Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
278/07.9TBPNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
Data do Acordão: 02/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Legislação Nacional: ARTS.1380 CC, 18 DO DL 384/88 DE 25/10
Sumário: I - O exercício de direito de preferência de prédios rústicos confinantes emerge da interpretação conjugada do estatuído no artº 1380º do CC e no 18º do DL 384/88 de 25/10.

II –Considerando a relevância legal da figura da unidade de cultura, a melhor interpretação para a admissão do exercício daquele direito é a de que ele só é concedido nos casos em que pelo menos um dos terrenos (confinante ou alienado) tenha área inferior a tal UC, pois que assim melhor se consecute a finalidade de se evitar a criação de latifúndios - artº94º da Constituição - se respeita a liberdade de comércio, e resultam benefícios para a certeza, segurança e justiça comparativa.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

 F (…) e mulher L (…) intentaram contra J (…) e mulher M (…); A (…); C (…); M (…); M (…) e marido A (…); e M (…) e marido M (…), acção declarativa, sob a forma sumária.

Pediram:

Que lhes seja reconhecido o direito de preferência na venda do prédio identificado no artigo 4º da pi e que foi objecto do Contrato de Compra e Venda titulado pela Escritura Pública de 04/12/2006, lavrada no cartório Notarial de ...... e, consequentemente, o direito de haver para si, com a efectiva entrega, o dito prédio pelo preço total de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), com a inerente substituição dos AA. na posição dos RR compradores;

Que se ordene o cancelamento das inscrições de registo na Conservatória do Registo Predial competente que incidem sobre o prédio a favor dos RR compradores, bem como de quaisquer ónus ou encargos que por estes venham a ser constituídos.

Alegaram,  em síntese, que:

- são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico com área de 79.578 m2;

- os primeiros RR. venderam aos segundos, pelo preço global de € 250,00, na proporção de um quinto para cada um, o prédio rústico denominado ......, com 32.408m2,;

- o prédio objecto da venda titulada pela referida escritura pública confronta de Poente com o prédio dos AA.;

- o prédio dos AA. é um terreno de sequeiro e pastagem enquanto que o prédio objecto da compra e venda é um prédio composto de terreno de cultura, pinhal e pastagem;

- como resulta da referida escritura, nem os vendedores, nem os compradores eram proprietários de qualquer outro prédio rústico contíguo com este;

- os primeiros e segundos RR. não deram conhecimento prévio aos AA. da sua disposição de vender o prédio em causa, não lhe transmitindo as condições de venda, nomeadamente, a pessoa do comprador, o preço, as condições de pagamento;

- os AA. apenas em 14/11/2007 tiveram conhecimento dos elementos essenciais do negócio, data em que lhes foi possível ter acesso à Escritura Pública de Compra e Venda supra referida.

Contestaram os Réus.

 Alegando, em resumo:

- a inexistência de direito de preferência dos AA. pois ambos os prédios têm área superior à unidade de cultura (na zona, e no que diz respeito a terrenos de sequeiro, a área de 3 Hectares;

- a inexistência de direito de preferência dos AA. atenta a qualidade de preferentes dos compradores, pois que os compradores são proprietários e possuidores do prédio rústico, que vieram a adquirir aos mesmos vendedores composto de terreno de cultura, pinhal e pastagem, com a área de 3,5640 ha, prédio este que confronta directamente com o prédio objecto da acção e que confronta também com a propriedade dos compradores;

- a inexistência de direito de preferência dos AA. em virtude da venda conjunta de imóveis, pois que, embora não no mesmo título, os vendedores, simultaneamente com a venda do imóvel pretendido pelos preferentes, venderam um outro que vieram a escriturar em 30 de Abril de 2007;

sendo que aos vendedores apenas a venda conjunta interessava e igual dependência de aquisição conjunta pretendiam os compradores, (sendo que tudo era do conhecimento dos preferentes, os quais ofereceram dez mil euros para compra do imóvel ajuizado que não foram aceites precisamente por estarem os vendedores apenas interessados na venda conjunta e os compradores igualmente só terem interesse na aquisição de ambos os imóveis); pelo que sempre soçobraria o direito dos preferentes porquanto não lhes era lícito exercer o mesmo em relação a um só dos imóveis;

- a inexistência de direito de preferência dos AA. pois se tratava de um negócio misto, uma vez que os vendedores fizeram a transacção com os RR. apenas para que a propriedade deles fosse ampliada e formasse um contínuo de exploração, que melhor valor traria e que os prédios vendidos continuariam a ser explorados pelos vendedores; esta condição de os vendedores manterem o direito e obrigação de explorar os mencionados imóveis, foi igualmente determinante da vontade de todos os outorgantes, pelo que não se trata de qualquer simples compra e venda, dação em cumprimento ou aforamento de prédio, como é pressuposto do surgimento do direito de preferência;

- a divergência do valor declarado e valor real do imóvel objecto da acção, pois se não fosse o anterior condicionalismo teria muito maior valor, pois o seu valor venal de mercado seria, pelo menos, na importância que os próprios autores quiseram oferecer-lhe, ou seja dez mil euros, sendo que os AA. ao pretenderem preferir pelo preço da escritura agem com manifesto abuso de direito, devendo em razão disso ser-lhes negado o direito de que se arrogam ou pelo menos ser condenados a pagar aos RR compradores, pelo menos, a importância de mais € 9.750,00.

Concluem, assim, pela improcedência da acção.

Responderam os autores.

Sustentando que tendo em conta o preceituado no artigo 18º do D.L. n.º 384/88 de 25 de Outubro, lhes assiste o direito de preferência, dado que o seu prédio é confinante com o que foi objecto de compra e venda por parte dos RR., independentemente da área de ambos os prédios; sendo o normativo legal supra citado posterior à norma constante do artigo 1380º do C. Civil e tendo ambas as normas idêntica força normativa, dever-se-á ter em conta o princípio geral de que “lex posterior derrogat lex anteriori”; por outro lado, ainda que, actualmente, os segundos RR. sejam proprietários de um prédio confinante com o prédio objecto da acção, a verdade é que, no momento da outorga da escritura de compra e venda os segundos RR. não eram proprietários de qualquer prédio confinante com o prédio objecto do litígio, sendo que quanto ao valor do prédio não podem ser os próprios simuladores a invocar a simulação, num claro abuso de direito.

 

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que:

Julgou a  acção improcedente, por não provada, e em consequência, absolveu os Réus de todo o peticionado.

3.

Inconformados recorrerem os autores.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) A sentença recorrida violou flagrantemente o disposto no artigo 1410º, nº1 do C. Civil e artigo 18º do DL 384/88, de 25/10, ao não conceder preferência aos AA. na compra de um imóvel rústico que, assim como os primeiros RR. (vendedores), eram proprietários de terrenos confinantes com o prédio alienado;

B) A sentença recorrida ignorou um dos requisitos de que faz depender a lei para a sua aplicação, que é exactamente que o adquirente do prédio seja proprietário confinante.

C) No caso concreto foi alegado e provado que o adquirente do prédio não era proprietário confinante.

D) O direito de preferência existe se a venda for efectuada a quem não seja proprietário confinante, o que manifestamente aconteceu nos presentes autos.

E) A melhor interpretação do artigo 18º do DL 384/88, de 25/10, é a que conduz a permitir o exercício do direito de preferência ao proprietário do prédio confinante, independentemente de a área deste ser superior ou inferior à unidade de cultura.

F) Assiste aos AA., sob o ponto de vista do Direito, o direito de preferência na aquisição do prédio melhor identificado no artigo 4º da P.I. e no Doc.3 também junto com esta peça processual, dado que a lei do emparcelamento (Decreto-lei 384/88, de 25 de Outubro) promove o interesse do redimensionamento dos prédios rústicos, lutando contra o seu fraccionamento.

G) A interpretação da norma legal do artigo 18º do DL 384/88, de 25/10 no quadro legal e constitucional, não permite uma leitura abstracta e linear. Se, por um lado, se impõe que o direito de preferência cesse sempre que da junção de dois prédios, pelo exercício de tal direito, acabe por resultar num latifúndio, por outro lado, não se pode negar o direito de preferência pelo simples facto de ambos os prédios (preferente e confinante) tenham área superior à unidade mínima de cultura, ainda que muito próxima da sua unidade mínima.

H) Não devendo promover-se a constituição de latifúndios, mas sim o apoio a explorações agrícolas familiares, claro está que a interpretação da Lei efectuada pela sentença recorrida não se conforma com o disposto no artigo 97º, nº1 e 112º, nº2 da CRP.

I) Na verdade, os AA. desenvolvem uma exploração agrícola familiar, ao contrário dos RR. adquirentes, que nenhuma actividade agrícola desenvolvem.

J) Assiste aos AA. o direito de preferência, dado que o seu prédio, melhor identificado no artigo 1º da P.I., é confinante com o prédio que foi objecto de compra e venda por parte dos RR., independentemente da área de ambos os prédios.

K) Sem prescindir, ainda que tal não se entendesse, sempre teríamos que considerar a existência do direito de preferência dos AA., dado que o normativo legal do artigo 18º do DL 384/88, de 25/10 é posterior à norma constante do artigo 1380º do C. Civil. Tendo ambas as normas idêntica força normativa, dever-se-á ter em conta o princípio geral de que “lex posterior derrogat lex anteriori” (artigo 7º, nº2 do C. Civil).

L) A interpretação concreta que é feita, na sentença recorrida, do disposto no artigo 1380º, nº1 do C. Civil e artigo 18º, n.º1, do Decreto Lei n.º 384/88, de 25/10 viola os princípios constitucionais 12º, 13º, 62º, 97º e 112º da C.R.P.

M) A sentença recorrida viola as normas constantes dos artigos 7º, 9º 1380º e 1410º do C. Civil, 18º, n.º1, do Decreto Lei n.º 384/88, de 25/10, 12º, 13º, 62º, 97º e 112º, nº2 da C.R.P.
4.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questão essencial decidenda é a seguinte:

Assiste, ou não, aos autores, o direito de preferência porque a lei não faz depender o mesmo da área – inferior ou superior à unidade de cultura – dos prédios confinantes.

5.
Os factos dados como provados e a considerar são os seguintes:

            1. Por certidão da Conservatória do Registo Predial de ...... e certidão de teor do Serviço de Finanças de ......, encontra-se descrito sob o n.° ...... e inscrito sob o artigo ......°, um prédio rústico composto de terreno de sequeiro e pastagem, com a área de 79.578 m2, sito na Freguesia de ......, confrontando de Norte (…), Sul com (…) Poente com (…) e de Nascente com (…), figurando como sujeito activo, com registo de aquisição por doação, os Autores.

2. Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 04/12/2006, no Cartório Notarial de ......, exarada a folhas 38 a 39, do livro 51-A, os 1s.° Réus venderam aos 2s.° Réus, pelo preço global de € 250, na proporção de 1/5 para cada um, o prédio rústico denominado ......, composto de terreno de cultura, pinhal e pastagem, com 32.408m2, sito na Freguesia de Lameiras, concelho de ......, descrito na Conservatória do Registo Predial de ......, sob o n.° ......e inscrito na matriz sob o artigo .......

3. O prédio referido em 2. confronta de Norte com Caminho, Sul com limite da Freguesia de ......, Nascente com (…) e de Poente com (…) e outro.

4. O prédio referido em 2. confronta de Poente com o prédio referido em 1..

5. Os Réus não deram conhecimento aos Autores da intenção de venda do prédio referido em 2., nem lhes transmitiram as condições de venda, nomeadamente, a pessoa do comprador, o preço e as condições de pagamento. 

6. Os Autores apenas em 14/11/2007 tomaram conhecimento dos elementos essenciais do negócio.

7. Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 30/04/2007, no cartório Notarial de ......, exarada a folhas 137 a 139, do livro 62-A, os 1s.° Réus, entre outros, venderam aos 2s.° Réus, pelo preço global de € 500, na proporção de 1/5 para cada um, o prédio rústico, composto de terreno de cultura, pinhal e pastagem, com 35.640m2, sito em Serra, na Freguesia de Lameiras, concelho de ......, descrito do Registo Predial de ......, sob o n.° ...... e inscrito na matriz sob o artigo ......°. 

8. O prédio referido em 7. confronta com o prédio referido em 2.

9. Os compradores são proprietários e possuidores do prédio rústico, que vieram a adquirir aos mesmos vendedores, composto de terreno de cultura, pinhal e pastagem, com a área de 3,5640 ha, inscrito na matriz sob o artigo ......

10. Prédio este que confronta directamente com o prédio referido em 2.

11. E que confronta também com a propriedade dos compradores inscrita na matriz sob o artigo ......

12. Aos RR. interessava a aquisição conjunta dos prédios referidos em B) e G).  

13. Os vendedores, simultaneamente com a venda do imóvel referido em 2., venderam o imóvel referido em 7.

14. Ao vendedor (…) só interessava a venda dos dois imóveis.

15. Os AA. estariam dispostos a pagar € 10.000,00 (dez mil euros) para compra do imóvel referido em 2.

16. Os compradores tinham interesse na aquisição de ambos os imóveis.

17. A exploração do prédio referido em 2. foi efectiva e ininterruptamente assegurada pelo vendedor (…) até hoje. 

6.

Apreciando.

6.1.

O Sr. Juiz a quo indeferiu a pretensão dos autores com o seguinte discurso argumentativo:

   «Um dos casos expressos de preferências legais vem previsto no artigo 1380º do Código Civil, sendo este o direito de preferência em causa no caso vertente.

Aí se diz, no nº 1, que: Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”.

…          

Nos termos de tal preceito legal são, pois, elementos constitutivos do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil:

a) ter sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura;

b) que o preferente seja proprietário de terreno confinante com o prédio alienado;

c) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.

A este propósito, e no que concerne ao pressuposto enunciado em a), releva a factualidade assente e descrita em 1. e 2…

Perante tal factualidade, e ainda o disposto no artigo 1º da Portaria nº 202/70, de 21/04 (in Diário do Governo, I Série, nº 93, de 21/04/1970), do qual decorre que a unidade de cultura para a região de ......, porque inserta na área da Guarda é de 2 hectares para terrenos de regadio/arvenses e de 3 hectares para terrenos de sequeiro… importa extrair as necessárias consequências de direito.

A norma do artigo 18º do D.L. nº 384/88, de 25/10 (“Os proprietários de prédios confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”), alterou a solução consagrada pelo artigo 1380º, nº 1, do Código Civil, relativamente ao direito de preferência a que está sujeita a alienação do prédio confinante: deixou de se exigir que o prédio objecto do direito de preferência tenha área inferior à unidade de cultura.

Da conjugação dos referidos preceitos legais resulta que gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes, no caso de venda a quem não seja proprietário confinante, desde que um dos prédios –o confinante ou o vendido- tenha área inferior à unidade de cultura (vide Henrique Mesquita in C.J., Ano XVI, Tomo II, p. 36 e Galvão Telles in Revista Lusíada, nº 1, 1991, p. 7, assim como o Ac. da Relação de Coimbra de 13.02.2001 (Proc. n.º 31118/00, disponível in www.dgsi.pt).

A razão de ser do regime legal ancora num propósito propiciador do emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se, assim, a proliferação do minifúndio considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente…».

6.2.

Mostra-se acertado este entendimento, estando ele consonante com  jurisprudência nesta matéria e a doutrina mais abalizada.

Lei 2116, de 14 de Agosto de 1962, na sua Base VI, n.º 1, permitia o exercício do direito de preferência aos proprietários de prédios confinantes, nos casos de alienação de terrenos de área inferior à unidade de cultura.

Entendendo-se que tal direito poderia ser exercido qualquer que fosse a área dos seus prédios.

Já o artº 1380º, veio limitar tal direito, pois que se entendia exigir ele, tanto para o prédio alienado como para o confinante, área inferior à unidade de cultura.

Com o citado DL 384/88 teve-se em vista, como consta do respectivo preâmbulo: «Redefinir o conceito de emparcelamento, alargando-o a operações que transcendem ou completam as previstas no regime em vigor, de modo a atingir mais eficazmente a finalidade principal, que é o aumento da área dos prédios e das explorações agrícolas…».

 Ora não obstante a redacção do artº 18º não ser a mais feliz e poder dar azo a interpretações da jaez da dos recorrentes, a interpretação mais lógica e coerente com o fim a que se destina, tem de apontar para a solução de que ele visa propiciar a extinção progressiva dos minifúndios sem incentivar a criação de grandes latifúndios que se pretendem eliminar – artº 94º da Constituição.

Tendo-se, para o efeito, como referencial fundamental, a noção de unidade de cultura.

A qual é a superfície fundiária variável consoante as regiões que se considera oferecer condições técnicas e económicas conducentes a uma produtividade e rentabilidade compensadora.

 Como referência para verificar se existe direito de preferência, a unidade de cultura encontra-se estabelecida para as várias regiões do país através da Portaria 202/70, de 21 de Abril, que continua em vigor, a título transitório, por força do artigo 53º do DL 103/90, de 22 de Março.

Destarte, tem-se entendido que o alargamento do direito de preferência se limita aos casos em que apenas um – mas pelo menos um - dos terrenos, alienado ou confinante, tenha uma área superior à unidade de cultura.

O que permite a existência de um critério objectivo, aplicável uniforme e genericamente, com benefício, vg. da justiça comparativa.

Pois que o entendimento de que inexiste qualquer limite de área, quer para o prédio alienado, quer para o confinante, apenas sendo impeditivo do direito de preferência o facto de o mesmo originar um latifúndio, acarretaria, dada a não densificação legal deste conceito, decisões díspares, porque eivadas de subjectivismo, e, assim, afectantes daquela justiça.

E sendo que, por aplicação do regime do artº 1380º do CC – o qual, versus o defendido pelos recorrentes, não foi revogado pelo DL384/88, mas apenas alterado pois que este para aquele remete – com o direito de preferência recíproco, não apenas se consecute tal finalidade como se atinge outro fito relevante: colocar em igualdade, justamente, os proprietários de terrenos de área inferior à unidade de cultura com os de terrenos de área superior, conseguindo-se o propósito legal de emparcelamento com vista a uma mais adequada e racional exploração económica, independentemente de quem venha a exercer o direito de preferência.

Com efeito, num salutar princípio de reciprocidade, tem iguais consequências de facto, conceder ao titular de terrenos confinantes de área superior à unidade de cultura direito de preferir na alienação de terrenos de área inferior ou conceder tal direito a proprietários de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura, na alienação de terrenos de área superior.

Indo-se além do regime estabelecido na Lei 2.116,  o qual, segundo consta no relatório  do DL 384/88,   conduziu a «resultados …demasiado modestos», pelo que tal Lei foi revogada pelo art. 25º deste DL.

Mas não se podendo, razoavelmente, consentir a abrangência da tese  propugnada pelos recorrentes, já que seria potenciadora de incerteza na admissão do exercício do direito  e, até, excessiva.

A este propósito, contundente e incisivamente expende Antunes Varela  in R.L.J. Ano 124-371: «seria de facto, uma verdadeira enormidade a solução de estender a preferência legal à alienação de qualquer prédio rústico (fosse qual fosse a sua área), em benefício de todos os proprietários rurais vizinhos ou confinantes, independentemente também da dimensão do prédio destes… estendendo a todo o território do País um sistema de verdadeira asfixia da liberdade de alienação dos proprietários rurais.» - neste sentido cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 07.11.2006, 15.05.2007, 04.10.2007 e 04.12.2007,  in dgsi.pt, ps.  06A3262, 07A958,  07B2739 e 07A3838; Acs. da Relação de Coimbra de 04.11.2008 e de 20.01.2009, ps. 557/2001.C1 e 486/07.2TBALB.C1; Acs. da Relação de Lisboa de  24.11.2005 e de 03.04.2008, ps. 10489/2005-6 e 1584/2008-6 e Acs. da Relação do Porto de 21.11.2005 e de 02.07.2009, ps. 0554414 e 90/1999.P1.

Encontrando-nos, assim, perante interpretação jurisprudencial uniforme e sedimentada e sendo que o caso concreto não encerra qualquer especificidade que implique o seu afastamento, vg. que o prédio alienado não seja cultivado, pois que o continua a ser, posto que pelos vendedores.

Consequentemente e excedendo os prédios -  o alienado e o confinante – a área da unidade de cultura, falece aos recorrentes o invocado direito de preferência.

6.3.

Sumariando.

I -O exercício de direito de preferência de prédios rústicos confinantes emerge da interpretação conjugada do estatuído no artº 1380º do CC e  no 18º do DL 384/88 de 25/10.

II –Considerando a relevância legal da figura da unidade de cultura, a  melhor interpretação para a admissão do exercício daquele direito  é a de que ele só  é concedido  nos casos em que pelo menos um  dos terrenos (confinante ou alienado) tenha área inferior a tal UC, pois que assim  melhor se  consecute a finalidade de se evitar a criação de latifúndios  - artº94º da Constituição -  se respeita a liberdade de comercio, e resultam benefícios para a certeza, segurança e justiça comparativa.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelos recorrentes.