Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1415/10.1T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
DEVER ACESSÓRIO
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INSTÂNCIA CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 239, 762, Nº2, 798, 800, 1207 CC
Sumário: 1.- Se durante a execução de uma empreitada efectuada num veículo automóvel pertencente a A, a empreiteira B causa um dano no automóvel, que manda reparar, com o consentimento de A, numa oficina de C, local onde o automóvel vem a ser objecto de um furto de componentes electrónicos, B é responsável perante A, com base em responsabilidade contratual, pelos prejuízos decorrentes desse furto.

2.- Num contrato, além da obrigação principal, podem existir deveres acessórios a cargo do devedor da prestação e cuja matriz se encontra na cláusula geral da boa fé prevista no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil.

3.- A regra do artigo 800.º, n.º 1, do Código Civil, segundo a qual o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor, só fica afastada quando há uma substituição jurídica do devedor no cumprimento da obrigação, mas não quando a substituição é meramente executiva.

Decisão Texto Integral: I. Relatório.

a) O presente recurso respeita a uma acção declarativa de condenação na qual o Autor recorrente pede que o tribunal condene a recorrida R (…) a pagar-lhe uma indemnização por danos que sofreu na sua carrinha da marca Mercedes, com caixa térmica, que levou às instalações industriais da recorrida com o fim desta alinhar os pneus deste veículo.

 Diz que durante a execução deste serviço, a carrinha deslocou-se ligeiramente ao longo da plataforma onde estava imobilizada e as rodas da frente deixaram de ter apoio nessa plataforma, o que originou um choque entre o chassis (embaladeiras) do veículo e a dita plataforma, do qual resultaram os danos no veículo.

Para reparação destes danos, a Ré recorrida, com a concordância do recorrente, mandou reparar o veículo na empresa C....

Quando o veículo estava nas instalações desta empresa, alguém furtou o «imobilizador e unidade de comando do motor/centralina» da carrinha, que é o dispositivo utilizado no controlo dos sistemas mecânico, eléctrico e electrónico do veículo.

A empresa C... levou a carrinha à empresa D... para verificar e orçamentar a substituição dos elementos furtados, mas o veículo do Autor não foi aí reparado, tendo a C... procedido aos trabalhos de reparação por si mesma.

Concluídos, a C... entregou a carrinha nas instalações da Ré, segundo ela, a pedido do Autor.

Quando o Autor se serviu da carrinha, verificou que esta não desenvolvia força propulsora como ocorria anteriormente; não oferecia segurança e o painel de instrumentos assinalava diversas anomalias, tudo originado, segundo ele, pelo facto de terem sido colocadas peças inadequadas pertencentes a uma outra carrinha, o que obrigou à imobilização da carrinha e aluguer de uma outra para a substituir na actividade profissional do recorrente.

Com base neste factos, pediu da recorrida uma indemnização de €12.968,54 euros, bem como €360,00 euros de juros de mora vencidos e vincendos.

No final a sentença absolveu a Ré do pedido.

Considerou-se, fundamentalmente, que a indemnização pedida respeitava aos danos gerados pelo furto dos componentes da carrinha e quanto a estes factos, geradores de responsabilidade extracontratual, não existia nexo de causalidade entre a actuação danosa imputável à Ré e os danos cuja indemnização o Autor pediu.

Por outro lado, não resultou provado que a Ré tivesse assumido a obrigação de suportar os custos da reparação resultante do furto dos mencionados componentes.

c) É desta sentença e também da resposta à matéria de facto dada em 1.ª instância, que vem interposto o recurso, cujas conclusões são estas:

(…)

d) A Ré contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença, fundamentalmente com base na ideia da cessação da relação contratual entre as partes a partir do momento em que a carrinha foi entregue nas instalações da C...para reparação dos danos da responsabilidade da Ré, local onde, posteriormente, ocorreram os factos causais dos danos pedidos nesta acção, aos quais a Ré é alheia.

Concluiu assim:

(…)

II. Objecto do recurso.

As questões que se colocam neste recurso são de ordem factual e jurídica.

Quanto às primeiras, coloca-se a questão de saber se deve ser alterada a resposta dada à matéria de facto, concretamente aos quesitos 7.º, 16.º, 17.º e 18.º, pelas razões indicadas pelo recorrente e que mais abaixo serão indicadas.

Relativamente à matéria de direito, a questão que se coloca consiste em saber se a Ré pode ser responsabilizada, com base em responsabilidade contratual, quanto aos danos que a carrinha do Autor sofreu em virtude do furto dos componentes ocorrido nas instalações da C...e posterior imobilização do veículo.

III. Fundamentação.

a) Impugnação da matéria de facto.

(…)

b) Matéria de facto provada.

1. No dia 15 de Outubro de 2009, o Autor entregou o veículo de marca Mercedes, com a matrícula X..., na oficina da Ré, sita na Rua Y..., em Esgueira, para reparação, consistente no alinhamento da direcção – alínea A) dos Factos Assentes.

2. Quando o veículo referido em A) se encontrava em cima da fossa de alinhamento de direcção, descaiu ligeiramente – facto 20.º da Base Instrutória.

3. …vindo as embaladeiras a tocar no cimento, amolgando-as – facto 21.º da Base Instrutória.

4. A Ré assumiu perante o Autor a responsabilidade pelos prejuízos ocorridos em sequência do descrito em 2 e 3 – facto 23.º da Base Instrutória.

