Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1445/11.6TBCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: LIVRANÇA EM BRANCO
LETRA EM BRANCO
ACORDO DE PREENCHIMENTO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DESRESPEITO
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 342.º/2 DO CC, ARTIGOS 10.º, 32.º E 77.º DA LULL
Sumário: 1 - Não é juridicamente compreensível a emissão (subscrição e entrega) voluntária duma letra/livrança objectivamente incompleta sem o cometimento, em certos termos, do seu preenchimento a outrem; sem que, concomitantemente, exista um acordo de preenchimento, seja ele escrito, meramente oral/informal ou porventura tão só implícito.

2 - Assim, não faz parte do elenco das alegações úteis e prestáveis, tendo em vista demonstrar o preenchimento abusivo duma tal letra/livrança, dizer-se/invocar-se tão só que não subsiste válida – por a existente conter c.c.g. em que os deveres de comunicação e informação não foram cumpridos – uma qualquer convenção de preenchimento.

3 - Efectivamente, para se demonstrar o preenchimento abusivo, tem que se demonstrar (1.º) a existência de um acordo e (2.º) que o tomador/portador da letra/livrança, ao preenchê-la (ao completar o respectivo preenchimento), desrespeitou tal acordo; e, logicamente, quem apenas invoca que não há/subsiste convenção de preenchimento fica sem “quid” que sirva de suporte/reporte ao preenchimento abusivo.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , com os sinais dos autos, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe moveu “Banco B..., S.A.”, também id. nos autos – para haver dele (e dos restantes executados, executados “C..., Lda.”, D... , E... [1], F... e G... – para haver dele a quantia de € 49.911,47 (sendo € 49.727,59 de capital e o restante montante de juros vencidos e I. Selo) e juros vincendos – veio deduzir oposição à execução, alegando, em síntese e no que aqui interessa:

A inexistência de convenção válida para o preenchimento da livrança (por falta de identificação, no pacto de preenchimento, do locatário, dos avalistas, da locadora, e, bem assim, do número do contrato de locação financeira) “dada” à execução, por si subscrita e entregue em branco; sendo certo, acrescenta, que as cláusulas/parágrafos constantes do pacto preenchimento da livrança em branco, a admitir-se a sua existência, não lhe foram comunicadas, nem lhe foi explicado o seu teor, devendo as mesmas, por via disso, serem consideradas nulas, enquanto cláusulas contratuais gerais, padronizadas, inseridas sem prévia negociação individual.

A actuação em abuso de direito do banco exequente, ao executar a livrança decorridos 12 anos sobre a sua subscrição e entrega (segundo o oponente, um avalista não pode permanecer eternamente “amarrado” a uma operação que avalizou).

Concluiu pois pela procedência da oposição e pela extinção da execução em relação a si.

Contestou o exequente, sustentando, em síntese, que ao executar a livrança exequenda não agiu em abuso de direito e que comunicou e explicou ao oponente o conteúdo das cláusulas/parágrafos do pacto de preenchimento da livrança exequenda, tendo este aceite, integralmente e sem reservas, o plasmado em tal pacto.

Concluiu pela improcedência da oposição.

Foi proferido despacho saneador, que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém; e em que se julgou improcedente a invocada excepção peremptória de abuso de direito e a, segundo o oponente, nulidade do aval prestado pelo executado/oponente, prosseguindo a oposição para a outra questão suscitada e ainda controvertida.

Seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, foi designado dia para a realização da audiência, após o que o Exmo. Juiz proferiu sentença em que julgou procedente a presente oposição à execução, e, em consequência, (…) declara-se extinta a execução de que estes autos de declaração constituem apenso, no que respeita ao executado/oponente A....”

Inconformado com tal decisão, interpôs o exequente recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a oposição totalmente improcedente.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Na douta decisão recorrida, entendeu o meritíssimo Juiz a quo. julgar procedente a oposição à execução, deduzida por A..., e declarar extinta quanto a este a execução instaurada pelo ora Recorrente por considerar, em suma, que as cláusulas do referido pacto de preenchimento nas quais se prevê o preenchimento da livrança se consideram excluídas do mesmo por força da omissão dos deveres contratuais de comunicação e informação das referidas cláusulas contratuais de adesão, o que determina a inexequibilidade da dita livrança relativamente ao Oponente.

2. Salvo o devido respeito, na prolação da douta sentença, o Meritíssimo Juiz a quo. não terá tido em consideração que o título executivo nos presentes Autos é uma livrança, avalizada pelos ora Recorridos - e não um contrato de financiamento -, pelo que, a responsabilidade dos obrigados cambiários para com o portador do título, pelo pagamento da quantia inscrita na livrança, é materialmente autónoma em relação ao contrato oportunamente celebrado, que lhe esteja subjacente.

3. Em matéria de títulos de câmbio regem os princípios jurídicos da incorporação, da literalidade, da abstracção e da autonomia, cujo alcance é sobejamente conhecido e comummente aceite no nosso ordenamento jurídico.

4. Tendo sempre presentes aqueles princípios jurídicos, concluímos que a extensão e modalidade do direito incorporado na livrança vale exclusivamente em conformidade com o teor do próprio título, ou seja, o que releva é tão só o que está exarado no título e não o que foi convencionado na relação subjacente à subscrição da livrança. O mesmo é dizer que a existência, validade e persistência da obrigação cartular definida na livrança, não pode ser posta em causa com auxílio de elementos exteriores ao título.

5. Os princípios da autonomia e da abstracção impõem uma necessária independência entre a obrigação cartular e o negócio subjacente ao título cambiário. Ou seja, a relação comercial subjacente está, por defeito, fora da obrigação cambiária.

6. O art. 17.º da LULL dispõe que as pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores.. Assim, podemos concluir que a obrigação cambiária é, só por si, vinculante, sendo inoponíveis ao portador de boa fé, quaisquer vícios que possam ter ocorrido na relação subjacente à criação do título cambiário. Face ao exposto, não pode o avalista vir opor ao portador de boa fé, a nulidade da obrigação cambiária, uma vez que tal não resulta da própria livrança.

7. O avalista criou, junto do portador do título, uma obrigação autónoma e independente relativamente ao avalizado e ao próprio contrato subjacente, responsabilizando-se, directamente, pelo pagamento do título dado à execução. O aval continua a ser uma obrigação de garantia, mas de natureza especial, porquanto a obrigação do avalista é independente da do avalizado, mantendo-se, ainda que a mesma seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/01/1965, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 147, Xpág. 245).

8. A livrança, realizando uma função cartular, constitui não só prova do direito, mas também o próprio fundamento do direito invocado.

9. A obrigação do avalista é acessória e autónoma da do avalizado, pois o próprio aval consubstancia uma verdadeira obrigação cambiária autónoma. O avalista, mais do que responsabilizar-se pela pessoa por quem dá o aval, assume, também, a responsabilidade abstracta, objectiva e incondicional do pagamento.

10. Face ao exposto, e salvo o devido respeito por opinião contrária, ao julgar procedente a oposição deduzida, com base na ineficácia da livrança relativamente aos Oponentes, por força da nulidade das cláusulas do pacto de preenchimento que estão subjacentes ao preenchimento da livrança (mercê da omissão dos deveres de informação e comunicação que impendiam sobre o Banco Exequente), o Meritíssimo Juiz a quo. violou os princípios jurídicos aplicáveis em matéria de títulos cambiários atrás referidos, e os arts. 17.º e 32.º da LULL.

11. Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que o Oponente era sócio da sociedade subscritora, pelo que, pelas regras da experiência comum, não é crível que quem se apresenta como sócio de uma sociedade comercial – como é o caso do oponente e ora recorrido – desconheça o significado e as consequências da aposição da sua assinatura num título de crédito, em concreto na livrança que consubstancia o título executivo

Respondeu o executado/oponente, defendendo a bondade do decidido e que a sentença deve ser mantida na íntegra.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação de Facto

São os seguintes os factos dados como provados.

1. O “Banco B..., S.A.” instaurou acção executiva comum (1445/11.6TBCBR), contra os executados “ C..., Lda.”, D..., A..., E..., F...e G..., com vista à cobrança coerciva de um crédito no valor de € 49.911,47 (quarenta e nove mil novecentos e onze euros e quarenta e sete cêntimos). (cf. requerimento executivo dos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – ponto A) da matéria assente.

2. Por decisão judicial proferida nos autos principais de execução, já transitada em julgado, o tribunal declarou extinta a instância quanto às executadas E... e F..., em face de desistência da instância perpetrada pelo exequente. - ponto B) da matéria assente.

3. No processo executivo de que estes autos de oposição constituem apenso, foi pelo exequente “Banco B..., S.A.” dada à execução um impresso tipo livrança, tendo como local, data de emissão, data de vencimento, importância e valor, respectivamente, Coimbra, 15.11.1999, 17.10.2011, € 49.727,59 e titulação de contrato de locação financeira n.º502126, podendo ler-se nela escrito “no seu vencimento pagarei/emos por esta única via de livrança ao Banco B... ou à sua ordem a quantia de quarenta e nove mil setecentos e vinte e sete euros e cinquenta e nove cêntimos”, figurando como subscritor a sociedade executada “ C..., Lda.” (cf. título executivo dos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – ponto C) da matéria assente.

4. D..., A... e G... apuseram a sua assinatura no verso da livrança referida em 3), acrescida da seguinte expressão: “bom para aval”. (cf. título executivo dos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – ponto D) da matéria assente.

5. A livrança referida em 3) foi subscrita e assinada em branco pelos executados. – ponto E) da matéria assente.

6. Aos 23.11.1999, a sociedade comercial “Leasing M... S.A” outorgou com a sociedade executada “ C..., Lda.” contrato de locação financeira imobiliária n.º502126, com os termos e cláusulas constantes do documento escrito de fls. 32 e ss. destes autos de oposição (condições gerais e particulares), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. – ponto F) da matéria assente.

7. Os executados, na qualidade de segundos outorgantes, subscreveram o documento escrito denominado de “Convenção de Preenchimento de Livrança em Branco” com o seguinte teor:

“Celebrado entre:

Primeiro: (locatário)

Segundo (s): (Identificação completa dos avalistas)

Terceiro:……………………(nome da locadora),………………, pessoa colectiva,………………………… , com sede na………………, com capital social de………………….., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º ………;

Pela presente convenção o aqui Primeiro Outorgante, na qualidade de seu subscritor, autoriza de forma irrevogável, o Terceiro Outorgante a preencher a livrança em euros em anexo, à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, nos termos que correspondam às suas responsabilidades não satisfeitas, observando-se, no entanto, e sempre o seguinte:

O montante da Livrança que será preenchido em euros, não poderá ser superior às responsabilidades do Locatário perante o Terceiro Outorgante à data do seu vencimento;

A referida Livrança destina-se a titular os créditos do Terceiro Outorgante sobre o Primeiro Outorgante emergentes, nomeadamente, nas obrigações pecuniárias, presentes e futuras, resultantes do incumprimento, temporário ou definitivo, da resolução, da caducidade e da ineficácia do Contrato de Locação Financeira n.º………… entre ambos celebrado.

São ainda da responsabilidade solidário do Primeiro e Segundo (s) Outorgantes as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados e solicitadores, necessárias à boa cobrança dos valores titulados pela Livrança que o Terceiro Outorgante venha a realizar.

O Primeiro Outorgante autoriza desde já, a que o Terceiro Outorgante proceda, se assim tiver por conveniente, ao desconto da Livrança.

O (s) Segundo (s) Outorgante (S) declaram que possuem um perfeito conhecimento do conteúdo das responsabilidades assumidas pelo Primeiro Outorgante, das consequências do incumprimento, temporário ou definitivo, da resolução, da caducidade e da ineficácia do Contrato Promessa de Locação Financeira, do seu montante e dos termos da presente convenção, à qual dão o seu acordo, sem excepções ou restrições de tipo algum, autorizando assim e por isso o preenchimento da Livrança nos precisos termos exarados.

Fica anexado ao presente documento, dele fazendo parte integrante, a citada Livrança. (…)” (cf. documento escrito em causa, constante dos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – ponto G) da matéria assente.

8. O documento escrito referido em 6) foi subscrito, também, pela executada “ C..., Lda.”, na qualidade de primeira outorgante, e, bem assim, pela sociedade “Leasing M... S.A.”, na qualidade de terceira outorgante. – ponto H) da matéria assente.

9. A livrança anexada ao documento escrito referido em 6), como dele fazendo parte integrante, corresponde à aqui dada à execução, melhor descrita em 3). – ponto i) da matéria assente.

10. Na data do seu vencimento, e até ao momento da instauração da acção executiva de que estes autos constituem apenso, os executados não liquidaram o montante titulado pela livrança referida em 3), apesar da mesma ter sido apresentada a pagamento. – ponto J) da matéria assente.

11. Após a outorga do contrato referido em 5), a “Leasing M..., S.A.” alterou a sua denominação para “ B... – Leasing, S.A.”, que, posteriormente, veio a ser incorporada, por fusão, no exequente “Banco B..., S.A.” – ponto K) da base instrutória.

12. O executado/opoente subscreveu o documento escrito denominado de “Convenção de Preenchimento da Livrança em Branco” a que se alude em 3). – ponto 1.º da base instrutória.

*

III – Fundamentação de Direito

O âmbito do presente oposição – de cuja sentença o exequente apela – localiza-se, juridicamente, na vulgarmente designada “excepção de preenchimento”; o que logo traz subentendido que se está perante uma subscrição (duma letra ou livrança) em branco e que, segundo o oponente, o portador (aquele a quem o título foi entregue) a preencheu abusivamente.

É justamente o caso do litígio sob recurso.

A presente execução tem por base uma livrança que quando foi entregue ao exequente/apelante – assinada/subscrita pelo oponente/recorrido (como avalista) e por todos os demais obrigados cambiários (incluindo a subscritora C...) – não tinha preenchidos os campos referentes à data de emissão, data de vencimento e importância[2], sendo certo que, quando foi “dada” à execução, tinha inscrita como datas de emissão e de vencimento os dia 15-11-1999 e 17-10-2011 e como importância o montante de € 49.727,59; localizando o oponente/recorrido o “abuso” cometido no preenchimento pelo exequente/portador, “grosso modo”, na inexistência de convenção válida para o preenchimento de tal livrança[3].

Não é – delimitando ainda o objecto da oposição e da apelação – o “abuso” que normal e recorrentemente é invocado.

Normal e recorrentemente, situa-se o abuso/violação do pacto de preenchimento do título “dado” à execução na não ocorrência da vicissitude/incumprimento da relação fundamental (em o devedor principal não ter incumprido e não se ter ainda verificado a constituição da obrigação pecuniária) e diz-se, por isso, que o título não podia ter sido preenchida ou que ainda o não podia ser ou, além disto, invoca-se que o título foi preenchido por uma quantia superior à que estava em dívida; ou seja, coloca-se em causa o “se”, o “quando” e o “quanto” do preenchimento do título.

Aqui (oposição/apelação), diferentemente, é a própria inexistência duma convenção de preenchimento (do título subscrito e entregue em branco) que é invocada como representação do “abuso”[4]; para o que se argumenta que o documento assim designado (o reproduzido no facto 7) e logo junto com o requerimento executivo não é valido (por falta de identificação do locatário, dos avalistas, da locadora, e, bem assim, do número do contrato de locação financeira) ou, caso assim não se entenda, que as cláusulas/parágrafos constantes do mesmo não foram comunicadas, nem foram explicadas, devendo, por via disso, ser consideradas nulas, enquanto cláusulas contratuais gerais.

E foi exactamente esta última argumentação (do oponente/recorrido) que foi acolhida na sentença recorrida, que conduziu à procedência da oposição e à consequente interposição da presente apelação.

Argumentação essa – tendo em vista integrar a excepção do preenchimento abusivo dum título subscrito e entregue em branco – com que, com o devido respeito, não podemos concordar.

Importa não esquecer – é um ponto decisivo em qualquer concreto raciocínio jurídico – o que temos “entre mãos”: uma livrança integralmente preenchida, em que o oponente/recorrido é, como avalista (cfr 77.º e 32.º da LULL) e na sua “literalidade”, obrigado cambiário (vinculação cambiária que nunca contesta ou discute).

Aliás – não será despiciendo referi-lo – a mera qualificação, como excepção, da questão do preenchimento abusivo constitui um “indício” significativo sobre o cumprimento e repartição dos ónus alegatório e probatório; efectivamente, espelhando o título cambiário (na sua literalidade) uma obrigação[5], é a quem pretende destruir e/ou inutilizar tal força vinculativa do título que compete alegar e provar os respectivos factos (cfr. art. 342.º/2 do CC).

“Exceptio” que, dissecada, funciona no caso nos seguintes termos:

Não discutindo o oponente/recorrido que é avalista na livrança, invocando a exceptio, compete-lhe alegar e provar que a livrança foi assinada em branco e que o seu preenchimento foi abusivo.

O 1º aspecto, ficou antecipadamente provado pela "confissão" (no requerimento executivo) da exequente/recorrente.

O 2º aspecto, afirmando o exequente/recorrente que efectuou o preenchimento de acordo com o convencionado – baseado/escorado na chamada convenção executiva (que alegou, alegação retratada/demonstrada nos documentos juntos e extractados nos factos provados), isto é, na função que o negócio cambiário (emissão da livrança) desempenhou, no negócio subjacente e na relação entre ambos (entre a convenção executiva e o negócio subjacente stricto sensu[6]) – remete para o oponente/recorrido a alegação e prova do invocado preenchimento abusivo.

E – é o nosso de ponto de vista (que vimos sustentando) – não faz parte do elenco das alegações[7] úteis e aproveitáveis, tendo em vista demonstrar o preenchimento abusivo duma livrança, dizer-se/invocar-se tão só que não existe/subsiste válida uma qualquer convenção de preenchimento.

A tal propósito, é sintomático o seguinte raciocínio e discurso:

“ (…) Será possível operar-se a emissão voluntária de um título conscientemente não preenchido sem que exista, concomitantemente, uma destinação de preenchimento? O facto de um sujeito assinar uma letra ou livrança, que, sabendo não preenchida, entrega por sua livre e espontânea vontade a outro indivíduo, só se compreende pela intenção de confiar o preenchimento a outrem. Como já foi dito, da subscrição e entrega de um título em branco deduz-se logicamente a vontade do emitente de fazer própria a declaração que um outro sujeito inserirá sucessivamente no título.

Naturalmente, tudo se torna mais simples e cristalino quando as partes (a que emite a que recebe o título) celebram, de modo expresso e directo, um pacto de preenchimento e mais ainda quando o revestem da forma escrita. Nesse contexto, torna-se possível determinar, sem dificuldades, que o subscritor pretendeu cometer o preenchimento do título a outrem; e torna-se ainda possível determinar (embora por vezes, com algumas dificuldades) em que termos pretendeu que o preenchimento viesse a ser feito. Mas é generalizadamente admitido que o acordo de preenchimento não tem que ser expresso; ora, ainda que tal admissão se dirija, normalmente, a permitir desentranhar da relação subjacente os termos ou condições em que a letra deve ser completada, leva pressuposto que a própria vontade de confiar o preenchimento a outrem se infere do facto concludente que é a subscrição e entrega voluntária do título. (…)”[8].

Ou seja, em síntese, não é juridicamente compreensível a emissão voluntária duma letra ou livrança objectivamente incompleta – frisa-se, a emissão voluntária dum título incompleto – sem que concomitantemente exista um acordo de preenchimento, seja ele escrito, meramente oral/informal ou porventura tão só implícito[9].

Quando alguém emite uma letra ou livrança incompleta – quando alguém coloca conscientemente a sua assinatura num documento que contém elementos que remetem o documento sobre o qual está aposta a assinatura para a esfera cambiária – podem acontecer uma de duas coisas/hipóteses: ou esse alguém não tem consciência da incompletude e supõe que os elementos omissos estão, na realidade, preenchidos e com determinado conteúdo; ou tem consciência dessa incompletude e está a cometer, em certos termos, o preenchimento a outrem.

Esta 2.ª hipótese, que é a mais comum e vulgar, é a que cai sob a alçada do art. 10.º da LULL, é a dos autos e, naturalmente, é em relação a ela que inquestionavelmente vale, a nosso ver, a afirmação – de não ser juridicamente compreensível a sua emissão sem um acordo de preenchimento – supra efectuada.

E repetindo o que já se disse/transcreveu, vale a pena, voltando a socorrer-nos de Carolina Cunha[10], deixar aqui citado ainda:

“ (…) a subscrição e entrega voluntária do título (conscientemente) deixado em branco, através da qual se manifesta a intenção de deixar o preenchimento do título ao cuidado do receptor, é suficiente para permitir a aplicação do art. 10.º. Já os termos em que o complemento deve vir a ser efectuado tanto podem constar de documento escrito, como podem ter sido objecto de mero acordo verbal (com as dificuldades probatórias que acarreta em caso de posterior conflito). Podem, ainda, resultar implicitamente do próprio contrato que dá origem à letra, isto é, da relação jurídica fundamental, hipótese em que o acordo de preenchimento será tácito. Portanto, não vemos, por uma lado necessidade de afirmar enfaticamente, como faz alguma jurisprudência, que pode existir letra em branco sem ter havido contrato de preenchimento. Por outro lado, ressalvadas as hipóteses de incompletude proveniente de lapso, parece-nos que haverá sempre pelo menos um acordo tácito das partes quando aos termos do preenchimento, heremeneuticamente extraível do contexto negocial mais vasto em que a subscrição e entrega do título se inserem.

Não quer isto dizer que, na prática, não surjam dificuldades realcionadas com a reconstrução ou comprovação dos termos desse acordo. Em última análise, tais dificuldades resolvem-se por intermédio das regras relativas ao ónus da prova. Nunca é demais recordar que, em sede do art. 10.º da LULL, nos movemos no interior de um conflito aberto: cabe ao subscritor em branco demonstrar o quid com o qual o preenchimento é desconforme. Por conseguinte, se não lograr reconstruir em juízo os termos do acordo de preenchimento, o credor será admitido a exercer o seu direito cartular tal como o título o documenta.

O que é – a afirmação de não ser juridicamente compreensível a emissão voluntária dum título sem um acordo de preenchimento – totalmente inteligível se tivermos presentes as razões e interesses que, na prática, levam à emissão voluntária dum título incompleto.

Está em causa, “normalmente, uma relação fundamental que comporta um direito de crédito ainda não inteiramente definido (porque falta determinar o respectivo montante, ou vencimento), ou no seio da qual se prevê como apenas eventual a constituição de um direito de crédito. Aparece, sobretudo, no âmbito das relações duradouras com prestações pecuniárias como expediente para fazer face ao espectro do incumprimento. E apesar de alguma doutrina acentuar o carácter ilíquido da dívida como determinante da utilização da letra em branco, convém colocar no mesmo plano o seu carácter futuro e incerto; trata-se, em suma, da garantia de responsabilidades futuras e ilíquidas”[11].

Daí que geralmente surjam (a letra ou livrança em branco) como garantia de dívidas emergentes de contratos de abertura de crédito que os bancos celebram com os seus clientes empresariais[12]; ou como garantia de contratos de locação financeira – como é o caso dos autos/apelação – e de contratos de crédito ao consumo[13].

Situando-se a vantagem/interesse prático do título em branco na segurança proporcionada ao credor, que, com o título em seu poder, chegado o momento, sem depender de qualquer manifestação de vontade/colaboração do devedor[14], o completa segundo o convencionado.

O que significa que os interesses envolvidos, merecedores de tutela jurídica, numa letra/livrança em branco são o interesse do portador que aponta no sentido do título valer conforme foi completado; e o interesse do subscritor que aponta para que a declaração cartular valha em conformidade com a vontade por si manifestada, ou seja – é onde se quer chegar – não há um interesse (merecedor de tutela jurídica) do subscritor que aponte para a hipótese da sua declaração cartular poder ficar vazia de conteúdo, que aponte para o título não poder, em caso algum[15], ser preenchido.

Aliás – não será despiciendo referi-lo – mesmo as teses que admitem a ausência dum acordo de preenchimento referem-se, ao admitir tal possibilidade, à inexistência dum acordo ad hoc que contenha os termos em que o preenchimento deve ser efectuado; mas não se quedam por aqui – pela “ausência do acordo de preenchimento” – antes suprem a falta de tal acordo “ad hoc”, recorrendo a factores como a relação fundamental que determinou a criação cambiária, aos “usos da praça” ou seja, procedem à reconstrução da vontade manifestada pelo subscritor em branco quanto aos termos do preenchimento.

Enfim, na emissão voluntária dum título incompleto, há sempre um ajuste; e do mesmo modo que o portador não pode sustentar que o subscritor se obrigou cambiariamente por qualquer quantia, em condições de tempo e lugar que fiquem ao seu (do portador) inteiro arbítrio, também o subscritor (que não discute, como é o nosso caso, a sua intenção de se obrigar cambiariamente) não pode vir alegar[16] que não houve/há qualquer acordo de preenchimento (ou tão só que o existente não é válido) e que por isso o portador não está autorizado ao preenchimento do título (ou que o preenchimento não vale em relação a si).

É justamente por tudo isto que, com o devido respeito, temos as maiores dúvidas sobre a “bondade” da decisão de facto, isto é, sobre haver-se dado como não provada a comunicação/explicação do conteúdo dos parágrafos do documento escrito transcrito em 7 (intitulado “convenção de preenchimento de livrança em branco”) dos factos provados[17].

Com o que, isto observado, não estamos a sustentar ou a “advogar” uma alteração, que seria enviesada, à decisão facto; é que, salienta-se, tal alteração está à partida vedada por a divergência com a decisão de facto – a impugnação da decisão de facto – não estar bem/suficientemente feita pela exequente/apelante[18].

Tão pouco se diverge das considerações jurídicas que, por aplicação do diploma que regula a contratação com base em cláusulas contratuais gerais (DL 446/86, de 25 de Outubro), foram efectuadas (a partir do que se deu como “não provado”) na sentença recorrida.

O ponto é outro.

O art. 5.º do DL 446/85 tem em vista assegurar a formação de consenso quanto a determinado conteúdo contratual; razão porque o art. 8.º a) considera excluídos do acordo das partes os conteúdos/cláusulas que não “tenham sido comunicados nos termos do art. 5.º

Mas – é a questão (mais de facto do que de direito) e a razão das nossas “reservas” à bondade da decisão de facto – como é alguém que subscreve e entrega (no momento em que é celebrado o negócio subjacente, no caso uma locação financeira) uma letra ou livrança em branco (e, insiste-se, não contesta a sua vinculação cambiária[19]), não possui a noção[20], ainda que sumária, de que está a assumir uma garantia do cumprimento de tal contrato, a qual poderá, portanto, ser accionada (através do preenchimento do título) em caso de incumprimento do contrato?

E, naturalmente, observamos/perguntamos “isto” porque é sobre “isto” que versa o conteúdo/clausulado do documento transcrito em 7 (intitulado “convenção de preenchimento de livrança em branco”) e por ter sido “isto” que acabou por ser dado como “não provado”.

Em todo o caso, tudo isto – o que se deu como não provado e a reflexão crítica acabada de fazer – é, em face do ponto de vista jurídico que vimos expondo, bastante irrelevante.

Não se contesta, já se referiu, a pertinácia da sujeição do clausulado duma convenção de preenchimento ao “crivo” jurídico do diploma que regula a contratação com base em cláusulas contratuais gerais (e que, em face da resposta “não provado” referida, a apreciação jurídica seja a constante da decisão recorrida), porém, é o ponto, tal “sujeição” e tal apreciação jurídica, são apenas meramente interlocutórias e não o fim da questão; a excepção do preenchimento abusivo – e, importa não esquecer, que é aqui, na prova do preenchimento abusivo por parte dum subscritor/executado, que a nossa análise jurídica se situa – não acaba aqui.

Daí que tenhamos começado por observar que não faz parte do elenco das alegações úteis e aproveitáveis, tendo em vista demonstrar o preenchimento abusivo duma livrança, dizer-se/invocar-se tão só que não existe/subsiste válida uma qualquer convenção de preenchimento; ficar por aqui, sem a seguir se alegar/provar um qualquer acordo de preenchimento (que substitua o que, nos termos dos art. 5.º e 8.º do DL 446/85, foi excluído), não serve, processualmente, à defesa dum executado/subscritor dum título entregue em branco[21].

Ponto de vista este que é claramente sufragado no douto Ac. do STJ de 22/10/2013[22], relatado pelo Conselheiro Alves Velho, do qual, com a devida vénia, se reproduzem as seguintes asserções conclusivas:

Se o avalista opta por lançar mão da invalidade da cláusula que integra pacto de preenchimento em que interveio, com a respectiva exclusão do contrato, auto-exclui-se da intervenção no acordo de preenchimento e, consequentemente, do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com a beneficiária da livrança, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a excepção do preenchimento abusivo.

Para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto excepção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado.

Se, em substituição do pacto inválido e excluído nenhum outro se invoca, como obrigação desrespeitada no acto de preenchimento da livrança, então não há objecto sobre o qual possa ser alegado e discutido preenchimento abusivo, carecendo o avalista de fundamento para discutir uma eventual excepção, por isso que nenhuma violação de convenção consigo celebrada imputa aos demais signatários do título cambiário, por via da qual se mantivesse nas relações imediatas.

Assim sendo, sobra a posição jurídica de avalista, assumindo o aval a sua plena autonomia, mantendo-se aquele obrigado nos precisos termos resultantes da obrigação cambiária inerente ao aval dado.

Asserções estas que inclusivamente acabam por ir mais longe que o nosso ponto de vista supra exposto, uma vez que se sustenta que um avalista – como o oponente/recorrido dos autos/recurso – com tal posicionamento/alegação se auto-exclui de poder invocar e fazer valer a excepção do preenchimento abusivo.

Efectivamente, não vemos razão, com o devido respeito, para ir tão longe, uma vez que, “ (…) mesmo nos casos em que o avalista não tem (ou não fica provado que tenha tido) qualquer contacto com o credor, nem celebrou com ele qualquer convenção de preenchimento, o credor não pode ou não deve ignorar o seguinte: o sujeito que avaliza ainda em branco o título que sabe destinado a suportar a obrigação cambiária do avalizado, a quem sem mais entrega o documento assinado, está a manifestar a vontade de que o preenchimento se faça nos mesmo termos que vieram a vigorar para a concretização da obrigação cambiária desse avalizado: nem mais, nem menos. É isso que resulta exactamente dos cânones hermenêuticos vigentes no nosso ordenamento jurídico – é esse o sentido que desse comportamento extrairia um declaratário normal, colocado na posição de credor. (…) Por conseguinte, os critérios a mobilizar para apurar se houve preenchimento abusivo – isto é, discrepância entre o preenchimento do título e a vontade manifestada pelo avalizado – serão os fixados no acordo de preenchimento celebrado entre o credor e o avalizado, quer o avalista nele tenha ou não participado”[23]

Posição esta – do avalista ser sempre admitido a discutir o acordo de preenchimento (celebrado entre o credor/portador e o avalizado) quer tenha ou não tenha nele participado – que, reconhecemo-lo, não corresponde à actual posição da nossa jurisprudência; mas que – não será demasiado arrojado vaticinar, perdoe-se-nos – é a rota final da trajectória/evolução que vem sendo feita[24].

De todo o modo, é o acabado de referir completamente irrelevante para o caso sob apreciação.

Dizer que o executado/oponente fica sem acordo de preenchimento em que tenha intervindo (como faz o douto Ac. do STJ) ou dizer apenas que fica sem acordo de preenchimento, não contém diferença que seja minimamente relevante, uma vez que em “ambos” as hipóteses se diz que o executado/oponente, para demonstrar o preenchimento abusivo, tem que demonstrar (1.º) a existência de um acordo e (2.º) que o tomador/portador da livrança, ao preenchê-la (ao completar o respectivo preenchimento), desrespeitou tal acordo.

E, natural e logicamente, só demonstra o desrespeito quem, antes e previamente, tiver alegado e demonstrado um acordo.

Foi justamente por isto, voltamos a repeti-lo, que começámos por afirmar que não faz parte do elenco das alegações úteis e aproveitáveis/prestáveis, tendo em vista demonstrar o preenchimento abusivo duma livrança, dizer-se/invocar-se tão somente que não existe/subsiste válida uma qualquer convenção de preenchimento; uma vez que – repete-se, uma última vez – se, em substituição do pacto inválido e excluído nenhum outro se invocar, então não há “quid” que sirva de suporte/reporte a um qualquer preenchimento abusivo.

Como já se referiu de diversas maneiras, cabe ao subscritor em branco demonstrar o “quid” com o qual o preenchimento é desconforme, pelo que, não o fazendo – não o alegando sequer, como é/foi o caso do executado/oponente – o portador/exequente tem que ser admitido a exercer o seu direito cartular que a livrança documenta[25].

*

Em conclusão, embora por fundamentos diferentes dos invocados – mas de conhecimento oficioso e compreendidos no âmbito do recurso – a apelação procede totalmente.

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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar totalmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida que se substitui por decisão a julgar totalmente improcedente a oposição e a determinar que a execução prossiga, também em relação ao executado/oponente A..., os seus termos normais até integral pagamento.

Custas, em ambas as instâncias, pelo oponente.

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Coimbra, 18/12/2013

 (Barateiro Martins - Relator)

(Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[1] Sendo certo que, em relação às executadas E... e F..., a instância executiva já foi julgada extinta em virtude da desistência do exequente.
[2] O que significa que estamos perante a chamada “dupla subscrição em branco”, que ocorre quando as assinaturas de avalista e avalizado foram ambas efectuadas numa letra ou livrança em branco.
[3] O outro motivo invocado – a actuação em abuso de direito do banco exequente, ao executar a livrança decorridos 12 anos sobre a sua subscrição e entrega – foi já, no saneador, em definitivo decidido.

[4] O executado/oponente não questiona minimamente os termos em que a livrança foi completada (quanto à data ou quantia inscrita) ou sequer a oportunidade do seu preenchimento.

[5] Embora o art. 76.º da LULL afirme que o escrito a que falte algum dos requisitos indicados no art. 75.º não produz efeitos como livrança (como era o caso da dos autos quando foi entregue à exequente), tal não significa senão que os requisitos do art. 75º são elementos de eficácia. De facto, quer o subscritor duma livrança quer o avalista duma livrança, ao assiná-la, constituem-se numa obrigação cambiária desde o início, mas que como tal não pode ser efectivada senão depois do preenchimento.

[6] Falamos em “negócio subjacente stricto sensu” para nos referir apenas ao contrato de locação financeira imobiliária, embora a chamada convenção executiva, sendo celebrada entre os intervenientes do acto cambiário, mas não se confundindo com este, acabe por também integrar o negócio subjacente “lato sensu”.

[7] Ficamo-nos pelas “alegações”, uma vez que o “problema” está logo no momento alegatório.
[8] Carolina Cunha, Letras e livranças, pág. 535.

[9]Ao fenómeno corresponde uma intenção (…) de deixar o preenchimento do título ao cuidado de outrem; (…) à manifestação dessa intenção não é imprescindível a celebração de um explícito acordo de preenchimento” – Carolina Cunha, obra citada, pág. 537.
[10] Carolina Cunha, obra citada, pág. 620/1.
[11] Carolina Cunha, obra citada, pág. 554.

[12] Em que as cláusulas do contrato de abertura de crédito prevêem os termos e condições de preenchimento, o qual tem como facto desencadeador o incumprimento do cliente e o subsequente vencimento da dívida correspondente ao saldo apresentado pela abertura de crédito.

[13] Em que o acordo de preenchimento se apresenta geralmente como clausula do contrato escrito e em que, também aqui, é o incumprimento do cliente que tipicamente desencadeia o accionamento do título.

[14] Daí as teses que aproximam o poder de preencher um título em branco da figura do direito potestativo.

[15] E é a isto que conduz – não poder o título, em caso algum, ser preenchido – a argumentação que fez vencimento na sentença recorrida.
[16] Como se considerou no Ac. STJ de 11-02-2003 (in www.dgsi.pt) tal alegação constitui uma “atitude redutora”.

[17] Ter-se-á adoptado, admite-se, uma concepção demasiado rígida e formal da comunicação exigida pelo art. 5.º do DL 446/85.

[18] Para impugnar uma decisão da matéria de facto – tomada também com base em depoimentos prestados – é absolutamente indispensável, sob pena de rejeição da impugnação (cfr. 685.º-B do CPC), que se enumerem e identifiquem os concretos meios probatórios, constantes de registo ou gravação realizada – por referência às passagens da gravação em que se funda, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º.C – que impõem decisão diversa sobre os pontos de facto em causa.

Foi justamente isto que a exequente/apelante não fez; como o corpo da sua peça recursiva e as respectivas conclusões (que demarcam o objecto do recurso) supra transcritas o espelham – maxime, a conclusão 11 em que se limita a dizer que, “por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que o oponente era sócio da sociedade subscritora, pelo que, pelas regras da experiência comum, não é crível que quem se apresenta como sócio de uma sociedade comercial-como é o caso do oponente e ora recorrido-desconheça o significado e as consequências da aposição da sua assinatura num título de crédito, em concreto na livrança que consubstancia o título executivo” – a exequente/apelante limita-se a esgrimir argumentos que poderão/deverão ser incorporados no momento “único e concentrado” da análise crítica de todas as provas, mas que não podem ser introduzidos e tomados em conta, para alterar a decisão de facto, fora de tal momento “único e concentrado” e, principalmente, quando não se analisam – não se chamam à colação – todas as provas produzidas.

Os referidos art. 685.º-B e o 712.º, ambos do CPC, impõem ao recorrente que pretenda a reapreciação da prova por parte da Relação que, na fundamentação da sua discordância em relação ao decidido na 1.ª Instância, indique com exactidão (as passagens da gravação) os concretos meios probatórios que devem conduzir a decisão diversa da proferida na 1.ª Instância.

Assim – admitindo-se que a exequente/apelante pretende mesmo a reapreciação da prova – foi justamente tal ónus de alegação/fundamentação que não curou de cumprir, razão pelo qual, a haver recurso quanto à matéria de facto, é/seria formalmente de rejeitar.

[19] Tem-se insistido sempre em salientar tal aspecto (“não contesta a sua vinculação cambiária”), uma vez que será porventura aqui, neste plano, não suscitado, que o problema – que poderá eventualmente estar em ter-se assinado uma livrança sem se aperceber que se assinou um título cambiário ou o laborar-se em erro quanto aos seus efeitos – poderá ser colocado/invocado pelos subscritores em branco de letras e livranças; de todo o modo, não foi suscitado, nem será por certo, no caso, o “problema” do executado, sócio da própria sociedade subscritora.
[20] Sendo, como é o caso, sócio da própria sociedade subscritora, isto é, da locatária, devedora principal e avalizada.

[21] E que o exequente/portador preencheu e deu à execução com a totalidade dos requisitos essenciais preenchidos.
[22] Acessível in www.dgsi.pt.
[23] Carolina Cunha, in RLJ, ano 143, pág. 73, em comentário ao Ac. desta Relação de 19/02/2013

[24] Em que duma grande rigidez inicial, em que o avalista não era admitido a excepcionar o preenchimento abusivo, se evoluiu para o admitir em tal discussão, desde que também o tivesse subscrito e/ou desde que se estivesse nas relações imediatas – cfr., v. g., Ac. STJ de 24/01/2008, in CJ, Tomo I, pág. 59; Ac. STJ de 22/02/2011, in CJ, Tomo I, pág. 81; Ac. STJ de 22/05/2012, in CJ, Tomo II, pág. 87; sendo o passo lógico seguinte o de admitir, sempre, o avalista a discutir o acordo de preenchimento celebrado entre o credor/portador e o avalizado, quer tenha ou não tenha o avalista nele participado.

[25] Como se refere no Ac do STJ referido, “sobra a posição jurídica de avalista, assumindo o aval a sua plena autonomia, mantendo-se aquele obrigado nos precisos termos resultantes da obrigação cambiária inerente ao aval dado”.