomas e são cumpridas sucessivamente.

Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 
I. RELATÓRIO


            Por acórdão de 22 de Novembro de 2013, proferido pelo tribunal colectivo da Vara de Competência Mista de Coimbra, foi a arguida A..., com os demais sinais nos autos, condenada, em cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente do concurso de crimes, na pena única de 7 sete anos de prisão, com desconto de nove meses de prisão pelo cumprimento de pena parcelar integrada no cúmulo.

            Integraram o cúmulo jurídico efectuado as penas de prisão aplicadas nestes autos [processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR], no processo comum singular nº 1163/10.2TACBR e no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR.
Não integrou o cúmulo jurídico efectuado, além de outras, a pena de prisão aplicada no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR.

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            Inconformada com a decisão, recorreu a arguida, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
            “ (…).
            1. A recorrente nestes autos foi condenada na pena de 5 anos e 6 meses pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes por factos praticados entre o ano de 2007 e o dia 8.6.2009, sendo que no Processo Comum Colectivo nº 418/09.3JACBR tinha sido condenada, antes, por crime idêntico em pena igual, mas por factos praticados, exclusivamente, em 9.6.2009, dia seguinte ao do último dia dos factos praticados no processo mais antigo.
                2. Estamos assim perante conduta do agente em que o mesmo, após atingir o resultado consumado continuou a agredir o mesmo bem jurídico. Não se verifica um delito autónomo, mas um desdobramento de uma conduta negativa consumada.
                3. Estamos perante um crime exaurido.
                4. Mister se torna, pois, que a factualidade do dia 9 de Junho entre no cúmulo jurídico efectuado. É o mesmo crime.
                5. Deve, porém, face aos critérios do artigo 77º do C.P., manter-se a pena já fixada no acórdão recorrido.
                6. A decisão recorrida violou os artigos 10º, 26º e 77º, nº 1, todos do C.P.
                7. Deve, pois, ser revogada nos termos reclamados.
            (…)”.

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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando que a pena imposta no processo nº 418/09.3JACBR não se encontra numa relação de concurso com as demais, que a decisão recorrida fez reflectir na medida da pena única, pela sua benevolência, a relação entre a matéria de facto daquele processo e do processo nº 158/07.8JAAVR, a impossibilidade legal da realização de cúmulos por ‘arrastamento’, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, apesar de requerida a audiência, emitiu parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público, alegando que a questão suscitada pela recorrente já foi decidida pela Relação mostrando-se, quanto a ela, esgotado o poder jurisdicional, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

            Respondeu a recorrente, alegando que tendo requerido a audiência, não haveria lugar a parecer mas, por mera cautela, disse que o argumento formal invocado não faz sentido face ao alegado nos nºs 14 a 16 do corpo da motivação, e serem inconstitucionais os arts. 77º e 78º do C. Penal, interpretados no sentido de que podem ser separadas as condutas referidas no nº 14 da motivação para efeitos de punição por crime de tráfico de estupefacientes, por violação dos arts. 13º, nº 1 e 32º, nº 1 da Constituição da República. 
 
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO


            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A de saber se a pena aplicada à recorrente no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR deve ou não integrar o cúmulo jurídico efectuado;
- A de saber, sendo afirmativa a resposta dada à questão antecedente, se deve manter-se a pena única já fixada no acórdão recorrido, face aos critérios estabelecidos no art. 77º do C. Penal.

Há também que conhecer da inconstitucionalidade da interpretação feita no acórdão recorrido dos arts. 10º, 26º e 77º do C. Penal, no sentido de que, perante um crime exaurido como é o crime de tráfico de estupefacientes, é possível separar alguns dos factos que o integram e permitir múltiplas condenações, por violação dos arts. 13º e 32º da Constituição da República, arguida na audiência de julgamento pelo Ilustre Mandatário da recorrente.

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            Para a resolução destas questões  importa ter presente o que de relevante consta do acórdão recorrido. Assim:

            A) Nele foram considerados provados os seguintes factos:
            “ (…).
            A arguida foi condenada nos seguintes processos:
Processo Comum Coletivo n.º 158/07.8JAAVR:
Data dos Factos: Novembro de 2007 a 8.6.2009
Data da Sentença: 20.07.2012
Data do Trânsito e Julgado da Sentença: 22.5.2013
Pena aplicada: Nas penas parcelares de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 1 (um) ano e 3 (três meses) e na pena única de 7 (sete) anos de prisão
Crimes: um crime p. e p. pelo art.º 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1 em concurso real com um crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368º-A, n.º 1, 2 e 3 do Código Penal e um crime de condução de veículo motorizado p. e p. pelo art.º 3º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1
No Acórdão consta como provado:
A) Do Crime de Tráfico de Estupefacientes:
A arguida, desde pelo menos o final do mês de Setembro de 2007 que se dedicava à comercialização de produtos estupefacientes, designadamente heroína, cocaína e canabis.
A arguida A... adquiria os produtos estupefacientes em quantidade e por modo não concretamente apurado, os quais depois de preparados e sob a forma de pequenas doses revendia a indivíduos interessados na sua aquisição, em Coimbra, sobretudo no (...) e no (...).
O preço das doses variava de acordo com o peso de produto nelas contido, mas, em regra, rondava os € 10,00/dose.
E tanto o fazia directamente, quer nos apartamentos a que aí tinha livre acesso, quer na via pública, nas suas imediações;
Como o fazia com o apoio e auxílio de pessoas que consigo colaboravam, geralmente consumidores, que recrutava para esse efeito e para angariarem clientes para os estupefacientes que comercializava.
Estes indivíduos, face ao combinado, geralmente acompanhavam e encaminhavam os interessados até às referidas habitações, onde estes compravam as quantidades pretendidas.
Como pagamento destes serviços, regra geral, a arguida A... entregava aos vendedores/angariadores doses de estupefacientes, para consumo próprio, uma vez serem normalmente consumidores regulares desse tipo de produtos.
Nesta situação de vendedores/angariadores por conta da arguida A..., como contrapartida à colaboração que lhe prestavam na venda de produtos estupefacientes, dela recebendo doses de droga, nomeadamente heroína, cocaína e canabis, que depois consumiam, estão designadamente os seguintes arguidos: N..., conhecido pela alcunha de NN...; O..., conhecido pelo diminutivo de OO...; P..., conhecido pelo diminutivo de PP....
Era, pois, desta prática delituosa, que a arguida A... retirava os proveitos económicos que auferia, tanto que não desempenhava qualquer actividade profissional lícita.
Pelo menos desde o final do mês de Setembro de 2007 (designadamente os dias 27.9.2007, 28.9.2007, 17.10.2007, 26.10.2007, 14.11.2007, 5.3.2008, 14.4.2008) que a arguida A... utilizava o apartamento sito no (...), para efeitos de fraccionamento e posterior revenda de doses de heroína, cocaína e canabis.
Em 18.4.2008, pelas 14h30m, durante a busca realizada ao apartamento onde a arguida A... na ocasião residia, sito no (...), Coimbra, ao ser alvo de revista, em poder da arguida, no interior de uma carteira, foi apreendida uma língua de um produto vegetal prensado, de cor acastanhada, com o peso líquido de 1,898 g (cfr. fls. 395 a 397, do processo principal).
Examinado esse produto no LPC, a fls. 466, do processo principal, revelou ser canábis (resina), vulgo haxixe.
Ainda em 18.4.2008, perlas 15h15m, foi efectuada busca ao referido apartamento que a arguida A... utilizava na actividade de tráfico de estupefacientes, sito no (...), Coimbra, onde se encontrava a E....
Aí foram apreendidas duas barras de um produto vegetal prensado, de cor acastanhada, com o peso líquido de 3,239 g (cfr. fls. 400, 401 e 403, do processo principal).
Examinadas tais barras no LPC, a fls. 466, do processo principal, revelaram ser canabis (resina).
Toda a canabis apreendida era da arguida A... pertença e destinava-se a ser por si vendida, bem como pelos seus colaboradores – sendo-o ao tempo pelo menos o arguido N... ( NN...) – aos consumidores que os abordassem para tanto, em porções.
Não obstante a operação policial de que foi alvo, que culminou com a apreensão da referida quantidade de haxixe, por a arguida A... não exercer qualquer actividade profissional, continuou a dedicar-se à comercialização de produtos estupefacientes.
Porém, por a habitação do Bloco 9 já estar referenciada pelas autoridades, ainda antes das buscas de que foi alvo, começou a arguida A... a diligenciar por arranjar outro apartamento onde pudesse continuar a preparar os produtos estupefacientes, bem como a vendê-los aos consumidores, por si ou através dos seus colaboradores.
Foi assim, imbuída deste espírito, que veio a fechar o negócio referente ao seguinte apartamento: (...), Coimbra. Ficou acordado com os compradores que o preço da compra e venda seria de € 13.000,00, a liquidar pela arguida em prestações mensais de valor variável, consoante as suas possibilidades, mas que não deveriam ser inferiores a € 500,00. Mais combinaram que só, a final, aquando do pagamento da totalidade do preço, seria efectuada a correspondente escritura pública. No âmbito do acordo a arguida entregou a quantia total de
Nestes termos, ainda em Março de 2008 foi requisitada água, luz e gás, tendo a arguida A... entrado na disponibilidade do apartamento.
Entretanto, a arguida A... passa a nele residir.
Para pagamento do preço, em prestações, entre Março e Outubro de 2008, a arguida foi entregando à Magda Fonseca as seguintes quantias, sempre em numerário, através de notas de pequeno valor, de 5, 10 e 20 €, sendo a maior parte de € 20,00, perfazendo o montante de € 6.150,00 (seis mil, cento e cinquenta euros).
Em 26.9.2008, ao serem efectuadas vigilâncias policiais a essa residência, no exterior foi detectado o arguido O... ( OO...), o qual estava a vigiar, encontrando-se a arguida E... ( E...) no interior do apartamento, a vender droga aos consumidores que aí se dirigissem (cfr. fls. 468 e 469, do processo principal).
Em 14.10.2008, pelas 15h, era a arguida A... quem estava a vender doses de produtos estupefacientes aos consumidores que a esse apartamento se dirigiam, estando o arguido O..., no exterior do Bloco, a vigiar e a encaminhá-los para o andar.
Em 6.12.2008, cerca das 9h30m, a arguida A... colocou numa das janelas desse apartamento um pano, de cor rosa, sendo esse um dos sinais utilizados para o efeito, a fim dar a conhecer aos consumidores que tinha produtos estupefacientes disponíveis para venda, pelo que aí se poderiam abastecer.
Nessa data, 6.12.2008, pelas 16h45m, realiza então a PJ busca a esse andar, onde apenas se encontrava a arguida A... (cfr. fls. 816 a 818, do processo principal).
Para evitar que ela tivesse tempo de se desfazer dos produtos estupefacientes que ainda tinha em seu poder, procedeu a PJ ao arrombamento da porta de entrada.
No entanto, mal se apercebeu do que estava a suceder, a arguida precipitou-se para a casa de banho, a fim de atirar para dentro da sanita diversos panfletos de heroína que tinha consigo.
Apesar de interceptada pela PJ no hall contíguo à casa de banho, ainda antes de terem logrado imobilizá-la totalmente, conseguiu a arguida projectar alguns desses panfletos em direcção à sanita, caindo vários dentro da mesma e outros no chão.
Assim, no decurso da busca, foi apreendido no apartamento o seguinte:
- Na sala
- em cima da mesa:
- 7 (sete) panfletos contendo um produto, de cor branca, com o peso bruto de 1,921 g e líquido de 0,549 g, que examinado no LPC, a fls. 946 e 947, do processo principal, revelou ser cocaína;
- a quantia de € 290,00 (duzentos e noventa euros), em notas de 20, 10 e 5 €, que estava escondida debaixo de um pano;
- diversos sacos de plástico, de cor amarela, alguns já recortados, que se destinavam a ser utilizados na embalagem das doses de droga:
- 3 (três) telemóveis, um de marca Samsung, com o SIM 913162609, outro de marca Sony Ericsson, com o SIM 968266718 e outro marca Nokia, pela arguida utilizados nos contactos que desenvolvia relacionados com a comercialização de estupefacientes;
- a quantia de € 630,00 (seiscentos e trinta euros), em notas de 50, 20, 10, e 5 €, que se encontrava dentro de uma carteira da arguida;
- um recorte de plástico contendo em cima um produto, de cor branca, com o peso bruto de 1,944 g, sendo o peso líquido deste de 1,254 g, que examinado no LPC, a fls. 946 e 947, do processo principal, revelou ser cocaína;
- no sofá, por detrás de uma almofada um invólucro com 5 embalagens, uma contendo um produto em pó, este com o peso bruto de € 5,442 g e líquido de 5,114 g, identificado como heroína e as restantes 4 com um produto em pó, este com o peso bruto de 30,754 g e líquido de 23,977 g, identificado como cocaína;
- em cima da mesa, no chão da casa de banho e dentro da sanita
- 30 (trinta) panfletos contendo um produto em pó, com o peso bruto de 11,028 g e líquido de 2,397 g, que examinado no LPC, a fls. 946 e 947, do processo principal, revelou ser heroína.
Todos os produtos estupefacientes apreendidos eram pertença da arguida A... e destinavam-se a ser por si vendidos, directamente aos consumidores que aí se dirigissem para o efeito.
Destinavam-se os sacos de plástico e recortes apreendidos a serem utilizados na embalagem das doses de estupefacientes.
Também o dinheiro apreendido era pertença da arguida A..., sendo proveniente da venda de droga.
Detida a arguida, foi a mesma submetida a interrogatório judicial, tendo sido restituída à liberdade com a obrigação de não se ausentar de Coimbra e de se apresentar bissemanalmente na PSP de Coimbra.
Não obstante isto, por a arguida A... continuar sem pretender desenvolver qualquer actividade lícita, uma vez em liberdade, manteve-se a comercializar produtos estupefacientes, em moldes idênticos ao que fazia antes da intercepção, continuando a utilizar para preparação e venda da droga o referido apartamento, sito no (...), Coimbra.
Nestes termos, ao serem efectuadas novas vigilâncias policiais na zona, mais concretamente em 17.4.2009 e 1.5.2009, constatou-se a afluência de consumidores a esse apartamento, onde a arguida lhes vendia as doses de estupefacientes pretendidas.
Assim prosseguiu a arguida A... a comercializar produtos estupefacientes até 9.6.2009, data em que voltou a ser detida, deste feita no âmbito do inquérito n.º 418/09.3JACBR.
Em 9 de Junho de 2009, cerca das 15h e 45m, na Estação de Coimbra B, da CP, foi a arguida interceptada pela PJ tendo em seu poder 192,3 g de heroína, com elevado grau de pureza..
Ainda nesse dia, no decurso da busca realizada ao já referido apartamento, onde ainda residia, sito no (...)., Coimbra, mais foram apreendidas 5 embalagens de plástico contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido 0,249 g.
Quer a heroína, depois de desdobrada através da adição de produtos de corte e fraccionada, bem como a cocaína, eram pertença da arguida e destinavam-se a ser revendidas a consumidores.
Por estes factos, cometidos em 9.6.2009, foi a arguida A... julgada no âmbito do processo comum colectivo n.º 418/09.3JACBR, 2a Secção, da Vara Mista de Coimbra, tendo sido condenada como autora de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, por acórdão de 9.4.2010
A arguida A..., em 2007, era casada com o arguido T....
Na ocasião, este último estava preso em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Coimbra (EPC).
Tinha o arguido T... hábitos de consumo de produtos estupefacientes, designadamente de haxixe.
Assim, de molde a abastecê-lo, para seu consumo, a arguida A..., por diversas vezes, fez entrar no EPC porções de estupefacientes, mormente canabis.
Para tanto, de molde a iludir a vigilância, a arguida entregava ao seu colaborador P..., aqui arguido, conhecido por PP..., porções de canabis, solicitando que este as projectasse para o interior do EPC, por cima do muro e rede de vedação, onde o arguido T... as recolheria posteriormente.
Com a configuração de embrulhos eram eles atirados pelo PP... para o interior do EPC nos moldes indicados.
Pelo menos em 13.11.2007 e 15.11.2007 desse modo sucedeu.
Insucesso em tal teve o embrulho com canabis que o arguido P..., a mando da arguida A..., atirou para o EPC, em 13.11.2007, cerca das 14h44m, por ter ficado preso na rede de vedação
Já mais sucesso teve o embrulho com canabis que o arguido P..., de novo a mando da arguida A..., atirou para o interior do EPC, em 15.11.2007, pelas 14h26m, que caiu dentro do campo, onde o arguido T... o recolheu, tendo este posteriormente consumido o produto estupefaciente nele contido.
Em 22.5.2008, pelas 15h50m, no EPC, após terminar a visita que recebeu da arguida A..., foi o recluso T... revistado, tendo sido apreendido no forro das cuecas que trazia vestidas um pedaço de um produto vegetal prensado, com o peso líquido de 9,423 g, que examinado no LPC, revelou ser canabis (resina).
Foi esse produto entregue a si pela arguida A..., para seu consumo, durante a visita, iludindo a vigilância, de forma não apurada.
Ainda em 11.11.2007, pelas 14h15m, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, ao ser efectuada revista à arguida A... por Guarda Prisional, quando esta pretendia visitar o seu marido T..., em seu poder foi apreendido um panfleto com cocaína, com o peso aproximado de 0,1 g, o qual se encontrava no bolso das calças que trazia vestidas.
Trazia a arguida esse panfleto por se ter esquecido de tirá-lo do bolso antes da visita.
Na verdade, frequentemente nos bolsos a arguida trazia as doses de estupefacientes que comercializava, sendo que este panfleto também tinha esse fim.
