Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
204/19.2T8SPS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE
SUA APRECIAÇÃO
CONDIÇÃO CONTRATUAL
SUA RELEVÂNCIA
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
ASSENTIMENTO DO CREDOR
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
MEDIDA DA RESTITUIÇÃO
Data do Acordão: 03/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE S. PEDRO DO SUL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 466º, Nº 3 DO NCPC; 270º, 473º, 474º, 479º E 595º, Nº 1, AL. A) DO C. CIVIL.
Sumário: 1. Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil) é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se - haverá de dizer-se, agora e sempre -para a parte a quem compete no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.
2. Fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada por determinadas testemunhas, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente.

3. A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.

4. A prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art. 466.°, n.º 3 do NCPC, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal. A credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspectiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respectivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade.

5. A significar que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie.

6. A «condição» (Dir. Civil) é uma cláusula acessória típica dos negócios jurídicos. Diz-se que um negócio jurídico é celebrado sob condição quando as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a produção dos seus efeitos (condição suspensiva) ou a sua destruição (condição resolutiva) (vide artigo 270.° Código Civil).

7. Se a condição for resolutiva (e é o caso mais significativo de proximidade entre os institutos), a diferença de regime entre a condição e o modo pode sintetizar-se numa fórmula equivalente à anterior [relativa à distinção entre condição suspensiva e modo]: ‘a condição resolve, mas não obriga, enquanto o modo obriga mas não resolve’. O alcance da distinção é o seguinte: se há uma condição resolutiva, os efeitos do negócio produzem-se desde logo, mas o negócio resolve-se – ‘automaticamente’, «ipso facto» -, se o beneficiário não praticar o acto condicionante, a que, contudo, não está obrigado. Pelo que respeita ao modo, ele obriga; mas se não for cumprida a obrigação, como atrás exposto, mesmo quando a resolução possa ter lugar, ela não opera automaticamente: “o não cumprimento apenas confere o direito potestativo à resolução”.

8. Mesmo pretendendo aplicar o enunciado critério distintivo – ‘a condição resolve, mas não obriga, enquanto o modo obriga mas não resolve’ –, a verdade é que, no caso, a prova produzida não o potencia. A realidade intraprocessual que evidencia e se destacou não o consente. Tal norma não sai, por isso, violada!

9. No que respeita ao art.º 595.º, n.º1, alínea a) Código Civil (assunção de dívida), leve-se em consideração para que a transmissão da dívida exonere o antigo devedor é necessária a existência de uma declaração do credor em tal sentido, declaração que tem de ser expressa como a lei exige, o que não acontece com a ratificação prevista na aI. a) do nº 1 do art. 595.°.

10. Com tal alcance, e sem poder deixar de atribuir relevância a que o contrato de assunção de dívida é meramente consensual, pelo que a sua prova pode ser feita por testemunhas. Tudo para dar ênfase conceitual a que a assunção de dívida é, efectivamente, o acto pelo qual uma pessoa substitui outra na posição de devedora de uma determinada quantia, fazendo sua a posição passiva até então ocupada pelo transmitente na relação de crédito, contanto que, para o efeito, obtenha o acordo do credor, sendo este assentimento que torna fixo e irrevogável o contrato de assunção.

11. Quanto ao art. 598.º do Código Civil, levando em consideração o que vem de se consignar - aqui considerado integralmente reproduzido -, o próprio e singular enunciado do invocado art. 598.º Código Civil (meios de defesa), a saber: “na falta de convenção em contrário, o novo devedor não tem o direito de opor ao credor os meios de defesa baseados nas relações entre ele e o antigo devedor, mas pode opor-lhe os meios de defesa derivados das relações entre o antigo devedor e o credor, desde que o seu fundamento seja anterior à assunção da dívida e se não trate de meios de defesa pessoais do antigo devedor”, afasta qualquer perfil derrogatório para o que se decidiu.

12. O direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ler chegado a entrar no património do enriquecido. O princípio geral do art. 473.° do Cód. Civil teoriza - «enriquecer à custa de outrem» e não «enriquecer à custa» do empobrecimento «de outrem»; o que conta não é, assim, o empobrecimento da vítima por causa da lesão patrimonial, como acontece na responsabilidade civil, mas sim o enriquecimento injusto à custa de outrem.

13. Conclusão reforçada com a emergência do disposto no art.º 474.º Código Civil (natureza subsidiária da obrigação), já que o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária. Em princípio, o enriquecimento tem de ser obtido imediatamente à custa do património do empobrecido; todavia, o enriquecimento deve ser removido do património em que, através do património de terceiro, efectivamente se produziu.

14. Não se perfilando, com os factos alinhados em probatório, a pretexto do que se estatui no art.º 479.º, n.º1, Código Civil (objecto da obrigação de restituir), o que dele ressuma. Ou seja, «desde que a pretensão do enriquecimento se destina a fazer com que o enriquecimento obtido sem causa seja devolvido ao empobrecido, segue-se que a obrigação de entregar o obtido, os proveitos, o que se adquiriu em virtude do direito obtido, o commodum de substituição, o valor, não existe na medida em que o enriquecimento do accipiens tenha desaparecido».

15. Tudo visto: «a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa incide, em princípio, sobre aquilo que se tenha obtido à custa do empobrecido. A medida da restituição tem, portanto, dois limites - o do enriquecimento e o do empobrecimento - e nisto se distingue doutras espécies de restituição previstas na lei ou da indemnização pelos danos sofridos».

16. Verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº 1, alíneas b), c) e d) doCPC - 615° NCPC).

Decisão Texto Integral:



Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

A.: P..., L.da.

Ré: M..., L.da.

Alega a A. ter celebrado com uma sociedade terceira (I...) um acordo, nos termos do qual procederia (ela, A.) a trabalhos eléctricos numa obra de reformulação de uma praceta, obra essa adjudicada pela Câmara de ... à dita I...

Tendo efectuado tais trabalhos, e emitido a factura referente aos mesmos em Março de 2018, tomara conhecimento pela Ré que a I... teria cedido a esta (Ré) o crédito que deteria sobre a Câmara de ...

Que A. e Ré tiveram uma reunião na qual participara a referida edilidade, tendo sido acordado que após a entrega, pela A., da documentação referente aos seus trabalhos, a Câmara pagaria à Ré, e esta pagaria o valor do crédito da A. sobre a I...

Não obstante tal acordo, e apesar da entrega da documentação, até à data a Ré nada lhe pagou.

Peticiona a condenação da Ré na restituição, a si A., da quantia de 12.923 euros, que funda no instituto do enriquecimento sem causa, bem como o pagamento de juros vencidos e vincendos.

*

Contestou a Ré, reconhecendo ter recebido cerca de 34 mil euros do Município de ..., enquanto parte do valor que esta edilidade devia à sociedade I..., sendo esse recebimento fundado na cessão de créditos (por tal valor) celebrado entre a dita sociedade, enquanto cedente, e a Ré enquanto cessionária.

Impugna ter havido qualquer acordo para que a Ré procedesse ao pagamento, à A., do crédito desta sobre a I..., ainda que reconheça a existência de reuniões ‘a três’ (A., Ré e Câmara de ...).

Conclui pela improcedência da acção e pela condenação da A., em multa e indemnização, como litigante de má fé.

