Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2371/09.4PEAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CRIME CONTINUADO
Data do Acordão: 04/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO – JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 30º CP
Sumário: 1.- São requisitos da existência de uma continuação criminosa:
- realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);

- homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);

- lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);

- unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma "linha psicológica continuada";

- persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.

2.- Para a verificação do crime continuado é essencial que se demonstre que as condutas levadas a cabo pelo arguido foram executadas de forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminuiu consideravelmente a culpa do arguido.

3.- Não se verifica a continuação criminosa quando as circunstâncias exteriores são conscientemente procuradas e criadas pelo arguido, procurando lugares e vítimas diferentes.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida contra o arguido:
VB..., solteiro, residente na Rua …, ..., e actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Aveiro.
Sendo decidido:
I – Absolver o arguido da prática, em autoria material de:
- Um crime de furto qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea f), do Código Penal (caso I);
- Um crime de furto qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea f), do Código Penal (caso II);
- Um crime de furto qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 203º nº1 e 204º, nº1 alínea f) do Código Penal (caso VI);
- Um crime de furto qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º nº2, alínea e) do Código Penal (caso VII).
II - Condenar o arguido em concurso real de infracções:
a) – Como autor material, na forma consumada, de um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231º nº1 do Código Penal [factos descritos em A) II (parte final)], na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;
b) – Como autor material, na forma consumada, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191° do Código Penal [factos descritos em A) IV)], na pena de 2 (dois) meses de prisão;
c) – Como autor material, na forma consumada, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191° do Código Penal [factos descritos em B)], na pena de 2 (dois) meses de prisão;
d) – Como autor material, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº1, e 204°, nº 2, alínea e), do Código Penal [factos descritos em A) III], na pena de 3 (três) anos de prisão;
e) Como autor material, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº1, e 204°, nº 2, alínea e), do Código Penal [factos descritos em A) V], na pena de 3 (três) anos de prisão;
f) Como autor material, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº1, e 204°, nº 2, alínea e), do Código Penal [factos descritos em A) VIII], na pena de 3 (três) anos de prisão;
g) – Como autor material, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº1, e 204°, nº 2, alínea e), do Código Penal [factos descritos em A) X], na pena de 3 (três) anos de prisão;
h) – Como autor material, na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 22°, nºs 1 e 2, alínea a), 23°, nºs 1 e 2, 73°, alíneas a) e b), 203º nº1 e 204º nº 2 alínea e) do Código Penal [factos descritos em A) IX], na pena de 2 (dois) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, condenar o mesmo arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
***
Inconformado interpôs recurso, o arguido.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso e que delimitam o objecto do mesmo:
1- A confissão feita pelo arguido em Sede de Audiência de Discussão e Julgamento terá de ser considerada livre, consciente e sem reservas.
2- O Tribunal à quo dá como provado que o recorrente entre os anos de 2008 a 2009 praticou os crimes pelos quais vinha acusado, sendo certo que,
3- não considerou estarmos perante execução de uma mesma actuação “… por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. " ex vi Art. 30 n.ª 2 do C.P .. Com efeito,
4- no Acórdão recorrido o arguido é condenado por um crime de receptação, dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, quatro crimes de furto qualificado e um crime de furto qualificado como autor material, na forma tentada quando, como e Lei impõe, o arguido deveria ser só condenado por um crime na forma continuada. Na verdade, resultando demonstrado que o arguido agiu sempre de forma homogénea - "modus operandi", no quadro de uma mesma situação exterior que diminuía consideravelmente a culpa do agente - "consumo de estupefacientes" -logo,
5- é patente que a resolução criminosa foi só uma, repetida por cada vez que se introduzia em local vedado ao público, recepcionava objectos furtados ou mesmo quando furtava uma habitação, sendo certo que,
6- os bens jurídicos em causa eram semelhantes, independentemente de quem era lesado. Isto é,
7 - pelo facto de haver cometido furto em diversas residências se verifica um novo crime conforme, mal, considerou o Tribunal a quo. Na verdade,
8- para efeitos de determinação da existência de crime continuado ou não o que releva é " ... a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico ... ", seja,
9- o arguido cometeu entre os anos de 2008 a 2009 o mesmo crime, repetindo a sua actuação no mesmo quadro fáctico, sendo até conhecido na sociedade pelo furto de habitações, pelo que,
10-se impõe seja apenas considerada a prática de um crime de furto qualificado na forma continuada, porquanto houve apenas e só, sempre, a mesma resolução criminosa.
11-Ao não ter entendido assim, o Tribunal a quo violou o disposto no Art. 30 n.º 2 do C.P. impondo-se a revogação do Acórdão por outro que considere a prática de um único crime de furto qualificado na forma continuada, com a consequente aplicação de pena que terá, necessariamente como limite máximo a pena aplicável à conduta mais grave, ex vi Art. 79 do C.P., sendo certo que,
12-neste caso deverá sempre ser aquela pena especialmente atenuada.
13-Importa agora analisar a bondade da pena aplicada ao recorrente em face dos factos que constam dos autos, isto é,
14-independentemente do que se disse acerca do crime continuado, que se reitera, devemos agora cingir-nos à justeza da moldura penal aplicada ao recorrente.