A arguida A... agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de obter proveitos económicos, resultantes da venda de droga.
Mais agiu de modo deliberado e consciente no intuito de introduzir produtos estupefacientes, mormente canabis, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, destinados ao arguido T..., com vista a serem consumidos por este.
Sabia serem esses produtos heroína, cocaína e canabis, sendo conhecedora das suas características e qualidades estupefacientes.
B) Do crime de branqueamento
Era da actividade delituosa de comercialização de produtos estupefacientes, a que a arguida A... se dedicou, de forma reiterada e sucessiva, desde pelo menos finais do mês de Setembro de 2007 e até 9.6.2009, data da sua detenção no âmbito do processo 418/09.3JACBR, que retirava os proveitos económicos que auferia, uma vez não exercer qualquer profissão lícita.
Face aos proveitos económicos que obtinha na comercialização de produtos estupefacientes; para dissimular a origem do dinheiro que ia obtendo com a sua venda, no sentido de evitar que as autoridades o viessem a apreender, uma vez se tratar de produto de crime e obstar a que pudesse vir a ser implicada no correspondente crime de tráfico de estupefacientes; a arguida A... passou a adquirir bens móveis e imóveis com ele.
De molde a melhor encobrir a sua ligação a alguns desses bens, a arguida diligenciou por que nalgumas dessas aquisições figurassem como pretensos adquirentes terceiras pessoas, quando era ela realmente a compradora e responsável pelo pagamento do preço.
São as seguintes as aquisições efectuadas e pagas pela arguida em que tentou dissimular a titularidade desses bens e a origem do dinheiro com que foram pagos:
- Veículo ligeiro de passageiros, marca Peugeot, modelo CC 307, matrícula (...), adquirido pela arguida e B... à firma (...)o, Lda., em 24.1.2009, pelo preço de € 35.599,99, tendo figurado como comprador C....
- Apartamento T2, designado por letra A, correspondente ao r/c dto., sito na rua (...), Lousã, adquirido pela arguida em 16.4.2009, pelo preço de € 40.000,00, tendo figurado como comprador D...
- Apartamento sito no (...), Coimbra. Estando ele devoluto, em Março de 2008, a arguida A... manifestou-se interessada em comprar essa fracção, alegando desejar passar a habitá-la. Ficou então acordado que o preço da compra e venda seria de € 13.000,00, a liquidar pela arguida em prestações mensais de valor variável, consoante as suas possibilidades, mas que não deveriam ser inferiores a € 500,00.
- Objectos em ouro, pertença da arguida A...
No contexto e fruto da sua actividade ligada à comercialização de produtos estupefacientes, a arguida A..., para além de dinheiro, reunia, periodicamente, consideráveis quantidades de objectos em ouro em seu poder; no intuito de evitar que pudesse vir ser detectada na posse de tanto ouro, o que a suceder poderia levar as autoridades a concluir pelo seu envolvimento em tráfico de droga e consequente responsabilização criminal, uma vez não ter meios de fortuna e não exercer qualquer actividade profissional lícita; a arguida A..., periodicamente, dissimulava-o, convertendo-o em dinheiro.
- Objectos em ouro, todos pertença da arguida A..., dados em penhor e vendidos pela arguida E..., a mando daquela sempre no intuito de evitar ser detectada na posse de ouro por si obtido através da comercialização de produtos estupefacientes, para obstar a que as autoridades pudessem concluir pelo seu envolvimento em tráfico de droga e consequente responsabilização criminal; para efeitos de dissimulá-lo, convertendo-o em dinheiro; a arguida A..., por diversas vezes, determinou à arguida E..., conhecida por E..., que nesse sentido diligenciasse, penhorando-o em casas de penhores ou vendendo-o, correspondentemente, e a ser feito por esta última em nome próprio, de molde ao ouro não ser com ela A... relacionado.
Nestes termos, apesar de saber, pelo menos a partir de finais do mês de Setembro de 2007, que o ouro era pertença da arguida A..., que era proveito da venda de droga e que essas operações, de penhor e venda visavam dissimulá-lo, a arguida E... acatou as ordens recebidas e procedeu em conformidade.
Pelo exposto, a mando da arguida A..., a arguida E... deslocou-se aos seguintes estabelecimentos, nas seguintes datas, aí tendo entregue em penhor e vendido os seguintes objectos em ouro, pertença da A...:
- No estabelecimento de R..., sito na rua (...), Coimbra
- Em 30.5.2008, venda de um fio em ouro, pelo preço de € 103,50, correspondente à venda 3373
- Na Ourivesaria S..., pertença de Q..., irmão da R..., com estabelecimentos na (...) e (...), em Coimbra
- Em dia não apurado, da semana de 4 a 9 de Fevereiro de 2008, a venda de um par de brincos, modelo flor, com pedra azul e branca, em volta de ouro amarelo, pelo preço de € 312,30, correspondente à venda 354;
- Em dia não apurado, da semana de 9 a 14 de Junho de 2008, a venda de uma medalha em ouro com pedra azul, e um par de brincos em ouro, com pedra azul, pelo preço de € 156,80, correspondente à venda 491.
-Na Sociedade de Crédito sobre Penhores, denominada U..., Lda., com sede na rua (...), Coimbra.
- Em 3.10.2008, um fecho, umas argolas, uma gargantilha, uma pulseira e duas alianças, tudo em ouro, avaliado em € 2.500,00, tendo a firma entregue a quantia de € 847,96, a título de empréstimo, por referência à cautela n.º 7527. Uma vez o ouro não ter sido resgatado, foi o mesmo considerado vendido em 7.11.2009, pela quantia de € 1.300,00.
Todo o dinheiro obtido com o penhor e venda dos objectos foi entregue pela arguida E... à arguida A....
Para além do vindo de relatar, já pela mesma arguida E..., cumprindo ordens e seguindo as instruções da arguida A..., haviam sido vendidos nesse mesmo estabelecimento de ourivesaria de R....
Em 6.3.2006, venda de um anel em ouro, pelo preço de € 27,55, correspondente à venda 1704;
Em 7.3.2006, venda de um anel em ouro, pelo preço de € 41,00, correspondente à venda 1704,
Sendo que o dinheiro obtido com estas vendas foi igualmente entregue pela arguida E... à arguida A....
Para além do vindo de relatar, em 5.6.2007 foram objectos em ouro da arguida A... dados em penhor perante a Casa de Penhores " V..., S.A.", com sede na (...), Porto, objectos em ouro esses com o peso total de 1,065 Kg, avaliados em € 40.000,00, tendo vindo a arguida A... em 6.6.2008 a receber dessa prestamista o montante indemnizatório de € 47.900,00, por os objectos terem sido subtraídos das instalações do estabelecimento em 14.4.2008, tudo no demais melhor explicitado supra no facto XV, e em concretos termos aqui ora dados como reproduzidos;
Para além do vindo de relatar, em nome da arguida A... já haviam sido entregues nessa mesma Casa de Penhores " V..., S. A." os seguintes objectos em ouro, por via do que foram recebidos da prestamista as seguintes quantias:
- em 16.11.2006, o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) - cautela 193495;
- em 26.11.2006, o montante de € 646,00 (seiscentos e quarenta e seis euros) - cautela - 195382;
- em 26.11.2006, o montante de € 511,00 (quinhentos e onze euros) - cautela 195384.
A arguida A... agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de dissimular os proveitos económicos que ia obtendo com a venda de produtos estupefacientes que pelo menos teve lugar a partir do mês de Setembro de 2007, convertendo-os em outros bens.
Actuou com a intenção de ocultar a quota na propriedade do referido Peugeot por si adquirida, com proveitos económicos advindos da comercialização de produtos estupefacientes, ao fazer constar como seu adquirente terceira pessoa.
De igual modo agiu em relação ao ouro que deu em penhor e vendeu, pelo menos a partir de finais do mês de Setembro de 2007, designadamente ao providenciar no sentido de serem terceiras pessoas a efectuar essas operações, de molde a que o seu nome não aparecesse associado a essas transacções. Com referência a esse período temporal não ignorava ser o ouro também fruto da comercialização de substâncias estupefacientes.
Fez tudo isto sob a mesma resolução criminosa, no sentido de evitar que essas quantias em dinheiro, quota do veículo e ouro fossem relacionados com a actividade de tráfico de estupefacientes a que se dedicava, isto de molde a obstar à sua apreensão pelas autoridades, como produto do crime, bem como para evitar que desse modo pudesse vir a ser responsabilizada criminalmente pelo inerente crime de tráfico.
C) Do crime de condução sem carta
A arguida A... era useira e vez eira na condução de veículos automóveis na via pública, sem que fosse titular de carta de condução para tanto. E fazia-o, atenta a sensação de impunidade que sentia, pois apesar de conduzir no seu dia-a-dia, raramente era interceptada pelas autoridades policiais. A isso acresce sempre ter tido automóveis na sua disponibilidade. Foi a arguida diversas vezes avistada a conduzir veículos automóveis, nomeadamente nas seguintes datas: 27.9.2007, 28.9.2007,26.10.2007, 7.11.2007, 5.3.2008, 14.4.2008, 17.4.2008 e 18.4.2008.
Desde data não concretamente apurada, mas após 9.2.2009 e até Junho de 2009, a arguida passou a utilizar, conduzindo-o nas deslocações por si efectuadas, designadamente nas artérias de Coimbra, o dito veículo ligeiro de passageiros cabrio, marca Peugeot, modelo 307 CC, matricula (...), veículo esse por si aí conjuntamente adquirido em 24.1.2009.
A arguida agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo não se encontrar legalmente habilitada a conduzir veículos automóveis na via pública e que, fazendo-o, incorria em responsabilidade criminal.
*
Processo Comum Singular n.º 1163/10.2TACBR:
Data dos Factos: 1.1.2009
Data da Sentença: 7.4.2011
Data do Trânsito em Julgado da Sentença: 20.5.2011
Pena aplicada: nove (9) meses de prisão, substituídos por igual período de multa, à razão de sete euros (€ 7,00) dia, num total de mil, oitocentos e noventa euros ( € 1.890,00),
Crimes: um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.º 365.º, 1, do Cód. Penal.
A pena aplicada encontra-se extinta por cumprimento.
Na sentença consta como provado:
1. A arguida A... é arguida no Processo Crime (Tribunal Colectivo) n.º 418/09.3JACBR, que correu termos, na fase de inquérito, no DIAP de Coimbra e se destinava a investigar se ela estava a cometer um crime de tráfico de estupefacientes e descobrir e recolher provas do mesmo.
2. A 2.ª Brigada da SRITE (Secção Regional de Investigação ao Tráfico de Estupefacientes), da Directoria de Coimbra da Polícia Judiciária estava incumbida da investigação e, nesse contexto, em 09.06.2009, os inspectores F..., G..., H..., I..., J..., L... e M... detiveram a arguida e apreenderam na sua posse certa quantidade de estupefaciente, e, seguidamente, procederam a busca à sua casa de habitação, onde efectuaram diversas outras apreensões de objectos relacionados com o crime em investigação ou susceptíveis de servir de prova.
3. No decurso desse inquérito realizaram-se outras diligências de investigação e, nomeadamente, em 08/02/2010, os inspectores F... e G... interrogaram a arguida no Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, sendo que para tanto procederam ao seu transporte em veículo de serviço entre a casa de habitação da arguida e aquele local.
4. Em 17.11.2009, foi deduzida acusação contra a arguida pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
5. A arguida foi julgada e condenada pela prática do crime por que vinha acusada, por acórdão datado de 09/04/2010, não transitado em julgado, visto estar pendente recurso por ela interposto, sendo que desde a sua detenção e até ao presente a arguida esteve primeiro em prisão preventiva e actualmente está sujeita à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com meios de vigilância electrónica.
6. Ora, sucede que, estando o Processo Crime n.º 418/09.3JACBR ainda em fase de inquérito, a arguida A... e o arguido B...., que são casados entre si, conceberam o plano de apresentarem queixa contra os inspectores da Polícia Judiciária encarregues da respectiva investigação, a fim de contra eles ser instaurado processo por crimes cometidos no exercício das suas funções, apesar de bem saberem que deturpavam e descontextualizavam os factos que lhes imputavam, com o intuito de descredibilizar a sua actuação e perturbar o regular prosseguimento da investigação.
7. Em conformidade, no início de Novembro de 2009, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, onde o B... estava preso, os arguidos, de comum acordo e em conjugação de esforços, elaboraram duas queixas, uma em nome do B... e outra em nome da A..., ambas redigidas por aquele, em virtude desta só saber assinar o seu nome.
8. Os arguidos dirigiram a queixa elaborada em nome do B... contra F... e G..., inspectores da Polícia Judiciária, imputando-lhes, em síntese e além do mais, a factualidade seguinte:
(a) Em 09/06/2009, o denunciado F..., na qualidade de inspector da Polícia Judiciária fez uma rusga não autorizada à casa da A...;
(b) Nessa mesma ocasião o denunciado F... apreendeu diversos objectos pertencentes ao B...;
(c) Ainda nessa ocasião algemou a A... e obrigou-a a fazer as necessidades no chão da sala;
(d) Ao longo de todo o inquérito, ambos os denunciados tiveram atitudes persecutórias contra o B... e a A..., pois o denunciado G... arranjou provas falsas e ambos os denunciados trataram a A... e o B... de forma hostil, agressiva e vexatória e da mesma forma trataram o pai do B... quando foi ouvido no âmbito do mesmo inquérito.
