Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1047/20.6T8GRD-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EXECUÇÃO
ESCRITURA DE MÚTUO
EXEQUIBILIDADE DOS DOCUMENTOS AUTÊNTICOS
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO CÍVEL E CRIMINAL JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 707.º E 715.º, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I- Os documentos exarados ou autenticados por notário em que se convencionem prestações futuras podem servir de base à execução desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio.

II- Se a exequente no seu requerimento inicial não alegou que efectuou qualquer prestação para conclusão do negócio de mútuo, nem juntou quaisquer documentos comprovativos de que alguma prestação foi realizada, não pode remediar a missão na contestação aos embargos, visto que a força executiva do documento que serve de base à execução deve verificar-se no momento em que esta é instaurada.

III- Se a escritura notarial de mútuo é omissa sobre o documento comprovativo de que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio, só um documento revestido de força executiva própria servirá para o aludido efeito.

IV- Não reveste força executiva um print apócrifo, que não contém a identificação do credor mutuário ou da conta creditada e que nem se mostra mostre dirigido ao devedor.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. A., SA, com sede em ..., intentou execução, para pagamento de quantia certa, contra B., Lda, com sede em ..., C., D., E., e Herdeiros de F., todos residentes em ..., com base em contrato de mútuo, no montante de 95.000 €,  com hipoteca e fiança, celebrado entre os executados, a primeira como mutuária, os segundo e terceiro como fiadores e principais pagadores, os quarto e quinto como garantes hipotecários, e a H., estando em dívida o valor de 76.695,49 €, de capital (46.800 €), juros vencidos, despesas e taxa de justiça, a que acrescem juros vencidos, tendo a mutuante cedido o seu crédito à exequente.   

E. deduziu embargos, alegando que a exequente não é parte legítima, por esta não ter comunicado aos executados a invocada cessão de créditos. Mais, a escritura pública dada à execução não é exequível por não estar acompanhada de comprovativo da transferência para a mutuária/devedora da quantia mutuada, pelo que o título executivo é insuficiente, padecendo, ainda, o título de iliquidez.

A exequente contestou, dizendo que a cessão foi comunicada à mutuária/devedora e aos dois fiadores, por carta registada e por eles recepcionada. Ademais, todos os executados autorizaram a cessão de créditos no contrato de mútuo. Que a quantia mutuada foi creditada na conta bancária indicada da mutuária/devedora, conforme doc. nº 5 que junta. Que a escritura pública é documento autêntico e nela a mutuária/devedor reconheceu a dívida proveniente do mútuo. Inexiste iliquidez, pois no requerimento executivo referiu que os executados tinham em dívida 46.800 € do capital mutuado de 95.000 €, e quando entraram em incumprimento até foram interpelados pela mutuante H.. Os embargos devem ser improcedentes.

O embargante respondeu, impugnando o dito doc. Nº 5.   

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Seguidamente foi proferido saneador-sentença que julgou os embargos improcedentes, e determinou o prosseguimento da execução.

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2. Na sequência de recurso do embargante, foi proferida decisão singular, pelo presente relator que julgou o recurso improcedente relativamente à questão da ilegitimidade da exequente e anulou oficiosamente a sentença recorrida, relativamente à questão da inexistência/insuficiência, inexequibilidade, inexigibilidade do título, devendo ser proferida uma nova decisão em que elenque a matéria provada. 

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Seguidamente foi proferido novo saneador-sentença que julgou os embargos improcedentes, e determinou o prosseguimento da execução.

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3. O embargante recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:

1)- A Exequente, sem nada a tal propósito alegar, juntou com a sua Contestação o documento 5, que presume demonstrar a disponibilização do quantitativo previsto no título dado à execução; o embargante impugnou o teor de tal documento, por isso que o mesmo não tem qualquer valor processual.

2)- Acresce que o documento 5, junto pela Exequente com a sua Contestação, não demonstra a existência da dívida exequenda pois trata-se de mero print de um aludido extracto de movimentos, dele não constando a origem, nem se é conta corrente do primitivo banco credor ou de outro qualquer banco, pois não tem qualquer timbre ou cabeçalho identificativo do banco a que se reporta.

3)- Tal suposto extracto é um simples documento onde, sobre papel branco, apócrifo, sem nenhuma menção que se reporte à sua natureza, sem identificação do banco primitivo credor, sem qualquer assinatura (seja daquele ou dos executados), timbre ou outra forma de garantir por quem foi exarado, se apuseram letras, números e dizeres.

4)- Tal documento não cumpre, por incompletude e pela forma, não obstante o nome que lhe dá a Exequente, os necessários requisitos para que possa considerar-se um Extracto, com a segurança que lhe é própria, muito menos um demonstrativo da existência de qualquer obrigação por parte dos executados.

5)- Dessa tabela, também não resulta se houve, ou não, transferências de valores, e, em caso afirmativo, por ordem de quem.

6)- Assim, um mero documento sem se saber a sua origem não pode dar ao Tribunal a segurança necessária de que tais operações ocorreram, em que termos e datas, e muito menos qual foi a origem de tais transferências.

7)- E, assim sendo, não podia ter sido dado como provado o circunstancialismo apreendido em 15. dos factos considerados como provados na Sentença aqui em crise -por isso que deve tal circunstancialismo deixar de ser dado como provado.