5. O Autor assentiu que o veículo fosse reparado pela empresa C...e não por uma oficina da marca Mercedes, o que foi feito a expensas da Ré – alínea B) dos Factos Assentes.

6. Quando se encontrava nas instalações da Autoneiva, foi furtado do veículo referido em A) o imobilizador e unidade de comando do motor/centralina, ou seja, o dispositivo utilizado no controlo dos dispositivos mecânicos, eléctricos e electrónicos do veículo – alínea C) dos Factos Assentes e facto 4.º da Base Instrutória.

7. No dia 15 de Outubro de 2009, a Ré contratou uma empresa denominada C...para avaliar e reparar os danos que o veículo referido em A) apresentasse em virtude do incidente que sofreu na oficina da Ré – facto 1.º da Base Instrutória.

8. A C...rebocou o veículo para a D... para verificar e orçamentar a falta e substituição dos componentes referidos em 3.º – facto 5.º da Base Instrutória.

9. …não tendo o veículo sido reparado na D..., regressando às instalações da C...– facto 6.º da Base Instrutória.

10. As diligências havidas entre a C...e a D... foram acompanhadas pelo Autor, que se deslocou diversas vezes às instalações da C... – facto 24.º da Base Instrutória.

11. No dia 10 de Dezembro de 2009, o veículo referido em A) foi entregue pela C...nas instalações da Ré que, nesse mesmo dia, o entregou ao Autor, tendo este pago apenas o custo da reparação havida com o alinhamento da direcção – alínea D) dos Factos Assentes.

12. A C...colocou no veículo os componentes em falta – facto 7.º da Base Instrutória.

13. ... mas os componentes não eram compatíveis com o veículo – facto 8.º da Base Instrutória.

14. Os componentes colocados no veículo pela C...eram provenientes de outro veículo – facto 9.º da Base Instrutória.

15. ... sendo que o veículo não desenvolvia como devia, não oferecia segurança, o painel de controlo ou de instrumentos assinalava diversas anomalias – facto 10.º da Base Instrutória.

16. O Autor deu conhecimento à Ré de que, até serem colocados no veículo referido em A) os componentes adequados (o imobilizador e unidade de comando do motor/centralina, ou seja, o dispositivo utilizado no controlo dos dispositivos mecânicos, eléctricos e electrónicos do veículo), o mesmo ficaria imobilizado – alínea E) dos Factos Assentes.

17. A Ré não solucionou o problema referido em E), apesar de ter sido instada nas semanas e meses seguintes, pessoal e telefonicamente – alínea F) dos Factos Assentes.

18. O Autor mandou reparar o veículo referido em A) na D... – facto 12.º da Base Instrutória.

19.… tendo a reparação importado a quantia de 2.525,38€ – facto 13.º da Base Instrutória.

20. Do dia 13 de Fevereiro de 2010 até ao dia 5 de Junho de 2010, o Autor teve de se socorrer de um veículo de aluguer de características idênticas ao seu, de 3500Kg, com caixa térmica, mediante o pagamento de uma quantia a acordar com o dono, a qual poderá chegar a €50,00 euros diários – factos 16.º, 17.º e 18.º da Base Instrutória.

21. O Autor pagou pelo orçamento levado a cabo na D... a quantia de €83,16 – facto 19.º da Base Instrutória.

22. O Autor é comerciante, vendendo em feiras e outros locais diversos do país produtos alimentares congelados e frios, necessitando de uma carrinha de frio para prossecução da sua actividade – alínea G) dos Factos Assentes.

b) Apreciação das questões jurídicas.

Vejamos agora se o Autor tem direito a receber da Ré a quantia que ele despendeu com a reparação da carrinha na empresa D..., bem como uma indemnização pela paralisação da carrinha.

Afigura-se que a resposta é afirmativa pelas razões que irão ser expostas.

1 - O Autor sustenta que entre ele e a Ré foi estabelecido um contrato cujo objecto consistiu no alinhamento da direcção da carrinha do Autor.

Dado o objecto contratual, tratou-se de um contrato de empreitada, que o artigo 1207.º do Código Civil define como «…o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço».

Como refere o Autor nas alegações, há num contrato, além da obrigação principal, deveres acessórios que oneram o devedor da prestação e cuja matriz se encontra na cláusula geral da boa fé mencionada no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil.

Cumpre reparar que devido à própria natureza da prestação da Ré, esta carecia de ter o domínio de facto sobre a carrinha, isto é, tinha de ter a carrinha na sua oficina, à sua disposição, pois só nestas condições poderia cumprir a prestação principal que consistia em alinhar a respectiva direcção.

Existiu, por isso, uma transferência necessária, do Autor para a Ré, quanto ao domínio de facto sobre a carrinha.

Quando tal ocorre, o dono da coisa não autoriza o devedor a ser descuidado com a coisa que lhe entrega; não concorda ou tolera que o devedor exponha a coisa a situações de risco de dano, provenham eles das forças da natureza (como chuva, vento, tempestade, calor do sol ou congelação) ou da acção do homem (p. ex., furto, vandalismo).

Ao invés, o dono da coisa espera, como qualquer outro cidadão colocado no seu lugar esperaria, que o devedor zele pela guarda e segurança da coisa e que a entregue tal qual a recebeu.

Com efeito, nestas situações, o devedor fica numa situação em tudo semelhante à de um depositário ([1]).