9. Os arguidos elaboraram ainda outra queixa, em nome da A... e por ela assinada, mas igualmente redigida pelo arguido B..., contra F..., G..., H... e outros dois inspectores da Polícia Judiciária que participaram na detenção da arguida A... e na busca à sua residência em 09/06/2009, dando conta, em síntese e além do mais, do seguinte:
(a) Em 09/06/2009, os denunciados fizeram uma busca não autorizada à casa da denunciante;
(b) Nessa ocasião procederam à apreensão de objectos pessoais da A... e da sua família;
(c) Ainda nessa ocasião o denunciado F... não deixou a denunciante ir à casa de banho e ela fez as necessidades na sala na presente dos inspectores da Polícia Judiciária e ainda a deixou imenso tempo algemada;
(d) Ao longo de todo o inquérito, os denunciados e sobretudo o F... e o G... tiveram atitudes persecutórias contra a A..., extensivas ao seu marido e outros familiares, nomeadamente as já anteriormente descritas e ainda gozaram com ela, molestaram-na fisicamente, torturaram-na e abusaram da sua autoridade, tratando-se de forma hostil, agressiva e vexatória;
(e) A denunciada H... agarrou a A... com força, causando-lhe marcas.
10. Os arguidos remeteram de seguida estas queixas ao DIAP de Coimbra, onde deram entrada em 18/11/2009 e foram registadas e autuadas como inquérito, com os NUIPC 3583/09.6TACBR e 3584/09.4TACBR, sendo este segundo apenso ao primeiro.
11. Posteriormente, na sequência do propósito anteriormente formulado e em conjugação de esforços com a arguida sua mulher, o arguido B... redigiu e enviou ao DIAP de Coimbra uma nova queixa, reiterando a queixa anteriormente apresentada e sugerindo que o denunciado F... suspendesse as suas funções nos processos relativos à A..., sendo essa queixa autuada como inquérito n.º 226/10.9TACBR e apensa ao inquérito n.º 3583/09.6TAGBR.
12. Insistindo na mesma estratégia, apresentaram outra queixa em nome da A... contra F... e G..., também redigida pelo arguido B..., dando conta de que, no dia 08/02/2010, os denunciados a tinham ido buscar a sua casa pelas 11:00 horas e a conduziram ao Tribunal Judicial da Lousã, onde a interrogaram, sendo que nessa ocasião a trataram de forma hostil e agressiva, lhe gritaram e o F... foi direito a ela com a mão levantada para lhe bater, além de que este último também lhe disse que a ia por na cadeia o mais rápido possível, que era esse o seu lugar, sendo esta queixa registada como inquérito n.º 432/10.6TACBR e apensa àquele primeiro inquérito.
13. Nas suas queixas, os arguidos basearam-se em factos reais, que deturparam e descontextualizaram, de forma a fazer crer que a actuação dos inspectores da Polícia Judiciária denunciados era passível de censura penal, quando tal não sucedia.
14. No inquérito instaurado na sequencia das queixas dos arguidos foi proferido despacho final, no qual, no que se reporta à factualidade acima elencada, se considerou não ter sido recolhida prova bastante de que os aí denunciados haviam cometido os crimes que lhes eram imputados e mais se entendeu terem sido recolhidos indícios de que o procedimento criminal tinha sido utilizado pelos aí denunciantes como uma forma de pressionar o regular prosseguimento de um processo crime, tanto mais que os factos denunciados, apesar de configurarem vícios processuais, não tinham sido suscitados no processo próprio. Assim, foi proferido despacho de arquivamento, nesta parte, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
15. Os arguidos, de comum acordo e conjugação de esforços, apresentaram queixas contra inspectores da Polícia Judiciária, com o propósito conseguido de contra eles ser instaurado procedimento criminal por factos cometidos no exercício das suas funções, apesar de bem saberem que deturpavam e descontextualizavam tais factos e assim lhes retiravam qualquer correspondência ao realmente acontecido, visando com a sua conduta perturbar o andamento dum processo criminal a correr termos contra a arguida e condicionar o exercício das funções profissionais dos inspectores no âmbito desse processo.
16. Sabiam a sua conduta contrária à lei e criminalmente punível.
*
Processo Comum Singular n.º 1318/06.4TACBR:
Data dos Factos: 9 e 10 de Setembro de 2006
Data da Sentença:7.10.2008
Data do Trânsito em Julgado da Sentença:14.4.2009
Pena aplicada: pena única de 14 meses suspensa na sua execução pelo período de 2 anos a que corresponde as penas parcelares de 6 meses e 11 meses de prisão.
Crimes: Dois crimes de emissão de cheque sem provisão, p. e p. nos termos do art.º 11º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28.12
Por despacho transitado em 6.96.2012 foi revogada a suspensão e determinado o cumprimento integral da pena de 14 meses de prisão.
Na sentença consta como provado:
Nos dias 9 e 10 de Setembro de 2006 a arguida deslocou-se ao estabelecimento comercial denominado “ X...”, sito no “ ...”, representado por Y..., tendo assinado e entregue os cheques n.ºs 7443957395 e 7443957007, sacados sobre a conta n.º 45272783035 do “Millenium BCP”, preenchidos pelos valores de € 850,00 e €1.809,00 respetivamente, estando os mesmos também preenchidos com as datas dos respetivos dias, ou seja, 2006.09.09 e 2006.09.10.
Os cheques referidos destinavam-se a proceder ao pagamento de botas, vestido, cinto, carteira e casaco de pele, adquiridos pela arguida no estabelecimento da ofendida e que aquela levou consigo.
Apresentados a pagamento em Coimbra, vieram os cheques em questão a ser devolvidos com a menção “Falta de provisão”, verificada a 13 de setembro de 2006, conforme declaração aposta nos versos dos cheques.
A arguida, ao agir como o descrito, sabia não dispor na conta sacada de fundos suficientes ao integral pagamento do cheque, sabendo que com a sua atuação causava uma diminuição no património da ofendida em, pelo menos, o valor aposto nos cheques e que colocava em causa a confiança depositada pela generalidade das pessoas na livre circulação de tal meio de pagamento, fins que representou e alcançou.
Agiu de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que a sua conduta lhe estava vedada por lei.
*
Por sentença datada de 20/9/2007, transitada em julgado em 30/10/2007, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (Processo Comum Singular n.º 2321/06.0PCCBR).
Por sentença datada de 9/10/2007, transitada em julgado em 19/11/2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º n.º 2 do DL 2/98, de 3/1, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pena esta extinta pelo pagamento (Processo Abreviado n.º 14/07.0PTCBR).
Por sentença datada de 10/10/2007, transitada em julgado em 26/11/2007, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 165 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (Processo Comum Singular n.º 1115/06.7TACBR)
Por sentença datada de 12/11/2007, transitada em julgado em 11/12/2007, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (Processo Comum Singular n.º 3228/06.6TALRA).
Por sentença datada de 13/2/2008, transitada em julgado em 5/03/2008, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 4,00 (Processo Comum Singular n.º 1398/06.2TACBR)
Por sentença datada de 13/3/2008, transitada em julgado em 2/5/2008, pela prática, em 26/8/2008 de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (Processo Comum Singular n.º 1115/06.7.0PTCBR)
Por sentença datada de 16/4/2008, transitada em julgado em 6/5/2008, pela prática, em 26/7/2008 de dois crimes de emissão de cheque sem provisão, na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (Processo Comum Singular n.º 1431/06.6TACBR).
Por sentença datada de 11/4/2008, transitada em julgado em 30/06/2008, pela prática, em 11/9/2006, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 15,00. Em cúmulo jurídico, por sentença transitada em julgado em 9/12/2008, efectuado no âmbito deste processo, foi a arguida condenada na pena única de 424 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (Processo Comum Singular n.º 1434/06.2TACBR).
Por sentença datada de 17.10.2008, pela prática, a 15.03.96, de um crime de emissão de cheque sem provisão, em 150 dias de multa (Processo Comum Singular n.º 4062/96.5TAPRT);
Por sentença datada de 24.11.2008, pela prática, a 25.10.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, em 150 dias de multa já declarada extinta (Processo Sumário n.º 2727/08.0PCCBR);
Por sentença datada de 22.10.2009, pela prática, a 27.02.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, em 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano já declarada extinta nos termos do disposto no art.º 57º do Código Penal (Processo Abreviado n.º 539/09.2PCCBR);
Por sentença datada de 18.12.2009, pela prática, a 2.09.2006 e 2.10.2006, de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla simples, respectivamente, em 460 dias de multa, já declarada extinta (Processo Comum Singular n.º 1321/06.4PBCBR);
Por sentença datada de 16.06.2010, pela prática, a 10.06.2009, de um crime de difamação agravada, em 100 dias de multa (Processo Comum Singular n.º 2143/09.6TACBR).
Por sentença datada de 9.4.2010, transitada em julgado em 28.4.2011, foi a arguida condenada na pena de 5 anos e 6 meses pela prática em 9.6.2009 de um crime p. e p. pelo art.º 21º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.1 (Processo Comum Coletivo n.º 418/09.3JACBR) [No Acórdão consta como provado: “A arguida A..., no dia 9.6.2009, deslocou-se a Lisboa, a fim de aí obter quantidade significativa de produto estupefaciente que lhe ía ser proporcionada por pessoa ou pessoas não concretamente apuradas. Para o efeito, a arguida saiu de Coimbra, cerca das 08H45, deslocou-se a Lisboa e regressou a Coimbra (Estação B), no mesmo dia 9.6.2009, pelas 15H45, utilizando para o efeito a CP (Serviço Alfa). À chegada foi a arguida foi imediatamente interpelada e revista, tendo na sua posse um saco de papel com a inscrição "Gardénia" contendo no seu interior dois sacos de plástico transparentes contendo substância de cor acastanhada que se veio a verificar ser heroína com apreciável grau de pureza, um com o peso bruto de 92,3 gramas e outro com o peso bruto de 100,00 gr. Tinha igualmente na sua posse um telemóvel da marca NOKIA com o IMEI 353216037831430, de cor preta, com cartão SIM da VODAFONE correspondente ao número 910221552, que se encontrava 1igado. Na sequência desta apreensão foi efectuada uma Busca ao domicílio da arguida, no (...), em Coimbra, onde foram encontrados e apreendidos 5 embalagens de plástico contendo na globalidade cerca da 1,4 gr. de cocaína (cloridrato), um saco de plástico recortado, com vestígios de pó acastanhado, que se supõe ter acondicionado produto estupefaciente, além de € 240,00 em numerário. A arguida nunca exerceu com regularidade qualquer actividade remunerada, tendo mesmo recebido da Segurança Social o Rendimento Social. de Inserção da qual é beneficiária número 11082693027. A cocaína e heroína que tinha na sua posse, que daria o equivalente 2200 doses – sem a mistura de qualquer substância adicional – destinava-se além do mais, depois do "corte", a ser revendida. A arguida conhecia perfeitamente as características dos produtos estupefacientes que tinha na sua posse, bem como a ilegalidade desta, sabendo também que não os podia comercializar. Ao tempo dos factos ajuizados, a arguida que não tinha qualquer actividade profissional definida, levava uma vida de aparente desafogo económico. Agiu sempre livre e voluntariamente, sabendo que praticava acto proibido e punível por lei”].
*
A... é a secundogénita da prole de quatro da união dos progenitores. Frequentou o sistema de ensino habilitando-se com o 3º ano de escolaridade, momento em que pelo “matrimónio” por conveniência estabeleceu a sua própria família, em Trás-os-Montes, união de cerca de quinze anos, durante os quais desempenhou a actividade de vendedora ambulante de vestuário, criou os dois filhos.
Após a separação, A... estabeleceu mais dois novos relacionamentos amorosos concretizados em conúbios primeiramente em 2007 com o co-arguido seguido doutro em 2009, com o actual marido, igualmente preso em cumprimento da pena de catorze anos de prisão.
À data de reclusão A... integrava o agregado da avó, no domicílio dos autos, detinha uma condição financeira dependente da actividade de vendedora ambulante de vestuário e de calçado.
A... beneficia do enquadramento habitacional na Rua (...). Lousã, apartamento que o cônjuge da condenada, e com o apoio materno, já efectuou o pagamento de metade do valor acordado para compra com a pessoa amiga, domicílio onde o casal tem os seus pertences e a condenada cumpriu parte da medida de coacção de permanência obrigatória na habitação com vigilância electrónica.
Através dos conhecimentos profissionais do cônjuge, a condenada tem ocupação laboral assegurada no Bar (...), sito em (...), Concelho de Coimbra, no qual poderá auferir um rendimento mensal de empregada de bar.
A... demonstra capacidade para desempenhar actividade laboral, com o propósito de concretizar a sua autonomização e constituir agregado próprio com o marido, segurança de profissão, encontra-se preso no EPP de Coimbra.
No Estabelecimento Prisional a condenada concluiu o 2º ciclo do ensino e o curso de estética. Frequenta o curso de costura com equivalência ao 7º ano de escolaridade mantendo a conformidade ao disciplinado exigido.
Por apresentar problemas ginecológicos foi submetida a uma polipectomia com curetagem uterina continuando o respectivo acompanhamento em consultas externas privadas, por si custeadas, encontrando-se em fase de tratamento de fertilidade.
A... começa a apresentar capacidade crítica sobre a sua permeabilidade às influências e às oportunidades criminais em que se colocou desde o ano de 1996 e sobre a definição de estratégias que impeçam a sua continuidade conseguindo perceber a necessidade de inverter o seu percurso de vida.
(…)”.