Oportunamente foi proferida decisão onde se consagrou que:

«Assim, pelo exposto:

a) Julgo a acção improcedente, em consequência do que absolvo a Ré do pedido.

b) Julgo improcedente o pedido de condenação da A. como litigante de má-fé.

Custas pela A. – artº 527º, nºs 1 e 2 do CPC».

P..., LDA, A. nos autos, notificada da sentença de fls…, não se conformando, veio dela interpor RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que:

...

Atento o exposto, deve o recurso ser julgado procedente, deferindo-se a impugnação de direito e da matéria de facto, devendo, a final, revogar-se a decisão recorrida e condenar a recorrida nos termos requeridos na petição inicial.

Legal e tempestivamente notificados, para o efeito, veio M..., Lda, apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, por sua vez concluindo - em sinopse - que:

...

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente Recurso de Apelação não obter provimento e, como tal, ser integralmente conformada a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, fazendo, assim, Vs. Exs. Justiça».

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

FACTOS PROVADOS:

1 – A A. tem por actividade a elaboração e execução de projectos relacionados com instalações eléctricas, no âmbito de obras de construção civil.

2 – A Câmara Municipal de ... adjudicou à sociedade I..., L.da, uma obra de reformulação da Praceta ... e construção de rotunda no entroncamento entre as avenidas A... e B..., sitos na localidade de ...

3 – A sociedade I... adjudicou à A., no âmbito da obra dita em 2, a realização dos trabalhos de instalação eléctrica.

4 – Os trabalhos adjudicados à A. pela Impactpotencial foram realizados pela primeira, e o seu valor ascendeu a 12.923,60 euros.

5 – Aquele valor não foi pago pela sociedade I...

6 – Entre a I... e a Ré foi celebrado o acordo escrito que consta a fls. 34/35 dos autos (e que aqui, por economia, se dá por integralmente reproduzido), datado aquele de 15.2.18, e através do qual a primeira declarava ser titular, sobre o Município de ..., de um crédito base de 34.720,98 euros, emergente da adjudicação referida em 2, além de ter declarado ceder à Ré, que declarou aceitar, a totalidade daquele crédito.

7 – A conta final da obra dita em 2 ascendeu a 34.720,98 euros, a que deveria acrescer o valor do IVA à taxa de 6%, sendo que no montante daquela conta estavam considerados os trabalhos eléctricos efectuados pela A..

8 – Em reuniões realizadas na Câmara Municipal de ..., durante o mês de Maio de 2018, entre responsáveis desta edilidade e responsáveis da A. e da Ré, a primeira informou que não pagaria qualquer valor referente ao custo final da obra dita em 2 sem a recepção de toda a documentação técnica referente à obra, incluindo a relativa aos trabalhos eléctricos executados pela A..

9 – Em 18.6.18 a A. enviou à Câmara Municipal de ... a documentação técnica relativa aos trabalhos por si realizados, dando nessa data conhecimento de tal facto à Ré.

10 – A 17.9.18 a Câmara Municipal de ... pagou à Ré o valor apontado em 7 referente à conta final.

Factos não provados:

a) que tivesse sido acordado, no âmbito de reuniões realizadas na Câmara de ..., entre responsáveis desta edilidade e responsáveis da A. e da Ré, que a primeira entregaria o valor do custo final da obra à Ré, com a obrigação por esta assumida de entregar à A. o valor dos trabalhos eléctricos por esta realizados.

b) que às datas referidas em 6 e 10 a Ré tivesse sobre a sociedade Impactpotencial um crédito no valor de 34.774,07 euros, mormente com origem ou proveniência nas circunstâncias apontadas no artigo 35º da contestação (que aqui se dá por integralmente reproduzido).

c) que a dívida do município de ... para com a sociedade I..., em função da execução da obra mencionada em 2, à data das reuniões referidas em 8, ou à data do pagamento apontado em 10, fosse superior ao valor do crédito que aquela sociedade cedeu à Ré no âmbito do acordo dito em 6, designadamente que fosse superior em 8.963,61 euros.

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

Das conclusões de Recurso ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

1.

XX. Deverá considerar-se como provado o facto constante de a) dos Factos Não Provados, com a seguinte ou idêntica redação:

a)

Que, no âmbito de reuniões realizadas na C.M..., foi acordado entre os responsáveis da Ré e da A., que a primeira receberia o valor total do custo final da obra, com a obrigação por si assumida de entregar à A. o valor dos trabalhos elétricos por esta realizados.

XXI. E deverão considerar-se como provados os factos constantes de 10, 11, 13 e 14 da Petição Inicial, com a seguinte redação, a saber:

10)

E que, para que ambas recebessem o que lhes era devido, era necessário reunirem-se com o dono da obra por forma a acordarem a entrega da obra e o consequente pagamento dos seus créditos.

11)

Para comprovar o que alegava, no dia 03/05/2018, a aqui ré, através da sua mandatária, enviou um e-mail à aqui autora onde constava a referida cessão de créditos – doc.2

13)

Sendo que esse valor (leia-se, a totalidade do valor indicado na cessão de créditos) seria liquidado na totalidade à aqui ré.

14)

Ficando depois a ré obrigada a entregar à autora a quantia do seu crédito.

Apreciando, por imperativo discurso de referência, assinale-se, circunstancialmente, que o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido do interessado, impuser decisão diversa (art.662º, nº1, do NCPC).

Conferindo os elementos assinalados pela Recorrente, ouvindo os depoimentos referidos, adiante-se, desde já, que se entende não ocorrer erro de julgamento sobre os factos.

Lembre-se que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta, necessariamente, com a circunstância de que existem factores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação, nem para a respectiva transcrição.

É a imediação da prova que permite detectar diferenças entre os depoimentos, tornando possível perceber a sua maior ou menor credibilidade (Cf. Ac. RC de 04.04.2017, Proc. nº 4190/05.8TBLRA-A.C1, Relator: Fernando Monteiro).

Assinale-se, pois, pressuponentemente, e nesta dimensão, que a Recorrente invoca depoimentos específicos, não fazendo a sua indispensável análise crítica e plural dos mesmos, no conjunto da prova considerada, e, portanto, na sua imprescindível dimensão holística, para lá da sua marcada subjectividade interpretativa.

O tribunal, por sua vez, baseia - como lhe compete, e não pode deixar de ser -, a sua convicção positiva (e negativa) nos documentos juntos e nos depoimentos que travejam a sua apreciação, na perspectiva eminentemente “universalista” dos autos.

Particularizando, sempre que impugne a matéria de facto, incumbe, efectivamente, aos recorrentes, observar o ónus da discriminação fáctica e probatória, ou seja, especificar obrigatoriamente os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo da gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados de modo diferente.

O que a recorrente efectivou através da singular metodologia patente nas suas conclusões, para mostrar insatisfação e não convencimento com a decisão. O que - reconheça-se -, lhe assiste, em perfeita legitimidade.

Porém, não só o que deixa dito, em particular, não alcança o seu escopo, como, inclusivamente, veio reforçar a convicção já formulada.

A matéria de facto apurada - revisitada a sua produção - reflecte a prova efectivamente produzida, no universo concentracionário dos Autos.

O juiz tem que fazer apelo à sua experiência vivencial, usando de prudência e de bom senso na interpretação dos sinais transmitidos pelas testemunhas, da sua segurança e da forma como se exteriorizam.