Relativamente a estes deveres laterais, o C. A. Mota Pinto, teceu as seguintes considerações:
«Não estão estes deveres laterais orientados para o interesse no cumprimento do dever principal de prestação. Caracterizam-se por uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes. Servem, ao menos nas suas típicas manifestações, o interesse na conservação dos bens patrimoniais ou pessoais que podem ser afectados em conexão com o contrato (Erhaltungsinteresse), independentemente do interesse no cumprimento. Trata-se de deveres de adopção de determinados comportamentos impostos pela boa fé em vista do fim do contrato (arts. 239.º e 762.º), dada a relação de confiança que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis com as circunstâncias concretas da situação.
Na formulação de Larenz, identificam-se com os deveres de adoptar o comportamento que se pode esperar entre contratantes honrados e leais. Já atrás foi posto em relevo caberem tais deveres laterais, quer ao credor, quer ao devedor, implicando a sua culposa infracção, por qualquer dos sujeitos da obrigação, responsabilidade civil com fundamento em violação do contrato (art. 798.º) e dando à contraparte, sob certas circunstâncias, o direito de resolução, tal como se se tratasse do não cumprimento culposo do dever de prestação.
Não tendem a realizar a prestação principal mas a tutelar outros interesses da contraparte, coenvolvidos no interesse contratual, não implicando a sua violação o inadimplemento ou a mora no cumprimento do dever de prestação, mas importando uma violação contratual positiva. Têm todos eles a missão de garantir a plena consecução dos interesses cuja satisfação constitui o fim do contrato, podendo incidir sobre uma acção ou um comportamento positivo (declaração, informação, cooperação com a contraparte, protecção desta, etc.) ou sobre uma omissão (abstenção de actos que importem consequências danosas para o objecto da prestação ou para a esfera jurídica pessoal ou patrimonial da contraparte ou, mais genericamente, que envolvam qualquer perigo para a realização do fim contratual). A sua matriz é, como já afirmámos, a cláusula geral da boa fé (arts. 239.º e 762.º, ou seja, a regra de valoração da conduta das partes como honesta, correcta, leal; daí que os eu reconhecimento e catalogação na doutrina se tenha intensificado com a fecundidade progressiva atribuída àquele princípio pela jurisprudência a partir da superação dum pensamento positivista e individualista extremo, na criação do que já foi crismado como um “novo direito honorário”» ([2]).

No caso do contrato de empreitada celebrado entre Autor e Ré, como já se referiu, o domínio de facto sobre a carrinha passou do Autor para a Ré.

A partir desse momento, a Ré ficou onerada com o dever de zelar pela segurança da carrinha, no sentido de remover potenciais fontes de perigos.

Sobre estes casos específicos «…em que a execução do contrato envolve a transmissão temporária para a outra parte do domínio de facto sobre uma coisa ou interesse, ficando esta, por via disso, onerada com especiais deveres respeitantes ao seu cuidado e protecção…», M. A. Carneiro da Frada referiu que «Situações deste género são muito frequentes, v. g., em contratos de empreitada que impliquem por parte do credor da prestação a entrega de materiais ou da própria coisa na qual a obra deve ser incorporada ou realizada. Não é muitas vezes possível, nestes casos, descortinar uma declaração negocial pela qual o empreiteiro se vincula a determinados deveres de cuidado em relação aos objectos que lhe são confiados. Mas não há dúvida que ele há-de, por exemplo, guardar o automóvel entregue para reparação e protegê-lo contra riscos de furto, destruição ou utilização indevida» ([3]).

Resultas do exposto, que dada a existência destes deveres laterais na esfera jurídica da Ré, no sentido de zelar pela segurança da carrinha do Autor, a Ré tornou-se responsável perante o Autor pelos danos que a carrinha sofreu nas suas instalações.

Aliás, ocorre alguma evidência ou consenso na imediata identificação do centro de imputação da responsabilidade quanto à indemnização de tais danos.

Com efeito, a própria Ré assumiu, desde logo, a obrigação de reparar tais danos, por reconhecer, certamente, que os mesmos terão resultado de negligência dos seus empregados, os quais terão omitido algum procedimento adequado a manter a carrinha imóvel na plataforma onde estava colocada.

Ora, os danos que o Autor pede nesta acção estão situados a jusante destes factos e surgiram precisamente na ocasião em que estes primeiros danos estavam a ser reparados numa outra oficina.

O furto da unidade de comando electrónico que equipava a carrinha do Autor e danos daí derivados, cuja indemnização é pedida nesta acção, não foi produzida na oficina da Ré, mas sim na oficina que a Ré contratou para reparar os primeiros danos ocorridos na oficina da Ré.

Antes de prosseguir cumpre esclarecer por que razão se afirma que foi a Ré quem contratou com a C... a reparação dos danos produzidos na oficina da Ré?

A afirmação baseia-se no facto de ter sido a Ré quem pagou a despesa com tal reparação e não o Autor.

O Autor limitou-se a concordar que a Ré levasse a carrinha para a oficina da C...[alínea B) dos Factos Assentes], pois este, como qualquer outro credor colocado no seu lugar, preferiria que o veículo fosse reparado num representante da marca, no caso, da marca Mercedes.

Esta terceira empresa, a Autoneiva, ao receber o veículo para reparação ficou igualmente onerada com deveres de cuidado em relação à carrinha do Autor, estando na mesma situação que acima ficou apontada à Ré, isto é, a Autoneiva, além de entregar a carrinha reparada à Ré, tinha o dever, quanto ao resto, de a entregar à Ré no estado em que a recebeu.

