Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
201/16.0GBPMS-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA EM PROCESSO PENAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DAS CHAMADAS
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 71.º, 73.º E 74.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I – A admissibilidade da intervenção provocada em processo penal deve ser ponderada caso a caso, em face de preocupações de celeridade, de economia processual e da ausência de alternativas processuais para se fazer valer a pretensão que estiver em causa.

II – Exigir-se que o pedido formulado na acção civil enxertada tenha que se fundar na prática de um crime significa também exigir como critério de admissibilidade que a pretensão cível tenha a sua “causa de pedir” nos eventos da vida real ou conjunto de factos que fazem parte do objecto do processo, ou seja, da acusação ou da pronúncia, únicos factos sobre os quais, em princípio e salvo a possibilidade de alteração prevista na lei adjectiva, o tribunal se pode pronunciar.

III – Não tendo sido deduzida acusação contra as chamadas e sendo de natureza puramente contratual a responsabilidade em que se sustenta o pedido, não é de admitir a intervenção principal provocada das mesmas.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I- RELATÓRIO

1. Na sequência da acusação deduzida pelo MºPº, em 14.04.2021, contra os arguidos AA, BB e «A..., LDA», aos quais nela  se imputa a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.º-B n.os 1, 2 e 4 alínea b) do Código Penal ( Refª 96484705 ), vieram os demandantes CC e DD deduzir pedido de indemnização civil contra tais arguidos e também contra B..., LDA, C..., S.A. e D..., LDA. 


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            2. Tal pedido de indemnização civil foi liminarmente admitido em relação aos arguidos supra mencionados, mas não já em relação às sociedades B..., LDA, C..., S.A. e D..., LDA., por despacho proferido em 15.10.2021 ( Refª 98125860 ), nos termos que dele constam da seguinte forma, que se transcreve:

“ (…), admito liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido por CC e DD em 01.06.2021 contra os arguidos, assim devindos investidos outrossim na posição de demandados, AA, BB e A..., LDA..
O mesmo não pode suceder – isto é, admissão liminar do pedido de indemnização civil – contra os demais sujeitos identificados pelos Demandantes, porquanto os autos foram, no que a eles respeita, arquivados, ou seja, não foi contra si deduzida Acusação Púbica, e mais considerando que o pedido de indemnização civil assenta na prática de um crime, constituindo este, precisamente, o facto ilícito gerador de responsabilidade (artigo 71.º do Código Processo Penal).
Porém, sem prejuízo do que se deixou supra exposto, e atento o alegado pelos Demandantes contra os demais, alerta-se os Demandantes para a possibilidade de acionar os meios processuais próprios com vista à eventual intervenção de terceiros nesta sua demanda civil, ora enxertada em processo penal, requerendo essa intervenção por meio do respetivo incidente processual e efetuando o correspetivo pagamento da taxa de justiça.
Nesta ordem de ideias, notifique os Demandantes para, em dez dias, alegarem/requererem com vista, sendo o caso, à eventual intervenção de terceiros nesta sede (de indemnização civil) ou requererem o que tenham por conveniente.


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3. Por requerimento apresentado em 28.10.2021 (Refª 8127421 ), vieram os demandantes CC e DD, “ ao abrigo do disposto no artigo 316º e seguintes do Código do Processo Civil, ex vi artigos 4º e 73º do Código de Processo Penal requerer a Intervenção Principal Provocada “ das mencionadas sociedades B..., LDA, C..., S.A. e D..., LDA.

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               4. Sobre tal requerimento recaiu o despacho proferido em 29.10.2022 ( Refª 101774547 ), o qual se transcreve:

            “ Requerimento de Intervenção Principal Provocada:

               Nos presentes autos, encontram-se acusados AA, BB e a sociedade ‘A..., Lda.’, pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152º-B, nºs 1, 2 e 4, alínea b) do Código Penal (refª 96484705).
               Foi ainda proferido despacho de arquivamento, pela prática do referido ilícito, no que respeita às sociedades ‘D...’, ‘C..., SA’, e ‘B..., Lda.’, e seus legais representantes (refª 96484705).
               Não foi apresentada qualquer reclamação hierárquica nem requerida a abertura de instrução, para pronúncia das demais sociedades e seus legais representantes, pela prática do mencionado ilícito.
               Foi deduzido pedido cível contra os arguidos acusados, peticionando a condenação dos mesmos no pagamento dos prejuízos causados (refª 7744379).
               Foi ainda deduzido pedido cível contra as sociedades cuja intervenção principal provocada ora se requer, peticionando a condenação destas no pagamento dos prejuízos causados, fundada em responsabilidade contratual das mesmas (refª 7744379).