15- Para tal, iremos considerar se, em face do que consta dos autos se justifica uma pena como a que foi aplicada ao arguido, designadamente, oito anos de prisão efectiva. Ora,
16-salvo o devido respeito pela opinião contrária, aquela pena é manifestamente excessiva por um lado, tendo em conta as circunstâncias em que o(s) crime(s) foi(ram) cometido(s). Com efeito,
17-O arguido era consumidor de estupefacientes, enfrentando esse flagelo, tendo essa sua condição conduzido o arguido à prática daqueles factos. Contudo,
18-O tribunal à quo não- teve em consideração para a determinação da medida da pena aplicável o disposto no n.º 4 do Art, 206 do CP. – “Se a restituição ou reparação forem parciais, a pena pode ser especialmente atenuada. "Sendo certo que,
19-nos casos dos autos, situações houve em que a restituição foi integral- cfr. fls. ... dos autos.
20-Factores estes que aqui deverão ser levados em linha de conta em sede de medida concreta da pena, impondo-se a sua redução.
21-Todavia, analisando a postura do arguido posteriormente à prática dos factos e, sobretudo, em Julgamento, também essa conduta merecerá desse Venerando Tribunal a devida relevância, que redundará na aplicação da redução da pena.
22-Com efeito, o arguido não só reconheceu serem as suas condutas reprováveis aos valores da sociedade como, mostrou um sincero arrependimento colaborando com o Tribunal a quo, quer confessando, quer esclarecendo a forma como procedeu.
23- Assim, a colaboração do arguido merecia por parte do Tribunal a quo a devida valoração, o que não aconteceu. Na verdade,
24-impõem as alíneas c) e d) do n.º 2 do Art. 72 do CP. uma atenuação especial da pena nos casos em que, como no dos autos, o arguido se demonstrou arrependido e colaborou para a descoberta da verdade. Ora,
25-ocorrendo a atenuação especial conforme se impunha e, funcionando os critérios plasmados no Art. 73 do C.P. é patente que a pena a aplicar ao recorrente seria manifestamente inferior.
26- Na verdade, é manifesta a desproporcionalidade da pena aplicada - antes de operado o cúmulo jurídico - pelo que, deverão V.ªs Ex.as diminuir o quanütm de cada uma delas como se impõe, só assim dando cabal cumprimento aos princípios que norteiam o nosso sistema jurídico-penal.
27- Ainda nesta sede importa referir que daqui resulta à saciedade que os factos não justificam a aplicação de uma pena de oito anos prisão efectiva para o recorrente.
28- Assim, atendendo ao comportamento anterior e posterior do arguido, e às exigências de prevenção geral e especial, bem assim, ao facto da maior parte dos bens terem sido restituídos e à colaboração prestada pelo arguido para a descoberta da verdade impõe-se a revogação da pena concreta aplicada e substituição por outra, necessariamente inferior, assim se dando cabal cumprimento as normas plasmadas nos Arts. 70 e ss. do CP..
Foi apresentada resposta pelo magistrado do Mº Pº, na qual conclui:
1- São as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente:
a) O recorrente fez uma confissão livre, consciente e sem reservas, os factos julgados como provados integram uma actuação homogénea e a ser qualificada como prática de crime sob a forma continuada, todos os ilícitos julgados como provados têm como causa determinante a dependência do recorrente do consumo de estupefacientes, pelo que o Acórdão recorrido violou o disposto no art. 30 – nº 2 do CP.
b) Sendo o recorrente condenado pela prática de um crime de furto na forma continuada, o limite máximo da pena aplicável corresponderá à pena aplicável à conduta mais grave, e esta deveria ser especialmente atenuada, nos termos do art. 72 – nº 2 - al.) c) e d) do CP.
c) Seguidamente, defende o recorrente que a pena única é excessiva, sem colocar em causa as medidas concretas das penas parcelares, porquanto houve casos em que a restituição foi integral, a confissão feita terá de ser relevante, há sincero arrependimento, e conclui a sua argumentação pedindo a redução da pena única aplicada.
2- No caso concreto, o arguido foi condenado pela prática de cinco (5) crimes de furto, ainda que um (1) na forma tentada.
Desses cinco crimes de furto, os ofendidos são pessoas distintas, dois deles ocorreram em 23/02/08, em habitações próximas e os outros três furtos ocorreram em 25/08/2009, em habitações sitas na mesma povoação, sendo os ofendidos pessoas igualmente distintas.
3- Desde logo, entre estes dois subgrupos de furtos, não há proximidade temporal, o que por si só afasta, relativamente aos mesmos, a figura do crime continuado - neste sentido Acórdão do STJ de 08/02/95 proferido no P.46947 da 3ª Secção.
4- E, relativamente a todos eles não há homogeneidade na forma de execução, pois nuns o recorrente entrou pela porta que estava fechada, mas não trancada (factos provados nas situações I e lI, mas neste caso tratava-se da mesma habitação-moradia, em que o primeiro andar era habitado pelos pais e o segundo pela filha), e nos outros, o modo de actuação é totalmente diverso: parte persiana e vidro de janela, abre portão de residência, e salta o muro de vedação das traseiras e parte o vidro da porta da sacada.
5- Na linha pois da jurisprudência e do Acórdão do STJ supra citado, embora os ofendidos sejam diversos, poderia aceitar-se como sendo um crime continuado de furto as situações e factos julgados como provados nos itens I e lI.
No restante, quer porque se não trata do mesmo tipo de crime, quer porque não há proximidade temporal, nem homogeneidade no modo de actuação, a tese defendida pelo recorrente, terá que sucumbir.
6- O recorrente apenas impugna a medida da pena única, não colocando em causa as medidas das penas parcelares.