8)- Mas, ainda que se entenda que o dito documento junto sob o n.º 5 com a Contestação aos embargos de executado (apesar de expressamente impugnado pelo embargante) faz fé nos seus precisos termos, do exame detalhado do mesmo resulta que o valor total creditado ascendeu a € 47.800,00 (e não a € 95.000,00), e que o saldo devedor final (em 2017/10/12) ascendia a € 19.500,00.

9)- E por isso, sem jamais prescindir do que supra se alegou sobre o valor probatório do documento ora em análise, a consideração errónea plasmada em 15. dos factos considerados como provados.

10)- O mútuo bancário, ora em causa, distingue-se de quaisquer outros não apenas por ser celebrado por um banqueiro, como mutuante, agindo no exercício da sua profissão, mas também no que concerne à forma, às taxas de juros e a prazos; outra das suas particularidades é a de poder ser um mútuo de escopo, uma vez que, contratualmente, o mutuário pode ficar adstrito a dar determinado destino à importância recebida; porém, nenhuma destas particularidades retira ao contrato de mútuo bancário as características marcantes do contrato de mútuo na sua expressão civilista.

11)- O empréstimo de uma quantia em dinheiro implica assim a transferência desse dinheiro do mutuante para o mutuário, tornando-se propriedade deste.

12)- Por tudo isto, também no mútuo bancário a efectiva transferência de dinheiro efectuada pelo mutuante é elemento constitutivo ou integrante do contrato, de tal forma que este não existe sem que o banqueiro proceda à entrega efectiva da quantia mutuada, só então nascendo a obrigação do mutuário restituir a quantia mutuada e a respectiva remuneração.

13)- Ora, da factualidade dada como assente nos presentes autos resulta que foi dado à execução um Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança, no montante de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros)- mas já não pode ser dado por assente que tal quantia tenha sido efectivamente entregue aos aqui executados; e do título dado à execução também não resulta a entrega (aos executados) do dito quantitativo pecuniário.

14)- No caso vertente, não foi alegado, nem pode ser dado como provado, que ocorreu entrega de qualquer quantia pecuniária por força do contrato dado à execução; por conseguinte, ao contrato de mútuo que, como título executivo, serve de base à presente execução falta um dos elementos essenciais deste contrato – a efectiva entrega de dinheiro.

15)- E, assim, se a entrega/disponibilização do montante alegadamente mutuado não resulta do título (e complementarmente nada se alega, nem prova…), o documento dado à execução não se apresenta como constitutivo/certificativo da obrigação que o credor pretende coactivamente realizar – por isso que, salvo o devido respeito e melhor opinião, estamos perante título manifestamente insuficiente, o que deve conduzir à extinção da execução.

16)- De qualquer forma, e sem prescindir, sempre poderia dizer-se que do documento junto pela Exequente com a sua Contestação, sob o nº 5, resulta que foram entregues aos executados quantias determinadas.

17)- A este propósito dir-se-á em primeiro lugar que não cabe ao embargante, nem aos executados, e muito menos ao Julgador, perscrutar em documentos as quantias que presumidamente tenham sido disponibilizadas em cumprimento do título dado à execução, escolhendo o que melhor entenderem –é que, apesar de cada vez mais mitigado, o ónus de alegação das partes ainda consta do art.º 5º do Cód. Proc. Civil.

18)- E, por isso, devia a Exequente complementar a junção de tal documento com a alegação (que, desde logo deveria ter acontecido no próprio requerimento executivo, cf. art. 715.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil) da entrega, em que momento, e por que forma (uma ou mais vezes…), do quantitativo previsto no título executivo – o que a Exequente não fez, antes se limitando a juntar um documento apócrifo.

19)- E, assim, da falta de alegação dos factos que vêm de referir-se resulta que não podem os mesmos ser considerados e muito menos dados como provados (até porque o embargante impugnou o teor do documento do qual presumidamente resulta a disponibilização de tal quantitativo) -donde a procedência dos embargos de executado aqui em apreço.

20)- Na verdade, a Exequente não só não alegou nada no requerimento executivo, como também não o alegou posteriormente, nem sequer esclareceu…, antes se limitando a juntar uma folha de papel com uns dizeres que nada demonstram, nem vinculam quem quer que seja, não se sabendo mesmo quem é o seu autor…; e, assim, o título dado à execução, desacompanhado do extrato que concretiza as operações subsequentes de disponibilização do capital ao mutuário, manifestamente, não tem a virtualidade de se poder perfilar como título executivo - e a inexistência de título executivo implica a extinção da execução.

21)- Não resulta dos factos considerados como provados que tenha sido dirigida qualquer comunicação ao recorrente, e por este recepcionada, dando a conhecer a cessão de créditos apreendida em 2) dos factos provados.

22)- Conforme decorre do artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil, a cessão de créditos só produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada ou desde que ele a aceite; assim, a cessão de créditos deverá ser notificada ao devedor, seja pela cedente, seja pela cessionária, para produzir efeitos em relação ao mesmo.

23)- Deste modo, é manifesto que não assegurou a Exequente a sua efectiva legitimidade processual e substantiva para assumir a qualidade de Exequente em relação aos créditos aqui em causa.