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               Por requerimento de refª 8127421, requerem, então, os demandantes a intervenção principal provocada das demais sociedades, relativamente às quais incidiu despacho de arquivamento dos autos, para responsabilização cível (contratual) das mesmas pelos prejuízos causados.
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       Cumpre apreciar e decidir.
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      Face ao teor do despacho de arquivamento proferido nos autos, com o qual os demandantes se conformaram, o objeto do processo penal encontra-se delimitado pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público nos presentes autos.
       Nos termos do disposto no artigo 71º do CPP, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo.
       E, nos termos do previsto no artigo 73º do CPP, o pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil e estas podem intervir voluntariamente no processo penal.
       Prevê ainda o artigo 129º do Código Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
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     O pedido cível formulado contra as chamadas não se funda na prática de crime (tanto mais que nesta parte foi já proferido despacho de arquivamento, com o qual as partes se conformaram) mas antes em responsabilidade contratual das mesmas pelos prejuízos sofridos.
       Poderá o pedido cível em causa, fundado em mera responsabilidade contratual de terceiros, ser admissível em processo penal, assim como a intervenção principal provocada desses terceiros, que ora se requer?
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       Sobre a matéria, pronunciou-se o Assento n° 7/99 de 17 de Junho de 1999, fixando a seguinte jurisprudência:
       “Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377° n° 1 do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual. (....) É que, aceitando-se, muito embora, que o nosso direito positivo impõe um regime de adesão obrigatória, tal diz respeito ao pedido de indemnização por perdas e danos resultantes de um facto punível, ou seja, de um ilícito criminal. (...) O regime de adesão não implica uma ação cível qualquer, mas tão-somente um pedido de indemnização civil para ressarcimento de danos causados por uma conduta considerada como crime. …
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       Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.10.2017, proferido no Processo 68/11.4TAPNI.C1 (integralmente publicado in www.dgsi.pt), com o qual se concorda na íntegra, estabeleceu, a tal propósito, o seguinte:
       A prática de uma infração criminal pode justificar a formulação de dois pedidos diferentes:
       - Um de natureza criminal para que o autor do crime seja objeto de uma censura penal;
       -  outro, de natureza civil, para ressarcimento dos lesados, pelos danos materiais e não patrimoniais que do crime resultaram.
       O ressarcimento de tais prejuízos está previsto no art 71º, do CPP que consagra, como regra, o sistema da adesão obrigatória da ação cível à ação penal, isto é, o direito à indemnização por perdas e danos sofridos com o ilícito criminal só pode ser exercido no próprio processo penal nele se enxertando o procedimento cível a tal destinado.
       Com efeito, dispõe o referido artigo: “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”.
       Assim, por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, (regra) só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei, (exceção), sem prejuízo de, quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, remeta as partes para os tribunais civis. – n.º 3 do art. 72.º do CPP.
       “Com a consagração do princípio da adesão resolvem-se no processo penal todas as questões que envolvem o facto criminoso em qualquer uma das suas vertentes, sem necessidade de recorrer a mecanismos autónomos, (…) uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos quando afinal o tribunal a quem se atribuiu competência para conhecer do crime oferece as mesmas garantias quando ela é alargada ao conhecimento de uma matéria que está intimamente ligada a esse crime.” -ac. do STJ de 10-12-2008, proc. n.º 08P3638.
       Revertendo ao caso concreto, questão essencial consiste em apurar contra quem pode ser deduzido este pedido civil.
       Preceitua o artigo 73º, do Código de Processo Penal que:
       “1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil e estas podem intervir voluntariamente no processo penal.
       2 – A intervenção voluntária impede as pessoas com responsabilidade meramente civil de praticarem atos que o arguido tiver perdido o direito de praticar”.
       A norma define a legitimidade passiva de pessoas que não sejam sujeitos do processo penal. O pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil, ou seja, as que não são penalmente corresponsáveis pelo facto imputado ao arguido no processo penal. Mas que podem ser responsáveis civilmente pelos danos sofridos pelo lesado em consequência do facto que constitui crime - v.g. responsabilidade civil do representante legal de pessoa obrigada à vigilância (art 491º do CC), responsabilidade civil do comitente no caso do ato do comissário no exercício da função que constitua crime (arts 500º e 503º do Código Civil), responsabilidade da seguradora - Código de Processo Penal comentado, pág 270.