A medida da pena é fixada nos termos do artigo 71 nºs 1 e 2 do CP, sendo que a pena concreta é sempre limitada no seu máximo pela medida da culpa, limite este inultrapassável.
7- Assim, de harmonia com o n.º 2 do artigo 77 do Código Penal, a moldura única aplicável terá como limite máximo a soma das penas parcelares concretamente aplicadas aos diversos crimes, enquanto, o seu limite mínimo corresponderá à pena parcelar mais elevada concretamente aplicada aos vários crimes que praticou.
8- O Tribunal “a quo", teve em devida atenção todas as circunstâncias que depunham a favor do arguido, como sejam a sua idade, o seu percurso de vida, os problemas vividos no seio familiar, a sua toxicodependência, as suas tentativas de tratamento, a sua situação pessoal à data dos factos, e a posteriori, o apoio familiar de que beneficia, a sua postura em audiência de julgamento, e a confissão dos factos julgados como provados.
9- As penas concretas aplicadas e a pena única têm em atenção a culpa do recorrente, a elevada ilicitude dos factos, a intensidade do dolo, em obediência ao disposto no art. 71 do CP, sendo essas, tanto as penas parcelares como a pena única as penas justas e como tal a medida certa da pena, e aquela que satisfaz de forma adequada as exigências da prevenção.
10- Deve pois manter-se a pena única em 8 (oito) anos de prisão, sem prejuízo de se conceder que os factos julgados como provados nos itens I e II possam ser qualificados como crime de furto sob a forma continuada, situação em que se aceita que a pena única possa sofrer ligeira alteração.
Nestes termos, improcedendo totalmente o recurso, ou ainda que parcialmente procedente, nos termos referidos na nossa 10ª conclusão, será feita JUSTIÇA.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
A - DOS PRESENTES AUTOS.
I - NUIPC 481/08.4PBAVR
No dia … de 2008, entre as 14h30m e as 15h, indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, dirigiu-se à residência pertencente a MF…, sita na Rua …, ..., com o intuito de aí entrar e retirar os objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
Aí chegado, entrou na residência através da porta, que estava fechada mas não trancada.
Daí, retirou e levou consigo, fazendo-os seus, um guarda-jóias que continha um cordão, seis colares, três alianças, sete anéis, duas pulseiras (uma delas com uma medalha de bola com pedras às cores), sete medalhas e um par de brincos com uma pequena pedra vermelha, tudo em ouro amarelo, no valor total de € 4 000,00 (quatro mil euros), e ainda uma aliança em ouro branco e amarelo de 25 anos de casado, no valor de € 100,00 (cem euros).
II - NUIPC 482/08.2PBA VR (incorporado no 481/08.4PBAVR)
No dia … de 2008, entre as 14h30m e as 15h, indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, dirigiu-se à residência pertencente a DS…, sita na Rua …, ..., com o intuito de aí entrar e retirar os objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
Aí chegado, entrou na residência através da porta, que estava fechada mas não trancada.
Daí, retirou e levou consigo, fazendo-os seus, um guarda-jóias que continha seis colares (um dos quais com uma pedra azul clara), duas pulseiras, sete anéis e duas alianças, tudo em ouro amarelo, no valor de € 2 000,00 (dois mil euros).
Nesse mesmo dia, na posse de alguns dos objectos em ouro que tinham sido retirados daquelas residências, o arguido dirigiu-se à Ourivesaria W..., e vendeu-os.
Foram depois aí apreendidos pela PSP um par de brincos com uma pequena pedra vermelha, um anel de homem com uma pedra azul, um anel de senhora com uma pedra amarela, uma pulseira com o peso de 17,3 g, uma pulseira com o peso de 15,2g, uma volta em ouro e uma medalha pertencentes à MF..., que lhe foram devolvidos.
Foram igualmente apreendidos um anel com uma pedra vermelha e um anel com diamante e uma pérola pertencentes à DS..., que lhe foram devolvidos.
III - NUIPC 448/09.5GCAVR (l2/09.9GBAVR)
No dia … de 2009, entre as 11h e as 18h30m, o arguido dirigiu-se à residência pertencente a LJ…, sita na Rua …, ..., com o intuito de aí entrar e retirar os objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
Aí chegado, entrou pelo portão principal, partiu a persiana e o vidro da janela da cozinha, que fica nas traseiras, abriu-a e entrou na residência.
Daí, retirou e levou consigo, fazendo-os seus, duas pulseiras em ouro, no valor de € 100,00 (cem euros), um anel com nove pedras de cor branca, no valor de € 70,00 (setenta euros), uma nota de € 20,00 (vinte euros) e € 18,50 (dezoito euros e cinquenta cêntimos) em moedas.
IV - NUIPC 446/09.9GCAVR (12/09.9GBAVR)
No dia … de 2009, pelas 17horas, o arguido dirigiu-se à residência pertencente a PM…, sita Rua …, ..., com o intuito de aí entrar e de retirar os objectos e valores que encontrasse e lhe espertassem interesse, a fim de os fazer seus.
Aí chegado, abriu o portão da entrada da residência do ofendido, entrou no pátio que vedado com um muro, dirigiu-se para as traseiras da casa e, ao aperceber-se que havia pessoas dentro casa, voltou a sair.
