Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
82/17.6T9CLB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CELORICO DA BEIRA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 187.º, N.º 2 DA LEI N.º 23/2007, DE 4 DE JULHO
Sumário: I – A expulsão de cidadão estrangeiro decretada como medida acessória ao abrigo do nº 2, do artigo 187º, da Lei nº 23/2007, de 04 de julho, não tem natureza automática exigindo-se, outrossim, que a decisão judicial seja devidamente fundamentada.

II – Revelando a arguida uma atitude ou conduta censurável, em que tudo fez para retardar a sua saída do território nacional numa primeira expulsão de natureza administrativa e posteriormente obtém outro passaporte e altera o nome, acrescentando-lhe um apelido por efeito do casamento com cidadão português que não tem residência habitual no nosso país, entrando em território nacional no período em que estava proibida ou interditada de o fazer, deve ser considerada como “persona non grata”.

III – Sendo manifesta a sua não ligação ao nosso país, sem qualquer vínculo laboral estável, sem meios de subsistência conhecidos, sabendo-se que a mesma apenas é encontrada em estabelecimentos de diversão noturna e boîtes, saltitando de lugar em lugar, pelo país, dificultando a sua presença e controle pelas autoridades, constitui fundamento para que a mesma seja expulsa ao abrigo daquela disposição legal.

Decisão Texto Integral:




I

            1. Nos autos de processo comum supra identificados, em que é arguida   DS, imputando-lhe o Ministério Público a prática de um crime de violação da medida de interdição de entrada, previsto e punível pelo artigo 187.º, n.º 1 da Lei 23/2007, de 04 de julho,

            Foi a mesma julgada e a final decidido:

            a) Condenar a arguida DS, pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de violação da medida de interdição de entrada, previsto e punível pelo artigo 187.º, n.º 1 da Lei 23/2007, de 04 de Julho, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros), fixando-se a prisão subsidiária em 53 (cinquenta e três dias);

b) Determinar a expulsão da arguida do território português, devendo a mesma regressar ao Brasil;

            2. Desta decisão recorreu a arguida limitando o recurso à parte da pena acessória de expulsão.

            3. Proferido que foi o acórdão por este Tribunal da Relação, a fls. 368 a 373, datado de 17.10.2018, nele se decidiu:

“julgar o recurso da arguida DS procedente, embora por fundamentos diferentes dos alegados e, consequentemente, declara-se nula a decisão recorrida, quanto a esta parte da aplicação da pena acessória de expulsão, que deve ser substituída por outra que aprecie e fundamente devidamente o decretamento da expulsão bem como o respetivo prazo a fixar, caso o tribunal entenda que a mesma (expulsão) é aqui aplicável”.

            4. Em 9.1.2019 foi proferida nova sentença (reformulada nos termos do acórdão desta Relação), tendo-se decidido:

            Condenar a arguida DS, pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de violação da medida de interdição de entrada, previsto e punível pelo artigo 187.°, n." 1 da Lei 23/2007, de 04 de Julho, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros), fixando-se a prisão subsidiária em 53 (cinquenta e três dias);

Determinar a expulsão da arguida do território português, pelo período de 2 (dois) anos, devendo a mesma regressar ao Brasil;

(...)


II

São os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida:

Factos provados:

Da acusação pública

1) No dia 05.03.2011, a arguida, de nacionalidade Brasileira, foi notificada para abandonar voluntariamente o território nacional.

2) A arguida não acatou essa ordem e no dia 25.09.2011 foi detectada no espaço de diversão nocturna denominado “ X... ”, sito em G, em situação de permanência ilegal no território Português.

3) Na sequência de tal facto foi instaurado o processo de expulsão administrativa n.º 48/2011, onde foi proferida em 15.11.2011 decisão de expulsão da arguida do território nacional e a proibição de entrada no país pelo período de cinco anos.

4) A arguida foi notificada pessoalmente da aludida decisão em 18.11.2011, sendo-lhe concedido o prazo de 20 dias para abandonar o território nacional.

5) Foi transmitida à arguida que, a partir da data de abandono de Portugal, ficava proibida de entrar no país pelo período de cinco anos e que se o fizesse cometia o crime de violação de medida de interdição de entrada.

6) A arguida foi identificada em território nacional na boîte “ Y...”, sita em V, no dia 23.09.2012 e detida por desobediência à decisão de expulsão.

7) No dia 25.09.2012 a arguida foi escoltada por inspectores do SEF até ao aeroporto do Porto, onde embarcou num avião com destino à cidade de Lisboa para posterior ligação à cidade de São Paulo, no Brasil.

8) Em 25.01.2013 a arguida contraiu matrimónio com PC, cidadão português, adoptando o seu apelido.

9) A arguida requisitou um novo passaporte com o nome DS, que foi emitido no Brasil a 04.03.2013.

10) Munida desse passaporte a arguida deu entrada em território nacional no dia 31.07.2013.

11) No dia 18.01.2014 a arguida foi detectada num estabelecimento de diversão nocturna sito em ST, sendo notificada para abandonar voluntariamente o país no prazo de 20 dias, o que não fez.