       É claro que a responsabilidade meramente civil terá que emergir dos factos constantes da acusação ou da pronúncia (salvo a possibilidade de alteração prevista na lei adjetiva).
       A ação civil tem como causa de pedir “(…) os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado.” - ac. do STJ de 10-12-2008, proc. n.º 08P3638, supra citado.
       Neste sentido também –  ac. do STJ de 28-05-2015, Proc. n.º 2647/06.2TAGMR.G1.S1 - “A ação civil que adere ao processo penal, ficando nele enxertada, é apenas a que tem por objeto a indemnização de perdas e danos emergentes do facto que constitua crime.”
       Consequentemente, a causa de pedir no pedido de indemnização deduzido por força do art. 71 do CPP, é a prática de um crime.
       Assim, só os lesados direta ou indiretamente com a sua prática podem ser demandantes, e os acusados ou terceiros que sejam responsáveis civilmente pela reparação dos respetivos danos, demandados.
       "Lesado" é toda a pessoa (singular ou coletiva) que, de acordo com o direito civil, tenha sofrido, por efeito do crime, prejuízos no seu património material ou moral.
       Quando o legislador utiliza a expressão "danos ocasionados pelo crime", pressupõe que entre o delito e os prejuízos indemnizáveis, exista um nexo de causalidade.
       A responsabilidade civil do arguido, a apreciar em processo penal, se não é sempre consequência de uma condenação por infração penal, tem no entanto por suporte a imputação de um crime, com verificação dos seus elementos constitutivos e de uma subsunção à fattispecie legal - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2013 de 07-01-2013 (…).
       Seria legalmente inadmissível no processo penal e ao tribunal criminal faleceria competência, em razão da matéria, para dele conhecer, caso o pedido cível não se fundasse em indemnização por danos ocasionados pelo crime ou não se fundamentasse na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, pois que a ação cível que adere ao processo penal é a que tem por objeto a «indemnização por perdas e danos emergentes do crime», e só essa (arts. 128º do CP/82 e 129.º do CP/95.).
       Consequentemente, pelos danos causados por um facto que não é suscetível de integrar um tipo legal de crime e que viola, exclusivamente, um crédito ou uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respetiva indemnização no processo penal. O tribunal criminal, é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da pura responsabilidade civil contratual.”
       Ou seja, conforme se decide no AUJ n.º 7/99 (DR, Iª Série, de 3/8/1999) e AUJ n.º 3/2002 (DR, Iª Série, 5/3/2002), o pedido civil tem que se fundar exclusivamente na responsabilidade civil extracontratual ou por facto ilícito, ainda que decorrente da transmissão de responsabilidades.
       “Se o pedido não é de indemnização por danos ocasionados pelo crime, não se funda na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, então esse pedido não é admissível em processo penal”. -ac. do STJ de 28-05-2015, Proc. n.º 2647/06.2TAGMR.G1.S1.
       Dito de outro modo, os factos geradores da responsabilidade civil têm que ser os mesmos que justificam a responsabilidade criminal. Os responsáveis é que podem ser sujeitos jurídicos diferentes.
       (…)
       No caso concreto e tal como assinala o despacho recorrido, o demandante/lesado funda o seu pedido em mera responsabilidade contratual (…) invocando a responsabilidade por atos praticados por representante ou auxiliar, a violação do dever de informação contratual e a violação do dever de fiscalização sobre a atividade da arguida C... , enquanto sua promotora.
       O pedido de indemnização civil formulado contra o A... é legalmente inadmissível no processo penal e o tribunal criminal recorrido não tem competência, em razão da matéria, para dele conhecer.
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       Revertendo ao caso em apreço, vemos que os factos invocados no pedido cível formulado contra as sociedades chamadas e que fundam a intervenção principal provocada das mesmas extravasam o pedido e a causa de pedir dos presentes autos, e não se fundam na prática de facto ilícito típico, mas em responsabilidade contratual, para a qual este Tribunal penal é materialmente incompetente.
       Admitir a intervenção principal provocada das sociedades chamadas, pelos factos aduzidos na mesma no que à responsabilidade das mesmas respeita, além de extravasar totalmente o objeto dos presentes autos, poderia até determinar a prolação de uma decisão contraditória com o objeto do despacho de arquivamento proferido nos autos (e com o qual os sujeitos processuais se conformaram), além de transformar os presentes autos, de natureza penal, em uma diferente ação, de natureza eminentemente civil – para a qual este Tribunal não é materialmente competente.