Com efeito, entre a Ré e a Autoneiva, foi também celebrado um contrato de empreitada tendo por objecto prestacional, por parte da Autoneiva, a reparação dos danos ocorridos nas instalações da Ré.

2 - A questão que se coloca agora, perante esta factualidade, consiste em saber se, tendo os danos surgido por incumprimento de deveres laterais de custódia por parte da terceira empresa, a Autoneiva, o Autor pode exigir da Ré indemnização relativa aos danos desencadeados pelo mencionado furto e tentativa de reparação dos danos causados por esse mesmo furto.

A resposta não pode deixar de ser afirmativa pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, repetindo o já dito atrás, a Autora é responsável pela indemnização dos danos que ocorreram na sua oficina quando procedia aos trabalhos de alinhamento da direcção da carrinha contratados com o Autor.

A Ré assumiu voluntariamente esta obrigação e diligenciou no sentido de reparar tais danos, mas como não tinha meios próprios para o fazer, incumbiu a empresa Autoneiva, de os reparar.

Em segundo lugar, nos termos do n.º 1, do artigo 800.º do Código Civil, «O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor».

Vejamos qual a razão de ser desta responsabilidade, com o fim de verificar se tal finalidade cobre a presente situação.

A «presente situação» consiste no seguinte:

(I) Obrigação da Ré reparar os danos causados na carrinha quando a Ré procedia ao alinhamento da direcção;

(II) Acção da Ré que consistiu em solicitar à empresa C...a reparação de tais danos, surgindo esta última como «pessoa utilizada para cumprimento da obrigação indicada em «I».

Sobre os fundamentos desta responsabilidade do devedor, Vaz Serra referiu o seguinte:

«Desde que o devedor se serve de auxiliares para cumprir a obrigação, é razoável que responda pelos actos desses auxiliares como se esses factos fossem seus próprios. Ao credor pode não importar que o devedor utilize tais auxiliares, mas não pode o devedor, valendo-se de terceiros, excluir a sua responsabilidade e deslocar para estes a obrigação de responder pelo não-cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso. O devedor é que está obrigado para com o credor e, portanto, se a este não interessam os meios de que aquele se servirá para cumprir e cuja escolha e direcção lhe cabe a ele devedor, interessa-lhe, no entanto, que o devedor responda pela genuinidade desses meios, tal como responderia se ele próprio cumprisse. O devedor, que se aproveita de auxiliares no cumprimento, fá-lo a seu risco e deve, portanto, responder pelos factos dos auxiliares, que são apenas um instrumento seu para o cumprimento. Com tais auxiliares, alargam-se as possibilidades do devedor, o qual, assim como tira daí benefícios, deve suportar os prejuízos inerentes à utilização deles» ([4]).

Quem são estes auxiliares?

Responde o mesmo Autor dizendo: «Parece que o devedor deve responder, não só pelos factos das pessoas sob a sua autoridade ou numa permanente relação de serviços com ele, mas pelos de quaisquer outras que utilize especialmente para o cumprimento de certa obrigação. A razão de decidir é a mesma. O que importa é que se trate de pessoas de quem o devedor se serve para o cumprimento da obrigação» ([5]).

E mais à frente, acrescenta: «Não há que exigir que o auxiliar seja uma pessoa socialmente dependente do devedor, como um empregado ou as pessoas vivendo com ele numa situação de dependência ([6]).

Coloca-se, porém, esta questão: no caso, o Autor consentiu que a carrinha fosse reparada na Autoneiva.

Qual a relevância deste facto?

Afigura-se que e irrelevante, pois o facto significou apenas «não oposição a que o veículo fosse reparado naquela oficina».

Ora, este facto não tem qualquer valor no sentido de exonerar o devedor da responsabilidade de entregar a carrinha ao Autor no estado em que a recebeu, quer no que respeita aos aspectos abrangidos pelo serviço de alinhamento da direcção, quer quaisquer outros.

Com efeito, o interesse do Autor consistia em o veículo ser reparado numa oficina representante da própria marca, por se presumir que esta teria meios técnicos e humanos melhor preparados para efectuar uma reparação.

O interesse da Ré consistia em reparar o veículo onde mais lhe conviesse, numa oficina à sua escolha.

No caso prevaleceu o interesse da Ré, pois foi esta que escolheu a oficina C... [No dia 15 de Outubro de 2009, a Ré contratou uma empresa denominada C... para avaliar e reparar os danos que o veículo referido em A) apresentasse em virtude do incidente que sofreu na oficina da Ré – facto 1.º da Base Instrutória.

O Autor assentiu que o veículo fosse reparado pela empresa C... e não por uma oficina da marca Mercedes, o que foi feito a expensas da Ré – alínea B) dos Factos Assentes].

O Autor limitou-se a não se opor e é nisto que se traduz o seu consentimento.

Verifica-se, por conseguinte, que o consentimento do Autor não teve qualquer influência na escolha dos meios ou nas opções tomadas pela Ré no sentido de cumprir a sua obrigação para com o Autor, que consistia, agora, em lhe entregar a carrinha reparada quanto aos danos sofridos na sua oficina.

Esta questão assume algum relevo por se poder entender que quando o credor concorda que seja um terceiro a realizar as acções necessárias ao cumprimento que incumbe ao devedor, mas sobre o qual o devedor não tem influência, possa haver exoneração da responsabilidade do devedor quanto ao incumprimento da obrigação.