12) No dia 11.06.2017 a arguida foi detectada em território nacional, no estabelecimento de diversão nocturna denominado “...”, sito em....

13) Constatando-se que “DSR” e “DS” são a mesma pessoa e que esta se encontrava em situação ilegal em Portugal, violando a medida de interdição de entrada em território nacional.

14) A arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente, ao entrar em Portugal no dia 31.07.2013, bem sabendo que estava obrigada a cumprir a decisão de proibição de entrada em território nacional pelo período de cinco anos, a contar do dia 25.09.2012, data em que abandonou Portugal, e que ao desobedecer à mesma violava aquela imposição legal.

15) A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida pela legislação penal.

(...)


III

            Questão a apreciar:

            Dos fundamentos para aplicação da pena acessória de expulsão da arguida do país e, consequentemente, da justeza e necessidade da sua aplicação.        


IV

            Apreciando:

            (...)


*

            B) O objeto do recurso, ou seja, dos fundamentos para aplicação da pena acessória de expulsão da arguida do país e, consequentemente, da justeza e necessidade da sua aplicação.

            1. Dispõe o artigo 187º, da Lei nº 23/2007, de 04 de julho.

               1 - O cidadão estrangeiro que entrar em território nacional durante o período por que essa entrada lhe foi interditada é punido com pena de prisão até dois anos ou multa até 100 dias.

            2 - Em caso de condenação, o tribunal pode decretar acessoriamente, por decisão judicial devidamente fundamentada, a expulsão do cidadão estrangeiro, com observância do disposto no artigo 135.º

            3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o cidadão estrangeiro pode ser afastado do território nacional para cumprimento do remanescente do período de interdição de entrada, em conformidade com o processo onde foi determinado o seu afastamento.

            2. Não se suscitam dúvidas de que a arguida cometeu o respetivo crime previsto no nº 1 do artigo 187º.    

            Para além da pena prevista no nº 1, nos termos do nº 2 do mesmo preceito (art.187º), pode o julgador decretar acessoriamente e devidamente fundamentada, a expulsão do cidadão estrangeiro, com observância do disposto no artigo 135.º

            Daqui resulta que esta expulsão não tem natureza automática[1].

            E não sendo a expulsão automática, se a decretar, deve o tribunal fundamentá-la.

            O que significa que é destes efetivos fundamentos que se deve ponderar se a expulsão decretada se justifica e se é adequada aos fins visados pelo legislador ao prever a aplicação de tal pena acessória.

           

            Em anotação a este preceito, Albano Pinto – in Paulo Pinto de Albuquerque/José Branco, Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. I, Universidade Católica Editora, em anotação ao respetivo artigo e concretamente sobre as penas acessórias, a fls. 137 e 138, afirma:

             “Porque se está perante uma pena (acessória – citado nº 2 e artigo 140º, nº2), apenas deve ser aplicada quando a gravidade do facto, a personalidade do arguido e razões de prevenção geral e especial o justifiquem”.

           

            3. Ora, contrariamente ao que não foi feito na sentença revogada, na sentença ora recorrida, o julgador explicita os reais e efetivos fundamentos por que aplica a pena de expulsão e a respetiva medida, dizendo:

            “Na situação em apreço, a ligação da arguida ao nosso País é nula ou quase nenhuma, já que a arguida está desempregada e o seu marido, que é português, está todavia na Suíça, a viver e trabalhar.

            Entende-se, por isso, que se impõe a aplicação da pena acessória de expulsão para o Brasil, país da nacionalidade da arguida.

            Mas ainda há mais: para a aplicação desta medida, tem-se ainda em conta o percurso da arguida e o seu comportamento para entrar no País. De facto, já não é a primeira vez que a arguida recebe ordem para abandonar o território nacional e não a cumpre. Com efeito, já em 05.03.2011, cerca de dois anos antes dos factos em questão, a arguida, de nacionalidade Brasileira, foi notificada para abandonar voluntariamente o território nacional e não acatou a ordem. Por causa disso, a arguida foi expulsa do país, nesse ano, tendo ficado com a proibição de entrar pelo período de cinco anos.

            Apesar disso, a arguida não se conteve de entrar novamente em território nacional, ainda antes desses cinco anos. E isso aconteceu não uma, mas, note-se, duas vezes.

            Só isso é suficiente para demonstrar o desrespeito da arguida pelo ordenamento jurídico nacional e pelas nossas autoridades. A arguida revela um sentimento de afronta às normas nacionais, que, entende-se, deverá ser fortemente punido, o que terá de passar necessariamente por uma ordem de expulsão.

            Acresce que, a arguida, bem sabendo da proibição que sobre a mesma recaía de entrar em território português, ludibriou as autoridades nacionais, adoptando um novo nome, de maneira a contornar as limitações que lhe foram impostas.

            Esta atitude revela um completo desprezo pelos preceitos normativos nacionais, sendo fortemente censurável, até mesmo para que a comunidade compreenda que não pode adoptar condutas semelhantes.

            Se a conduta da arguida não for ainda sancionada com uma ordem de expulsão, crê-se que será passada a mensagem para outros, em igual situação, que à atitude da arguida não está associada a expulsão, incentivando-se a entrada ilegal no País, com semelhantes artimanhas.

            Terá, pois, a arguida de ser alvo de uma sanção exemplar, não só para obstar a uma nova repetição do sucedido (o que já aconteceu por mais do que uma vez), mas também para deixar bem claro para a comunidade que não se pode contornar ordens de expulsão, com estratagemas, ludibriando as autoridades nacionais, que merecem o maior respeito por parte de todos os cidadãos.

            Em face da situação explanada, que se entende ser grave, deverá não só ser aplicada a medida de expulsão do País, mas também a mesma deverá ter a duração não do mínimo, mas de mais tempo, entendendo-se ajustado, face ao exposto, o período de dois anos”.

            4. Analisados os fundamentos da decisão recorrida, mostram-se os mesmos consentâneos com uma atitude ou conduta da arguida, que é censurável, que de certo modo a qualificam como “persona non grata”, na medida em que tudo fez para retardar a sua saída do território nacional quer quando foi notificada para o fazer voluntariamente quer na sequência da instauração do processo de expulsão administrativa n.º 48/2011, onde foi proferida em 15.11.2011, decisão de expulsão da arguida do território nacional e a proibição de entrada no país pelo período de cinco anos, sendo-lhe então concedido o prazo de 20 dias para abandonar o território nacional.

            Pelo que no dia 25.09.2012 foi a arguida escoltada por inspetores do SEF até ao aeroporto do Porto, onde embarcou num avião com destino à cidade de Lisboa para posterior ligação à cidade de São Paulo, no Brasil – v. factos nºs 1 a 7.

             Do mesmo modo que é censurável a conduta da arguida ao obter outro passaporte e alterar o nome (na medida em que lhe acrescentou um apelido) entrando de seguida em território nacional, no período em que estava proibida ou interditada de o fazer – v. factos nºs 8 a 10.

            E se é verdade que a arguida tem o direito de contrair casamento com um cidadão português (mesmo residente na Suíça), desde que não o seja com os objetivos do disposto no artigo 186º, da Lei nº 23/2007, de 4 de julho[2], a celebração desse casamento não anula a interdição da sua entrada em território nacional, durante o período fixado na decisão. E desse facto não deu a arguida conhecimento às autoridades nacionais, ludibriando-as.

            É, pois, manifesto, que a arguida entrou em território nacional, de forma “ínvia”.

            Sabendo-se do modo como a arguida entrou no país, que estava proibida de o fazer, que já decorreu praticamente todo o período de interdição fixado na decisão, que a mesma tem permanecido em território nacional apesar de legalmente não ser admissível (por se encontrar interdita de entrar), não lhe aplicar um período de expulsão na sequência da sua conduta e respetiva condenação, seria premiá-la pela sua desobediência e insistência contra ordem expressa das autoridades nacionais, que a mesma ignorou, ludibriou e desprezou.

            Existem razões fortes de prevenção geral e especial, para a aplicação desta pena acessória de expulsão à arguida. Sendo intensa a sua culpa, atento todo o circunstancialismo que rodeia a sua conduta.

            E como o que releva é o factualismo que foi dado como provado, é manifesta a sua não ligação ao nosso país, sem qualquer vínculo laboral estável, sem meios de subsistência conhecidos, sabendo-se que a mesma apenas é encontrada em estabelecimentos de diversão noturna e boîtes, saltitando de lugar em lugar, pelo país, dificultando a sua presença e controle pelas autoridades.

            E não pode a arguida vir agora refugiar-se em pretensa legalização da sua permanência em território nacional, depois de toda a conduta anterior já descrita nos autos.

            Deverá a arguida cumprir primeiramente a condenação, quer pela prática do crime quer da ordem de expulsão. E se depois de cumprida esta decisão judicial, mantiver interesse em regressar e permanecer legalmente no país, iniciará todo o processo administrativo legalmente previsto para o efeito, desde que se verifiquem os necessários pressuposto/requisitos e não pretender inverter este normal e regular procedimento.


V

Decisão:

Por todo o exposto, decide-se julgar o recurso da arguida DS improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UCs.


*

Coimbra, 11 de Setembro de 2019

Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos signatários

              

Luís Teixeira (relator)

           

Vasques Osório (adjunto)


[1] Os efeitos penais não automáticos da condenação são afirmados pelo Prof. Figueiredo dias in Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, fls. 177, automaticidade que terminou com a CRP.
[2] Com o seguinte teor:
Artigo 186.º
Casamento ou união de conveniência
1 - Quem contrair casamento ou viver em união de facto com o único objetivo de proporcionar a obtenção ou de obter um visto, uma autorização de residência ou um «cartão azul UE» ou defraudar a legislação vigente em matéria de aquisição da nacionalidade é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Quem, de forma reiterada ou organizada, fomentar ou criar condições para a prática dos atos previstos no número anterior, é punido com pena de prisão de dois a seis anos.
3 - A tentativa é punível.