24)- A Sentença revidenda violou, entre outras, as normas dos arts. 5º, 53.º; 54.º; 703.º; 707.º; e 715.º, todos do Cód. Proc. Civil; e arts. 1142.º e 1144.º, Cód. Civil.

Termos em que, e nos melhores de direito cujo suprimento antecipadamente se pede, deve a Sentença revidenda ser substituída por outra que contemple tudo quanto vem de alegar-se, assim se fazendo Justiça.

4. A exequente contra-alegou, concluindo que:

A. Do Recurso de Apelação apresentado pela Recorrente, salvo o devido respeito por opinião divergente, não se vislumbra o que pretende a Recorrente alcançar.

B. O predito recurso centra-se essencialmente nas alegações de inexistência de título suficiente por falta de prova de prova da entrega das quantias mutuadas por parte da Recorrida; a falta de prova quanto a ter havido (ou não) pagamentos por conta da quantia efetivamente entregue, o que consubstanciaria em tese a falta de liquidez do título executivo e por fim a falta de notificação da cessão e créditos pela Recorrida e a sua consequente falta de legitimidade processual e substantiva.

C. Andou bem o Tribunal a quo ao proferir a Douta Sentença no que concerne aos factos provados e não provados e à improcedência total dos embargos aduzidos.

D. Não sendo, pois, a Douta Sentença merecedora de qualquer juízo de censura ou reparo.

E. O título executivo dado à execução é uma escritura pública de contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança (celebrada em 13 de junho de 2013).

F. Os Executados desde logo se confessaram “devedores” na data da celebração do contrato.

G. E por força disso a Recorrente permite, em 2013, que se hipoteque o seu imóvel para que, consequentemente, a sua representada B., LDA pudesse receber a quantia de € 95.000,00.

H. Está demonstrado desde logo, que aquela prestação correspondente ao empréstimo das quantias indicadas foi satisfeita.

I. Compulsados os autos, dúvidas não subsistem que a Recorrida, enquanto mutuante, cumpriu com o ónus da prova de entrega de tal quantia à sociedade devedora tendo junto aos autos para além do documento autêntico (escritura pública de «mútuo com hipoteca» de fls. 5 e ss dos autos principais), outro meio probatório, documental (extrato de conta de onde consta a transferência bancária) – Doc 5 de fls 33 junto com a contestação e tendo ainda por referência a hipoteca constituída e registada a seu favor.

J. Sendo de concluir de forma inequívoca pela suficiência de título executivo e pela existência dos requisitos do direito de crédito invocado pela Exequente/Recorrida.

K. No tocante a questão dos pagamentos(saber se “houve ou não lugar a pagamentos por conta da quantia efetivamente entregue aos devedores” e se tal suscita dúvidas ao embargante,) é consabido que cabe à Recorrente e não à Recorrida demonstrar através dos pertinentes factos suportados por documentos, se houve lugar a outros pagamentos (art 342º, nº2, do CCivil), por desde logo caber à parte Embargante, perante a contraparte munida de título executivo, o ónus da prova quantos aos meios de defesa / matéria de exceção que invoque, o que não se verificou.

L. O critério da determinação da quantia exequenda está liquidado no requerimento executivo.

M. E pressupondo a ação executiva o incumprimento, impõe-se que a obrigação exequenda se revista de determinadas características (requisitos de exequibilidade intrínseca) que permitam a sua realização coativa, a saber, certeza, exigibilidade e liquidez, o que foi em sede própria devidamente provado pela Recorrida e considerando pelo Tribunal a quo.

N. Vertendo no caso concreto, analisado o título dado à execução, concluímos que a obrigação é certa, por não ser alternativa nem dependente de escolha; é exigível, por não estar dependente de condição suspensiva ou de prestação por parte do credor ou de um terceiro e é líquida por estarem especificados no título os valores compreendidos na quantia exequenda.

O. Por último, entende a Recorrente verificar-se a ilegitimidade processual e substantiva da Recorrida em relação aos créditos em causa porquanto não foi assegurada a notificação da cessão de créditos ao recorrente/executado em momento anterior à instauração da acção executiva, mas não lhe assiste razão.

P. Foi feita prova cabal e inequívoca nos autos que a cessão de créditos foi devidamente comunicada aos Executados, concretamente foi aquela comunicada à mutuária/devedora – B., LDA – e a quem desempenhava a gerência de facto da empresa, através de carta datada de 02/11/2017.

Q. Logo, contrariamente ao que a Recorrida quer fazer crer foi dado cumprimento ao artigo 583.º, nº 1 do Código Civil e a cessão foi, de facto, comunicada a quem era responsável pelo pagamento da obrigação, ou seja, à empresa B., LDA; ao sócio-gerente D. e à sócio-gerente C..

R. Mais, as partes autorizaram ab initio a eventual cedência do crédito em causa pela H. a terceiros.

S. Por esta linha de raciocínio se conclui que existe uma aceitação, por todos os intervenientes do contrato, da cessão ocorrida em 02/11/2017 nos termos e para os efeitos do artigo 583.º, nº 1 do Código Civil.