Mas uma coisa é a convicção objectiva do julgador e outra, muito diferente, que se compreende, mas não se acolhe, é a vontade subjectiva da parte, no sentido de alcançar a sua própria verdade.

No caso vertente, o reexame das provas produzidas não conduz a qualquer outro resultado que não o apurado nos autos, nada justificando a alteração dos pontos em apreço.

Servindo como elementos do seu travejamento - por confronto - o que, em termos de aferição efectuada, se destaca. A saber, a circunstância, desde logo e em particular, assinalada - função do seu objecto precípuo -, de que de acordo com as regras de ónus da prova previstas no artigo 342.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil tendo em conta o pedido formulado pela A., cabia-lhe, exactamente, a prova dos termos integradores do direito que pretendia exercer ao passo que caberia à Ré a prova dos respectivos factos impeditivos.

Podendo dizer que todas as testemunhas ouvidas depuseram de modo a travejar, por tal forma, o alcance que lhes é atribuído. O que redunda em retirar sustentação à pretendida alteração da matéria de facto alegada e impetrada pela Autora.

Adequação que mais se intensifica a partir do inevitável confronto com o dizer, em eminência narrativa, das testemunhas ouvidas. Para tanto retendo o que, de forma particularmente obsidiante, deriva dos depoimentos aludidos. Os quais haverão de se integrar e compreender no elemento de inarredável circunstância vinculadora que o Tribunal aludiu, como fundada:

«(…) no que tange aos pontos 1 e 2, no parcial consenso das partes quanto à realidade/veracidade dos factos ali vertidos, considerando, desde logo, a posição assumida pela Ré no artigo 3º da contestação. Ainda o teor da informação/proposta ..., de 13.5.19, anexa à notificação da Câmara de ..., que consta a fls. 23 a 32, e que melhor explicita a obra em causa».

Depois, com o alcance circunscrito, a referir, com adequação, que:

«Para o teor dos pontos 3 a 5 foram relevantes, desde logo, os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, todos funcionários da Câmara de ..., que referenciaram terem estado presentes em uma ou mais reuniões realizadas nas instalações daquela edilidade, reuniões essas que contaram com a participação – para além da Câmara – dos legais representantes da A. e da Ré. Confirmaram as testemunhas que a conta final da obra já se mostrava elaborada, por isso os trabalhos executados, e que tais reuniões tiveram por finalidade a resolução do problema do pagamento dos créditos da A. e da Ré sobre a empreiteira da obra, a sociedade I...».

Com este alcance, efectivamente, por confronto:

...

Já no que tange à matéria ostracizada para a alínea b), e para além da inexistência de qualquer prova testemunhal que pudesse aprofundar o teor documental junto pela Ré (teor aquele que, por si, não permite, v. g., confirmar se há facturas não pagas ou apenas parcialmente pagas), não se compreende como, acaso subsistisse o apontado crédito da Ré sobre a I..., no valor de 34.774 euros, a Ré, por ver-se beneficiária da cedência de um crédito inferior (da I... sobre terceiro), ainda fosse pagar o montante de 1.500 euros, como vem declarado ter sido pago e recebido na cláusula 3º do sobredito contrato de cessão.

No que concerne ao facto vertido sob a alínea c), não obstante o documento (mail e anexo) de fls. 64 a 68, no qual é feita referência a um valor final (da conta) de 43.684 euros, na mencionada informação/proposta é apontado outro valor, precisamente aquele referido em 7 da factualidade, o qual é corroborado (por arredondamento) pela testemunha ....

 Fazendo-se notar que as próprias transcrições, em particular, dos depoimentos dos intervenientes processuais, em termos de expressão de testemunhos, tidos como de conveniência à tese propugnada (fls. 139-153 dos Autos), tendo em conta o seu carácter fragmentário e - nessa dimensão -, inconcludente, também não possuem virtualidade para contrariar a consagração decisória, neste segmento. De resto, nem sequer de absoluta conformidade - como, v.g., se faz notar no Ac. do STJ de 19.02.2015, no proc. n° 299/05.6TBMGD.P2.S1, - destacando  que:

«1. Para efeitos do disposto nos artigos 640.°. n.ºs 1 e 2, e 662.°, n.º 1, do CPC,  (pois) importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso; por outro, o que se inscreve no domínio da reapreciação daquela decisão mediante reavaliação da prova convocada.

2. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.

3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.° do CPC».

Em tais termos, pois, e no enquadramento referido, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal e privilegiar o apuramento da verdade material dos factos, o art. 662.° do CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento, devendo a Relação avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos, valorá-las e ponderá-Ias, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, para formar a sua própria convicção (Ac. RG. de 23.4.2015. Proc. 372/10: dgsi.Net).

Deste modo, em função do que se aprecia, pode-se concluir que fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada pelo primeiro grupo das testemunhas (Ac. RE de 14.5.2015: Proc. 1246/1I.TBLGS.E1.dgsi.Net), por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente.

Assim, decorrência, também, de a Relação haver formado uma convicção verdadeira - e fundamentada - sobre a prova produzida na 1.ª instância, independente ou autónoma da convicção do juiz a quo, que pode ou não ser coincidente com a deste último - não se devendo limitar a controlar a legalidade da produção da prova realizada naquela instância e a aceitar o resultado do exercício dessa prova, salvo os casos em que esse julgamento seja ilógico, irracional, arbitrário, incongruente ou absurdo (o que, aqui, não sucede). Sendo que, no caso, a apreciação da prova decorreu sob o signo da probabilidade lógica - de evidence and inference -. i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis (Ac, RC. de 23.6.2015: Proc. 1534/09.7TBFIG.C1.dgsi.Net), nos Autos reveladas e consagradas.

A tal pretexto, mais se consagre que inexiste, mesmo, qualquer tipo de contradição entre a matéria factual consagrada, que vem referida. Cabendo dizer que a nulidade da sentença (art. 615º NCPC) decorrente dos fundamentos estarem em oposição com a decisão verifica-se quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se (o que, aqui, pelas razões invocadas, não existe) e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados, ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente (Ac. RP. de2.5.2016. Proc. 1556/14: dgsi.Net). O que na situação em apreço não acontece.

Podendo, pois, neste caso concluir-se - o que não deixa de se projectar, sequentemente -, que a mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem (Ac. STJ. de  12.5.2016. Proc. 1738/04: Sumários, Maio12016. p. 43).

O que, igualmente, decorre da supremacia e da absoluta dominância influenciadora do integral cotejo dos demais depoimentos produzidos, tal como assinalado em decisório.

Com este alcance - aqui, também, se impondo, ainda, referir -, por ser consabido que a prova testemunhal, ela própria, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos, como ensinava o Senhor Professor Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 614). Acrescentando que «se a vida moderna, por uma questão de segurança, tende a documentar um número cada vez maior de actos jurídicos, continua a ser enorme o contingente dos factos imprevistos e dos próprios factos previsíveis, com relevância para o julgamento dos litígios, em que o único meio de prova utilizável é o recurso ao depoimento das pessoas (terceiros) que tiveram acidentalmente percepção desses factos ou de ocorrências a ele ligados por qualquer nexo de instrumentalidade» (ibidem). O citado Professor rematava apelando ao particular cuidado - «o prudente senso crítico» - que o Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova, deve ter no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «testium fides diligenter examinanda» (Ac. STJ, de 17.11.20111:Proc. 2190/07.2TBFAT.G1.S1.dgsi.Net). O que - tal como expresso -, não deixou de ser observado, com adequação e no seu enquadramento e análise, no conjunto da demais prova, de cariz manifestamente holístico, produzida. Servindo tal apreciação para significar - e para que dúvidas não restem -, inexistir qualquer indevida apreciação de depoimentos, mesmo indirectos, ou erro na apreciação da prova testemunhal produzida), como vem alegado.