V - NUIPC 447/09.7GCAVR (12/09.9GBAVR)
No dia … de 2009, pelas 18h30m,o arguido dirigiu-se à residência pertencente a JP…, sita na Rua …, ..., com o intuito de aí entrar e retirar os objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
Aí chegado, saltou o muro de vedação das traseiras, com cerca de 1,50 m de altura, partiu o vidro da porta da sacada da sala de estar, abriu-a e entrou na habitação.
Daí, retirou e levou consigo, fazendo-os seus, um telemóvel de marca MTV 3.3 no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros), um telemóvel de marca LG no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros), uma consola portátil de marca Nintendo no valor de € 300,00 (trezentos euros), um anel em ouro com uma pérola de cor branca no valor de € 50,00 (cinquenta euros) e uma saca em papel da loja "Zara", colocando todos os objectos dentro desse saco.
Após a prática dos factos descritos em III, IV e V, o arguido foi seguido e interceptado pelo ofendido LJ… e pela testemunha FM…, que o retiveram e o entregaram à GNR, que o deteve.
No mesmo dia 25 de Agosto foi recuperada a saca de papel da "Zara" que o arguido tinha escondido na mata florestal e que continha todos os objectos mencionados em III e em V e ainda um par de meias que ele habitualmente usava como luvas.
Todos os objectos que o arguido retirou das residências do PM… e do JP… foram-lhes restituídos, à excepção de € 20,00 (vinte euros).
Como meio de transporte para se deslocar de umas residências para as outras e transportar os objectos furtados, o arguido utilizou uma bicicleta de cor preta, com a chapa de matrícula …., que lhe foi apreendida nesse dia juntamente com um par de meias que usava como luvas.
VI – NUIPC 2146/09.0 PBAVR
No dia … de 2009, entre as 15h e as 16h, indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, dirigiu-se à residência pertencente a PC…, sita na Rua …, ..., com o intuito de aí entrar e retirar os objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
Aí chegado, subiu uma parede das traseiras, acedeu ao pátio e, através de uma porta que se encontrava fechada mas não trancada, entrou na habitação.
Daí retirou e levou consigo, fazendo-os seus, um computador portátil, marca HP, no valor de € 700,00 (setecentos euros), e uma placa de internet da Vodafone.
VII – NUIPC 2181/09.9PEAVR
No dia … de 2009, pelas 16 horas, indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, dirigiu-se à residência pertencente a FS…, sita na Rua …, ..., com o intuito de aí entrar e retirar os objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
Aí chegado, saltou o muro com gradeamento, partiu o estore e o vidro da janela da cozinha, abriu-a e entrou na habitação.
Daí, retirou e levou consigo, fazendo-os seus, um anel em ouro com pedra lilás no valor de € 900,00 (novecentos euros), um par de brincos com brilhantes no valor de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), um fio em ouro no valor de € 400,00 (quatrocentos euros), duas pulseiras em ouro - escravas no valor de € 290,00 (duzentos e noventa euros) cada, uma libra no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), sete pulseiras com pedras de várias cores no valor de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) cada, um fio em ouro com medalha do Snoopy no valor de € 190,00 (cento e noventa euros), três bolas em ouro – bolas de Viana no valor de € 10,00 (dez euros) cada, três pulseiras de criança com chapa com dizeres no valor de € 180,00 (cento e oitenta euros) cada, vários anéis de criança no valor de € 45,00 (quarenta e cinco euros), várias medalhas no valor de € 25,00 (vinte e cinco euros) e uma gargantilha em ouro amarelo no valor de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros).
VIII – NUIPC 2256/09.4PBAVR (2254/09.8PEAVR)
No dia …de 2009, pelas 14h10m, o arguido dirigiu-se à residência pertencente a DR…, sita na Rua …, ..., com o intuito de aí entrar e retirar os objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
Aí chegado, foi para as traseiras da residência, partiu o vidro da portada de um quarto e, através dela, entrou.
Daí retirou e levou consigo um porta-moedas de cor bege no valor de € 10,00 (dez euros) que continha onze notas estrangeiras (dólares de Hong Kong, dólares australianos e libras inglesas) com o valor comercial de € 110,00 (cento e dez euros), fazendo-os seus.
Ainda retirou do local onde se encontrava uma máquina de filmar com o respectivo estojo, no valor de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), e preparava-se para a levar, só não o fazendo por ter sido surpreendido e deixou-a noutro sítio.
No dia … de 2009, na posse das notas estrangeiras, o arguido dirigiu-se à casa de câmbios "sss…", na qual é funcionária HL…, e procedeu ao câmbio de notas de dólares de Hong Kong, dólares australianos e libras inglesas, recebendo pelas mesmas € 76,00 (setenta e seis euros).
Oito das notas vieram a ser recuperadas naquela casa de câmbios e apreendidas.
No banco traseiro da viatura policial que o transportou, mais tarde, depois da detenção, veio a ser encontrada e apreendida uma outra nota de libras inglesas.
IX – NUIPC 2254/09.8PEAVR
No dia … de 2009, pelas 14h45m,o arguido dirigiu-se à residência pertencente ao ofendido BN…, sita na Rua …, ..., com o intuito de aí entrar e se apoderar dos objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
Aí chegado, levantou o estore, partiu o vidro da porta lateral da sacada da sala da residência, abriu-a, entrou e, após, percorreu várias divisões da mesma à procura de objectos ou valores.
Porque alguns dos vizinhos se aperceberam de que aquela casa estava a ser assaltada, cercaram a mesma com o intuito de surpreender o assaltante.