       Nos termos e pelos fundamentos expostos, porque o pedido cível formulado contra as chamadas e a intervenção principal provocada requerida extravasam totalmente a matéria criminal em julgamento nos presentes autos e não se fundam na prática de qualquer facto ilícito típico das chamadas, mas antes em responsabilidade contratual das mesmas, e atenta a falta de competência material deste Tribunal para apreciar o pedido formulado contra as mesmas, não se admite, porque carecida de fundamento legal, a requerida intervenção principal provocada, mantendo-se o despacho de não admissão parcial do pedido cível constante de refª 98125860 dos presentes autos.
       Notifique.”
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            5. Inconformados com tal decisão, recorreram os demandantes, extraindo da motivação do recurso as seguintes conclusões, que se transcrevem:

               “1 – O Tribunal a quo não decidiu com acerto ao entender não admitir “porque carecida de fundamento legal, a requerida intervenção principal provocada, mantendo-se o despacho de não admissão parcial do pedido cível constante de refª 98125860 dos presentes autos”;

               2 – Na esteira da boa doutrina e jurisprudência apoiadas na melhor interpretação da Lei, o pedido de indemnização civil oportunamente deduzido pelos demandantes e o ulterior incidente de intervenção principal provocada pelos mesmos apresentado a convite do Tribunal a quo devem, sem qualquer margem para dúvidas, ser liminarmente admitidos;

               3 – Tal liminar admissão é norteada e fundamentada pelos princípios da economia e celeridade processuais e por forma a evitar a contradição de julgados em acções cíveis instauradas à margem do processo penal sobre os mesmos factos;

               4 – Só assim de compreende que tenha sido o próprio Tribunal a quo quem, no seu douto despacho de 15/10/2021 com a referência 98125860, ordenou a notificação dos Demandantes para, no prazo de 10 dias, virem aos autos deduzir o competente incidente de intervenção principal provocada;

               5 – O que os Demandantes cumpriram escrupulosamente;

               6 – Não tendo tal despacho merecido quaisquer reparos por parte de nenhum dos intervenientes processuais;

               7 - Tendo, como tal, há muito transitado em julgado;

               8 – Pelo que está vedado ao mesmo Tribunal a quo vir agora pôr em causa o despacho da sua própria autoria de 15/10/2021, sob pena de uma intolerável violação do incontornável princípio de Caso Julgado que, desde já, se invoca para todos os efeitos legais com todas as consequências daí resultantes;

               9 - Por outro lado, entendeu o Tribunal a quo “que os factos invocados no pedido cível formulado contra as sociedades chamadas e que fundam a intervenção principal provocada das mesmas extravasam o pedido e a causa do pedido nos presentes autos, e não se fundam na prática de facto ilícito típico, mas em responsabilidade contratual, para a qual este Tribunal penal é materialmente incompetente”;

               10 - Todavia, tal entendimento não tem qualquer apoio minimamente razoável nem na letra, nem no espírito da Lei aplicável;

               11 - O Princípio da Adesão previsto no artigo 71º do Código de Processo Penal determina que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime seja deduzido no processo penal respectivo, só podendo ser em separado, perante o Tribunal Civil, nos casos previstos na Lei;

               12 - O concreto caso dos autos não se enquadra, inquestionavelmente, em nenhuma das situações previstas no artigo 72º do Código de Processo Penal que permitem que o pedido de indemnização civil possa ser deduzido em separado perante o Tribunal Civil;

               13 - Por outro lado o artigo 73º do mesmo Código de Processo Penal é muitíssimo claro ao estatuir que “O pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil”;

               14 - Sendo certo que a tríade “responsabilidade meramente civil” pela qual o legislador expressamente optou não é inocente, nem inusitada;

               15 - Atenta a clara objectividade de tal tríade tem, necessariamente, de se concluir, que o pedido de indemnização civil pode ser apresentado contra pessoas que tenham responsabilidade unicamente civil e não outra;

               16 - A mesma expressão “responsabilidade meramente civil” não faz qualquer distinção relativamente ao tipo de responsabilidade a que se refere, designadamente se contratual ou se extracontratual;

               17 - E não fazendo, propositadamente diga-se, tal distinção, a única conclusão razoável que daí se pode retirar é que a “responsabilidade meramente civil” em causa tem, forçosamente, de abarcar quer a responsabilidade civil contratual, quer a responsabilidade civil extracontratual;

               18- O quadro factual ínsito na acusação e no pedido de indemnização civil e correspectivo incidente de intervenção principal provocada, é, no essencial, o mesmo;

               19 - Basta que o ou os intervenientes processuais sejam civilmente responsáveis, contratual ou extracontratualmente, para que o Tribunal Penal tenha competência, por si só, para julgar tal responsabilidade civil, assim se evitando a contradição de julgados sobre a mesma questão essencial de facto;