Assim, pois todas as testemunhas foram ouvidas em 1ª Instância, o que permitiu aquilatar do sentido do seu depoimento, alcance intrínseco e razão sustentada de ciência.

O que voltou a ser, no Tribunal da Relação, objecto de renovo probatório adrede, na forma legalmente convencionada. Por sua vez, em análise e apreciação de conformidade, expressa nos termos transactos.

Tal equivale a dizer, mais uma vez, que, em sede de recurso, suscitada a questão da sua credibilidade, na equivalência desse pretender (apenas) questionar a razão por que o tribunal atribuiu eventualmente maior, ou menor, crédito a uma dada testemunha, dentro da margem da formação da sua livre convicção, a sua apreciação, no universo da prova integral produzida, foi considerado como permitindo a inferência específica expressa.

Tanto mais que quanto ao "sentido do depoimento" aí devem funcionar - como se fizeram funcionar -, as regras gerais das declarações (arts. 236.º e ss. do Cód. Civil), devidamente adaptadas, por não se tratar de declarações negociais, mas de declarações de ciência (cf. ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, ps. 225 e s.); J. P. REMÉDIO MARQUES, Um breve olhar sobre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, em CDP, n.º especial 01/Dez. de 2010, pp. 80 a 90).

Razões determinantes de os factos identificados, acima descritos, permanecerem na redacção que em decisório lhes foi atribuída, com inteira sustentação na prova produzida e destacada.

A este respeito, não pode deixar de se apreciar que a resposta, atribuída e validada, no condicionalismo das anteriores questões, através dos seus elementos de sustentação, se revelam, necessariamente, excludentes de qualquer outro sentido, agora, que não o efectivamente atribuído nas respostas, e particular consideração.

Numa outra específica mirada prospectiva, de confluência, consigne-se que o novo meio de prova por declarações de parte, instituído no art. 466.º do Novo CPC veio responder a uma corrente que se vinha densificando no sentido de considerar e valorizar o depoimento de parte, ainda que sem carácter confessório, e de livre apreciação pelo tribunal, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade.

Se tal meio de prova ganha particular interesse em matérias do foro intimo ou pessoal dos litigantes, não presenciadas por terceiros e, à partida, de mais difícil demonstração, também é certo que a lei não restringe a sua admissão a esses casos, antes estabelecendo como requisito de admissibilidade, no que respeita à incidência, que as declarações da parte respeitem a factos em que o litigante interveio pessoalmente ou de que teve conhecimento directo.

Estamos no âmbito mais amplo do direito que assiste à parte de provar os factos por si alegados e que sustentam a sua pretensão, ou mesmo de fazer a contraprova dos factos contra si invocados, no quadro do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.° da CRP), pelo que, nessa medida, é a cada uma das partes que incumbe eleger os meios de prova adequados à demonstração com que está onerada ou que, de algum modo, convém à prossecução dos seus interesses.

Tal não significa que não devam impor-se certas limitações aos meios de prova utilizáveis em cada caso, mas essas limitações devem mostrar-se materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade (Cf. Ac. RL de 29.4.2014: CJ, 2014. 2.º-325).

Não sem cuidar que as declarações de parte (art. 466.º do novo CPC) - que divergem do depoimento de parte - devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos (Ac. RP de 15.9.2014: Proc. 216/11.dgsi.Net).

Isto porque, presentemente, à luz do art. 466.°, n.º 1, do NCPC, a própria parte detém legitimidade para, até ao inicio das alegações orais em 1ª instância, requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, sendo que o valor probatório dessas declarações, caso respeite a factos favoráveis ao declarante é apreciado livremente pelo Julgador segundo o seu prudente critério. Não existe qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas declarações favoráveis ao depoente um meio válido de formação da convicção esclarecida e racional do julgador, isto é, uma fonte válida de convencimento racional do juiz (Ac. RL de 12.3.2015: Proc. 1/12.6TBTPTM.E1.dgsi.Net).

Naturalmente, em horizonte prospectivo em que a prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art. 466.°, n.º 3 do NCPC, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal. A credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspectiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respectivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade (Ac. RG. de 2.5.2016: Proc. 2745/15. 1T8VNF-A.G1.dgsi.Net).

A significar que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie (Ac. RL de 13.10.2016. Proc. 640/13: dgsi.Net).

Ainda, a propósito da admissibilidade das declarações de parte com factos favoráveis ao declarante, em situações insusceptíveis de outros meios de prova, REMÉDIO MARQUES assinala que "(…) a recusa, nestas raras eventualidades, em admitir e valorar livremente ou apenas como base de presunções judiciais as declarações favoráveis ao autor, volve-se, desde logo, numa concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro do direito de acesso aos tribunais e ao direito e de uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20º, n.º1, da Constituição)". Acompanhamos sem reservas este raciocínio, sendo que - no nosso entender - esta argumentação abrange também a relevância e a atendibilidade do depoimento indirecto, na precisa medida em que, nas situações insusceptíveis de outros meios de prova, o julgador apenas se poderá socorrer das declarações de parte e das testemunhas indirectas.

Deste modo, e no limite, admitimos que o juiz possa fundar a sua convicção quanto a tal tipo de factualidade apenas nas declarações de parte e/ou nos depoimentos indirectos. Necessário é que a valoração dos mesmos, feita segundo as singularidades do caso concreto e as máximas da experiência convocáveis, permitam ao julgador atingir o patamar da convicção suficiente” (Luís Filipe de Sousa, in op. cit. pág. 198) (Cf. Ac. RL de 23.05.2014, Proc. nº 3069/06.0TBALM.L2-2, Relator: EZAGUY MARTINS).

O que, na circunstância, atendendo ao teor da prova holística produzida, e o que sobre ela se discreteou, mais não permite - em absoluto rigor, em função do registo operado -, que a sua consagração nos termos produzidos.

Desta forma, pois, se a parte a quem incumbe o “onus probandi” fizer prova por si suficiente, o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a naturalize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza; não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (Manuel de Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 2.ª ed., 193; ed. 1979, 207). Em todo o caso, tal ónus respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, como quer que seja, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto - trazida, ou não, pela mesma parte (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Proc. Civil, 1979, 196).

O que, em si, inviabiliza a (plena) conversão da retórica argumentativa (operada em termos recursivos proactivos), de parte - perfeitamente compreensível, sempre se dirá, da defesa de individualizado “interesse” (justamente o que inter est as pessoas e os bens), de consequência específica determinada -, em elemento de objectivação que só pode ter correspondência, como se equacionou, na verdade “real” consubstanciada naquilo que a revelação processual intra-diegética possibilitou. E que, pelas razões indicadas, não pode ir além do que se consagrou em decisório.

Sem poder deixar de se consignar, ex abundante, que nem o que se consigna nos art.ºs 640º e 662º do NCPC, sai colocado em crise.

Com efeito, o questionar sobre a forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida não equivale, em absoluto, a uma verdadeira e própria impugnação da matéria de facto. Para que ocorra uma verdadeira e própria impugnação da matéria de facto, impõe-se - na sua plena dimensão -, que seja dado pelo recorrente o devido cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640.° do NCPC (Ac. RE. de 20.10.2016: Proc. 182/16.0T8FTR.E1.dgsi.Net).

Depois, porque - tal como se expressou -, a decisão sob escrutínio também não vai contra disposição expressa da lei que exija certa prova para a existência do facto, ou fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada), nem se entende que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou ocorrerem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito acontecida.

As considerações feitas pela recorrente em relação à forma como o tribunal recorrido analisou e valorizou a prova dos autos, é absolutamente insubsistente, pelo que o recurso é claramente improcedente.

Nem se perfila a violação de preceitos ou princípios processuais civis, pois o legislador ao introduzir no sistema o art. 662.°. n.º 1, 2 e 4, do NCPC (alteração da matéria de facto pela Relação), quis, patentemente, introduzir excepções aos princípios da oralidade e da imediação da prova (Ac. STJ de 19.4.2016, Proc. 5654/13: Sumários, Abril/2016. p. 36), que se cumpriram e cumprem.

Tudo isto sem prejuízo de existirem “factos com relevância processual que são, pela sua própria natureza e condicionalismo, insusceptíveis de prova testemunhal directa, de prova documental, inspecção judicial e mesmo de prova pericial. Neste tipo de condicionalismos, os únicos meios probatórios admissíveis são as declarações de parte (artigo 466º do actual Código de Processo Civil) e as testemunhas indirectas (dentro dos padrões processuais que as balizam).

Noutra formulação, a decisão colhe a sua justeza na conformidade integral como sistema jurídico que a propicia. A complexidade dos elementos que, nela depondo, a informam, torna-a possível, apenas, através do funcionamento da Ciência Jurídica que, assim se afirma como prudencial. E à Ciência do Direito compete ainda assegurar o controlo das decisões, numa operação fundamental para alargar o consenso e, daí, a sua eficácia. Nenhuma norma jurídica resolve, por si, problemas concretos ainda quando, no caso considerado, ela possa surgir como o argumento decisivo no modelo de decisão. A lei não se confunde com o Direito. Uma dogmática jurídica, radicada na cultura que a suporte e na segurança das convicções científicas dos juristas que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solução do caso concreto, um percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador não pode corromper. Reside aqui, o harmonizar das soluções desavindas ou disfuncionais dentro do espaço jurídico, complementando as mensagens apenas esboçadas pelo legislador e limando, no concreto, as saídas injustas, inconvenientes ou paradoxais existentes numa individualizada praxis judicial, que haverá de atender à singularidade de qualquer caso (Cf. Menezes Cordeiro, Estudos de Direito Civil, 1, 1987, págs. 236 e s.).

Assim se fixando a questão, nos termos preditos, no referencial condicionador de específico ónus de prova (art. 342º Código Civil), como obrigação que recai sobre uma pessoa de provar algum facto ou alguma circunstância com interesse para um determinado fim. Exactamente porque, em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se - haverá de dizer-se, agora e sempre -, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova (Anselmo de Castro, Proc. Civil, 1966, 3.°-259).

Razões que determinam atribuir resposta negativa às questões em 1.

2.

XXXVIII. Ter-se-á de concluir que a Ré se constituiu como devedora da A. pela quantia peticionada nos autos, uma vez que assumiu a dívida da Impactpotencial perante a mesma, o que fez com a ratificação e plena concordância da A., mediante condições que se verificaram plenamente, pelo que deverá, em conformidade, ser condenada no seu pagamento à A..

XXXIX. Ao não decidir nessa conformidade, o tribunal a quo violou, entre outras, as normas contidas nos artigos 270.º, 595.º, n.º 1, alínea a), e 598.º, todos do C.Civil.

Enuncia o disposto no art. 270° Código Civil (noção de condição) que «as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.

(…)

Verificando-se, através de diversas outras disposições com as quais o artigo 270º  necessita de ser conjugado, que nem todos os negócios jurídicos admitem condições, e que alguns as admitem com certas restrições. O carácter incondicionável do negócio pode resultar de disposição expressa ou da própria natureza do negócio, incompatível com a suspensão ou incerteza, da sua eficácia.

Diferentes da verdadeira condição são os requisitos essenciais para a produção dos efeitos do negócio, não por vontade das partes, mas por exigência da lei (…)» (Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, pp. 174-175).

Embora o pagamento não seja um negócio jurídico, mas sim um acto jurídico não negocial, são-lhe aplicáveis as normas que se encontram no capítulo I do subtítulo III do Livro I do Código Civil - art. 295º do citado diploma (Cf. Ac. RE 14-4-1994: BMJ, 436:- 470).

Com este alcance, a interpretação de uma sentença (ou acórdão), como acto juridico que é, deve obedecer, por força do disposto no art. 295.° do Cód. Civil (actos jurídicos - disposições reguladoras), aos critérios de interpretação dos negócios jurídicos. Significa isto que a sentença deve ser interpretada de acordo com o que dispõe o n.º 1 do art. 236.° do mesmo código, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto.

A correcta interpretação da parte decisória duma sentença exige a análise dos seus antecedentes lógicos, que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência.

Exige, assim, que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, factores básicos da sua estrutura.

Embora o objecto da interpretação seja a própria sentença, nessa tarefa há que ter em conta outras circunstâncias, mesmo que posteriores, que funcionam como meios auxiliares de interpretação na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar (Cf. Ac. STJ 5-12-2002: Rev. N.º 3349/02-2.ª: Sumários, 12/2002).

Noutra formulação, a «condição (Dir. Civil) é uma cláusula acessória típica dos negócios jurídicos.

Diz-se que um negócio jurídico é celebrado sob condição, quando as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a produção dos seus efeitos (condição suspensiva) ou a sua destruição (condição resolutiva) (vide artigo 270.° Código Civil).

Como os efeitos do preenchimento da condição retroagem, em princípio, à data da conclusão do negócio, no caso de a condição ser suspensiva, o direito não surge senão no momento em que o acontecimento se produz, e se a condição for resolutiva, a superveniência do acontecimento faz desaparecer o direito retroactivamente.

Quando seja certo que a condição se não pode verificar, a situação é equivalente à da sua não verificação.

A condição, para ser válida, tem de ser lícita, física e legalmente possível. Se a condição for ilícita (contrária a lei, à ordem pública ou aos bons costumes), é nulo o negócio jurídico a ela subordinado; sendo a condição física ou legalmente impossível, há que distinguir consoante ela é suspensiva ou resolutiva: no primeiro caso, é nulo todo o negócio, no segundo, o negócio é válido, considerando-se a condição como não escrita (artigo 271.° Código Civil).

O período que decorre entre a celebração do contrato e a verificação da condição (ou não verificação) chama-se pendência da condição (v. artigos 272.° a 274.° Código Civil). Durante esse tempo devem as partes no negócio agir de acordo com a boa fé e de modo a que não fique comprometido o direito da outra parte. Se a condição é resolutiva, os efeitos do negócio produzem-se desde logo, e se a condição é suspensiva nenhum efeito se produz, dispondo o adquirente do direito de uma expectativa jurídica (Cf. Ana Prata, Dicionário Jurídico, 4ª Edição, Com a Colaboração de Jorge Carvalho, 2006, p. 278).

Pode, assim, perante tal tessitura institucional, convocar-se para «o cerne da questão decidenda assentar (ela também) na distinção entre a figura do modo e a figura da condição, distinção clássica na dogmática civilística, nas palavras de Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II – Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, pág. 437):

“Se a condição for resolutiva (e é o caso mais significativo de proximidade entre os institutos), a diferença de regime entre a condição e o modo pode sintetizar-se numa fórmula equivalente à anterior [relativa à distinção entre condição suspensiva e modo]: ‘a condição resolve, mas não obriga, enquanto o modo obriga mas não resolve’. O alcance da distinção é o seguinte. Se há uma condição resolutiva, os efeitos do negócio produzem-se desde logo, mas o negócio resolve-se – ‘automaticamente’, «ipso facto» -, se o beneficiário não praticar o acto condicionante, a que, contudo, não está obrigado. Pelo que respeita ao modo, ele obriga; mas se não for cumprida a obrigação, como atrás exposto, mesmo quando a resolução possa ter lugar, ela não opera automaticamente: “o não cumprimento apenas confere o direito potestativo à resolução” (Cf. Ac. STJ de 03-10-2019, Proc. nº 1574/13.1TBFIG.C2.S1, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO).

Mesmo pretendendo aplicar o enunciado critério distintivo – ‘a condição resolve, mas não obriga, enquanto o modo obriga mas não resolve’ –, a verdade é que, no caso, a prova produzida não o potencia. A realidade intraprocessual que evidencia e se destacou não o consente. Tal norma não sai, por isso, violada!

No que respeita ao art.º 595.º, n.º 1, alínea a) Código Civil (assunção de dívida), leve-se em consideração para que a transmissão da dívida exonere o antigo devedor, é necessária a existência de uma declaração do credor em tal sentido, declaração que tem de ser expressa como a lei exige, o que não acontece com a ratificação prevista na aI. a) do art. 595.° (Cf. Ac. RC 30-7-1975: BMJ, 251.°-215).

Não basta a participação do credor no próprio acto transmissivo, com a intervenção do devedor e do terceiro adquirente ou a sós com aquele para que o antigo devedor se libere; tem que existir a declaração expressa por parte do credor de que libera o antigo devedor do seu débito (Cf. Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980, 2.°-113).

A assunção de dívidas é um acto abstracto, uma vez que subsiste independentemente da existência ou validade da sua fonte (causa) (Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980, 2.°-15).

No domínio do art. 595.°, n.º 1, al. a), do Cód. Civil, exige-se, para a exoneração dos antigos devedores, a declaração expressa do credor (citado artigo n.º 2). A novação extingue a obrigação antiga e faz nascer outra em seu lugar, enquanto, na transmissão de dívida é o mesmo o crédito, ou a mesma a dívida, apenas se substituindo, na relação jurídica, o credor ou o devedor. Na prática, a distinção entre uma e outra das figuras faz-se pela vontade expressamente manifestada de contrair a nova obrigação em substituição da antiga (art. 859.º do Cód. Civil (Cf. Ac. STJ 20-6-1990: BMJ 398.º-494).

A promessa de liberação, por sua vez, consiste numa convenção entre o devedor e um terceiro, mediante a qual este se obriga para com aquele a pagar as dívidas; distingue-se da assunção de dívida, prevista no art, 595.º do Cód. Civil, porque esta se reconduz a uma transmissão singular da dívida (Cf. Ac. RP 16-11-1992: CJ 1992, 5.º-216).

A assunção de dívida não está sujeita a forma especial e, por isso, segue a regra da consensualidade. A assunção de dívida não pressupõe de per si uma natureza gratuita, dado que os seus requisitos e efeitos hão-de ser definidos em função da sua causa, ou seja, do negócio gratuito ou oneroso em que a assunção se integra (Cf. Ac. STJ 22-4-1997: CJ/STJ, 1997,2.°- 60).

Isto consignado, em função da prova produzida, configura-se como verdadeiramente inultrapassável - como se precisa em decisório - que:

«Percorrida a factualidade apurada, surpreende-se, a traço grosso, o seguinte quadro ou dinâmica: a Câmara Municipal de ... assumiu-se como dona de uma obra adjudicada à sociedade I...; a A., talqualmente a Ré (como se depreendeu da prova produzida), assumiram-se, no âmbito da obra, como subempreiteiras, contratadas pela I...; ambas (A. e Ré) tinham créditos sobre a contraparte, a dita I..., e esta sobre a dona da obra, sendo o crédito da I... sobre o município de ... no valor de 34.720,98 euros.

Perante este quadro, ou neste contexto, a Ré celebrou com a I... um contrato de cessão de créditos, pois que, contra um determinado preço, a dita I... declarou ceder à Ré, e esta declarou a aceitar a cedência do crédito pela primeira detido sobre o município de ..., precisamente no valor de 34.720,98 euros – ponto 6 da factualidade. E, a 19.9.18, a Câmara Municipal de ... pagou à Ré o valor/montante acima referido.

É ‘contra’ esta situação que a A. se insurge, pugnando pela condenação da Ré no pagamento/devolução do crédito que ela própria deteria/detém sobre a I..., no valor de 12.923,60 euros.

Ou seja, sendo este um primeiro aspecto a reter, entre A. e Ré não se mostra apurado qualquer tipo de negócio ou relação contratual, sendo entre si terceiras, emergindo a sua ‘relação’ do facto de serem ou terem sido credoras da mesma entidade, a dita sociedade I...

Tendo em vista a devolução, pela Ré, do seu crédito sobre a I..., a A. lançou mão de duas causas de pedir, uma amplamente exteriorizada, e outra somente invocada algo fugazmente.

Assim, quando a essa segunda causa, e sem qualquer reflexo nos considerandos de direito vertidos nos artigos 31º até final da petição, alegou a A. ter sido celebrado, com a Ré, ou com a Ré e a Câmara de ..., um acordo nos termos do qual esta última pagaria o ‘valor da cessão de créditos’ à Ré, e esta entregaria à A., por a tal então se ter obrigado, a parte correspondente ao crédito da A. sobre a I... – cfr. os artigos 12º a 14º da petição.

Ora, nada se apurou quanto a tal alegado acordo ou entendimento, sendo a respectiva factualidade ostracizada para a matéria de facto não provada – cfr. a respectiva alínea a)».

Com tal alcance, e sem poder deixar de atribuir relevância a que o contrato de assunção de dívida é meramente consensual, pelo que a sua prova pode ser feita por testemunhas (Cf. Ac. RP 16-2-1998: CJ, 1998, 1.º- 214).

Tudo para dar ênfase conceitual a que a assunção de dívida, efectivamente, o acto pelo qual uma pessoa substitui outra na posição de devedora de uma determinada quantia, fazendo sua a posição passiva até então ocupada pelo transmitente na relação de crédito, contanto que, para o efeito, obtenha o acordo do credor, sendo este assentimento que torna fixo e irrevogável o contrato de assunção (Cf Ac. STJ 18-5-1999: BMJ 487.º-324, e RLJ 133.º-303, com anotação de HENRIQUE MESQUITA). Na situação sub judice, sem essa expressão!

Quanto ao art. 598.º Código Civil, levando em consideração o que vem de se consignar - aqui considerado integralmente reproduzido -, o próprio e singular enunciado do invocado art. 598.º Código Civil (meios de defesa), a saber: “na falta de convenção em contrário, o novo devedor não tem o direito de opor ao credor os meios de defesa baseados nas relações entre ele e o antigo devedor, mas pode opor-lhe os meios de defesa derivados das relações entre o antigo devedor e o credor, desde que o seu fundamento seja anterior à assunção da dívida e se não trate de meios de defesa pessoais do antigo devedor”, afasta qualquer perfil derrogatório para o que se decidiu.

Com efeito o seu alcance é o de que «a posição do novo devedor é equiparada, nas suas relações com o credor, à posição do primitivo obrigado. Desde, portanto, que o meio de defesa seja anterior à assunção da dívida e não seja pessoal ao devedor originário, pode ser invocado pelo novo devedor. Este pode invocar, por exemplo, a nulidade formal do acto, a prescrição da dívida, etc., mas não pode já invocar a incapacidade do primitivo obrigado.

Esta é a doutrina da segunda parte do artigo. A primeira inibe o novo devedor de invocar meios de defesa baseados nas relações entre ele e o antigo devedor. Não pode, por exemplo, invocar a coacção que porventura tenha sido exercida sobre ele para assumir a dívida (sem prejuízo do possível direito de anulação por outras vias), a promessa do devedor originário de saldar a obrigação, o não cumprimento duma contraprestação por parte deste, etc.» (Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, p. 430).

Daí que se configure como negativa a resposta às questões em 2..

3.

Ademais,

XL. Ainda que não se considerasse que a Ré assumiu a dívida da I... perante a A., deveria haver lugar à aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, por se mostrem preenchidos os respetivos pressupostos.

XLVIII. Pelo que, ainda que não se considerassem como verificados os fundamentos aduzidos nos pontos 142 a 164 e nas Conclusões XXII a XXXIX, - a existência de um acordo entre A. e Ré, - com a consequente responsabilidade obrigacional da Ré, sempre deveria o tribunal a quo ter lançado mão do instituto do enriquecimento sem causa, sendo certo que, ao não o fazer, violou designadamente as normas dos artigos 473.º, n.ºs 1 e 2, 474.º e 479.º, n.º 1, todos do Código Civil.

A tal respeito, diga-se que o conceito legal de enriquecimento sem causa deve ser interpretado (art.º 473º Código Civil - enriquecimento sem causa/princípio geral) como a vantagem patrimonial (reservada ao titular do direito segundo o conteúdo da destinação desse direito) obtida com meios ou instrumentos pertencentes a outrem (Cf. Ac. RL de 14.4.2005: CJ, 2005, 2º-92). Exactamente porque, no enriquecimento sem causa, releva o enriquecimento injustificado, e não o empobrecimento daquele à custa de quem o enriquecimento se deu, sendo sua medida a diferença entre a situação actual e a situação hipotética do enriquecido (Cf. Ac. RE de 10.4.2003, CJ, 2003, 2º-242).

Assim, pois que - igualmente a este respeito - a decisão se revela de adequação ao equacionar, depois de tudo, que:

«(…) não se alcança que o pagamento efectuado pela Câmara de ... à Ré corporize ou reentre no âmbito normativo do instituto, mormente que tenha havido, por parte da Ré, um enriquecimento que não fosse devido.

De facto, que tenha sobrevindo para a Ré, com tal pagamento, uma vantagem de natureza patrimonial, no caso traduzida num aumento do activo patrimonial (recebimento da quantia de 34.720,98 euros) é dado indesmentível. Por isso que se verifique ou comprove um enriquecimento por banda da Ré, por força de conduta praticada por terceiro, no caso a Câmara de ....

Mas, independentemente do requisito da obtenção de um enriquecimento (à custa de outrem), aquele não se apresenta, pelo menos com os dados apurados, na sequência da alegação da A., como desprovido de causa, “sem causa justificativa”. De facto, a deslocação patrimonial em apreço, e por isso o enriquecimento da Ré, teve uma causa, em concreto a circunstância de a dívida da edilidade, primevamente à sociedade I..., ter sido transferida, rectius o correspondente crédito, para a Ré por força do contrato de cessão a que alude o ponto 6 da factualidade. Por isso, transferido tal crédito para a Ré, impunha-se à devedora (município de Sintra) o cumprimento da sua obrigação perante o titular do crédito, isto é, em função de tal cessão, a aqui Ré. A conduta do terceiro, no caso a autora da deslocação patrimonial, em nada buliu ou pôs em crise a “ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito”, não se alcançando que, segundo tal ordenação, o bem em causa, a quantia pecuniária, devesse pertencer, ainda que parcialmente, a outrem. Só nessa medida, não apurada, é que se poderia concluir pela injusteza do enriquecimento – cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, vol. I, 6ª ed., 455.

Mas ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que se pudesse vislumbrar, no caso tal como apurado, a emergência de uma situação de enriquecimento sem causa, sempre a acção não poderia deixar de claudicar.

De facto, cumpre convocar um outro princípio, vazado no artº 474º, que dispõe que não há lugar à restituição por enriquecimento, isto é, à aplicação do instituto em apreço, “… quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.

Focando a análise na primeira das apontadas hipóteses (as demais manifestamente não teriam aplicação in casu), a mesma evidencia, de modo impressivo, a natureza subsidiária do instituto: cumpre convocar o regime e efeitos do enriquecimento sem causa se o empobrecido não puder lançar mão de outro instituto, mormente o da responsabilidade civil.

Ora, apurou-se que o valor dos trabalhos efectuados pela A., no âmbito do contrato celebrado com a sociedade I..., não foi por esta pago – ponto 5. Mas, então, a todas as luzes, surgem as seguintes questões: a A. já accionou a contraparte negocial, peticionando o cumprimento do contrato e, por isso, a satisfação da prestação que lhe é devida (pagamento do valor daqueles trabalhos)?; o que a impede ou impediu de interpelar a sua contraparte em acção de cumprimento?

É certo que no âmbito da produção de prova falou-se, de fugida, na falência ou insolvência da dita I... Todavia, para além de tal circunstância não ter sido alegada pela A., nada o comprova e, ainda que assim tivesse sucedido, isto é, que a referida sociedade tivesse sido declarada insolvente, pelo menos até certo prazo sempre o crédito da A. poderia ser reclamado no âmbito do eventual processo falimentar. Todavia, quanto a tudo isto, a A. nada disse ou alegou. Como lapidarmente apontam Pires de Lima e Antunes Varela, se a acção de enriquecimento é afastada perante institutos como a declaração de nulidade ou a resolução (cujos efeitos tendem a repor a situação ex ante ao enriquecimento/empobrecimento), aquela acção “não será aplicável, por maioria de razão, se o enriquecimento puder e dever ser destruído mediante simples acção (contratual) destinada a exigir o cumprimento do contrato…” – CC Anotado, vol. I, 4ª ed. rev. e act., 459 (…)».

O que almeja esteio na circunstância de o enriquecimento sem causa depender da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento, b) que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique, c) que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição e d) que não haja um outro acto jurídico entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem obtida pelo enriquecido. Sendo que, quem invoca o enriquecimento sem causa, deve alegar e provar o montante do enriquecimento e do empobrecimento (Cf. Ac. STJ 14-5-1996: CJ/STJ, 1996, 2.°-70).

O mesmo é dizer que o direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ler chegado a entrar no património do enriquecido. O princípio geral do art. 473.° do Cód. Civil teoriza - «enriquecer à custa de outrem» e não «enriquecer à custa» do empobrecimento «de outrem»; o que conta, não é assim o empobrecimento da vítima por causa da lesão patrimonial, como acontece na responsabilidade civil, mas sim o enriquecimento injusto à custa de outrem (Cf. Ac. RL de 5-12-1996:BMJ 462.°- 478).

Conclusão reforçada com a emergência do disposto no art.º 474.º Código Civil (natureza subsidiária da obrigação), já que o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária. Em princípio, o enriquecimento tem de ser obtido imediatamente à custa do património do empobrecido; todavia, o enriquecimento deve ser removido do património em que, através do património de terceiro, efectivamente se produziu (Cf. Ac. STJ 10-11-1981: BMJ 311.°-353).

Não se perfilando, com os factos alinhados em probatório, a pretexto do que se estatui no art.º 479.º, n.º 1, Código Civil (objecto da obrigação de restituir), o que dele ressuma. Ou seja, «desde que a pretensão do enriquecimento se destina a fazer com que o enriquecimento obtido sem causa seja devolvido ao empobrecido, segue-se que a obrigação de entregar o obtido, os proveitos, o que se adquiriu em virtude do direito obtido, o commodum de substituição, o valor, não existe na medida em que o enriquecimento do accipiens tenha desaparecido» (Cf. Vaz Serra, BMJ 82º-190).

Tudo visto: «a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa incide, em princípio, sobre aquilo que se tenha obtido à custa do empobrecido. A medida da restituição tem, portanto, dois limites - o do enriquecimento e o do empobrecimento - e nisto se distingue doutras espécies de restituição previstas na lei ou da indemnização pelos danos sofridos» (Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, p. 326).

Por isso se conforma também como negativa a resposta às questões em 3..

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº 7, NCPC), que:

1.

Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil), é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se - haverá de dizer-se, agora e sempre -, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.

2.

Fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada por determinadas testemunhas, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente. A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.

3.

A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.

4.

A prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art. 466.°, n.º 3 do NCPC, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal. A credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspectiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respectivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade.

5.

A significar que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie.

6.

A «condição» (Dir. Civil) é uma cláusula acessória típica dos negócios jurídicos.  Diz-se que um negócio jurídico é celebrado sob condição, quando as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a produção dos seus efeitos (condição suspensiva) ou a sua destruição (condição resolutiva) (vide artigo 270.° Código Civil).

7.

Se a condição for resolutiva (e é o caso mais significativo de proximidade entre os institutos), a diferença de regime entre a condição e o modo pode sintetizar-se numa fórmula equivalente à anterior [relativa à distinção entre condição suspensiva e modo]: ‘a condição resolve, mas não obriga, enquanto o modo obriga mas não resolve’. O alcance da distinção é o seguinte.  Se há uma condição resolutiva, os efeitos do negócio produzem-se desde logo, mas o negócio resolve-se – ‘automaticamente’, «ipso facto» -, se o beneficiário não praticar o acto condicionante, a que, contudo, não está obrigado. Pelo que respeita ao modo, ele obriga; mas se não for cumprida a obrigação, como atrás exposto, mesmo quando a resolução possa ter lugar, ela não opera automaticamente: “o não cumprimento apenas confere o direito potestativo à resolução”.

8.

Mesmo pretendendo aplicar o enunciado critério distintivo – ‘a condição resolve, mas não obriga, enquanto o modo obriga mas não resolve’ –, a verdade é que, no caso, a prova produzida não o potencia. A realidade intraprocessual que evidencia e se destacou, não o consente. Tal norma não sai, por isso, violada!

9.

No que respeita ao art.º 595.º, n.º 1, alínea a) Código Civil (assunção de dívida), leve-se em consideração para que a transmissão da dívida exonere o antigo devedor, é necessária a existência de uma declaração do credor em tal sentido, declaração que tem de ser expressa como a lei exige, o que não acontece com a ratificação prevista na aI. a) do art. 595.°.

10.

Com tal alcance, e sem poder deixar de atribuir relevância a que o contrato de assunção de dívida é meramente consensual, pelo que a sua prova pode ser feita por testemunhas).  Tudo para dar ênfase conceitual a que a assunção de dívida, efectivamente, o acto pelo qual uma pessoa substitui outra na posição de devedora de uma determinada quantia, fazendo sua a posição passiva até então ocupada pelo transmitente na relação de crédito, contanto que, para o efeito, obtenha o acordo do credor, sendo este assentimento que torna fixo e irrevogável o contrato de assunção. Na situação sub judice, sem essa expressão!

11.

Quanto ao art.598.º Código Civil, levando em consideração o que vem de se consignar - aqui considerado integralmente reproduzido -, o próprio e singular enunciado do invocado art. 598.º Código Civil (meios de defesa), a saber: “na falta de convenção em contrário, o novo devedor não tem o direito de opor ao credor os meios de defesa baseados nas relações entre ele e o antigo devedor, mas pode opor-lhe os meios de defesa derivados das relações entre o antigo devedor e o credor, desde que o seu fundamento seja anterior à assunção da dívida e se não trate de meios de defesa pessoais do antigo devedor”, afasta qualquer perfil derrogatório para o que se decidiu.

12.

O direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ler chegado a entrar no património do enriquecido. O princípio geral do art. 473.° do Cód. Civil teoriza - «enriquecer à custa de outrem» e não «enriquecer à custa» do empobrecimento «de outrem»; o que conta, não é assim o empobrecimento da vítima por causa da lesão patrimonial, como acontece na responsabilidade civil, mas sim o enriquecimento injusto à custa de outrem.

13.

Conclusão reforçada com a emergência do disposto no art.º 474.º Código Civil (natureza subsidiária da obrigação), já que o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária. Em princípio, o enriquecimento tem de ser obtido imediatamente à custa do património do empobrecido; todavia, o enriquecimento deve ser removido do património em que, através do património de terceiro, efectivamente se produziu.

14.

Não se perfilando, com os factos alinhados em probatório, a pretexto do que se estatui no art.º 479.º, n.º1, Código Civil (objecto da obrigação de restituir), o que dele ressuma. Ou seja, «desde que a pretensão do enriquecimento se destina a fazer com que o enriquecimento obtido sem causa seja devolvido ao empobrecido, segue-se que a obrigação de entregar o obtido, os proveitos, o que se adquiriu em virtude do direito obtido, o commodum de substituição, o valor, não existe na medida em que o enriquecimento do accipiens tenha desaparecido».

15.

Tudo visto: «a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa incide, em princípio, sobre aquilo que se tenha obtido à custa do empobrecido. A medida da restituição tem, portanto, dois limites - o do enriquecimento e o do empobrecimento - e nisto se distingue doutras espécies de restituição previstas na lei ou da indemnização pelos danos sofridos».

15.1.

Verificando-se, pois, que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº 1, alíneas b), c) e d) doCPC - 615° NCPC).

III. A Decisão:

Pelas razões expostas nega-se provimento ao recurso interposto, assim se confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 16 de Março de 2021.

                                                 António Carvalho Martins - Relator

                                                 Carlos Moreira - 1º Adjunto

                                                João Moreira do Carmo - 2º Adjunto