B) E dele consta a seguinte fundamentação de direito:
“ (…).
1. Dos Processos Abrangidos:
Importa agora proceder ao cúmulo das decisões supra referidas
Importa, então, realizar o cúmulo jurídico de penas, por se verificar um conhecimento superveniente de crimes anteriores (art° 78°, n°1 Código Penal).
Em matéria de cúmulo de penas, dispõe o art.º 77º/1 do Código Penal que «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. O art.º 78º do Código Penal dispõe que «1 — Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.2 — O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado. 3 — As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.»
Conforme refere o Acórdão do S.T.J. de 15.3.2007, «1 – O momento decisivo para a verificação da ocorrência de um concurso de crimes a sujeitar a uma pena única, segundo as regras fixadas pelo art. 77.º, n.ºs 1 e 2, aplicáveis também ao conhecimento posterior de um crime que deva ser incluído nesse concurso, por força do art. 78.º, n.º 1, é o trânsito em julgado da primeira condenação. 2 – Os crimes cometidos posteriormente a essa decisão transitada, constituindo assim uma solene advertência que o arguido não respeitou, não estão em relação de concurso, devendo ser punidos de forma autónoma, com cumprimento sucessivo das respectivas penas. 3 – Orientação diversa, consagrando o chamado cúmulo por arrastamento, como já foi advogado por jurisprudência também deste STJ, sobretudo em período anterior a 1997 não se coaduna com a teleologia e a coerência internas do ordenamento jurídico-penal, criando a confusão entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência.» (in ww.dgsi.pt) (neste sentido, Acórdãos do STJ de 7/2/2002, in www.dgsi.pt, de 17/3/2004, in CJ-Acs. STJ T. 1.º 2004, p. 229 e segs, que faz uma recensão crítica da jurisprudência deste Tribunal, de 19.12.2007 e Acórdão da Relação de Coimbra de 13.6.2012, in www.dgsi.pt).
O trânsito em julgado de uma condenação é um limite temporal intransponível, no âmbito do concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois.
Por outro lado, conforme refere o Acórdão do STJ de 15.4.2010 (Processo n.º852/03.2PASNT.L1.S1 – 3ª secção), «A alteração legislativa dada pela Lei 59/2007, de 04-09, ao n.º 1 do art. 78.º do CP, foi inquestionavelmente no sentido de incluir no cúmulo as penas cumpridas, que serão descontadas na pena única, como expressamente se dispõe no texto legal. Por força desse desconto, a inclusão dessas penas não envolve nenhum prejuízo para o condenado, podendo, ao invés, representar um significativo benefício. II – Mas a situação é diferente relativamente às penas prescritas ou extintas. Embora a letra da lei aparentemente consinta a inclusão, essas penas devem ser excluídas. É que, se elas entrassem no cúmulo, interviriam como factor de dilatação da pena única, sem qualquer compensação para o condenado, por não haver nenhum desconto a realizar. III – Ora, se essas penas foram apagadas da ordem jurídico-penal, por renúncia do Estado à sua execução, renúncia essa definitiva, recuperar tais penas, por via do concurso superveniente, seria subverter o carácter definitivo dessa renúncia. Seria, afinal, condenar outra vez o agente pelos mesmos factos, seria violar frontalmente o princípio non bis in idem, consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP. Consequentemente, há que excluir da pena conjunta as penas prescritas e extintas que entraram no concurso» (in www.stj.pt).
No caso em apreço apenas se atenderá às penas de prisão aplicadas uma vez que todas as penas de multa a que a arguida foi condenado já se encontra extintas sendo inútil a sua consideração para estes efeitos, tanto mais que tal levaria a uma dispersão maior das penas de prisão aplicadas com prejuízo da arguida que veria aumentar as situações de cumprimento sucessivo de penas de prisão.
Nestes termos e apenas atendendo às penas de prisão aplicadas à arguida constata-se que a primeira condenação em pena de prisão transitada em julgado verificou-se no Processo Comum Singular n.º 1318/06.4TACBR em 14.4.2009.
Tendo presente esta data apenas os factos praticados nos presentes autos e no Processo Comum Singular n.º 1163/10.2 TACBR são anteriores àquela data pelo que serão os mesmos englobados num único cúmulo jurídico de penas, ficando de fora a pena aplicada no Processo Comum Coletivo n.º 418/09.3JACBR.
Nestes termos manterá a sua autonomia a pena aplicada neste último processo. Sendo certo que a questão da violação do princípio ne bis in idem em face da pena aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes aplicada nos presentes autos já foi apreciada e decidida nestes autos em sede de recurso, a cuja decisão está este tribunal obrigado, tal pena não poderá deixar de ser ponderada na fixação da pena única a aplicar no cúmulo a efetuar.
Com efeito a arguida nestes autos foi condenada na pena de 5 anos e 6 meses pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes por factos praticados entre o ano de 2007 e o dia 8.6.2009, sendo que no Processo Comum Coletivo n.º 418/09.3JACBR foi condenada por crime idêntico em pena igual por factos praticados em 9.6.2009. Estamos assim perante dois crimes que poderiam ter sido julgados como sendo um só crime de tráfico de estupefacientes uma vez que estamos perante um crime exaurido pois a incriminação da conduta do agente esgota-se nos primeiros atos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa, e em que a repetição dos atos, com produção de sucessivos resultados, é imputada a uma única realização.
O resultado típico obtém-se logo pela realização inicial da conduta ilícita, de modo que a condenação de alguém pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, referida a um determinado período, corresponde a uma apreciação global da sua atividade delitual durante esse período ainda que alguns atos parcelares praticados não tenham sido considerados.
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                2. Da Medida Concreta da pena única:
No que respeita à punição do concurso de crimes, o legislador português optou pelo sistema da pena única, ou pena do concurso, dogmaticamente justificável à luz da consideração – necessariamente unitária – da pessoa ou da personalidade do arguido (cfr. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1ª Edição, 1993, pág. 280, Jorge de Figueiredo Dias). Com efeito, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes praticados pelo arguido é, justamente, a sua personalidade, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário (cfr. Código Penal Anotado, I vol., Editora Rei dos Livros, 2ª Edição, 1997, pág. 610, Manuel Leal-Henriques, Manuel Simas Santos).
Conforme se expõe no Acórdão do S.T.J. de 19 de Abril de 1991 (A.J. nº 18, proc.º nº 41746), “nos chamados tipos normativos de agente, como sucede na determinação do «quantum» da pena unitária no caso de concurso de crimes, a punição não resulta só, autonomamente, da prática de um facto, não só sequer da existência de uma certa personalidade, mas da cumulativa existência de um facto e de uma certa personalidade”. Não estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito, a lei fornece ao tribunal, para além das circunstâncias contidas no art.º 71º do Código Penal, um critério especial, contido na parte final do art.º 77º, n.º 1 do aludido código: “na determinação da medida da pena (do concurso) serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (cfr. Acórdão do S.T.J. de 8 de Julho de 1998, C.J., Acs. do S.T.J., Ano VI, Tomo II, 1998, págs. 246-248) [Como refere o Acórdão do S.T.J. de 15.3.2007, «(…) 5 – Importa ter em atenção a soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação, a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares, construindo-se depois uma moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária 6 – Sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena única em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes, sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares) (…)» (in www.dgsi.pt)].
Por conseguinte, a pena do concurso deverá resultar do enquadramento geral dos factos, como se a sua análise nos fornecesse, na expressão do Prof. Figueiredo Dias, a gravidade do ilícito global. No que respeita à personalidade do agente, atender-se-á, sobretudo, ao facto de as condutas por si empreendidas resultarem de uma particular tendência para a prática de ilícitos criminais; ou, pelo contrário, resultarem de condutas ocasionais ou que não revelem uma personalidade propensa à prática de crimes, com particular dificuldade em pautar-se de acordo com a ordem jurídica, “maxime”, a ordem jurídico-penal. (cfr. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, p. 291.) Só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) (neste sentido, cf. Ac. STJ de 28.4.2010, in www.stj.pt).
Na determinação da pena única, ter-se-á mais uma vez presente que as finalidades de aplicação de uma pena residem, em 1ª linha, na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do arguido na comunidade; por outro lado, não se esquecerá que a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
                Em conclusão, como refere o Acórdão. do STJ de 28.4.2010 (Proc. n.º 4/06.0GACCH.E1.S1 - 3.ª Secção), «I – Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, ou seja, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia; a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa. II – Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização. (…) IV – Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa revelada pelo número de infracções, pela sua perduração no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade. V – Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado. VI – Recorrendo à prevenção, importa verificar relativamente à prevenção geral o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente, para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos. VII – Serão esses factores de medida da pena conjunta que necessariamente deverão ser tomados em atenção na sua determinação, sendo então o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário para se atingir as finalidades da mesma pena mas tendo, também, presente o sentido da proporcionalidade que deve presidir à fixação da pena conjunta.)» (in www.dgsi.pt).
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O nº 2 do art.º 77º do Código Penal preceitua que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
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No caso, o cúmulo efectivar-se-á dentro da moldura abstracta que terá como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares que o integram e, como limite máximo, a soma delas (mínimo de 5 anos e 6 meses e o máximo de 13 anos e 5 meses de prisão).
De acordo com disposto no art.º 40º, n.º1 e 2 do C. Penal a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a qual em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa. Com este preceito, o ordenamento penal reflecte de forma clara o princípio da culpa, segundo o qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena, como seu limite máximo (art.ºs 1º, 13º, n.º1 e 25º, n.º1 CRP).
Desta forma, a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em 1º lugar, o da culpa do agente que fixa o limite máximo inultrapassável da pena, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção, especial e geral (a chamada margem de liberdade) (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210 e Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). O limite mínimo da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo (cf. Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210) [Como se refere no Acórdão do STJ de 01.04.98, “As expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o rigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício” (in CJ. - AC. STJ - Ano VI - tomo 2- fls. 175)].
Definidos todos estes parâmetros, a necessidade da pena respeitar a referida proporcionalidade constitui exigência que resulta, além do mais, do princípio que decorre desse art. 18.º, n.º 2, da CRP, só assim se harmonizando com o Estado de direito democrático. Esse princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três subprincípios: a) princípio da adequação; b) princípio da exigibilidade; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito (Gomes Canotiilho/Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra, 2007, págs. 392 e seg.) impõe a proibição do excesso, no sentido de dever prevalecer a intervenção menos gravosa, mas ainda assim idónea e estritamente necessária para as finalidades em vista.
Tais critérios devem ser aplicados num acto uno, em que interagem de forma dialéctica.
Nesta sede há que atender que a ilicitude e a culpa são conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdades de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa. A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo. A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspeto subjetivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial. (cf. Jeschek, Tratado de Direito Penal, ed espanhola, pág 780).
Relativamente ao princípio da proibição da dupla valoração seguindo o qual não devem ser valorados pelo juiz na determinação da medida da pena, circunstâncias já consideradas pelo legislador ao estabelecer a moldura penal do facto, “não obsta em nada, porém, que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstância s do caso,” pois que não será por ex, indiferente à pena se o roubo foi cometido com pistola ou com metralhadora, ou seja o que está em causa segundo BRUNS, Strafzumessungsrecht, 369, é a consideração das “modalidades da realização do tipo ”e não uma ilegítima violação daquele princípio. A circunstância concreta objecto de dupla valoração apenas deve ficar arredada em nova valoração para a quantificação da culpa e da prevenção determinantes para a pena se já tiver servido para a determinar a moldura penal aplicável ou para escolher a pena. – v. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequência jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, p.235-237)
No juízo de culpa parte-se de uma conceção de culpa, referida ao facto, em que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico e o fundamenta (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). A culpa jurídico-penalmente relevante não é uma «culpa em si», mas «uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, II, 2005, pág. 239).
Tal entendimento não afasta a possibilidade de o julgador se socorrer também, de fatores estranhos ao facto (strictu sensu), os quais são indubitavelmente necessários à correta determinação da medida da pena, quais sejam, entre outros, os atinentes à personalidade do agente e todos os demais que do n.º2 do art.º 71º do C.Penal constam. Porém, o juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40).
No que diz respeito à prevenção geral positiva, entendida, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida (Ac. STJ, 11/1/96, CJSTJ, T.I, p.176).
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena [Na lição de Jescheck, “as condições pessoais e económicas do agente influem primordialmente nas repercussões que a pena tem sobre a integração social daquele (prevenção especial), Daí que o tribunal tenha que esclarecer suficientemente tais condições pessoais para poder ajuizar o alcance que o cumprimento de uma pena (…) tem para a vida pessoal e privada do autor (Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Granada, 2002, p. 939)]. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de proteção dos bens jurídicos (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.214). Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.
Ora, ponderando os factores referidos no art. 71.º do C.Penal, temos que:
- é elevada a ilicitude, pelas quantidades de droga [Neste sentido Ac STJ, de 19-12-96, CJ, Acs STJ, ano IV, t. III., p. 220] pelo tempo de venda, pela qualidade das drogas transaccionadas;
- é acentuada a necessidade de prevenção especial, dada a personalidade da arguida, manifestada o facto de vender droga durante tanto tempo, sem evidenciar escrúpulos nem arrependimento. Relevam também, no caso, razões de prevenção especial, dada a circunstância de a arguida ter sofrido já anteriores condenação pela prática de crimes de emissão de cheques sem provisão e condução de veículo motorizado sem habilitação legal e tal não ter servido para alterar os seus comportamentos.
- o dolo da arguida – que reveste a forma de dolo directo, intenso, atendendo ao grau de consciência da censura dos factos, traduzida, no profissionalismo que empregava à sua atividade, os proveitos que obteve e que pretendeu dissimular através de aquisição de bens móveis e imóveis; - a intensidade do dolo – é superior a intensidade do dolo porque a arguida não era consumidora de estupefacientes, o que faz concluir que andava neste sub-mundo apenas com intenções de prover aos benefícios económicos;
- a motivação na prática dos factos, que foi a obtenção de vantagem económica traduzida no produto da venda que realizava;
São elevadíssimas as exigências de prevenção geral, que se fazem sentir neste tipo de criminalidade, como já acima se ponderou. Na verdade, "não poderá escamotear-se que a problemática relacionada com os estupefacientes constitui, na nossa sociedade actual, um verdadeiro flagelo. A complexidade e a mutabilidade da produção, tráfico e consumo de drogas, tal qual se apresenta nos dias de hoje, advém dos efeitos directamente produzidos pelas substâncias ou preparados nos indivíduos e pelas consequências sanitárias e desestruturantes da sociedade, bem como das ligações que a produção e comércio desses produtos tem com a distorção produzida ao nível da economia mundial e economias nacionais e de eventuais implicações corruptivas e fragilizadoras ao nível dos sistemas políticos. Por conseguinte, serão sempre elevadas as necessidades de prevenção geral positiva" [Ac. STJ de 09-11-2006, www.dgsi.pt].
Aliás, no próprio Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro pode ler-se que "… o tráfico ilícito de estupefacientes … representa(m) uma grave ameaça para a saúde e bem estar dos indivíduos e provoca(m) efeitos nocivos nas bases económicas, culturais e políticas da sociedade; preocupadas ... com o crescente efeito devastador do tráfico ilícito de estupefacientes ... nos diversos grupos sociais ... ; reconhecendo a relação existente entre o tráfico ilícito e outras actividades criminosas com ele conexas que minam as bases de uma economia legítima e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados; reconhecendo igualmente que o tráfico ilícito é uma actividade criminosa internacional cuja eliminação exige uma atenção urgente e a maior prioridade; conscientes de que o tráfico ilícito é fonte de rendimentos e fortunas consideráveis que permitem a organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do Estado, as actividades comerciais e financeiras legítimas a todos os seus níveis; decididas a privar as pessoas que se dedicam ao tráfico dos produtos das suas actividades criminosas e a eliminar, assim o seu principal incentivo para tal actividade; desejando eliminar ... os enormes lucros resultantes do tráfico ilícito; … reconhecendo que a erradicação do tráfico ilícito é da responsabilidade colectiva de todos os Estados e que nesse sentido é necessária uma acção coordenada no âmbito da cooperação internacional; ... reconhecendo igualmente que é necessário reforçar e intensificar os meios jurídicos eficazes de cooperação internacional em matéria penal para eliminar as actividades criminosas internacionais de tráfico ilícito; ... ".
A ponderar também a qualidade do produto estupefaciente transacionado, tratando-se de heroína e cocaína, consabidamente de elevado teor aditivo; bem como a sua quantidade.
Nesta matéria os factos relativos ao crime de condução sem habilitação legal, a emissão de cheques sem provisão e à denúncia caluniosa (ainda que esta esteja de algum modo ligada ao facto de ter sido feita para obstar à investigação pelo crime de tráfico de estupefacientes o que eleva a ilicitude da sua conduta) são de menor gravidade e nessa medida não influenciando de forma relevante na medida da pena única a fixar.
Noutro plano como já se deixou supra exposto, na pena única a fixar neste cúmulo não pode ser este tribunal alheio ao facto de a arguida em 9.6.2009 ter sido detida quando regressava da compra de produto estupefacientes para posterior revenda. Ora, quanto a estes factos foi a mesma condenada na pena de 5 anos e 6 meses. Sendo certo que ambos os processos mantém a sua autonomia, a verdade é que os factos de 9.6.2009 apenas se autonomizaram por uma qualquer decisão em sede de inquérito que sendo prejudicial à arguida não se apresenta sem mais justificável um vez que são a decorrência de todo o circunstancialismo julgado nestes autos e que cessou para efeitos de apreciação nestes autos sem justificação no dia 8.6.2009.
Ora, se é certo que tais factos têm autonomia em face dos apreciados nos presentes autos, entende o tribunal que a condenação sofrida aí faz diminuir as exigências de prevenção geral e especial sentidas quanto ao crime de tráfico de estupefacientes a que foi condenada nos presentes autos, reflectindo-se tal facto na medida da pena do cúmulo a fixar, tanto mais que a arguida terá de cumprir sucessivamente a pena aí aplicada e a pena única a fixar nestes autos. Nestes termos entende o tribunal ser justo e proporcional fixar em 7 anos de prisão a pena única, tanto mais que a arguida demonstra querer mudar de vida em termos mais consentâneos com as regras que regem a sociedade.
É esta a pena que numa avaliação global de toda a atuação da arguida, e atenta a sua personalidade refletida nos factos (bem como na sua conduta anterior e posterior aos factos), e sem descurar a condenação aplicada no Processo Comum Coletivo n.º 418/09.3JACBR, entende o tribunal justa e proporcional.
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Pelo exposto, considerando em conjunto os factos pelos quais a arguida foi condenada, nos termos dos art.ºs. 78º, n.º. 1 e 77º do Cód. Pen., entre a moldura abstracta referida, entende o Tribunal, condenar o arguido na pena única de 7 anos de prisão, a cuja pena há que descontar os 9 meses de prisão em face do cumprimento da pena aplicada no Processo Comum Singular n.º 1163/10.2TACBR.
(…)”.
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            Com relevo para as questões a decidir, colhem-se ainda dos autos os seguintes elementos:

            i) Do acórdão de 20 de Julho de 2012, proferido no processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR [estes autos] foi interposto recurso para a Relação de Coimbra pela arguida A...;

            ii) O acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Abril de 2013, que conheceu do recurso, definiu as questões a decidir como sendo:
            “ (…).
            I – A violação do princípio ne bis in idem.
                II – Nulidade da decisão recorrida por não ter ponderado a factualidade vertida na contestação.
                III – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que concerne à viatura de matrícula (...) e ao apartamento sito na Rua (...), na Lousã.
                IV – Impugnação das penas aplicadas aos crimes de branqueamento e condução sem carta.
            (…)”.  

            iii) No citado Acórdão, a questão do ne bis in idem foi assim decidida:
            “ (…).
            A arguida começa por se insurgir contra a condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes por os factos que determinaram a sua condenação terem sido, já, objecto de um outro processo.
                Vejamos.
                A fls. 1374 e segs. A arguida A... foi acusada da prática de um crime de tráfico de estupefacientes por «desde pelos menos 2006» se dedicar «à comercialização de produtos estupefacientes …». 
                Notificada da acusação a arguida requereu a abertura de instrução alegando, além do mais, que os factos agora imputados relativos ao crime de tráfico de estupefacientes já tinha sido objecto de acusação e de decisão no âmbito de outro processo, pelo que não poderiam voltar a ser julgados.
                Realizada a instrução, foi proferida decisão indeferindo o requerido, nos seguintes termos:
«... Compulsada a acusação deduzida no dito processo que tem o nº 418/09.3JACBR e que se encontra a f1s. 965 e seguintes dos presentes autos, constata-se que aí é referido que a arguida desde o ano de 2002, pelo menos, se dedica à comercialização de produtos estupefacientes, designadamente de heroína e cocaína.
Porém, da análise de toda a acusação, conclui-se que, afinal, os factos concretos narrados são de 2009. Diz-se que a arguida no dia 9 de Junho de 2009 decidiu deslocar-se a Lisboa, a fim de se abastecer de grande quantidade de produto estupefaciente. Os factos concretos narrados na acusação são desse dia e daí em diante, mas todos de 2009.
Aliás, é isso mesmo que resulta do acórdão proferido no âmbito do mesmo processo e que consta a f1s. 464 e seguintes do apenso 3586/09.0TACBR. Os factos concretos aí dados como provados e não provados são de 2009.
Nesse acórdão foi igualmente dado como não provado que "a arguida desenvolvia a venda de produto estupefaciente desde pelo menos 2002".
Consta igualmente como não provado que o veículo Peugeot, modelo 307, de matrícula (...), fosse usado pela arguida".
Analisando agora a acusação deduzida nos presentes autos, conclui-se que existem factos de 2006, de 2007, de 2008 e mesmo de 2009, anteriores a 9.6.2009. Quando aí se referem os factos de 9.6.2009, referiu-se igualmente que por esses factos já a arguida tinha sido julgada e condenada no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR.
Ora, "os efeitos do caso julgado reportam-se à própria decisão e não aos respectivos fundamentos, muito menos aos fundamentos de facto, e, menos ainda aos factos declarados não provados em pretérita acção judicial" ...
Ora, ao caso julgado em processo penal, aplicam-se as regras do processo civil – cfr. Ac. da RP de 14.1.2004, in jusnet.pt.
Porém, mesmo que se entenda que em processo penal não é possível o recurso ao processo civil, como lei potencialmente subsidiária, para se determinar a natureza da excepção de caso julgado, mesmo assim, apenas a apenas a condenação por factos de tráfico de estupefacientes durante determinado período de tempo corresponde a uma apreciação global da actividade delituosa durante esse período, o que impediria a condenação por outros factos no mesmo período –cfr Ac. do STJ de 18 5.98. in CJ on line.
No Ac. acabado de mencionar consta que "a figura do crime exaurido se tem de considerar como esgotada apenas quanto aos factos ocorridos dentro do período de tempo a que a condenação pela sua prática se refere, do que resulta que as respectivas regras de unificação dos diversos actos não podem ser estendidas a épocas diferentes daquelas que constam da e a que respeita a condenação anterior, porque só aqueles puderam ser considerados na mesma como factores determinantes da aludida unificação".
No referido processo 418/09.3JACBR, também não existe qualquer condenação por factos de tráfico de estupefacientes praticados durante o período objecto dos presentes autos.
Pelo que fica dito, entende-se que não assiste razão á arguida requerente da instrução quando afirma que a factualidade dos presentes autos foi objecto de acórdão da Vara Criminal de Coimbra, de 9.4.2010 …
No que respeita ao crime de branqueamento e ao apartamento da Lousã, há a referir que no processo nº 418/09.3JACBR não havia acusação por crime de branqueamento. São agora os elementos típicos deste crime que deverão ser analisados, surgindo o apartamento da Lousã relacionado com tal crime. Ora, se no processo 418/09.3JACBR não havia acusação por branqueamento não se pode afirmar que a arguida já foi condenada por tal crime. O apartamento da Lousã surge agora na perspectiva de dissimulação da proveniência ilícita do dinheiro, julgamento que não fora feito no dito processo 418/09.3JACBR.
Atendendo aos factos provados e não provados do Ac. proferido no dito processo 418/09.3JACBR eram estas as considerações que cumpria tecer …
Nestes termos, conclui-se que não assiste razão à arguida requerente da instrução, indeferindo-se a sua pretensão nessa parte».
Remetido o processo para julgamento a arguida apresentou contestação, onde suscitou a questão prévia decorrente de os factos relativos ao crime de tráfico de estupefacientes terem sido, já, julgados, não o podendo ser de novo, por a isso se oporem as regras processuais e a Constituição.
Como já consta acima, o acórdão recorrido julgou improcedente esta questão pelas seguintes razões:
- no processo nº 418/09.3JACBR estava em causa apenas um acto da arguida, ocorrido em 96-2009 e unicamente atinente ao crime de tráfico de estupefacientes, com referência ao transporte/detenção de uma quantidade total de 192,3 gr. de heroína com que foi detectada na estação da CP de Coimbra e que, sem mistura de qualquer substância. daria para cerca de 2200 doses;
- se é certo que nessa acusação se dizia que a arguida vendia droga desde pelo menos 2002, o que se veio a dar como não provado, esta acusação tinha uma total ausência de factos capazes de suportar aquela conclusão;
- as imputações genéricas são irrelevantes jurídico-penalmente;
- os efeitos do caso julgado reportam-se à própria decisão e não aos respectivos fundamentos, muito menos aos fundamentos de facto dados por não provados em anterior sentença;
- o crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido, pelo que os diversos actos da mesma natureza integram uma só realidade criminal;
- nos presentes autos foi deduzida acusação contra a arguida por tráfico de estupefacientes, consistente em actos de venda/cedência a "consumidores", com vendas feitas na residência e/ou na rua com "colaboradores" e sendo a cedência feita a um recluso que se encontrava no EPC de Coimbra: este panorama e o que estava em causa no processo nº 418/09.3JACBR integram realidades e actos materiais completamente distintos, de diferente natureza, referentes a períodos temporais distintos donde, apesar da "abrangência" do tatbestand do art. 210 do DL nº 15/93 de 22/01, não procede a objecção fundada na figura do crime exaurido, por não se detectar a necessária unicidade criminal entre os actos de tráfico de um e do outro processo, quando até se detetam diferentes resoluções criminosas a presidir às actuações criminosas de um e outro processo.
O princípio do ne bis in idem radica na figura do "caso julgado" e proíbe a instauração de um segundo procedimento quanto ao mesmo sujeito, ao mesmo objecto e ao mesmo fundamento.
Este princípio tem assento constitucional, no nº 5 do art. 29° da Constituição que estabelece que «ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime».
Cá temos nós o efeito do caso julgado: a primeira decisão torna impossível nova pronúncia sobre a questão.
Sobre a densificação do princípio podemos ler na Constituição da República Portuguesa anotada de Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação a esta norma, que o conceito jurídico-constitucional de mesmo crime tem de obter-se recorrendo aos conceitos jurídico-processuais e jurídico-materiais.
Uma achega para a resolução desta questão é-nos dada pela norma do art 283º do CPP, que na al. b) do nº 3 diz, no que respeita aos requisitos da acusação pelo Ministério Público, que esta deve conter, sob pena de nulidade, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena. Ou seja, a acusação tem que descrever os factos que, na sua tese, o agente cometeu e destes factos concluir pela prática de um determinado crime.
Daqui se conclui que as imputações genéricas não preenchem a norma. Não devem fundamentar uma acusação, e muito menos uma condenação, como é evidente: «… as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente» [Acórdão do STJ. de 2-4-2008, proferido no processo 07P4197 e relatado pelo sr. conselheiro Raul Borges].
A acusação deduzida contra a arguida no processo 418/09.3JACBR dizia que a arguida, desde o ano de 2002, se dedicava ao tráfico de estupefacientes. Depois, na indispensável concretização que uma tal afirmação sempre exige, aquela mesma peça identificava apenas um ato de tráfico, ocorrido em 9-6-2009.
É o seguinte o texto, na parte relevante:
«… No âmbito da sua actividade de investigação e de vigilâncias discretas a PJ de Coimbra foi recolhendo informações no sentido de que a arguida A... se dedicava ao tráfico de produtos estupefacientes.
Desde o ano de 2002, pelo menos, que a arguida, sozinha ou conjuntamente com outros indivíduos, se dedica à comercialização de produtos estupefacientes, designadamente de heroína e cocaína.
Fazia-o em Coimbra e, sobretudo na zona do (...), sendo abastecida de produto estupefaciente na zona do Porto e de Lisboa, mediante contactos que estabelecia com consumidores e revendedores.
Fruto da experiência e contactos adquiridos ao longo dos anos a arguida A..., no dia 9 de Junho de 2009, decidiu deslocar-se a Lisboa …
Assim, a arguida saiu de Coimbra cerca das 8h45, deslocou-se a Lisboa e regressou a Coimbra … no mesmo dia 9 de Junho.
A arguida foi imediatamente interpelada e revistada, tendo na sua posse 192,3 gramas de heroína …».
É evidente que naquela primeira parte a acusação, em que imputava à arguida a atividade de tráfico desde 2002 sem aduzir um único facto que suportasse uma tal afirmação, violava a norma do art. 283° do CPP.
Comete o crime de tráfico de estupefacientes, do art. 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22/1, «quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».
Este crime, como é entendimento unânime ou, pelo menos, francamente maioritário, é um crime exaurido, ou seja, consuma-se com um só ato de execução, mesmo que não se chegue à realização completa e integral do tipo: a conduta esgota-se nos primeiros atos de execução, independentemente de eles corresponderem a uma execução completa [Acórdão do STJ. de 3-10-2007, proferido no processo 07P2271 e relatado pelo sr. conselheiro Armindo Monteiro].
Na norma incriminatória existe uma certa progressividade dos comportamentos abrangidos, que podem ir de uma mera detenção à venda. Ora, a consequência de se tratar de um crime exaurido é que para o preenchimento do tipo não se exige que a acção projectada seja integralmente realizada.
No entanto a consumação sempre exige a prova de uma daquelas ocorrências.
Aqui chegados já podemos concluir que, não obstante a Constituição, no art. 29°, n? 5, falar em crime, o que o princípio do ne bis in idem proíbe é a repetição de julgado sobre os mesmos factos.
Portanto, para que a exceção de caso julgado funcione a imputação tem que ser idêntica e ela é idêntica quando se imputam os mesmos atos à mesma pessoa, independentemente da qualificação legal que se dê à conduta. Daí que em caso de continuação criminosa o princípio não proíbe novo julgamento que incida sobre factos nunca antes julgados, uma vez que o juiz nunca poderá conhecer de factos não levados à acusação ou à pronúncia [Acórdão do STJ. de 8-3-2006, proferido no processo 05P4401 e relatado pelo sr. conselheiro Sousa Fonte. No mesmo sentido, de que são os factos já julgados que não podem ser de novo conhecidos, já se havia pronunciado o STJ. no acórdão de 6-7-2006, proferido no processo 06P2424, relatado pelo sr. conselheiro Simas Santos].
 Ora, a acusação do processo 418/09.3JACBR, não obstante falar em atividade de tráfico desde 2002, apenas mencionou um facto ocorrido em 2009.
É este concreto facto que ficou decidido pelo acórdão proferido no referido processo e só quanto a este vale o caso julgado formado.
Mas este facto não foi referido na acusação que deu origem à decisão recorrida e esta decisão também não se pronunciou sobre ele.
Assim, o objecto de um e outro processos não coincide, não se verificando, portanto, a situação invocada pela arguida.
(…)”.