Com efeito, Vaz Serra referiu que se porventura «…o devedor, com o assentimento, expresso ou tácito, do credor, se utiliza de um auxiliar em relação ao qual não tem qualquer influência, já a responsabilidade do devedor pelos factos desse auxiliar não parece de admitir. Se, por exemplo, A manda, pelo correio ou por caminho-de-ferro, ao credor, a coisa devida, e esta perece ou se deteriora por facto culposo do correio ou do caminho-de-ferro, não responde A por este facto: o que existirá então é um caso de impossibilidade superveniente não imputável ao devedor, aplicando-se as correspondentes normas.

Havendo aqui assentimento do credor à utilização de um auxiliar independente do devedor, não seria razoável que este respondesse por factos em que não pode influir.

Não havendo tal assentimento, o credor não tem que ver com os meios de que o devedor se serve para cumprir as suas obrigações, e este deve, portanto, responder pelos factos das pessoas que para esse fim utilizar, embora elas não estejam socialmente dependentes dele» ([7]).

Ora, a verdade é que este caso, e outros semelhantes, não estão cobertos pelas causas de exclusão de responsabilidade previstas no n.º 2 do artigo 800.º, onde se diz que «A responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública».

Quando o credor consente que o devedor se sirva de um certo auxiliar para cumprir, não está a exonerar o primitivo devedor da responsabilidade inerente ao cumprimento, salvo se isso resultar inequivocamente do acordo estabelecido entre ambos, caso em que haveria uma substituição do devedor primitivo por um novo devedor.

Não foi isso que ocorreu no caso dos autos.

Como se disse, o Autor apenas «não se opôs a que o veículo fosse reparado na Autoneiva».

Ora, este mero acto de não oposição, por parte do credor, não equivale nem subjectiva, nem objectivamente, a esta outra situação: «doravante o devedor fica exonerado de responsabilidade pelos actos que o auxiliar venha a praticar e sejam lesivos do direito do credor».

Como sustenta Ana Prata, «…ainda que a autorização diga respeito a determinados auxiliares, ela não pode significar, só por si, a liberação do devedor da responsabilidade em que a actuação desses auxiliares venha a constituí-lo. Significará, isso sim, que, tendo o credor aceitado dadas pessoas como auxiliares, participando assim no respectivo acto de escolha, se esta houver sido deficiente, estará excluída ou atenuada a responsabilidade do devedor por culpa in eligendo, nos termos do art. 570.º, n.º 1. Mas, porque o objectivo do credor terá sido tão-somente o de se prevenir relativamente às aptidões do auxiliar escolhido, só esta será a consequência da sua intervenção. Ao devedor, beneficiário que continua a ser da intervenção do terceiro auxiliar, continuará a caber o risco inerente a essa intervenção» ([8]).

Ora, reafirmando o já dito antes, no caso dos autos, o Autor nenhuma influência teve na escolha do terceiro auxiliar, pois foi escolhido pela Ré.

O Autor limitou-se a não se opor a essa escolha.

Repare-se que não tendo a Ré capacidade técnica própria para reparar a carrinha, como não tinha, sempre a Ré teria de se servir de um auxiliar.

Ora, num caso como este, como já foi dito acima, o interesse do Autor apontava no sentido da reparação ser feita numa oficina que estivesse ligada à marca Mercedes e desaconselhava que pudesse ser feita noutra oficina.

Por isso, o consentimento do Autor no sentido da reparação ser feita na C...não tem, enquanto declaração de vontade negocial, qualquer significado no sentido da Ré ficar desonerada de responsabilidade pelos actos praticados pelo auxiliar que ela escolheu ([9]).

Por conseguinte, e para terminar esta parte da questão, dir-se-á que a regra do artigo 800.º, n.º 1, do Código Civil, só fica afastada quando há uma substituição jurídica no cumprimento da obrigação, mas não quando a substituição é meramente executiva ([10]).

Conclui-se, por conseguinte, que a Ré é responsável perante o Autor, por força do disposto no artigo 800.º, n.º 1, do Código Civil, pelos actos praticados pela empresa Autoneiva, como se tais actos tivessem sido praticados pela própria Ré.

E com isto se desatende o argumento da Ré no sentido de que a sua relação contratual com o autor se extinguiu quando a carrinha foi enviada para a C...(cfr. 5.ª conclusão das contra-alegações).

3 - Passando agora à determinação da indemnização.

Nos termos do artigo 798.º do Código Civil, «O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor».

No caso, a C...colocou na carrinha do Autor componentes que eram provenientes de outro veículo e não eram compatíveis com o veículo do Autor (factos 8 e 9 da Base Instrutória).

A consequência consistiu em a carrinha do Autor «não desenvolver como devia, não oferecer segurança e o painel de controlo ou de instrumentos assinalar diversas anomalias» (facto 10.º da Base Instrutória).