T. Ademais, a cessão de créditos não carece de autorização por parte do devedor.

U. A notificação ao devedor constitui apenas uma condição de eficácia da cessão perante si, dando-lhe a conhecer a identidade do cessionário e evitando que o cumprimento seja feito perante o primitivo credor, o que pode perfeitamente ser obtido através da citação para a acção executiva (ou com a notificação para o incidente de habilitação a operar na mesma), momento a partir do qual o devedor fica ciente da existência da cessão e inibido de invocar o seu desconhecimento.

V. Em suma, a douta sentença proferida pelo tribunal a quo no que respeita à fundamentação na perspetiva da Recorrida não merece qualquer censura.

W. Pelo que, deve improceder na totalidade todo o alegado no recurso a que ora se responde, mantendo-se, pois, a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Nestes termos, deverá ser julgado totalmente improcedente o Recurso interposto pela Recorrente B., LDA, assim fazendo V. Exas. JUSTIÇA.

II – Factos Provados

1- Foi dado à execução um Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança, no montante de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros).

2- Por escritura pública de 2 de novembro de 2017, a “ H., S.A.” cedeu o crédito que detinha sobre o ora embargante (e demais co-executados) à “ A., S.A.” tendo sido atribuído a esse contrato o nº ... (fls 18 a 20 da execução principal) – cfr Doc 1 e 3 do processo principal.

3- Os outorgantes declararam, além do mais, nessa escritura «Que, a presente cessão comporta, relativamente a cada um dos créditos, a transmissão para a “ A.”, de todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes, designadamente hipotecas constituídas para sua garantia, bem como a posição processual da “ H., S.A.”, nos processos judiciais identificados no documento complementar, relativamente a cada um dos Créditos cedidos» (cf. fls. 19 da execução principal).

4- Os outorgantes declararam ainda «Que, a cessão deverá ser levada ao conhecimento dos mutuários correspondentes, designadamente através de comunicações escritas que lhe serão enviadas pela “A.”, representada do segundo outorgante ou por terceiro em sua representação.

5- A sobredita cessão de créditos datada de 02/11/2017 foi comunicada à mutuária/devedora – B., LDA – e a quem desempenhava a gerência de facto da empresa, através de carta datada de 02/11/2017, com aviso de receção, cfr. Documentos 1, 2 e 3 aqui dados por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.

6- As comunicações referidas em 5- foram enviadas por carta registada com AR, todas para a morada do ora Embargante, para x..., conforme registos consultáveis pelo número de registo no site dos CTT:

a) Carta registada com aviso de receção enviada a D., com o número de registo RG...PT e junta como Documento 1 da contestação, rececionada em 09/11/2017 pelo próprio;

b) Carta registada com aviso de receção enviada a C., com o número de registo RG....PT e junta como Documento 2 da contestação, rececionada em 09/11/2017 por D.;

c) Carta registada com aviso de receção enviada a B., LDA com o número de registo RG....PT e junta como Documento 3 da contestação, rececionada em 09/11/2017 por D.;

7- O ora Embargante intervém no contrato nº 053361001547 como sócio da empresa B., LDA e como proprietário em 2/3 do imóvel dado em garantia.

8- Nos termos do contrato nº ..., na cláusula décima primeira com epígrafe “cessão de créditos”, a parte devedora, ora executados, logo autorizaram a H. a ceder a terceiros parte ou a totalidade do crédito objeto do contrato indicado em 1-.

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9- O título indicado em 1- foi junto aos autos de execução com processo sumário de que os presentes autos constituem apenso em que é exequente A., S.A. e executados B., LDA, Herdeiros de F., C. D., I. e E., ora embargante e consiste numa cópia consubstanciada num acordo de “MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA” celebrado por escritura pública datada de 12-06-2013 (no que aqui importa e reportado ao mútuo) entre a H. e os executados no montante de € 95.000,00, outorgada no Cartório Notarial sito na rua ..., na ..., perante o Notário G., de folhas vinte e duas a folhas vinte e cinco do Livro de notas para escrituras diversas número duzentos e cinquenta e quatro - P e DOCUMENTO COMPLEMENTAR (conforme documento de fls 5 e ss junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos).

10- As partes acordaram em que a sociedade ( B., LDA) representada pelos segundos e terceiros outorgantes na referida escritura (todos executados) se confessavam desde logo devedores de todas as quantias entregues ao abrigo do sobredito contrato.

11- Mais acordaram as partes que “Os documentos referentes ao crédito efetuado (…) e elaborados de acordo com a presente escritura, constituem prova do pagamento de prestações futuras nos termos e para os efeitos do artigo cinquenta do Código do Processo Civil (documento de fls 5 e ss junto com o requerimento executivo aqui se considera reproduzido).

12- Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas no sobredito contrato, a PARTE DEVEDORA e os TERCEIROS outorgantes, constituíram a favor da H. primeira hipoteca voluntária sobre o seu seguinte imóvel e demais benfeitorias, ao qual foi atribuído, após conclusão do investimento, o valor de duzentos mil euros:

PRÉDIO RÚSTICO (…) sito em ..., na freguesia de ..., concelho de ...., conforme consta da descrição predial, tendo sido requerido o registo de hipoteca a favor da “ H.” pela apresentação mil setecentos e vinte e um de doze de junho de dois mil e treze. (documento de fls 5 e ss junto com o requerimento executivo aqui se considera reproduzido).