E a final, foi o recurso julgado improcedente e confirmado o acórdão recorrido.

*
*

            Da invocada inconstitucionalidade

1. Como se disse, a recorrente invocou a inconstitucionalidade, por violação dos arts. 13º e 32º da Lei Fundamental, da interpretação que afirma ter sido dada no acórdão recorrido às normas dos arts. 10º, 26º e 77º do C. Penal, no sentido de ser possível, num crime exaurido como é o crime de tráfico, a separação de alguns dos factos que o integram e permitir múltiplas condenações. Vejamos.

O crime pode consubstanciar a prática de um só acto, como pode consistir na prática de vários actos ao longo do tempo portanto, na prática de uma actividade. Quando a conduta típica repetida se transforma numa verdadeira actividade criminosa existe um único crime [apesar de as várias condutas que a integram, se consideradas isoladamente, constituírem, cada uma delas, um crime], falando-se então em crime prolongado ou de trato sucessivo. A esta categoria pertence o crime de tráfico de estupefacientes que é também um crime exaurido, entendido este no sentido de que se consuma através de um só acto de execução, ainda que através dele não se preencha integralmente o tipo.

A questão que a recorrente pretende suscitar, a coberto da invocada inconstitucionalidade, prende-se com a circunstância de, nestes autos, ter sido condenada pela prática, entre Setembro de 2007 e 8 de Junho de 2009, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, e de no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR ter sido condenada pela prática, em 9 de Junho de 2009, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, entendendo a recorrente que os factos que integram o objecto dos dois referidos processos constituem o mesmo crime de tráfico.
Porém, a recorrente não pode ignorar que suscitou esta mesma questão no recurso que interpôs do acórdão condenatório de 20 de Julho de 2012, proferido nestes autos, e que a Relação, por acórdão de 17 de Abril de 2013, julgou improcedente, tendo confirmado o acórdão recorrido. Está pois formado, caso julgado.

Por outro lado, e ressalvado o devido respeito por distinta opinião, de forma alguma o acórdão de 22 de Novembro de 2013, ora recorrido, seguiu o entendimento avançado pela recorrente. Com efeito, a este respeito, pode ler-se no acórdão:
“ (…).
Sendo certo que a questão da violação do princípio ne bis in idem em face da pena aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes aplicada nos presentes autos já foi apreciada e decidida nestes autos em sede de recurso, a cuja decisão está este tribunal obrigado, tal pena não poderá deixar de ser ponderada na fixação da pena única a aplicar no cúmulo a efectuar. Com efeito, a arguida nestes autos foi condenada na pena de 5 anos e 6 meses [de prisão] pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes por factos praticados entre o ano de 2007 e o dia 8.6.2009, sendo que no Processo Comum Colectivo n.º 418/09.3JACBR foi condenada por crime idêntico em pena igual por factos praticados em 9.6.2009. Estamos assim perante dois crimes que poderiam ter sido julgados como sendo um só crime de tráfico de estupefacientes uma vez que estamos perante um crime exaurido, pois a incriminação da conduta do agente esgota-se nos primeiros actos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa, e em que a repetição dos atos, com produção de sucessivos resultados, é imputada a uma única realização.
(…)”.    
Assim, o que os Mmos. Juízes que subscreveram o acórdão recorrido afirmam é que, não obstante entenderem que existiria um único crime, estão obrigados ao caso julgado formado no sentido de existirem dois crimes autónomos.

Em conclusão, o acórdão recorrido não extraiu dos arts. 10º, 26º e 77º do C. Penal a interpretação que lhe atribuiu a recorrente pelo que, também, com tal fundamento, não podem ter sido violados os arts. 13º e 32º da Constituição da República.

*

Da integração ou não no cúmulo jurídico, da pena aplicada à recorrente no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR

2. No acórdão em crise foi a recorrente condenada numa pena única de 7 anos de prisão, que resultou do cúmulo jurídico das penas parcelares que lhe foram impostas nos autos [processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR], no processo comum singular nº 1163/10.2TACBR e no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR.

            Na decisão recorrida entendeu-se não estarem verificadas as condições legais para que a pena aplicada à recorrente no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR pudesse integrar o cúmulo jurídico efectuado e é precisamente quanto a este aspecto que se verifica a dissensão da recorrente que, pelo contrário, entende que não só a pena em questão deveria ter sido englobada no cúmulo, como a pena única, não obstante o pretendido englobamento, deve manter-se.
            A recorrente funda este entendimento nos seguintes pressupostos:
- Nos autos foi condenada, por factos praticados entre 2007 e 8 de Junho de 2009, qualificados como crime de tráfico de estupefacientes;
- No processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR, foi condenada por factos praticados em 9 de Junho de 2009, qualificados como crime de tráfico de estupefacientes;
- O crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido pelo que os factos objecto de ambos os processos constituem o mesmo crime de tráfico;
- Consequentemente, a factualidade de 9 de Junho de 2009 deve integrar o cúmulo efectuado, nos termos do art. 77º do C. Penal, mantendo-se porém, a pena única já fixada.

Enunciada a questão, vejamos então se assiste razão à recorrente.

3. O tipo base do crime de tráfico é assim definido no art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro:
Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos

Este crime vem sendo qualificado como um crime exaurido ou de empreendimento, no sentido de que se consuma no primeiro acto de execução ou seja, com a realização inicial do iter criminis (cfr. Acs. do STJ de 18 de Abril de 1996, proc. nº 96P254 e de 12 de Julho de 2006, proc. nº 1709/06-3, in www.dgsi.pt e Pedro Vaz Patto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Tomo II, pág. 487). Assim, o agente que planta e cuida de cannabis no quintal, com o propósito de a vender, depois de preparada, a consumidores, pratica o crime de tráfico com o primeiro acto, o de plantar e cuidar a cannabis, independentemente de conseguir depois vendê-la nos termos projectados, da mesma forma que, se a vier a vender, este acto – ou estes actos, se forem mais do que um – subsequente com aquele primeiro se vai unificar, de modo a que o conjunto de todos consista na prática do mesmo e único crime.

Numa outra perspectiva, o tráfico é também um crime de trato sucessivo ou, sem grandes preocupações terminológicas, habitual, entendido como uma multiplicidade de condutas ilícitas reiteradas e por isso, homogéneas, que consubstanciam uma actividade criminosa, subordinada a uma ‘unidade resolutiva’ [que não se confunde com ‘única resolução criminosa’]. Precisamente porque as diversas condutas que o integram estão desde sempre unificadas, é o crime de tráfico incompatível com a continuação criminosa (cfr. Acs. do STJ de 18 de Abril de 1996, supra identificado e de 8 de Novembro de 1995, proc. nº 047714, in www.dgsi.pt).

Assente que o crime de tráfico de estupefaciente é um crime exaurido, de trato sucessivo ou habitual, tendo a recorrente sido condenada nestes autos pela prática de tal crime, e sido condenada no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR também pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, é certo que – considere-se ou não, que existe razão lógica e séria para operar a cisão dos factos – não pode voltar a ser discutida a questão de saber se os factos objecto de cada um dos dois processos – estes autos e o processo nº 418/09.3JACBR – constituem a prática do mesmo concreto crime de tráfico, dada a existência de caso julgado formal, em consequência do decidido no Acórdão da Relação de 17 de Abril de 2013, proferido nestes autos, e no qual foi considerado não terem os dois processos o mesmo objecto e não havendo por tal razão violação do ne bis in idem, como aí havia sido defendido pela recorrente.
  
Por outro lado, o que nos termos dos arts. 77º e 78º do C. Penal é objecto de cúmulo concretizado numa pena única, são as várias penas aplicadas ao agente pelos vários crimes em concurso, e não a cumulação de factos concretos. Estes, os factos, já se encontram fixados, bem como a sua qualificação jurídica, já se encontra efectuada, e a pena já se encontra decretada, nas respectivas sentenças, devidamente transitadas em julgado e nessa exacta medida, inatacáveis [salvo a possibilidade de recurso extraordinário].
 
4. Aqui chegados, passemos à questão seguinte que é a de saber se a pena aplicada à recorrente no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR deve ou não integrar o cúmulo jurídico efectuado.

Dispõe o art. 77º do C. Penal, com a epígrafe «Regras da punição do concurso», no seu número:
1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
(…).

Por sua vez, dispõe o art. 78º do C. Penal, com a epígrafe «Conhecimento superveniente do concurso», nos seus números:
1 – Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já estiver cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
2 – O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
(…).