Estes factos configuram um caso de cumprimento defeituoso, imputável à própria Ré, como já se viu acima.
Nas palavras de Pedro Romano Martinez, «Em sentido amplo, o cumprimento defeituoso corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada. É, portanto, sinónimo de cumprimento, só que, desconforme e inexacto.
O cumprimento defeituoso depende do preenchimento de quatro condições, A saber: primeira, ter o devedor realizado a prestação violando o princípio da pontualidade; segunda, haver o credor procedido à sua aceitação por desconhecer a desconformidade ou, conhecendo-a, apondo uma reserva; terceira, mostrar-se o defeito relevante; quarta, sobrevirem danos típicos» ([11]).
No caso dos autos, verificam-se todos estes requisitos.
Os factos dos n.º 8.º, 9.º e 10.º, acabados de referir, preenchem o requisito da pontualidade, sendo certo que o Autor recebeu a carrinha desconhecendo que a substituição dos componentes apresentava anomalias, sendo estas anomalias relevantes como resulta do facto do n.º 10 da base instrutória, o que implicou a paralisação do veículo, pois um veículo que apresenta anomalias e o respectivo painel de mensagens indica isso mesmo, não pode circular, pois não só o condutor desconhece os perigos a que fica exposto, como o devedor lhe poderá imputar, mais tarde, culpa no agravamento das anomalias ou aparecimento de novos danos gerados pela circulação do automóvel que devia ter sido imobilizado.

No que respeita ao cumprimento defeituoso, verifica-se que o Código Civil não lhe consagrou um regime específico.

Continuando com Pedro Romano Martinez, «Sendo a prestação cumprida defeituosamente, por culpa do devedor, que se presume (art. 799.º, n.º 1) este torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art. 798.º). A responsabilidade pelo prejuízo causado deve aqui ser entendida em sentido amplo, de forma a abranger, não só o dever de indemnizar, como também outras consequências, designadamente a rectificação do defeito ou a redução da contraprestação» ([12]).
Diz ainda o mesmo autor que «Se o defeito não é eliminável, o credor pode exigir que a prestação seja substituída.
Enquanto o defeito não for eliminado, ou a prestação substituída, o credor pode usar a excepção de não cumprimento (arts. 428.º e ss.) e recusar a sua contraprestação.
Por outro lado, o credor poderá reduzir a sua contraprestação, sempre que o cumprimento inexacto implique uma perda de valor da prestação efectuada.
É ainda conferido ao credor o direito de resolver o contrato, quando estejam verificados os pressupostos dos arts. 801.º e ss.
Para além disso, há o dever de indemnizar todos os danos que a prestação defeituosa tenha causado» ([13]).
No caso dos autos, provou-se que o «Autor deu conhecimento à Ré de que, até serem colocados no veículo referido em A) os componentes adequados (o imobilizador e unidade de comando do motor/centralina, ou seja, o dispositivo utilizado no controlo dos dispositivos mecânicos, eléctricos e electrónicos do veículo), o mesmo ficaria imobilizado» – alínea E) dos Factos Assentes.

Provou-se que «A Ré não solucionou o problema referido em E), apesar de ter sido instada nas semanas e meses seguintes, pessoal e telefonicamente» – alínea F) dos Factos Assentes –, pelo que «O Autor mandou reparar o veículo referido em A) na D...» – facto 12.º da Base Instrutória.

Isto é, como a Ré não solucionou os defeitos apresentados pelas peças electrónicas montada na carrinha e não o fez apesar de instada para o efeito nos meses seguintes a tal aviso, o Autor procedeu, ele mesmo, à eliminação dos defeitos.

É legítima esta actuação.

Com efeito, como referiu Antunes Varela, «Devem ser de igual modo incluídos no núcleo das situações de não-cumprimento definitivo (ou de falta definitiva de cumprimento) os casos em que, sendo a prestação ainda possível com interesse para o credor, o devedor declara a este não querer cumprir» ([14]).

No caso, a Ré não declarou de viva voz ao Autor que não mandava colocar os componentes adequados na carrinha, mas o seu comportamento deve ser interpretado como uma recusa tácita no sentido de mandar reparar a carrinha do Autor.

Com efeito, não se vislumbra outro significado para o silêncio reiterado da Ré perante as solicitações do Autor.

Esta falta de resposta configura, pois, uma situação definitiva com este sentido: a Ré não quis cumprir a obrigação de colocar a carrinha do Autor no estado em que estava quando foi entregue aos cuidados da Ré; traduz, pois, incumprimento definitivo e não mora ([15]).

Por conseguinte, a Ré deve indemnizar o Autor das despesas que este teve de efectuar para colocar a carrinha a funcionar como funcionava anteriormente, por força do disposto nas disposições legais já citadas e artigos 562.º e 564.º, n.º1, do Código Civil.

As despesas são as que o Autor despendeu com o concerto da carrinha na empresa D..., no valor de €2.525,38 euros – facto 13.º da Base Instrutória –, mais €83,16 euros relativos ao pagamento do orçamento levado a cabo na D... – facto 19.º da Base Instrutória.


*

Coloca-se agora a questão da indemnização relativa às despesas do Autor com o aluguer da carrinha que utilizou em substituição da sua.

O Autor pede a quanto a de €5.500,00 euros, ou seja, €50,00 euros por cada um dos 110 dias de paralisação.

A carrinha do Autor esteve imobilizada desde 13 de Fevereiro de 2010 até ao dia 5 de Junho, ou seja, durante 113 dias, mas como o Autor indica apenas 110 dias, então é este o número exacto de dias de imobilização.

Provou-se que o Autor se socorreu, neste período, de uma carrinha idêntica à sua e que combinou com o dono pagar-lhe uma quantia a definir posteriormente, a qual poderia chegar aos €50,00 euros diários – factos 16.º, 17.º e 18.º da Base Instrutória.

Sucede que tal quantia não está determinada neste momento, nem é agora determinável por carência de elementos de facto.