13- À data da outorga da sobredita escritura pública já se encontrava requerido o registo de hipoteca a favor da “ H.” pela apresentação mil setecentos e vinte e um de doze de junho de dois mil e treze.

14- Mostra-se igualmente junto «DOCUMENTO COMPLEMENTAR» “(…) elaborado nos termos do número 2 do artigo 64º do Código do Notariado que fica anexo e faz parte integrante da escritura de mútuo (CRÉDITO AO INVESTIMENTO PLANO DE AMORTIZAÇÃO – EURIBOR A 6 MESES) lavrada em doze de Junho de dois mil e treze “, do qual resulta um plano de amortizações mensais e sucessivas para reembolso da quantia mutuada, acrescidas dos juros e encargos (Cláusula primeira e segunda do documento complementar).

15- De acordo com o “Extracto de Movimentos” referente ao contrato nº ... a quantia mutuada de € 95.000,00 foi creditada na conta do titular “....- B., LDA” com data valor 27-08-2013, data movimento 31-08-2013 (conforme documento 5 de fls 33 do apenso “A” junto com a contestação à oposição à execução, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos).

16- Por contrato de cessão de créditos, assinado em 02 de novembro de 2017, a H. vendeu o crédito identificado com a referência .... à A., S.A. que detinha sobre os Executados e todas as garantias acessórias a ele inerentes.

17- Posteriormente, a hipoteca registada a favor da H. foi registada a favor da exequente A. SA (NIPC ....) pela Ap. 3439 de 2017/12/05.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Ilegitimidade da exequente.

- Alteração da matéria de facto.

- Inexistência/insuficiência, inexigibilidade, inexequibilidade do título.

 

2. Vem o recorrente invocar a ilegitimidade da exequente (cfr. conclusões 21) a 23) do seu recurso).

Todavia esta questão já foi decidida na anterior decisão singular, e que transitou em julgado. Ao vir reincidir na mesma questão, no presente recurso, o recorrente demonstra indiferença ao que já está definitivamente resolvido, o que demonstra desatenção ou negligência consciente, o que neste caso indicia uma conduta processual a roçar pela má fé. Bom, prosseguindo.  

Havendo caso julgado formal sobre este tema (art. 620º, nº 1, do NCPC), só resta julgar esta arguição improcedente.

3. Impugna o recorrente o facto 15., que entende dever passar a não provado (cfr. conclusões 1) a 9) do seu recurso).

Na verdade, o documento particular que a exequente diz ser comprovativo das prestações que efectuou (o aludido doc. nº 5, a fls. 33 dos autos), do mútuo contratado, e que o recorrente atempadamente o impugnou, é, como justamente sublinha o recorrente, um mero print de um alegado extracto de movimentos, dele não constando a origem, nem se é conta corrente do primitivo Banco credor, pois não tem qualquer timbre ou cabeçalho identificativo do Banco a que se reporta. É um documento simples onde, sobre papel branco, apócrifo, sem nenhuma menção que se reporte à sua natureza, sem qualquer assinatura, seja daquele Banco ou dos executados, timbre ou outra forma de garantir por quem foi exarado. Nele constam números com datas de movimentos, valores e saldos e dizeres alusivos a estes últimos items (o único dizer claro é a menção ao número do contrato de mútuo celebrado e ao seu titular, a executada B., Lda). Inclusive nem se menciona a que conta bancária se reportará tal extracto, designadamente se à conta bancária identificada na cláusula 1ª, nº 3, do contrato de mútuo, cláusula onde se estabeleceu que a quantia mutuada seria creditada na conta aí indicada.

Mais, do aludido print, a ser verídico, então deduzir-se-ia que o mutuário só teria utilizado a quantia total de 47.800 €, que é a soma total da menção “UTILIZAÇÃO PARCI” entre 12.6.2013 e 15.10.2014 e não os 95.000 € invocados pela exequente. Nem o referido documento se mostra dirigido aos executados/embargante.

Assim, como justamente salienta o apelante, tal documento não cumpre, por incompletude e pela forma, não obstante o nome que lhe dá a exequente, os necessários requisitos para que possa considerar-se um extracto, com a segurança que lhe é própria (vide em quadro factual semelhante o Ac. da Rel. Porto, de 9.2.2021, Proc.1881/19.0T8LOU-A, em www.dgsi.pt).

Julga-se, por isso procedente a impugnação da decisão de facto deduzida, passando o facto 15. a não provado e em negrito e letra minúscula.

4. Na sentença recorrida escreveu-se que:

A Exequente apresentou à execução, como título executivo, uma escritura pública de contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança (celebrada em 13 de junho de 2013).

Os documentos aos quais a lei reconhece eficácia encontram-se taxativamente elencados no artigo 703º do NCPC/ anterior 46.º do CPC, do qual constam as espécies de títulos executivos que podem servir de base à execução, dispondo, na parte que ora interessa da escritura pública em si, que «à execução apenas podem servir de base:

a) (…);

b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

c) (…);

d) (…)».

Por sua vez, o contrato de mútuo encontra-se previsto no art 1142º, e ss do Código Civil, aí se estabelecendo que “é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.

(…).