Assim, há lugar a cúmulo jurídico de penas e à aplicação de uma pena unitária no caso de conhecimento superveniente do concurso, quando o agente praticou dois ou mais crimes antes do trânsito da condenação por qualquer deles, e a situação só vem a ser conhecida depois do trânsito em julgado da primeira condenação.  
O momento a atender para efeitos da verificação da existência de concurso de crimes que imponha a aplicação, nos termos das normas citadas, de uma pena única, é portanto, o do trânsito em julgado da primeira condenação. E assim:
- Se todos os crimes foram praticados antes do trânsito da condenação por qualquer deles, encontram-se todos numa relação de concurso a ser objecto do mesmo cúmulo jurídico, a sancionar com uma pena única;
- Se alguns dos crimes foram cometidos antes do trânsito da condenação por qualquer deles, e outros foram cometidos depois desse trânsito, há que distinguir: a) os primeiros juntamente com o crime objecto da primeira condenação transitada integrarão o mesmo cúmulo jurídico, a sancionar com uma pena única; b) os segundos portanto, os cometidos a partir da primeira condenação transitada, integrarão outro cúmulo [ou outros cúmulos] a sancionar com outra pena única, verificados que sejam os mesmos pressupostos, ou manter-se-ão autónomos, no caso contrário; c) nas situações referidas em a) e b), as penas únicas mantêm-se autónomas e são cumpridas sucessivamente.    

No acórdão recorrido decidiu-se cumular juridicamente as penas impostas à arguida nestes autos [processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR], no processo comum singular nº 1163/10.2TACBR e no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR, e não integrar no cúmulo a pena imposta no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR.

Os elementos relevantes destes quatro processos para a análise da decisão sindicada, são:


PROCESSOFACTOSCRIMESENTENÇATRÂNSITOPENA
158/07.8JAAVRDe 11/2007 a 08/06/2009 Tráfico, branqueamento e condução sem habilitação legalDe 20/07/2012Em 22/05/20135 anos e 6 meses de prisão, 3 anos e 6 meses de prisão e 1 ano e 3 meses de prisão, respectivamente e pena única de 7 anos de prisão
1163/10.2TACBRDe 01/01/2009Denúncia caluniosaDe 07/04/2011Em 20/05/20119 meses de prisão, substituída por multa, já extinta
1318/06.4TACBRDe 9,10/09/2006Dois crimes de emissão de cheque sem provisãoDe 07/10/2008Em 14/04/20096 meses e 11 meses de prisão, pena única de 14 meses de prisão suspensa, depois revogada
418/09.3JACBRDe 09/06/2009TráficoDe 09/04/2010Em 28/04/20115 anos e 6 meses de prisão

 
Considerando a data do trânsito das quatro sentenças, verificamos que a primeira a transitar em julgado foi a proferida no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR, trânsito que ocorreu em 14 de Abril de 2009.
Nesta data, e relevando o disposto no art. 78º, nº 1 do C. Penal, a arguida havia já praticado – em 1 de Janeiro de 2009 – os factos que constituem o objecto do processo comum singular nº 1163/10.2TACBR, o que significa que as penas parcelares de cada um destes dois processos podem ser cumuladas juridicamente.

Na mesma data – 14 de Abril de 2009 – a arguida ainda não tinha praticado os factos que constituem o objecto do processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR – 9 de Junho de 2009 pelo que, a pena parcelar aplicada neste processo e a pena parcelar aplicada no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR não podem ser cumuladas juridicamente.

Na mesma data – 14 de Abril de 2009 – a arguida tinha praticado parte dos factos que constituem o objecto dos presentes autos [processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR] mas não tinha ainda praticado a parte restante dos factos integradores do mesmo objecto. Com efeito, como se viu e como expressamente consta do acórdão recorrido, nestes autos a conduta da arguida consistiu em vários actos de tráfico de estupefacientes praticados reiteradamente, entre Novembro de 2007 e 8 de Junho de 2009, e pelos quais foi condenada como autora de um único crime de tráfico. Por isso, e ressalvado sempre o devido respeito, não é exacta a afirmação feita no acórdão recorrido, sem qualquer restrição ou explicação, de que os factos praticados nestes autos são anteriores à data do trânsito da sentença proferida no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR, e que conduziu à inclusão das penas aplicadas à arguida nestes autos, no cúmulo efectuado e agora sindicado.
Pois bem, sendo o tráfico um crime habitual, a sua consumação só se estabilizou com a prática do último acto que, in casu, ocorreu em 8 de Junho de 2009 (cfr. art. 119º, nº 2, b) do C. Penal). Por outro lado, o último acto relativo ao crime de branqueamento ocorreu em 16 de Abril de 2009, e o último acto relativo ao crime de condução de veículo sem habilitação legal ocorreu em Junho de 2009.
Assim, porque quando transitou a sentença proferida no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR ainda a arguida não tinha praticado todos os actos que constituem o objecto destes autos, não se verifica o pressuposto previsto no art. 78º, nº 1 do C. Penal, e por isso as penas parcelares aplicadas em cada um dos dois processos não podem ser juridicamente cumuladas.

Finalmente, temos que, atenta a data do trânsito da sentença proferida no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR – 9 de Abril de 2010 – e as datas da prática dos factos que constituem o objecto destes autos e o objecto do processo comum singular nº 1163/10.2TACBR, as penas aplicadas nestes três processos estão em condições de serem juridicamente cumuladas.

Não sendo admissível o designado ‘cúmulo por arrastamento’ – a circunstância de o processo comum singular nº 1163/10.2TACBR estar em concurso com o processo comum singular nº 1318/06.4TACBR arrastaria para este cúmulo o processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR [estes autos] e o processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR [por ambos estarem em concurso com aquele 1163/10.2TACBR] – impõe-se a realização de dois cúmulos jurídicos, o primeiro abrangendo o processo comum singular nº 1318/06.4TACBR e o processo comum singular nº 1163/10.2TACBR, e o segundo, abrangendo o processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR [estes autos] e o processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR.  
*
            Da questão de saber se deve manter-se a pena única já fixada no acórdão recorrido, face aos critérios estabelecidos no art. 77º do C. Penal

            5. Tendo em conta o que acaba de decidir-se no ponto que antecede, não pode a pretensão da recorrente, de que agora cuidamos, face aos termos em que foi deduzida, merecer provimento, pois que haverá que efectuar dois cúmulos jurídicos de penas.

Como vimos, a punição do concurso de crimes é feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa – (art. 77º, nº 2 do C. Penal), ponderando-se na determinação respectiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (art. 77º, nº 1 do C. Penal).

            O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única, é a personalidade do agente. Impõe-se, por isso, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente. E aqui, nota o Prof. Figueiredo Dias, cuja lição vimos seguindo (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)
            Posto isto.

            i) Processo comum singular nº 1318/06.4TACBR e processo comum singular nº 1163/10.2TACBR
Para a determinação da moldura abstracta aplicável ao concurso em epígrafe, há a considerar o cometimento, de dois crimes de emissão de cheque sem provisão e as penas de 6 meses e 11 meses de prisão, e de um crime de denúncia caluniosa e a pena de 9 meses de prisão são. Assim, a moldura abstracta a considerar para a fixação da pena única é a de 11 meses a 26 meses de prisão.
Para além da condenação pela prática dos dois referidos crimes de emissão de cheque sem provisão, a arguida sofreu já outras oito condenações pela prática do mesmo crime, todas em pena de multa. Acrescem três condenações por crime de condução de veículo sem habilitação legal, duas em pena de multa e uma em pena de prisão suspensa, já extinta, uma condenação por crime de difamação agravada, em pena de multa, e uma condenação por crimes de falsificação de documento e burla, em pena de multa.
A arguida revela portanto, uma personalidade avessa ao direito e algo indiferente aos valores sociais, que num determinado período, fez do crime de emissão de cheque sem provisão, um modo recorrente de obtenção de bens e meios de subsistência. Por outro lado, o período de reclusão já sofrido, como se nota no acórdão recorrido, parece ter reflexos nas perspectivas futuras da recorrente, que denota alguma capacidade crítica quanto ao desvalor das suas condutas e se tem esforçado por adquirir novas competências profissionais.

Assim, porque a pena única deve reflectir a dimensão e a gravidade global do comportamento do agente, dentro da moldura abstracta proposta, e porque, atentos os factos e a personalidade da recorrente, o cúmulo não deverá funcionar como atenuante, fixa-se a pena unitária em 1 ano e 7 meses de prisão.
No cumprimento da pena única haverá que descontar, nos termos do art. 78º, nº 1, in fine do C. Penal, 9 meses de prisão, correspondentes à pena parcelar já cumprida, relativa ao processo comum singular nº 1163/10.2TACBR. 

ii) Processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR [estes autos] e processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR
Para a determinação da moldura abstracta aplicável ao concurso em epígrafe, há a considerar o cometimento, de dois crimes de tráfico de estupefacientes e duas penas de 5 anos e 6 meses de prisão, de um crime de branqueamento e a pena de 3 anos e 6 meses de prisão e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, e a pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
Assim, a moldura abstracta a considerar para a fixação da pena única é a de 5 anos e 6 meses a 15 anos e 9 meses de prisão.

Como se refere no acórdão recorrido, é elevada a ilicitude do facto, no que respeita aos crimes de tráfico e de branqueamento, o primeiro, atenta a duração da conduta, a qualidade de drogas envolvidas – drogas duras – as quantidades traficadas e os proventos obtidos, de tal modo significativos, que determinaram o seu branqueamento, o dolo foi intenso, e são elevadas as exigências de prevenção geral.
São também notórias as necessidades de prevenção especial, dada a já referida personalidade da recorrente, e aqui também no que respeita ao crime de condução sem habilitação legal, atentas as três condenações já sofridas pela prática do mesmo crime.

Por tudo isto, também aqui, não podendo a pena única deixar de espelhar a dimensão e a gravidade global do comportamento da recorrente, atentos os factos e a sua personalidade, o cúmulo não poderá funcionar como atenuante.
No entanto, uma ressalva se impõe fazer. Não havendo já lugar à discussão de saber se o acto de tráfico praticado pela recorrente em 9 de Junho de 2009 e que levou à sua condenação no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR integrou ou não o mesmo facto, naturalisticamente considerado, que conduziu à sua condenação nestes autos, deve porém reconhecer-se que, no rigor dos princípios, não encontramos justificação para que a conduta verificada em 9 de Junho de 2009, ao invés de ser integrada no objecto destes autos, tenha sido autonomizada e dado origem a um novo inquérito.
Dito isto, apesar da incontornável autonomização dos dois processos, o cúmulo a realizar deverá ter em consideração este circunstancialismo, de forma a esbater as distorções causadas e alcançar uma solução equitativa. Cremos que tal desiderato será alcançado se na ‘construção’ da pena única, como operação prévia, for ficcionada a pena que corresponderia aos factos praticados nestes autos acrescidos da conduta apreciada no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR como elemento coadjuvante.

Neste seguimento, considerando que a ilicitude acrescida da compra, transporte e projectada venda, de cerca de 190 gramas de heroína [peso bruto], capazes de, sem corte, produzirem cerca de 2200 doses individuais, conduziria, numa apreciação global, a uma medida entre seis anos e meio e sete anos de prisão, atentas as penas parcelares a cumular e a ponderação decorrente deste elemento, e não devendo ter o cúmulo efeito atenuativo, fixa-se a pena unitária em 8 anos e 6 meses de prisão.
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            III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Consequentemente, decidem:
A) Julgar não verificada a invocada inconstitucionalidade.
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B) Revogar o cúmulo jurídico de penas efectuado no acórdão recorrido.
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C) Realizar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR e no processo comum singular nº 1163/10.2TACBR, e condená-la na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, em cujo cumprimento haverá oportunamente que descontar 9 (nove) meses de prisão [correspondentes à pena parcelar já cumprida, imposta no último processo cumulado].

D) Realizar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida no processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR [estes autos] e processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR, e condená-la na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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As penas únicas referidas em C) e D) serão cumpridas sucessivamente.
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            Recurso sem tributação atenta a parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).
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Oportunamente, comunique-se aos processos referidos em C), ao processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR e ao E. Prisional.

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Coimbra, 21 de Maio de 2014

 (Heitor Vasques Osório – relator)
(Fernando Chaves)
 (Esteves Marques – presidente da secção)