Apercebendo-se da presença de tais pessoas, o arguido, com medo de ser surpreendido e detido, fugiu.
Apesar de não ter levado nada consigo, estavam imensos objectos e valores ao seu alcance, tais como objectos em ouro de valor superior a € 150,00 (cento e cinquenta euros) e € 1 300,00 (mil e trezentos euros) em dinheiro.
Nessa mesma tarde, o arguido foi interceptado e detido pela PSP de ..., sendo-lhe apreendido um par de meias que usava como luvas.
X – NUIPC 2371/09.4 PEAVR
No dia … de 2009,pelas 16 horas, o arguido dirigiu-se à residência pertencente a LM…, sita na Rua …, ..., com o intuito de aí entrar e retirar dos objectos e valores que encontrasse e lhe despertassem interesse, a fim de os fazer seus.
Aí chegado, forçando a janela lateral da casa de banho, que se encontra a cerca de 1,50 metros do chão, logrou abri-la.
Após subiu para a referida janela e por aí se introduziu no interior da residência de onde retirou e levou consigo dois mealheiros que continham cerca de € 348,47 (trezentos e quarenta e oito euros e quarenta e sete cêntimos) em notas e moedas.
Na posse daqueles objectos e quantia monetária, o arguido saiu pela janela e, uma vez aí, foi surpreendido pela testemunha PR… que o reteve com a ajuda da testemunha SG… até à chegada da PSP que o deteve.
A PSP recuperou nesse local os mealheiros, que foram depois devolvidos ao seu legítimo dono, e apreendeu uns óculos, umas luvas e um boné pertencentes ao arguido que este usava para se ocultar enquanto assaltava as residências.
XI - Ao actuar da forma descrita em III, V, VIII e X, o arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, com o propósito alcançado de fazer seus os aludidos objectos e valores, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que, quer ao entrar naquelas habitações quer ao retirá-los, agia contra a vontade e sem autorização dos respectivos donos.
Na situação prevista em IX, apenas não logrou concretizar os seus intentos por ter sido descoberto nas suas acções por terceiras pessoas e ter fugido com medo de ser detido.
Na situação prevista em IV, o arguido quis entrar no aludido pátio, que se encontrava devidamente vedado, bem sabendo que agia contra a vontade e sem autorização do respectivo dono.
Ao actuar da forma descrita em II (última parte), o arguido sabia que aqueles objectos tinham sido retirados aos seus legítimos donos sem o seu consentimento e contra a sua vontade e, mesmo assim, procedeu à sua venda, pretendendo com isso obter uma vantagem patrimonial a que sabia não ter direito.
Sabia ainda que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
B - DOS AUTOS DE PROCESSO COMUM SINGULAR Nº 2350/09.1PEAVR.
A residência de AD…, situada na Rua … - ..., tem um pátio nas traseiras, circundado por um muro com dois metros de altura.
No dia … 2009, pelas 12.30 horas, o arguido dirigiu-se àquela residência e trepou aquele muro, posto o que saltou para o interior do pátio, sem que previamente tivesse pedido autorização para lá entrar e sabendo que o fazia contra a vontade do dono da casa.
Naquele momento, AD… regressou a casa e entrou em casa utilizando o portão das traseiras que dá acesso ao pátio, onde encontrou o arguido a olhar pelas janelas da marquise para o interior da residência com propósitos não apurados.
Ao ver o ofendido, o arguido colocou-se em fuga, voltando a subir o muro e por ele saltou para o exterior, sem que aquele o conseguisse alcançar.
O arguido entrou no pátio do ofendido por motivo não concretamente apurado, mas ao que tudo indica para se apoderar de bens que ali encontrasse, sem autorização e contra a vontade do ofendido, apesar de bem saber que não podia nem devia fazê-lo.
C) - SITUAÇÃO PESSOAL DO ARGUIDO.
O arguido respondeu e foi condenado: a) em 31-10-2001 pela prática, em 16-11-2000, de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade no âmbito do Processo Comum Colectivo nº254/01 que correu termos no 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, tendo-lhe sido aplicada pena de prisão suspensa, pena essa, já declarada extinta; b) em 15-01-2002 pela prática, em 09-06-1999, de crime de furto no âmbito do Processo Comum Singular nº246/99.2GCAVR que correu termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, tendo-lhe sido aplicada pena de multa, pena essa, já declarada extinta; c) em 04-02-2004 pela prática, em 18-01-2004, de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, no âmbito do Processo Sumário nº44/04.3GELSB que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira do Bairro, tendo-lhe sido aplicada pena de multa, pena essa, já declarada extinta; d) em 19-10-2004 pela prática, em 29-11-2003, de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, no âmbito do Processo Abreviado nº150/03.1GBMIR que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Mira, tendo-lhe sido aplicada pena de multa, pena essa, já declarada extinta; e) em 12-12-2005 pela prática, em 28-08-2004, de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, no âmbito do Processo Comum Singular nº847/04.9GBILH que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ílhavo, tendo-lhe sido aplicada pena de prisão suspensa por 2 anos, tendo a decisão condenatória transitado em julgado em 09-01-2006; f) em 29-02-2008 pela prática, em 12-07-2005, de crime de falsidade de testemunho, no âmbito do Processo Comum Singular nº1767/06.8TAAVR que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Albergaria-a-Velha, tendo-lhe sido aplicada pena de prisão suspensa por 1 ano, tendo a decisão condenatória transitado em julgado em 11-04-2008; g) em 14-10-2008 pela prática, em 22-04-2008, de crime de furto qualificado, no âmbito do Processo Comum Colectivo nº313/08.3PAGDM que correu termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, tendo-lhe sido aplicada pena de 1 ano de prisão, já declarada extinta pelo cumprimento.