Mas por se tratar de um contrato real quoad constitutionem, isto é de um contrato cuja verificação depende da tradição da coisa que constitui o seu objeto mediato (1 Vd. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 762.), a conclusão do contrato só se completa pela entrega da coisa – a vinculação do mutuário à obrigação de restituir, depende da disponibilização pelo mutuante das quantias neles referidas (cfr. arts. 408º, nº 1, in fine e art. 1142º, ambos do C.Civil).

(…)

Por seu turno, o artigo 707.º do NCPC que rege sobre a exequibilidade dos documentos exarados ou autenticados por notário, como é o caso, estabelece que: “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.”

No caso presente, da escritura pública de Mútuo com hipoteca e fiança (celebrada em 12 de junho de 2013), dada à execução, consta, além do mais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que a utilização da quantia mutuada seria entregue à sociedade representada pelos segundos e terceiros outorgantes, “confessando-se a sociedade sua representada devedora de todas as quantias entregues ao abrigo do presente contrato” e que a “quantia mutuada será creditada na conta de depósito à ordem constituída na H., em ..., em nome da devedora” alem de que “os documentos referentes ao crédito efectuado na conta de depósitos à ordem (..) constituem prova do pagamento de prestações futuras (…).

Estamos perante uma escritura pública que se refere à celebração de um contrato mútuo entre as partes ali identificadas, consubstanciado no empréstimo pelo Banco ( H.) à mutuária (sociedade devedora, representada pelos demais outorgantes, na qualidade de únicos sócios com poderes para o ato, ora co-executados) da quantia acima discriminada.

Além disso, o extrato de conta corrente junto a fls 33 do apenso “A” comprova que, em conformidade com o que tinha ficado exarado na escritura pública referente ao empréstimo e acima transcrito, as transferências parciais do empréstimo, num total de € 95.000,00 foram feitas para a sociedade devedora, todas até 31-08-2013.

E, confrontando ainda os termos do contrato de mútuo sob análise, constata-se que os aqui executados (e o ora embargante) logo se confessaram “devedores” na data da celebração do contrato.

Portanto, está demonstrado desde logo, que aquela prestação correspondente ao empréstimo das quantias indicadas foi satisfeita.

Mais declararam nesse documento autêntico que o empréstimo fica a reger-se pelas cláusulas dos documentos complementares que ficaram a fazer parte integrante da sobredita escritura.

Destes documentos complementares constam a forma de pagamento, em prestações a satisfazer no prazo indicado, os juros às taxas, prazos e condições ali previstos, a cláusula penal aplicável em caso de mora, e ainda as consequências para a falta de pagamento das prestações.

Portanto, o documento complementar celebrado aquando da outorga da escritura pública e que dela fazem parte integrante, atesta quer a forma do cumprimento quer as consequências para o não cumprimento das prestações nos mesmos convencionadas.

Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas a devedora constituiu a favor da “ H.” uma hipoteca voluntária sobre um imóvel, já se encontrando à data requerido o registo da hipoteca a favor da “ H.” recaindo uma série de obrigações relativas ao imóvel sobre o qual foi constituída a hipoteca.

Daqui se retira de não se tratar de um puro e simples crédito, mas de um crédito dotado de uma especial garantia real: hipoteca. E incumbindo, à luz da regra geral do art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil, à credora (mutuante) o ónus de prova de entrega de tal quantia á sociedade devedora, enquanto elemento constitutivo do contrato de mútuo (negócio real quoad constitutionem) e tendo a exequente, para efeito de cumprimento de tal ónus, logrado trazer aos autos, para além do documento autêntico (escritura pública de «mútuo com hipoteca» de fls. 5 e ss dos autos principais), outro meio probatório, documental (extrato de conta de onde consta a transferência bancária) – Doc 5 de fls 33 junto com a contestação e tendo ainda por referência a hipoteca constituída e registada a seu favor, tal permite-nos concluir pela suficiência de título executivo e pela existência dos requisitos do direito de crédito invocado pela exequente.

Conclui-se assim que as quantias pecuniárias em apreço foram disponibilizadas à sociedade executada, ficando demonstrada a efetiva entrega do capital por parte da H., constituindo a escritura pública de “Mutuo com hipoteca e Fiança” dado à execução, um título executivo constitutivo das obrigações que haviam sido reconhecidas pelos devedores.

(…)

De acordo com o n.º5 do artigo 10.º do NCPC, o título executivo constitui a base da execução e por ele se determina o fim e os limites da ação executiva.

Pressupondo a ação executiva o incumprimento, impõe-se que a obrigação exequenda se revista de determinadas características (requisitos de exequibilidade intrínseca) que permitam a sua realização coativa, a saber, certeza, exigibilidade e liquidez.

No caso sob análise, o título executivo é condição necessária e suficiente da ação executiva: é condição necessária na medida em que constitui pressuposto formal da ação executiva e foi apresentado com o requerimento executivo, nos moldes acima descritos. É condição suficiente na medida em que, existindo título, considera-se que o direito existe nos termos constantes do título, cabendo ao executado alegar a existência de qualquer desconformidade, o que não fez.

(…)

Por último, não vislumbramos razão para se chamar aqui à colação a ….. inexigibilidade da obrigação.

(…)

É inexigível quando está dependente de condição suspensiva ou de prestação por parte do credor ou de um terceiro (artigo 715.º do Código de Processo Civil).

Ora, no presente caso, analisado o título dado à execução, concluímos que a obrigação …..; é exigível, por não estar dependente de condição suspensiva ou de prestação por parte do credor ou de um terceiro …..

Face ao exposto, entendemos que deverão improceder os embargos com estes fundamentos.”.

O recorrente não concorda, no essencial, porque o mútuo pressupõe a entrega de dinheiro, não resultando tal entrega do título executivo, nem complementarmente tal se provou, pelo que o título é manifestamente insuficiente. Que a exequente juntou o doc. nº 5 com a sua contestação que visaria comprovar a entrega do dinheiro, sem, contudo, ter alegado essa entrega no requerimento inicial executivo, como devia, nos termos do art. 715º do NCPC, doc. que, além de ser um mero print apócrifo e nada provar, até foi impugnado pelo embargante/recorrente, pelo que inexiste título executivo. Foi violado, também, o art. 707º do NCPC (cfr. 10) a 20) das conclusões de recurso).

Desta argumentação recursiva, que se sintetizou, resulta que o apelante, tanto fala em inexistência ou insuficiência do título, como inexequibilidade do título, como inexigibilidade do título, que são fundamentos diversos para deduzir embargos, como decorre dos arts. 729, nº 1, a) e e) e 731º do NCPC. E que não são misturáveis. Vejamos, então, um a um, os diversos fundamentos de embargos invocados.

4.1. Em relação à inexistência do título, a decisão recorrida já deu a devida resposta, que importa, pois, relembrar.

De acordo com o art. 10º, nº 5, do NCPC, o título executivo constitui a base da execução e por ele se determina o fim e os limites da ação executiva.

Os documentos aos quais a lei reconhece eficácia executiva encontram-se taxativamente elencados no art. 703º do NCPC, do qual constam as espécies de títulos executivos que podem servir de base à execução, dispondo, na parte que ora interessa da escritura pública em si, que à execução podem servir de base os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação – b).

Ora, tendo em conta que o título executivo é condição necessária, na medida em que constitui pressuposto formal da acção executiva, ele deve ser apresentado com o requerimento executivo. E, no nosso caso, foi-o, de facto, pois a exequente apresentou uma escritura de mútuo, com hipoteca e fiança, e as suas respectivas cláusulas.  

Não se verifica, pois, a inexistência de título, invocada pelo apelante.  

4.2. Relativamente à insuficiência do título, também a decisão discorreu juridicamente bem, ao afirmar que o título executivo é condição suficiente da acção executiva na medida em que existindo título se considera que o direito existe nos termos constantes do título, cabendo ao executado alegar a existência de qualquer desconformidade. Por ex. quando se pede mais – 2.000 € - do que o título consente – 1.000 €. O que no caso não acontece, pois da aludida escritura consta um mútuo de 95.000 € e agora só se pede 46.800 € de capital, por incumprimento parcial dos mutuários executados (mais juros vencidos, despesas e taxa de justiça num total de 76.695,49 €).   

Não se divisa, por isso, qualquer insuficiência do título.        

4.3. No respeitante à inexigibilidade da obrigação exequenda, na dita sentença também se explanou, brevitatis causa, que ela só se dá, nos termos do art. 715º, nº 1, do NCPC, quando está dependente de condição suspensiva ou de prestação por parte do credor ou de um terceiro. Neste normativo cuida-se, assim, na fase da execução da obrigação da demonstração de que é “exigível”, e não da fase da sua existência, da sua constituição, como ocorre no art. 707º, alusivo à exequibilidade da obrigação. 

Ora, no presente caso, analisado o título dado à execução e segundo o mesmo, é de concluir que a obrigação derivada do mútuo é exigível, pois além de ter nascido não está dependente de condição suspensiva ou de prestação por parte do credor ou de um terceiro. 

Não se descortina, portanto, qualquer inexigibilidade.

4.4.1. Entramos sim, e só agora, no busílis da questão em apreço, a inexequibilidade do título.

Recorde-se que o embargante alegou que o requerimento executivo não se encontra acompanhado de qualquer documento que titule créditos efetuados pela H. na conta de depósito à ordem que indica, em nome da executada B., Lda, além de que, no requerimento executivo, nem sequer se alega os montantes eventualmente creditados na dita conta de depósitos à ordem, concluindo que não satisfaz o requisito da exequibilidade, por se tratar de um contrato real quoad constitutionem que só se completa pela entrega da coisa.  

Como acima se assinalou, o art. 707º do NCPC, que rege sobre a exequibilidade dos documentos exarados ou autenticados por notário, como é o caso, estabelece que tais documentos em que se convencionem prestações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio.

Sabemos (do facto 9., cláusula contratual 1ª, nº 1, e teor do requerimento executivo) que o mencionado mútuo é de escopo, pois foi destinado à construção e equipamento de uma “Área de Serviço (Prio)“. E que (cláusula contratual 1ª, nº 2) a utilização da quantia mutuada ficou condicionada ao prévio averbamento da construção na respectiva descrição predial, sendo entregue a referida quantia à referida firma, por uma ou mais vezes, quando a mutuante, em função do desenvolvimento dos trabalhos de construção/instalação/equipamento, autorizasse o seu levantamento.

Nessa circunstância, a haver entrega de quantias, a mencionada sociedade confessava-se devedora das quantias entregues (facto 10. e mesma cláusula e mesmo nº 2). E, ainda, que os documentos referentes ao crédito efetuado - na conta de depósitos à ordem referida no nº 3 da aludida cláusula 1ª - e elaborados de acordo com a mencionada escritura, constituem prova do pagamento de prestações futuras nos termos e para os efeitos do artigo cinquenta do Código do Processo Civil (facto 11. e mesma cláusula, nº 4).  

Ou seja, o mutuante só entregava a(s) quantia(s) mutuadas depois de se verificarem as condições estabelecidas no contrato de mútuo. Só com a entrega total/parcial da(s) quantia(s) se podia concluir que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio, como exige o indicado art. 707º.

Para tanto, tornava-se necessário provar, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma(s) prestação(ões) foi efectuada.

Acontece que a exequente no seu requerimento inicial não só não alegou qualquer prestação em concreto para conclusão do negócio de mútuo, como não juntou quaisquer documentos comprovativos de crédito efectuado a favor da mutuária sociedade. O que devia ter alegado/provado, mas não fez (vide o Ac. do STJ de 16.12.2004, Proc.04B3901, em www.dgsi.pt). Sibi imputet.

Tentou remediar a falha na sua contestação, alegando aí (art. 20º) o depósito da quantia mutuada e juntando um documento comprovativo (sob o nº 5, a fls. 33 dos autos), mas esse seu acto nessa peça processual, já não é eficaz, porque o requisito da exequibilidade deve verificar-se no momento em que se intenta a acção executiva, no próprio requerimento executivo, como resulta do texto legal ínsito no apontado art. 707º - à semelhança do que acontece com o requisito da exigibilidade, nos termos do art. 715º, nº 1, do NCPC -, não podendo ser sanado posteriormente.

Por conseguinte, constatando-se que a escritura de mútuo é inexequível, procede este fundamento de embargos.

4.4.2. Mas mesmo que não fosse esta a situação ocorrida, ainda assim, continuava a verificar-se a referida inexequibilidade.

Como acima já se disse e se repete, na verdade, o documento que a exequente diz ser comprovativo das prestações que efectuou (o aludido doc. nº 5, a fls. 33 dos autos) do mútuo contratado, como justamente salienta o recorrente, é um mero print de um alegado extracto de movimentos, dele não constando a origem, nem se é conta corrente do primitivo Banco credor, pois não tem qualquer timbre ou cabeçalho identificativo do Banco a que se reporta. É um documento simples sobre papel branco, apócrifo, sem nenhuma menção que se reporte à sua natureza, sem qualquer assinatura, seja daquele Banco ou dos executados, timbre ou outra forma de garantir por quem foi exarado. Nele constam números com datas de movimentos, valores e saldos e dizeres alusivos a estes últimos items (o único dizer claro é a menção ao número do contrato de mútuo celebrado e ao seu titular, a executada B., Lda). Inclusive nem se menciona a que conta bancária se reportará tal extracto, designadamente se à conta bancária identificada na cláusula 1ª, nº 3, do contrato de mútuo, cláusula onde se estabeleceu que a quantia mutuada seria creditada na conta aí indicada. Mais, do aludido print, a ser verídico, então deduzir-se-ia que o mutuário só teria utilizado a quantia total de 47.800 €, que é a soma total da menção “UTILIZAÇÃO PARCI” entre 12.6.2013 e 15.10.2014 e não os 95.000 € invocados pela exequente. Nem, igualmente, o referido documento se mostra dirigido aos executados/embargante.

Ora, de acordo com o citado art. 707º a escritura só é exequível se acompanhada de documento passado em conformidade com as cláusulas dela constantes ou, sendo aquela omissa, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio.

Na escritura de mútuo em causa nos autos estabeleceu-se que os documentos referentes ao crédito efetuado que fossem elaborados de acordo com a presente escritura, constituiriam prova do pagamento de prestações futuras (facto 11.). Porém, acabou por não se estipular que documentos satisfariam tal requisito. Muito menos se fixou que bastava um simples print apócrifo, sem outras delimitações, designadamente identificação do credor mutuário ou da conta creditada. E sem que o referido documento se mostre dirigido aos executados/embargante.

Como a escritura é omissa, só podem valer documentos revestidos de força executiva própria, característica que o aludido print manifestamente não reveste, nos termos do art. 703º do NCPC (ou 46º, nº 1, c), do anterior CPC).

Também aqui, nesta situação, portanto, se verifica inexequibilidade do título executivo.

4.4.3. Numa nota final, explique-se que a proteção jurisdicional do alegado mutuante não se encontra precludida por força da extinção da presente execução que vamos ordenar; tal acionamento deve ser exercido em sede própria, declarativa, em moldes que permitam concluir da efectiva existência do crédito peticionado ou outro, relativamente ao demandado embargante.  

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

(…)

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a sentença recorrida e declarando-se extinta a execução.  

*

Custas pela recorrida/exequente.   

*

                                                                             Coimbra, 18.1.2022

                                                                             Moreira do Carmo

                                                                             Fonte Ramos

                                                                             Alberto Ruço