               20 - Sem conceder, afigura-se-nos que a questão suscitada pelo Tribunal a quo no despacho de que ora se recorre relativamente à pretensa diferença de tratamento entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual nem sequer pode ser colocada em causa nos presentes autos;

               21 - Porquanto e conforme decorre da acusação pública e do pedido de indemnização civil e correspectivo incidente de intervenção principal provocada, o falecido jovem EE não tinha qualquer vínculo contratual que o ligasse nem à dona da obra B..., Lda, nem à empreiteira geral C..., S.A., nem à subempreiteira A..., Lda, nem tão pouco aos gerentes desta AA e BB;

               22 - Pelo que e não havendo indubitavelmente qualquer vínculo contratual que os ligasse, obviamente que a responsabilidade civil dos supra citados cinco intervenientes perante o falecido jovem EE, aqui representado pelos seus progenitores, não pode ser outra senão a responsabilidade civil extracontratual;

               23 - Responsabilidade extracontratual esta relativamente à qual não pode haver quaisquer dúvidas quanto à correspondente admissibilidade de tratamento e apuramento em sede de pedido de indemnização civil (decorrente do incidente de intervenção principal provocada deduzido a convite do próprio Tribunal a quo) enxertado no presente processo penal;


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            6. O recurso foi admitido.

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10. Colhidos os vistos, foi realizada a conferência.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

      A) Delimitação do objecto do recurso

            … no caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelos recorrentes, a questão a decidir é a de saber se no caso em vertente é admissível a intervenção provocada requerida pelos demandantes.


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B) Apreciação do recurso

             Os demandantes nos autos … recorreram da decisão que indeferiu o pedido de intervenção principal provocada das sociedades
Decisão recorrida essa que, partindo do pressuposto de que o pedido cível formulado contra as mencionadas sociedades chamadas não se funda na prática de crime, mas antes em responsabilidade contratual das mesmas pelos prejuízos sofridos, considerou ser inadmissível demandar as mesmas em processo penal, e, por isso, igualmente inadmissível a sua intervenção principal provocada, como terceiros, para esse efeito requerida pelos demandantes.

            Isto dito, importa, então, ver se é ou não de deferir tal pedido de intervenção principal provocada apresentado pelos demandantes, à luz do artº 73º do C.P.P.

            Este preceito refere no seu nº 1 que “o pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil e estas podem intervir voluntariamente no processo penal”.

            Embora na decisão recorrida não se mostre aflorada qualquer referência à impossibilidade da intervenção provocada não poder ter lugar no âmbito do pedido cível formulado em processo penal e de, também, nem sequer ter sido esse o motivo de indeferimento da intervenção principal provocada requerida nos autos pelos demandantes, sempre diremos o seguinte:

            A redacção do referido preceito nunca sofreu alterações, e dos trabalhos preparatórios do CPP parece poder retirar-se uma vontade legislativa nos termos da qual o artigo não incluía a previsão da intervenção provocada, mas sem que daí se pudesse extrair que a mesma não tinha lugar em processo penal, porque caberia na previsão do nº 3 do artº 74º (referido por Simas Santos e Leal Henriques in “Código de Processo Penal Anotado”, I vol. pag. 402).

            A jurisprudência dos Tribunais das Relações não tem sido uniforme a este respeito, podendo citar-se, por exemplo, no sentido da admissibilidade, entre vários outros, o Ac. de 29/10/2003 do Tribunal da Relação de Coimbra (in Col. Jur. 2003, IV, pag. 50), Ac. da Relação de Coimbra, de 07-11-2007, Ac. da Rel. Porto, de 03-10-2018, estes dois disponíveis em www.dgsi.pt., e, em sentido divergente, o de 24/9/2002, do Tribunal da Relação de Lisboa (in Col. Jur. 2002, IV, pag. 128).

            Também na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque pronunciou-se no sentido de não ver motivos para se não admitir a intervenção provocada em causa - vide Comentário do Código de Processo Penal, pag. 223).

            A posição assumida a este respeito por Lopes do Rego, da qual perfilhamos, aponta para que, face a questões como a que ora se aprecia, “as dificuldades do intérprete radicam na originária e fundamental contradição subjacente à própria figura da acção enxertada – que tem como objecto uma pretensão de natureza civil deduzida e julgada numa acção estruturada essencialmente com vista à apreciação de questões de natureza penal …

            O papel do intérprete e aplicador da lei consistirá em decidir, caso a caso, quais as normas processuais civis que podem ser “importadas” para integrar o processamento da acção enxertada – e que, na nossa perspectiva, serão não apenas as que estão expressamente ressalvadas pelo CPP, mas todas as que se mostrem compatíveis com o essencial da estrutura do processo penal e se mostrem necessárias à defesa eficaz dos direitos das partes civis.” (cfr. “As Partes Civis e o Pedido de Indemnização Deduzido em Processo Penal” in “Cadernos da Revista do Ministério Público”, nº 4, pag. 69).