O arguido nasceu no seio de uma família de condição económica média, sendo pai serralheiro e a mãe cozinheira. Após a conclusão do 9º Ano de escolaridade, iniciou um processo de consumo de estupefacientes, o qual, apesar das tentativas de tratamento, se manteve, pelo menos até à data da sua detenção, altura em que consumia diariamente cocaína, precisando de cerca de € 60,00 por dia para satisfazer as suas necessidades de consumo.
O arguido trabalhou de forma irregular na empresa “V…” e em concerto de electrodomésticos, auferindo mensalmente, aquando do exercício desta última actividade a quantia mensal de € 600,00.
O arguido encontra-se preso no Estabelecimento Prisional Regional de Aveiro desde Outubro de 2009, beneficiando de visitas regulares por parte dos pais e da namorada.
Actualmente é acompanhado pelo CRI de Aveiro e integra o programa da metadona.
Factos não provados.
Não resultou provado:
a) - Que os factos descritos em A) I, II (primeira parte), VI e VII tenham sido
praticados pelo arguido.
b) – Que a bicicleta mencionada em V seja propriedade do arguido.
*
São os seguintes os critérios, no acórdão recorrido, de escolha e determinação das penas parcelares e unitária:
Escolha e medida da pena.
Realizado o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido importa determinar a natureza e medida das sanções a aplicar.
O crime de receptação é punido com pena de prisão de 1 mês a 5 anos ou pena de multa de 10 a 600 dias – Artigo 231º nº1, 41º nº1 e 47º nº1 do Código Penal.
O crime de introdução em lugar vedado ao público, é punido com pena de prisão de 1 mês a 3 meses ou pena de multa de 10 a 60 dias – Artigos 191º, 41º nº 1 e 47º nº 1 do Código Penal.
O crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º nº2, alínea e) do Código Penal, na forma tentada, é punido com pena de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses – Artigos 204º nº 2, 23°, nºs 1 e 2 e 73°, alíneas a) e b) do Código Penal.
O crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º nº2, alínea e) do Código Penal, na forma consumada, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos – Artigo 204º nº 2 do Código Penal.
Face ao disposto no artigo 70º do Código Penal, dever-se-á optar pela aplicação de pena não privativa da liberdade sempre que determinado ilícito for punível com pena privativa e não privativa, em alternativa, desde que com tal pena se realizem as finalidades da punição.
Ora, no caso sub judice, entendemos que, nos casos em que o legislador previu ao nível da moldura penal abstracta a alternativa entre pena de prisão e multa (crimes de receptação e de introdução em lugar vedado ao público), não será suficiente a aplicação ao arguido de pena não privativa da liberdade porque tal pena não satisfaz as necessidades da punição, mormente as que têm a ver com a prevenção geral, mas também com a prevenção especial, já que o arguido tem antecedentes criminais e as suas condutas são susceptíveis de causar grande alarme social.
A medida da pena é fixada nos termos do artigo 71º nºs 1 e 2 do CP, sendo que a pena concreta é sempre limitada no seu máximo pela medida da culpa, limite este inultrapassável, sendo que, nos casos de comparticipação e por força do artigo 29º do Código Penal, cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes.
Como refere Figueiredo Dias, “dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas do ordenamento jurídico” (Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, pág. 105).
Dentro desta moldura actuam razões de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, quando tal se imponha, pois se o agente não se mostrar carente de socialização, por se encontrar socialmente integrado, então a medida encontrada terá apenas a função de suficiente advertência, baixando a medida para o limiar mínimo.
O quadro relevante é o que segue:
- A média ilicitude dos factos, atento o valor dos objectos furtados que varia entre cerca de € 100,00 e € 650,00, tendo os objectos sido recuperados na quase totalidade, mas não esquecendo que o arguido partiu vidros e inutilizou janelas para se introduzir nas residências, não tendo reparado os prejuízos. Também em relação aos crimes de introdução em lugar vedado ao público, a ilicitude é mediana, tendo em consideração que o arguido permaneceu apenas por curtos períodos no pátio das residências. Finalmente, em relação ao crime de receptação, a ilicitude também se situa a um nível médio, revelando o arguido, até, pouca astúcia na sua prática, já que procedeu à venda preenchendo documento com a sua identificação, o que permitiu a sua identificação e recuperação dos objectos.
- A intensidade do dolo, que é directo (forma mais grave de culpa).
- O percurso de vida do arguido e situação que vivia à data dos factos (Nasceu no seio de uma família de condição económica média, sendo o pai serralheiro e a mãe cozinheira.
Após a conclusão do 9º Ano de escolaridade, iniciou um processo de consumo de estupefacientes, o qual, apesar das tentativas de tratamento, se manteve, pelo menos até à data da sua detenção, altura em que consumia diariamente cocaína, precisando de cerca de € 60,00 por dia para satisfazer as suas necessidades de consumo. Trabalhou de forma irregular na empresa “V…” e em concerto de electrodomésticos, auferindo mensalmente, aquando do exercício desta última actividade a quantia mensal de € 600,00).
- A situação actual do arguido (Encontra-se preso no Estabelecimento Prisional Regional de Aveiro desde Outubro de 2009, beneficiando de visitas regulares por parte dos pais e da namorada. É acompanhado pelo CRI de Aveiro e integra o programa da metadona).