Sendo assim o caminho a seguir passa pela liquidação mencionada nos artigos 378.º do Código de Processo Civil, prevista para os casos em que se prova a existência de um dano ou de uma prestação pecuniária a efectuar ao credor, mas não se consegue determinar o seu quantitativo.

Nos termos do n.º 1 do artigo 380.º-A ([16]), «A liquidação a que se refere o n.º 2 do artigo 378.º [trata-se da liquidação a realizar por força do disposto no artigo 661.º, n.º 2 do Código de Processo Civil] é feita por um ou mais árbitros, nos casos em que a lei especialmente o determine ou as partes o convencionem».

Este caminho é permitido pelo disposto no n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil, onde se dispõe, precisamente, que «Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida».

Não se desconhece que há jurisprudência que limita a aplicação desta norma aos pedidos genéricos a que se refere o artigo 471.º do Código de Processo Civil.

Porém, afigura-se que a solução mais adequada aos termos da lei é a sustentada já por Alberto dos Reis quando escreveu:

«Eis o conteúdo e o sentido da norma referida [o autor refere-se ao n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil], a qual tanto se aplica ao caso de se ter formulado pedido genérico, como ao de se ter formulado pedido específico, mas não se ter conseguido fazer a prova da especificação. Ao proferir condenação genérica, o juiz não tem de se preocupar com o preceito formulado no § único do artigo 275.º [esta norma referia-se ao pedidos genéricos e no § único dizia-se que «A conversão só ficará para o processo de execução se não for possível fazê-la no processo de declaração»]; tem unicamente de obedecer ao disposto no artigo 661.º e portanto de resolver este problema: há nos autos elementos suficientes para fixar o objecto ou a quantidade da condenação? Se há, profere condenação líquida; se não há, profere condenação ilíquida, sem cuidar de saber, no caso de pedido genérico, se o autor tinha ou não a possibilidade de converter esse pedido em pedido líquido» ([17]).

Efectivamente esta norma dirige-se ao juiz e não à parte.

Por isso, mesmo que a parte tenha falhado na produção da prova, tem nova oportunidade de provar o quantum do dano e essa oportunidade é-lhe atribuída, precisamente, pelo n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil.

Com efeito, se não fosse assim, estar-se-ia a retirar ao lesado o direito à indemnização ou ao valor da prestação que lhe havia sido reconhecido e atribuído através de decisão judicial, transitada em julgado.

Voltando ao caso.

Na determinação do valor da compensação diária ter-se-á em consideração o valor médio praticado no mercado por empresas do sector, sendo, depois, efectuadas as devidas adaptações ao caso dos autos.

Tratar-se-á, por conseguinte, de matéria a determinar por avaliação.

Nestas adaptações será de considerar que no valor relativo ao preço de aluguer de um veículo são incluídas, além da amortização do preço de aquisição do próprio automóvel para a frota da empresa, as despesas de manutenção do veículo, o lucro do empresário e os custos gerais da empresa (impostos, salários e custos com trabalhadores, seguros, etc.).

Significará isto que naquele valor entrarão porventura componentes que não se contabilizarão no caso dos autos, na medida em que no caso dos autos não existiu um aluguer efectuado por um profissional.

Assim, aquele valor médio relativo ao aluguer servirá apenas de referência, devendo ser abatidas as parcelas relativas a tais custos profissionais.

No cálculo da compensação a determinar nestes autos entrar-se-á em linha de conta certamente com o desgaste do veículo, risco da sua perda, parte do seguro e despesas com a respectiva revisão proporcionais ao tempo de duração da cedência, além de outros itens que neste momento não se vislumbram.

O que fica referido serve apenas para procurar mostrar que a prova por avaliação será, porventura, o caminho adequado a seguir.

Os juros sobre esta quantia vencem-se apenas depois de liquidada a quantia, nos termos do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil («Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor;…»).


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Custas.

Como neste momento não é conhecido o valor do vencimento e decaimento das partes, no que respeita ao valor relegado para liquidação, o que só se apurará na liquidação, se porventura vier a existir, pois nada impede que as próprias partes cheguem, entretanto, a um entendimento sobre o mencionado valor.

Sendo assim, as custas da acção e do presente recurso nessa parte (€5.500,00 euros) serão, para já, divididas em parte iguais.

Mas, caso haja liquidação, as custas relativas a essa parte deverão ser suportadas de acordo com o vencimento e decaimento que resultar da liquidação.

Por isso, num primeiro momento, esta parcela das custas será paga em partes iguais e, num segundo momento, se existir, far-se-ão os acertos que resultarem do vencimento e do decaimento, pelo que, a parte que tiver pago a mais receberá depois, face ao resultado da liquidação, o que pagou a mais.

IV. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente, revoga-se parcialmente a sentença recorrida e condena-se a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:

…€2.608,54 (dois mil, quinhentos e vinte e cinco euros e trinta e oito cêntimos; €2.525,38+€83,16), e juros de mora civis desde a citação até integral pagamento.

… A quantia que vier a apurar-se em liquidação, nos termos acima mencionados, relativamente à utilização da carrinha cedida por terceiro, até ao limite de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) e juros civis desde a liquidação até integral pagamento.

Custas da acção e do recurso pela Ré e Autora na proporção do vencimento e decaimento. As custas da acção e do recurso na parte relegada para liquidação (€5.500,00 euros) são suportadas pela recorrente e recorrida em parte iguais, mas, caso venha a existir liquidação, as mesmas serão objecto de acerto entre as partes, proporcional ao vencimento e decaimento então apurado.

