Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1214/08.0TBPBL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EXECUÇÃO
PRESTAÇÃO DE FACTO
SENTENÇA EXEQUÍVEL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
IMPOSSIBILIDADE OBJECTIVA
Data do Acordão: 05/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 47, 802, 804, 814 CPC, 790 CC
Sumário: 1.- Uma sentença, transitada em julgado, que tenha condenado os réus a demolir o muro por eles edificado, em toda a sua extensão, com a obrigação de reporem o ribeiro na situação que antes tinha, como elemento divisório entre o prédio dos autores, devidamente identificado, e o prédio dos réus, restituindo aos mesmos autores toda a porção de terreno do seu prédio ocupada pelo referido muro, bem como a metade do leito do mencionado ribeiro em toda a extensão em que é divisório daqueles prédios, é uma sentença exequível, contendo uma obrigação exequenda certa e exigível.

2.- Uma vez que o efeito do caso julgado envolve a preclusão dos meios de defesa que podiam ter sido deduzidos na acção de condenação, a h) do nº 1, do art. 814º, do CPC, refere-se a facto objectivamente superveniente, posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, só relevando assim no âmbito da oposição à execução fundamento que não esteja a coberto do caso julgado formado na acção declarativa;

3.- A impossibilidade objectiva da prestação, por causa natural, humana, ou legal, prevista no art. 790º, nº 1, do CC, geradora de extinção da obrigação exequenda, é a impossibilidade objectiva absoluta e definitiva;

4.- Não é impossível, natural ou humanamente, cumprir a obrigação exequenda de demolir um muro, feito em blocos, com rede e chapas sobre a margem de um ribeiro, e repor o mesmo na situação que antes tinha, mesmo que a sua demolição possa ocasionar desmoronamento ou deslizamento imediato de terras, e estas possam entupir e obstruir o referido ribeiro, pois será possível realizar o trabalho técnico de desentupimento e desobstrução do ribeiro – desassoreamento;

5.- Se para demolir tal muro for eventualmente necessário obter a competente autorização/licenciamento das entidades competentes em matéria de recursos hídricos a obrigação exequenda é de considerar possível, não podendo entender-se que a prestação devida é objectivamente impossível, por causa legal, de modo absoluto e definitivo.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. A (…) e esposa D (…), residentes em Pombal, vieram, por apenso ao Processo Execução 1214/08.0TBPBL-A que lhes movem J (…) e esposa M (…), residentes em Aveiro, deduzir oposição à execução.

Alegaram, além do mais, em síntese, serem donos de dois prédios, um urbano, outro rústico, contíguos entre si, ainda não delimitados, prédios confinantes com dois prédios dos exequentes, um urbano e outro rústico, também não delimitados, não estando actualizadas as descrições constantes da matriz relativamente a tais prédios. Que desconhecem o limite do prédio rústico dos exequentes inscrito na matriz sob o art. 9.933º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 02710, bem como desconhecem qual o seu prédio a que se refere o título executivo se o prédio urbano, se o prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 9.932º e descrito na Conservatória sob o nº 1999. Que construíram o muro ali existente, e mandado demolir, para conter as terras de forma a proteger a linha de água subterrânea, e que com o tempo decorrido e pela densidade pluvial as terras do prédio dos exequentes encostaram e apertaram contra o muro, pelo que a sua eventual demolição provocaria que o prédio dos exequentes ficasse vulnerável em termos de segurança pelo desmoronamento imediato, com o consequente entupimento do ribeiro, cuja metade do leito foi ordenado judicialmente fosse restituída aos exequentes. Além de que na CM de Pombal os exequentes declararam que o prédio identificado no título executivo não era o rústico mas, sim, o urbano.

Concluíram, pela procedência da oposição, com base na inexequibilidade do título executivo, por impossibilidade física e legal ou, sendo exequível, por falta de certeza da obrigação exequenda.

Os exequentes contestaram, tendo, além do mais, aduzido que a decisão dada à execução não suscita quaisquer dúvidas quanto ao seu alcance, não tendo a mesma versado sobre qualquer demarcação, antes sobre uma reivindicação de propriedade. Concluíram pela improcedência da oposição à execução.

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Foi depois proferido despacho saneador-sentença, que julgou improcedente a oposição (mais decidindo sobre matéria de sanção pecuniária compulsória que ora não interessa).

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2. Os executados/oponentes interpuseram recurso, tendo formulado as seguintes 44 conclusões (!!!):

(…)

3. Os exequentes contra-alegaram pugnando pela manutenção do decidido.

II – Factos Provados

a) Por sentença de 26 de Outubro de 2009, proferida no âmbito da Acção Sumária n.º 1214/08.0TBPBL, foi julgada procedente a acção movida pelos ali autores J (…)  e M (…) contra os ali réus A (…)  e D (…) e, em consequência, estes foram condenados a reconhecer o direito de propriedade daqueles autores sobre o prédio rústico sito em (...) , composto por terra de vinha com árvores de fruto, confrontando a norte com estrada, nascente com (…)e ribeiro, sul com (…) e poente com estrada e (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 02710 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 9933.

b) Os réus (aqui opoentes) foram ainda condenados a demolir o muro por eles edificado, em toda a sua extensão, com a obrigação de reporem o ribeiro na situação que antes tinha, como elemento divisório entre o prédio identificado em a) e o que lhes pertence, restituindo aos autores (ora exequentes) toda a porção de terreno do seu prédio ocupada pelo referido muro, bem como a metade do leito do mencionado ribeiro em toda a extensão em que é divisório daqueles prédios.

c) Inconformados com a sentença, dela interpuseram recurso os opoentes.

d) Por Acórdão da Relação de Coimbra de 4 de Maio de 2010, transitado em julgado, proferido na mesma Acção Sumária, foi julgada improcedente a apelação e confirmada a sentença recorrida.

e) Os exequentes intentaram acção executiva contra os opoentes, tendo apresentado como título executivo tal decisão judicial, com vista à prestação dos factos descritos em a) e b), tendo ainda requerido a aplicação de sanção pecuniária compulsória, pelo período de tempo de incumprimento dos executados, propugnando pela fixação do valor diário de 50 €.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Inexequibilidade do título executivo, por inexigibilidade e incerteza e por impossibilidade física e legal da obrigação.

2. Os exequentes deram à execução uma sentença condenatória (art. 46º, nº 1, a), do CPC).

Os executados/oponentes/recorrentes alegam de maneira confusa, pois misturam inexequibilidade, com incerteza e inexigibilidade da obrigação exequenda, e com impossibilidade física e legal de tal obrigação. Porém, há, óbvia e obrigatoriamente, que distinguir os conceitos e respectivas previsões legais. Vejamos então.  

2.1. Dispõe o art. 47º, nº 1, do CPC, acerca dos requisitos da exequibilidade da sentença, que “a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo”.

Tendo em conta o citado preceito e resultar da matéria de facto dada como provada sob d) que a dita sentença condenatória transitou em julgado, não há qualquer dúvida que ela é exequível.

Improcede, por isso, o recurso dos apelantes, nesta parte.

2.2. A inexigibilidade da obrigação exequenda vem prevista no art. 814º, nº 1, e), do CPC. Reporta-se a mesma à circunstância de a obrigação exequenda ter de ser exigível, se o não for em face do título executivo (art. 802º do CPC).

Mais concretamente sobre esta exigibilidade impõe a lei, no art. 804º, nº 1, do CPC, que quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor exequente provar que ela já se tornou exigível.

Nada disso acontece no nosso caso, visto que do segmento decisório da sentença exequenda resulta que ela é imediatamente exigível.

Também improcede, por isso, o recurso dos apelantes, nesta parte.

2.3. A incerteza da obrigação exequenda vem prevista no art. 814º, nº 1, e), do CPC. Reporta-se a mesma à circunstância de a obrigação exequenda ter de ser certa, se o não for em face do título executivo (citado art. 802º do CPC).

Mais concretamente sobre esta certeza impõe a lei, no art. 803º do CPC, que quando a obrigação seja alternativa se tenha de tornar certa e determinada a prestação devida, seja por opção do devedor, de terceiro ou do credor.

No caso em apreço inexiste qualquer obrigação alternativa. Na verdade a prestação dos executados é certa e determinada, conforme resulta do segmento decisório da sentença exequenda. Os executados/recorrentes têm de - vide b) dos factos provados - demolir o muro por eles edificado, em toda a sua extensão, com a obrigação de reporem o ribeiro na situação que antes tinha, como elemento divisório entre o prédio identificado em a), que é dos exequentes, e o prédio que lhes pertence, restituindo aos ora exequentes toda a porção de terreno do seu prédio ocupada pelo referido muro, bem como a metade do leito do mencionado ribeiro em toda a extensão em que é divisório daqueles prédios. 

Por isso que, não se percebe a eventual necessidade de aclarar o que tal decisão determinou aos ora recorrentes, como eles agora pretendem, pois como os mesmos bem sabem ficou apurado na sentença exequenda, sob j), n) a p), r) a u), que o prédio dos exequentes confronta a nascente com o prédio dos executados e também com o dito ribeiro, fazendo-se a confrontação desse ribeiro com o prédio dos exequentes numa extensão de cerca de 50 metros, dividindo-o em toda a sua extensão do prédio dos executados, prédio este dos executados que também confronta pelo poente com aquele curso de água, tendo os executados construído, há cerca de 7 anos, um muro em blocos, com rede e chapas sobre a margem, deixando os exequentes de ter, por ali, acesso ao ribeiro, muro esse que tem uma largura de cerca de 15 cm, com uma altura variável entre 1,25 metros e 2,5 metros, e uma extensão de cerca de 35,5 metros.

Pois é exactamente este muro, com tais características e em tal extensão, implantado pelos executados, que tem de ser demolido, com a obrigação de reporem o ribeiro na situação que antes tinha.

Para quê ? Para reporem a situação física que antes havia.

O aludido ribeiro era elemento divisório entre o prédio dos exequentes, identificado em a), e o prédio dos executados, nas confrontações a nascente e poente, respectivamente. Com a demolição do muro terá de ser restituído também aos ora exequentes toda a porção de terreno do seu prédio ocupada pelo referido muro, bem como a metade do leito do mencionado ribeiro em toda a extensão, de 50 metros, em que é divisório daqueles prédios.

Afirmam, ainda, os recorrentes que a decisão exequenda não identificou o seu prédio que confronta com o dos exequentes. Não é assim de modo algum, pois em termos físicos está bem identificado. Não está é identificado por artigo da matriz ou nº de registo predial. Mas, diga-se, que os recorrentes sabem bem qual é, pois nas próprias alegações reconhecem (vide conjugação das conclusões 7. e 14.) que é o seu prédio inscrito na matriz sob o art. 9.932º e descrito predialmente sob o nº 1999.    

2.4.1. Em execução para prestação de facto, baseada em sentença, o executado pode deduzir oposição à execução, nos termos do art. 933º, nº 2, do CPC, com o fundamento que cumpriu posteriormente a obrigação. O que não ocorre nos autos, pois o que os executados vêm justamente invocar é que não podem cumprir a obrigação, por a mesma ser impossível. O fundamento especial alegado não se ajusta assim à aludida previsão legal. Pelo que, por aqui, a oposição não pode proceder.

2.4.2. Mas neste tipo de execução, com base em sentença, também é admissível oporem-se os fundamentos gerais previstos no apontado art. 814º, nº 1, como decorre do art. 466º, nº 2, do CPC, fundamentos esses tipicizados e exclusivos, - veja-se a expressão legal “só”, constante do corpo daquele mencionado nº 1.

Dos elencados, queda apenas de considerar a h), quanto à impossibilidade de cumprimento da obrigação exequenda, como alegado pelos apelantes. Nessa h) estatui-se que pode ser invocado qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.

2.4.2.1. Quanto à impossibilidade física de cumprimento da obrigação exequenda invocada pelos apelantes, tal fundamento tem de improceder, por três motivos.

Em primeiro lugar, porque quanto a tal eventual impossibilidade objectiva, natural ou humana, não mostram os autos que ela factualmente tenha ocorrido ou nascido posteriormente ao encerramento da discussão no processo de declaração, nem adicionalmente se mostra provada por documento.

Em segundo lugar, porque a ser verdadeira tal impossibilidade a mesma devia ter sido alegada e provada factualmente na respectiva acção declarativa, o que não se evidencia ter ocorrido.

Na verdade, uma vez que o efeito do caso julgado envolve naturalmente a preclusão dos meios de defesa que podiam ter sido deduzidos na acção de condenação, a mencionada h) refere-se a facto objectivamente superveniente, posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração. Só releva, portanto, fundamento que não esteja a coberto do caso julgado formado na acção declarativa, relativamente ao qual vale a máxima tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat. Decorre, assim, dessa máxima que o caso julgado alcança tanto as alegações oportunamente deduzidas, como as deduzíveis na ocasião imposta pelo art. 489º, nº 1, do CPC.

Desta maneira, contra o que os recorrentes sustentam, a eventual impossibilidade objectiva da prestação, geradora de extinção da obrigação exequenda, como decorre do art. 790º, nº 1, do CC, podia e devia ter sido excepcionada nessa acção, com a correspondente alegação factual, não podendo sê-lo, agora, em sede de oposição à execução, na tentativa de se sobrepor, agora, ao caso julgado formado na acção de declaração (ver neste sentido pacífico quer a jurisprudência, por exemplo nos Acds. do STJ, de 6.10.1987, BMJ 370, pág. 496, e de 11.10.2005, Proc.05B2674, quer a doutrina, por exemplo em L. Freitas, Acção Executiva, 2ª Ed., págs. 146/147).

Em último lugar, last but not the least, é medianamente evidente que inexiste qualquer impossibilidade objectiva da prestação, natural ou humana.

Efectivamente, não se consegue ver ou prognosticar, em termos de naturalidade ou normalidade física dos acontecimentos, ou da conduta humana, como é que não é possível demolir aquele identificado muro, com as apontadas características físicas, ou como seja impossível para qualquer ser humano, com as suas capacidades normais e com ajuda de instrumentos ou máquinas efectivar tecnicamente tal demolição. Antes se retira exactamente a convicção e conclusão contrária.

O mesmo e idêntico raciocínio se podendo fazer para a obrigação exequenda de reposição do ribeiro na situação que antes tinha. E se a demolição do muro ocasionar desmoronamento ou deslizamento imediato de terras, e estas entupirem e obstruírem o referido ribeiro, os executados terão de se submeter ao trabalho técnico de desentupimento e desobstrução do ribeiro, ou pagar a quem faça tal desassoreamento, já que foram eles que, como vem provado, edificaram tal muro. Sibi Imputet.   

Não procede, pois, este fundamento da oposição à execução e do recurso.

2.4.2.2. Quanto à impossibilidade legal de cumprimento da obrigação exequenda, invocada pelos apelantes, tal fundamento tem de improceder, também.

Desde logo é de notar, que tal eventual impossibilidade objectiva, legal, não apareceu posteriormente ao encerramento da discussão no processo de declaração, pois a existir, como os recorrentes sustentam, atento o que concluem face às Leis 54/2005, de 15.11 (titularidade dos recursos hídricos) e 58/2005, de 29.12 (lei da água), ambas entradas em vigor em 30.12.2005, e face ao DL 226-A/2007, de 31.5 (utilização dos recursos hídricos), em vigor desde 1.6.2007, a acusada impossibilidade legal já se verificaria antes da propositura da acção declarativa, no ano de 2008, e da apresentação da contestação dos ora recorrentes, que todavia não a invocaram, e como tal nunca foi debatida entre as partes, nem equacionada pela sentença recorrida, nem ponderada no acórdão desta Relação que confirmou a sentença exequenda. Desta maneira, a aludida e eventual impossibilidade legal da obrigação exequenda, decorrente do art. 790º, nº 1, do CC, podia e devia ter sido discutida nessa acção declarativa, em vez de ser arguida só no momento da oposição à execução.

Bem, mas mesmo considerando os elementos legais trazidos à colação pelos recorrentes tal impossibilidade objectiva, legal, não existe.   

É verdade que os leitos e margens privados de águas públicas estão sujeitos a servidões administrativas (art. 12º, nº 2, e 21º, nº 1, da Lei 54/2005).

Assim como estão sujeitos a restrições de utilidade pública as chamadas zonas adjacentes privadas às águas públicas, áreas contíguas à margem, que como tal sejam classificadas (art. 24º, nº 1 e 3, da Lei 54/2005), sendo que quanto a estas zonas adjacentes pode o diploma que procede à classificação definir áreas de ocupação edificada proibida ou condicionada e que nas áreas delimitadas como zona de ocupação edificada proibida é interdito realizar construções, construir edifícios ou executar obras susceptíveis de constituir obstrução à livre passagem das águas (art. 25º, nº 1 e 2, c), da referida Lei 54/2005).

Também é certo que nos termos do art. 21º, nº 2, da mesma Lei 54/2005, nas parcelas privadas de leitos ou margens de águas públicas, bem como no respectivo subsolo ou no espaço aéreo correspondente, não é permitida a execução de quaisquer obras permanentes ou temporárias sem autorização da entidade a quem couber a jurisdição sobre a utilização das águas públicas correspondentes, e que nos temos do art. 62º, nº 1, a), da dita Lei 58/2005, estão sujeitas a autorização prévia de utilização de recursos hídricos a realização de construções quando incidam sobre leitos, margens particulares (o sublinhado é nosso).

Assim como é seguro que nos termos do art. 62º, nº 3, a), do citado DL 226-A/2007 a realização de construções só é permitida desde que não afectem as condições de funcionalidade da corrente, o normal escoamento das águas e o espraiamento das cheias, dizendo o nº 1 do mesmo artigo que se entende por construção todo o tipo de obras, qualquer que seja a sua natureza, nomeadamente edificações, muros e vedações, bem como as respectivas alterações e demolições, enquanto o nº 4 de tal artigo estatui que a realização de qualquer construção está sujeita a autorização ou licença (o sublinhado é nosso).

Do que se acaba de expor podem retirar-se duas conclusões. Como é desconhecido por completo nos autos se o dito muro está edificado na chamada zona adjacente privada, nomeadamente em área de ocupação edificada proibida, é de desconsiderar a aplicação de tal figura e do seu regime jurídico.   

De outro lado, só interessa, assim, ponderar o regime referente aos leitos e margens privados de águas públicas. Ora, neste campo podem realizar-se obras, embora sujeitas a autorização ou licenciamento prévio. O que quer dizer que no limite a controvertida demolição do muro estará dependente de autorização da entidade competente.

Mas a ser assim, não pode afirmar-se, como o fazem os recorrentes que existe impossibilidade objectiva de raiz legal para tal demolição, pois a mesma estará sujeita a eventual autorização prévia da autoridade legal competente. O mesmo é dizer-se que a eventual impossibilidade objectiva da obrigação exequenda não é absoluta e definitiva, e só neste caso, nos termos do art. 790º, nº 1, do CC, haveria impossibilidade de prestação (veja-se A. Varela, D. Obrigações, Vol. II, 2ª Ed., pág. 66/67, Almeida Costa, D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 942, M. Cordeiro, Tratado, II, D. Obrigações, T. IV, págs. 179/180, e Acds. do STJ, de 10.12.1991, BMJ 412, pág. 460, e de 18.1.1996, BMJ 453, pág. 444).

Não procede, assim, este fundamento de oposição à execução e do recurso.

A terminar não pode deixar de se salientar ser curiosa a postura dos apelantes, pois tendo sido os mesmos que edificaram o muro, como se provou, só agora revelam agudas preocupações ambientais.

3. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) Sentença inexequível é aquela que não transitou em julgado; a inexigibilidade da obrigação exequenda reporta-se à circunstância de a obrigação exequenda ter de ser exigível, se o não for em face do título executivo, mais concretamente impõe a lei que quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor exequente provar que ela já se tornou exigível; a incerteza da obrigação exequenda reporta-se à circunstância de a obrigação exequenda ter de ser certa, se o não for em face do título executivo, mais concretamente impõe a lei que quando a obrigação seja alternativa se tenha de tornar certa e determinada a prestação devida;

ii) Uma sentença, transitada em julgado, que tenha condenado os réus a demolir o muro por eles edificado, em toda a sua extensão, com a obrigação de reporem o ribeiro na situação que antes tinha, como elemento divisório entre o prédio dos autores, devidamente identificado, e o prédio dos réus, restituindo aos mesmos autores toda a porção de terreno do seu prédio ocupada pelo referido muro, bem como a metade do leito do mencionado ribeiro em toda a extensão em que é divisório daqueles prédios, é uma sentença exequível, contendo uma obrigação exequenda certa e exigível; 

iii) Uma vez que o efeito do caso julgado envolve a preclusão dos meios de defesa que podiam ter sido deduzidos na acção de condenação, a h) do nº 1, do art. 814º, do CPC, refere-se a facto objectivamente superveniente, posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, só relevando assim no âmbito da oposição à execução fundamento que não esteja a coberto do caso julgado formado na acção declarativa;

iv) A impossibilidade objectiva da prestação, por causa natural, humana, ou legal, prevista no art. 790º, nº 1, do CC, geradora de extinção da obrigação exequenda, é a impossibilidade objectiva absoluta e definitiva;

v) Não é impossível, natural ou humanamente, cumprir a obrigação exequenda de demolir um muro, feito em blocos, com rede e chapas sobre a margem de um ribeiro, e repor o mesmo na situação que antes tinha, mesmo que a sua demolição possa ocasionar desmoronamento ou deslizamento imediato de terras, e estas possam entupir e obstruir o referido ribeiro, pois será possível realizar o trabalho técnico de desentupimento e desobstrução do ribeiro – desassoreamento;

vi) Se para demolir tal muro for eventualmente necessário obter a competente autorização/licenciamento das entidades competentes em matéria de recursos hídricos a obrigação exequenda é de considerar possível, não podendo entender-se que a prestação devida é objectivamente impossível, por causa legal, de modo absoluto e definitivo. 

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se mantendo a decisão recorrida.

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Custas a cargo dos recorrentes/oponentes.

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Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Fernando Monteiro