- A conduta anterior e posterior aos factos que revela não ter o arguido sentido verdadeiramente as advertências que pretendiam ser as condenações já sofridas, concretamente: a condenação pela prática de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, em pena de prisão suspensa; a condenação pela prática de crime de furto simples, em pena de multa; a prática, por três vezes, de crime de condução em estado de embriaguez, duas delas em penas de multa e uma em pena de prisão suspensa; a condenação pela prática de crime de falsidade de testemunho, em pena de prisão suspensa e a condenação pela prática de crime de furto qualificado em pena de prisão efectiva.
- A confissão dos factos pelo arguido, a qual, contudo, não assumiu grande relevo probatório, já que ocorreu apenas nos casos em que o arguido foi surpreendido momentos após ter praticado os factos ou foi identificado pelos funcionários da ourivesaria ou da casa de câmbios onde foi, vender objectos em ouro e notas estrangeiras.
- Finalmente, as exigências de prevenção geral são relevantes, sabendo-se o quão perturbador é para a comunidade, a prática deste tipo de factos, mormente os furtos em residências Atento o exposto, consideramos adequado condenar o arguido:
- Pela prática de cada um dos dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, na pena de 2 (dois) meses de prisão.
- Pela prática de um crime de receptação, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.
- Pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
- Pela prática de cada um dos quatro crimes de furto qualificado na forma consumada, na pena de 3 (três) anos de prisão.
A pena única, a aplicar ao arguido.
Determinadas as penas parcelares que se consideram justas para cada um dos crimes cometidos em concurso efectivo pelo arguido, resta agora, por força do artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, proceder ao cúmulo jurídico, para determinar uma pena única a aplicar ao arguido.
Assim, de harmonia com o n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, a moldura única aplicável terá como limite máximo a soma das penas parcelares concretamente aplicadas aos diversos crimes, enquanto, o seu limite mínimo corresponderá à pena parcelar mais elevada concretamente aplicada aos vários crimes que praticou.
Fixada a moldura penal do concurso, deve-se determinar, dentro dos seus limites, a pena única concreta, atendendo, em conjunto, aos factos e à personalidade dos agentes (art. 77.º, n.º1 do Código Penal).
Assim, no caso dos autos, a moldura do concurso tem como limite mínimo 3 (três) anos de prisão e como limite máximo 16 (dezasseis) anos de prisão.
Nesta conformidade, tendo em conta os factos e a sua gravidade, mas também a circunstância de o arguido ter praticado os factos em estreita relação com a sua situação de toxicodependência que, actualmente, está a tentar tratar, bem como o seu passado criminal e a sua idade (27 anos), considera-se adequado aplicar-lhe, em cúmulo jurídico, a pena de 8 (oito) anos de prisão.
***
Conhecendo:
O recorrente insurge-se contra o acórdão recorrido entendendo:
- Que a conduta se devia integrar na figura do crime único na forma continuada.
- Que a medida da pena unitária aplicada é exagerada.
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A matéria de facto é a supra transcrita, que se encontra fixada, uma vez que o recurso versa matéria de direito.
Crime único na forma continuada:
Nos termos do n.º 1 do artigo 30 do Código Penal, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
Conforme o n.º 2 do citado artigo 30, constitui um só crime continuado a realização plurima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
“O crime continuado define-se, assim, pois, como a plúrima violação do mesmo tipo legal ou de tipos diferentes que protejam o mesmo bem jurídico, executada através de um procedimento revestido de uma certa uniformidade e que aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, arrastando consigo uma diminuição considerável da culpa do agente” – Ac. do STJ de 12-06-2002.
Para se verificar o crime continuado, o agente tem de repetir um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente.
O fundamento desta diminuição da culpa encontra-se na disposição exterior (ao agente) das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente. Na existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
Aquela diminuição de culpa do agente tem por fundamento o momento exógeno das condutas, a disposição exterior das coisas para o facto.
Refere o Prof. Eduardo Correia, in Lições de Direito Criminal, II, pág. 209, "pelo que, pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporta de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito".
No caso presente, verifica-se que entre uma e outra das condutas não há qualquer condicionalismo ou situação exterior que tenha facilitado ou "arrastado" o agente para a repetição do seu comportamento criminoso.
Tem entendido a doutrina e jurisprudência que são pressupostos essenciais do crime continuado os seguintes – cfr. LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS, Código Penal Anotado, 1º vol., 3ª .ed. pág. 397:
- realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
- homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);
- lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);
- unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma "linha psicológica continuada";
- persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
Nem todos estes pressupostos têm suscitado o mesmo nível de dúvidas, já que as mais frequentes e sensíveis se vêm situando no âmbito de dois deles:
- o mesmo bem jurídico;
- as condições exógenas que geram diminuição considerável da culpa.
Quanto ao bem jurídico diz a lei que para haver continuação criminosa tem esse bem que ser o mesmo nas plúrimas acções do agente.
Mas temos ainda a questão do requisito que exige um condicionalismo exterior ao agente que lhe facilite a prática do acto, diminuindo assim a sua culpa.
Tem-se entendido este pressuposto como a base da unificação criminosa, pois que só se justifica o regime jurídico favorável decorrente da continuação se se puder inferir da prova que houve alguma coisa de fora, não criada nem comandada pelo agente, que lhe propiciou o cometimento do ilícito, aligeirando assim a sua culpa.