Alberto Augusto Vicente Ruço ( Relator )

Fernando de Jesus Fonseca Monteiro

 Maria Inês Carvalho Brasil de Moura



[1] Neste sentido, António Pereira de Almeida, quando diz, a propósito do contrato de empreitada, que o empreiteiro tem o dever de «Conservar até à entrega a coisa confiada pelo dono da obra (…) É uma obrigação geral de prudência ou de diligência (de meios).
– Ela só existe quando a coisa tiver sido confiada ao empreiteiro ou a propriedade desta se tiver transferido para o dono da obra (art.º 1212.º).
– O empreiteiro fica na situação de depositário, pelo que deve guardar e conservar a coisa, não a podendo fruir ou utilizar para além do necessário para execução da empreitada – art.º 1187.º e segs» – Direito Privado II (Contrato de Empreitada). Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1983, pág. 34.
Também Pedro Romano Martinez, quando diz que «…no contrato de empreitada pode surgir a obrigação de guardar a obra realizada; só que nesse caso, tal obrigação tem carácter secundário» - Contrato de Empreitada. Coimbra: Livraria Almedina, 1994, pág. 29.
[2]  Cessão da Posição Contratual. Coimbra: Livraria Almedina, 1982, pág. 339-346.
[3] Contrato e deveres de Protecção. Coimbra: Separata do Vol. 38, do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1994), pág. 155.
[4] Responsabilidade do Devedor Pelos Factos dos Auxiliares, dos Representantes Legais ou dos Substitutos. Boletim do Ministério da Justiça n.º 72 (Janeiro-1958), pág. 269-270.
Sobre esta questão António Pinto Monteiro também refere que «A responsabilidade do devedor por actos dos auxiliares destina-se a dar ao credor a mesma garantia, como se o acto fosse praticado pelo devedor, não podendo este, recorrendo a auxiliares, ficar em melhores condições do que se a obrigação fosse directamente cumprida por si» - Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil. Coimbra: Separata do Vol. XXVIII do Suplemento do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1985, pág. 262
[5] Ob. cit., pág. 274.
[6] Ob. cit., pág. 274-275. No mesmo sentido Brandão Proença quando refere: «No tocante aos auxiliares de cumprimento, a doutrina não tem divergido na afirmação de que podem ser ou não comissários do devedor. Isto significa que, que tanto podemos estar perante auxiliares vinculados e subordinados (por ex., trabalhadores do devedor), como perante auxiliares independentes que se prestem a colaborar com o devedor ou a quem o devedor recorra, em prestação de serviço, e que podem ser, por sua vez, trabalhadores por conta de outrem ou com estatuto de autonomia, como acontece, por ex., com agentes, transportadores, subempreiteiros ou mandatários que actuem ao abrigo de um substabelecimento com reserva»- Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações. Coimbra: Coimbra Editora, 2011, pág. 251.
[7] Ob. cit., pág. 275.
[8] Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual. Coimbra: Almedina, 1985, pág. 708.
[9] Como diz Ana Prata, «…como regra, desde que a iniciativa de substituição não seja atribuída ao credor – limitando-se ele a concordar ou aceitar, antecipada ou posteriormente, uma iniciativa do devedor – não está descaracterizada a previsão do n.º 1 do art. 800.º não ficando, por isso, afastada a responsabilidade que ele estatui» - ob. cit., pág. 710.
[10] Neste sentido, Ana Prata, quando sustenta: «O erro de perspectiva que informa a opinião – que tem uma sua claríssima formulação em Pessoa Jorge – de que a autorização do credor para a substituição do devedor influi, afastadoramente, no quadro dos pressupostos do art. 800.º, n.º 1, resulta da confusão entre substituição-auxiliar e substituição jurídica, que o regime do art. 264.º parece propiciar» - ob. cit., págs. 710-711.
[11] Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e venda e na Empreitada. Coimbra: Almedina, 1994, pág. 143-144.
[12] Cumprimento Defeituoso…, pág. 159-160.
[13] Cumprimento Defeituoso…, pág. 161-162.
[14] Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª edição. Coimbra: Livraria Almedina, 1999, pág. 92.
[15] Neste sentido ver acórdão do S.T.J de 3-07-2003, em http://www.gdsi.pt, processo n.º 04A4450. No mesmo sentido o acórdão do S.T.J de 08-07-2004, em http://www.gdsi.pt, processo n.º 04B4666, onde se ponderou que revelando os factos uma vontade séria e determinada dos recorrentes (promitentes-endedores) não quererem cumprir, tal conduta constitui «recusa de cumprimento», o que permite considerá-los inadimplentes de forma definitiva, sem necessidade de notificação admonitória.
Bem como o acórdão do S.T.J de 26-04-2012, no processo n.º 743/2001, em http://www.gdsi.pt: «A recusa inequívoca do cumprimento configura uma hipótese de incumprimento definitivo que dispensa a interpelação admonitória e a prova pelo credor da insubsistência do seu interesse no cumprimento» (sumário).
[16] Aditado pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março.
[17] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I (reimpressão). Coimbra, 1984, pág. 615. Na jurisprudência pode ver-se, entre outros, neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-10-2007, em http://www.gdsi.pt, processo n.º 07B2990, ao decidir que «O normativo do n.º 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil aplica-se não só no caso de haver sido formulado um pedido genérico como também na situação em que se formulou um pedido específico e não se conseguiu a prova de elementos suficientes para precisar o objecto e ou a quantidade da condenação» (sumário).