            Também para Mouraz Lopes, a possibilidade de dedução de incidentes como o da intervenção principal provocada, “estará condicionada à absoluta necessidade do requerente ver o direito que invoca satisfeito e não possa, de todo, de outra maneira ver tal direito reconhecido” (cfr.”Algumas Notas Sobre o Pedido de Indemnização Cível” in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal” ANO 6 Fasc.3, pag. 435).

            Sendo certo que a intervenção espontânea e a provocada não se equivalem, do ponto de vista do processamento, porque ao interveniente chamado tem que ser dada a oportunidade de se pronunciar quanto a tal chamamento, o que não acontece quando a intervenção é da iniciativa do próprio sujeito chegado ao processo, afigura-se-nos precipitada a conclusão de que o legislador quis impedir por completo a intervenção provocada em processo penal.

            Entendemos, na verdade, que a admissibilidade dessa intervenção provocada deve ser ponderada caso a caso, em face, exactamente, de preocupações de celeridade, de economia processual, e da ausência de alternativas processuais para se fazer valer a pretensão que estiver em causa.

            Quanto à primeira exigência, recorde-se que é a própria lei processual penal a prever a remessa das partes para os meios cíveis, em nome dum rigor da decisão, que no caso fosse incompatível com o enxerto em processo penal, ou então, por razões de celeridade (nº 3 do artº 82º).

            Dito isto.

            A fundamentação aduzida na decisão recorrida que sustenta a não admissão da intervenção principal provocada que vem requerida pelos demandantes esteia-se em que esta e o pedido cível formulado contra as sociedades chamadas extravasam totalmente da matéria criminal em discussão nos presentes autos e não se fundam na prática de qualquer ilícito típico por parte das chamadas sociedades ( cuja responsabilidade criminal foi afastada em sede de inquérito, tendo-se aí concluído pelo arquivamento do procedimento criminal em relação às mesmas ), mas antes em responsabilidade puramente contratual de tais sociedades chamadas.

            E, na verdade, não poderemos deixar de concordar com tal fundamentação, perfilhando, aliás, o entendimento jurisprudencial que lhe está subjacente e que, profusamente, se mostra adiantado no despacho recorrido.

            Na verdade, o poder de cognição do tribunal criminal encontra-se limitado ao objecto do processo, delineado pelos factos (“pedaço unitário da vida”, “acontecimento histórico”) e pelos sujeitos referidos na acusação e/ou na pronúncia se a houver. O que significa que em princípio e salvo a possibilidade de alteração prevista na lei adjectiva, na sentença penal o tribunal só se pode pronunciar quanto a estes.

            Neste sentido, estabelecer como requisito que o pedido formulado na acção civil enxertada seja fundado na prática de um crime significa também exigir como critério de admissibilidade que essa pretensão cível tenha a sua “causa de pedir” nos eventos da vida real ou conjunto de factos que fazem parte do objecto do processo, ou seja, da acusação ou da pronúncia.

            Este problema tem surgido frequentemente quando se pretende saber se a absolvição penal do arguido implica necessariamente a sua absolvição do pedido de indemnização civil e a jurisprudência consolidada a esse propósito interessa também para a solução da questão suscitada nestes autos.

            Com efeito, o acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/99, de 17-6-1999 (DR. n.º 179, Série I-A de 1999-08-03), a que na decisão recorrida se faz referência, decidiu que se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.

            Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 1.07.2009, Proc. 520/03.5PTPRT.P1,disponível in in www.dgsi.pt, “um olhar aos fundamentos do assento numa curta incursão pelo seu texto é fundamental para afastar dúvidas a este propósito”: uma primeira das teses em confronto entendia que em caso de sentença absolutória proferida em processo penal, nos termos do n.º 1 do artigo 377º do Código de Processo Penal, deve ser apreciado o pedido civil aí formulado” e a segunda sustentava que “o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser fundamentado na prática de um crime. Se o arguido for absolvido desse crime, o pedido cível formulado só poderá ser considerado se existir ilícito civil ou responsabilidade fundada no risco (responsabilidade extracontratual)”. Que pelos fundamentos do assento se resolve afirmativamente a questão posta, resulta do trecho em que desenvolvendo um tópico que denominou como “Concordância com o acórdão fundamento» o Supremo Tribunal de Justiça diz que «Este acórdão põe em relevo uma ideia muito importante em toda esta polémica. É que, aceitando-se, muito embora, que o nosso direito positivo impõe um regime de adesão obrigatória, o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem necessariamente por causa de pedir o facto ilícito criminal, ou seja, os mesmos factos que constituem também o pressuposto da responsabilidade criminal. E assim se compreende que é por força da autonomia entre as duas responsabilidades que o Tribunal absolva da responsabilidade criminal, mas possa conhecer da responsabilidade civil. Só que esta última é a responsabilidade emergente do facto ilícito criminal, ou seja, a responsabilidade a que se refere o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil. (…) Desta forma, o n.º 1 do artigo 377.º do Código de Processo Penal, quando manda condenar em indemnização civil, tem como pressuposto que esta indemnização resulte de um facto ilícito criminal e, no fundo, tendo como base o já citado artigo 483.º do Código Civil”. Por isso conclui que o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem necessariamente por causa de pedir o facto ilícito criminal, ou seja, os mesmos factos que constituem também o pressuposto da responsabilidade criminal.

            Também o Tribunal Constitucional, pronunciando-se sobre o disposto no artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, em termos de avaliar da constitucionalidade ou não do regime do processo penal comparado com o do processo civil, enfatizou que é precisamente a existência de uma profunda conexão entre os dois ilícitos, resultante da unidade do facto gerador tanto da responsabilidade civil como da criminal, que justifica a apreciação no mesmo processo da questão criminal e da questão civil (Acórdão n.º 320/2001/TC, de 4 de Julho de 2001, Diário da República, 2.ª série, de 7 de Novembro de 2001).

            O Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 12-01-2000, decidiu no mesmo sentido: aí se escrevendo que “como flui, claramente, do disposto nos arts. 71°, n° 1, e 74°, n° 1, do C.P.P., 128°, do C.P./82, e 129º, do C.P./95, a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a indemnização de perdas e danos causados por um crime e só essa. Logo, se o pedido não é de indemnização por danos ocasionados pelo crime, se não se funda na responsabilidade civil do agente, pelos danos que, com a prática do crime, causou, então, o pedido é, legalmente, inadmissível no processo penal. Consequentemente, pelos danos causados por um facto que não é susceptível de integrar um tipo legal de crime e que viola, exclusivamente, um crédito ou uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respectiva indemnização no processo penal. Portanto, agora na perspectiva da competência do tribunal criminal, este é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da pura responsabilidade civil contratual” (Proc 599/99, in www.dgsi.pt).

            E, no acórdão de 12-11-2009, o Supremo Tribunal de Justiça afirmou uma vez mais que “a causa de pedir na acção cível conexa com a criminal é sempre a responsabilidade civil extracontratual [pois que fundada na prática de um crime e não no incumprimento contratual] e não qualquer outra fonte de obrigações, como a responsabilidade civil contratual ou o enriquecimento sem causa” ( Proc. 448/06, in www.dgsi.pt ).

            Como se ponderou na decisão recorrida, afastada que ficou a responsabilidade criminal das chamadas no despacho de arquivamento prolatado no final da fase de inquérito, o qual não sofreu qualquer reacção processual, os autos prosseguiram apenas para apuramento da responsabilidade criminal em relação aos únicos arguidos contra os quais foi deduzida acusação, ou seja, a sociedade A..., Lda., e os seus legais representantes, AA e BB, em relação aos quais  também os demandantes  e ora recorrentes deduziram pedido de indemnização civil para ressarcimento  da totalidade dos danos morais que alegam ter sofrido em consequência do acidente que vitimou o seu filho EE.

            Assim sendo, a responsabilidade das sociedades chamadas com base na qual pretendem os demandantes também o ressarcimento desses danos morais que invocam no pedido de indemnização civil por si deduzido, face à relação material controvertida como aqueles neste a configuram, poderá fundar-se apenas:

            - nas obrigações contratuais, de natureza laboral, estabelecidas entre a vítima EE e sociedade chamada   D..., Lda., na sequência do contrato individual de trabalho individual entre ambos celebrado;

            - nas obrigações contratuais estabelecidas entre a chamada B..., Lda., na qualidade de dona da obra, na sequência do contrato de empreitada por esta celebrado com a chamada C..., Lda.;

            -  nas obrigações contratuais estabelecidas entre a chamada C..., Lda., na qualidade de empreiteira da obra, e a sociedade demandada A..., Lda. e os seus legais representantes, na sequência do contrato de subempreitada celebrado entre tais sociedades;

            - nas obrigações contratuais estabelecidas entre a chamada D..., Lda. e a demandada A..., Lda., representada pelos seus legais representantes e também demandados nos autos, na sequência do contrato de prestação de serviços de trabalho temporário celebrado entre tais sociedades, nos termos do qual o malogrado EE foi cedido pela sociedade D..., Lda. à sociedade  E..., Lda.

             Sendo, pois, de natureza puramente contratual a responsabilidade em que se sustenta a intervenção principal das sociedades chamadas, independentemente de se saber se estas poderão ser ou não responsabilizadas, em acção de regresso ou de outra natureza, pelos danos morais invocados pelos demandantes nos autos, sempre tais sociedades chamadas poderão ser accionadas, se for esse o caso, em acção cível em separado, sem que tal colida com o direito dos demandantes de verem reconhecido nos presentes autos o direito à indemnização a que neles se arrogam no pedido de indemnização civil deduzido nos autos, o qual foi liminarmente admitido em relação  aos arguidos contra os quais se mostra deduzida acusação também nos autos.

            Daí que, pelas razões nela aduzidas, não deva merecer reparo a decisão recorrida.

            E, pese embora a alusão feita pelos recorrentes no seu discurso recursivo ao despacho proferido em 15.10.2021, referido no ponto 2. do Relatório supra, não vemos como, por força dele,  pudesse estar o tribunal recorrido impedido de decidir como decidiu no despacho que agora vem posto em crise, uma vez que neste  o que se decidiu foi a não admissão da requerida intervenção principal provocada das sociedades D...’, C..., SA, e B..., Lda., enquanto que, naquele outro despacho proferido em 15.10.2021, o que se decidiu foi a não admissão liminar do pedido de indemnização civil deduzido nos autos contra aquelas mesmas sociedades.

            Não se vislumbrando, pois, que com a prolação do despacho agora sob recurso tenha sido violado o princípio do caso julgado, cuja invocação vem feita pelos recorrentes, nos termos sintetizados nas Conclusões 4ª a 8ª.

            Isto porque.

Caso julgado é o efeito da decisão judicial irrevogável, da decisão judicial que já não é susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.

O fundamento do caso julgado traduz, como nota a doutrina (cfr. Eduardo Correia, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Colecção Teses, 1983, Almedina, pág. 302 e seguintes e Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 36 e seguintes), uma concessão de ordem prática à necessidade de assegurar a certeza e segurança do direito, arredando a possibilidade de decisões contraditórias e conferindo aos cidadãos a paz jurídica, ainda que em detrimento da justiça material.

No que respeita aos seus efeitos, distingue-se entre caso julgado formal e caso julgado material, significando o primeiro, a força obrigatória da decisão dentro do processo em que foi proferida e o segundo, a força obrigatória da decisão dentro do processo em que foi proferida e fora dele (cfr. arts. 619º, nº 1 e 620º, nº 1 do C. Processo Civil).

            Ora, como bem deflui do referido despacho proferido em 15.10.2021, a Mma. Juiz prolatora do mesmo limitou-se a decidir a não admissão liminar do pedido de indemnização civil deduzido nos autos pelos demandantes e ora recorrentes em relação às sociedades D..., C..., SA, e B..., Lda., pelas razões nele aduzidas, adiantando nele os demandantes “ para a possibilidade de acionar os meios processuais próprios com vista à eventual intervenção de terceiros na sua demanda civil, ora enxertada em processo penal, requerendo essa intervenção por meio do respectivo incidente processual “,  sem, contudo, sequer aludir a que essa “ sugerida “ intervenção de terceiros fosse referente às sociedades  ora chamadas no incidente de intervenção principal provocada sobre o qual se pronunciou a decisão ora recorrida.

            Pelo que, sem necessidade de maiores considerações, se conclui que a decisão recorrida não violou o princípio do caso julgado, devendo manter-se, pelos fundamentos nela aduzidos e pelos demais agora adiantados, a não admissão da intervenção principal provocada das mencionadas sociedades D..., C..., SA, e B..., Lda., requerida pelos demandantes, conforme nela foi decidido.

            Pelo que improcede o recurso.


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            III- Decisão

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em:

1. Julgar improcedente o recurso interposto pelos demandantes CC e DD, e, em consequência:

2. Confirmar o despacho recorrido.

3. Custas relativas ao recurso a cargo dos recorrentes (art. 523º do CPP )


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                                                                                      Coimbra, 12 de abril de 2023

                   

                    ( Texto elaborado pela relatora e revisto por todas as signatárias – art. 94º, nº2 do CPP )

( Maria José Guerra  – relatora)

                  (Helena Bolieiro – 1ª adjunta)

                    (Rosa Pinto – 2ª adjunta)