É certo que a lei não determina expressamente qual seja essa situação exterior mitigadora da culpa, mas contém em si a ideia de que «no plano positivo pressupõe que o comportamento do agente se mostra determinado por circunstâncias exteriores que o levaram à reiteração da conduta ilícita, e, no negativo, afasta as situações em que essa reiteração se verifica por razões de natureza endógena –cfr. Ac. do S.T.J. de 00.04.27, Proc. nº 53/00.
Daqui decorre que «se for o próprio agente a determinar o cenário, que objectivamente visionado, serviria à perfectibilização do crime continuado, às plúrimas resoluções criminosas que, afinal, expressam a "repetição da sucumbência" fundada esta num conjunto de factores exteriores que a explicam e que, explicando-a podem levar a concluir por uma culpa menor, não são passíveis de constituírem tal tratamento jurídico menos gravoso»- Ac. do S.T.J. de 00.06.15, Proc. nº 176/00.
Ora, no caso em apreço, não está provado que algo alheio ao arguido criou condições favoráveis à prática do crime, por forma a poder afigurar-se que esta resultou como que de uma "fatalidade" gerada de fora e que assim degradou a sua culpa, mas, antes, que foi o próprio agente que "estudou" as circunstâncias do crime, procurando lugares e vítimas que reduzissem a defesa aos ataques que congeminou.
“A toxicodependência não é solicitação exógena facilitadora da execução e diminuidora do grau de culpa, para efeito de verificação de uma continuação criminosa”- Ac. do STJ de 07-12-1993, proc. 43779/3ª.
Para a verificação do crime continuado era essencial a verificação em matéria de facto, com respeito pelo princípio do contraditório, que demonstrasse que as condutas levadas a cabo pelo arguido tivessem sido executadas de forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminuísse consideravelmente a culpa do arguido.
Essa matéria não se demonstrou, nem o recorrente a indica, nem justifica porque entende ser merecedor da atenuação do crime continuado face ao concurso real de crimes. Não indica/justifica as razões porque a sua culpa de pode/deve ter como consideravelmente diminuída.
Assim sendo, há que concluir que o arguido, com a sua conduta, consumou não um crime continuado, mas tantos crimes quantos os tipos de crime efectivamente cometidos e o número de vezes que o mesmo tipo foi preenchido, a punir, como na realidade o foi, sob o regime do concurso de infracções.
Improcedendo, nesta parte o recurso.
Medida da pena:
No acórdão recorrido, foram observados os critérios legais de escolha e determinação da medida de cada uma das penas.
Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no artº 71º do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artº 40º nº 2 do C. Penal.
Extrai-se que a medida concreta da pena tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.
Visando-se, com a aplicação das penas, a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, artº 40º nº1 do Cód. Penal.
No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade (as pessoas são ciosas dos seus bens e valores, património) e satisfazer as exigências de protecção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).
Como se extrai do acórdão do STJ de 17-03-1999, Proc. n.º 1135/98 - 3.ª Secção: «Sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa - “nulla poena sine culpa” - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem a virtualidade para determinar o limite mínimo. Este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda realiza eficazmente aquela protecção.
Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que, dentro da moldura legal, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social».
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
A este respeito, ensina o Prof. Figueiredo Dias que culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser determinada a medida concreta da pena. A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto enquanto a culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável daquela.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Tendo em conta estes considerandos, importa referir que as exigências de prevenção neste tipo de situações demandam necessidade de punição.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
A pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Tendo em conta os vectores apontados, tendo em conta a moldura penal, de cada um dos crimes imputados ao arguido, temos como correcta e em nada exagerada cada uma das penas parcelares, em concreto, encontradas.
Foram correctamente observados, no acórdão, todos os critérios legais que conduzem à escolha e determinação em concreto da medida da pena, critérios com os quais concordamos inteiramente.
Tendo em conta todos os considerandos e a moldura abstracta das penas aplicáveis a cada um dos crimes pelos quais o arguido responde, têm-se como adequadas as penas parcelares fixadas no acórdão recorrido.
As penas parcelares, em concreto aplicadas, mostram-se bem doseadas e bem merecidas face á conduta do arguido.
Já a pena unitária a temos como algo exagerada, ponderando todo o circunstancialismo que o tribunal "a quo" deu como provado.
No acórdão do STJ de 06/05/2004, in CJSTJ, T2, pág. 191 diz-se: “Não se deve confundir a fundamentação que deve presidir à escolha e medida de cada uma das penas singularmente consideradas com aquela outra que a lei exige para a fixação, em cúmulo jurídico, da pena unitária, já que, nesta, o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz, nomeadamente, uma personalidade propensa ao crime ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido”.
Como se refere no acórdão recorrido, “tendo em conta os factos e a sua gravidade, mas também a circunstância de o arguido ter praticado os factos em estreita relação com a sua situação de toxicodependência que, actualmente, está a tentar tratar, bem como o seu passado criminal e a sua idade (27 anos), considera-se adequado aplicar-lhe, em cúmulo jurídico”, a pena de 6 (seis) anos de prisão, assim se reduzindo a pena unitária aplicada.
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Face ao exposto entendemos procederem, nesta parte, as conclusões do recurso, devendo ao mesmo, nesta parte, ser concedido provimento.
Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido VB… e, em consequência:
a)- Condena-se o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
b)- No restante, se mantém o acórdão recorrido.
Sem custas dado o parcial provimento do recurso.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins