Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1791/08.6TBLRA-K.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO
BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.120, 121 CIRE, 342 CC
Sumário: 1. A acção de impugnação da resolução de acto em benefício da massa insolvente em que não sejam invocados factos extintivos do direito de resolução e apenas se impugnem os factos invocados para fundamentar a resolução impugnada é uma acção declarativa de simples apreciação negativa.

2. A alegação de inexistência de prejuízo para a massa insolvente ou a inexistência de má fé da contraparte no negócio objecto de resolução não constituem factos extintivos do direito de resolução, mas antes a impugnação dos factos invocados para fundamentar o exercício do direito de resolução pelo administrador da massa insolvente.

3. O administrador da insolvência está onerado com a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de resolução que exerceu em benefício da massa falida, sem prejuízo do que decorre do princípio da aquisição processual (artigo 515º do Código de Processo Civil).

Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

L (…) e A (…), intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário contra a Massa Insolvente de P (…) e AM (…), pedindo que seja revogado o acto de resolução da cessão da quota entre L (…) e P (…), operada pela Administradora de insolvência.

Alegam, para o efeito, que L (…), celebrou em 16 de Dezembro de 2005, com o insolvente P (…) um contrato-promessa de cessão de quotas com transmissão singular de dívida, quota essa da sociedade C (…), Lda.

O insolvente P (…), promitente cedente, foi sócio da sociedade C (…) Lda. até 16 de Fevereiro de 2006, data da celebração da escritura de cessão de quota com L (…).

À data da celebração do contrato-promessa, o insolvente P (…) tinha uma dívida de 50.000,00 para com a C (…), Lda., de que era sócio, contraída em 20 de Agosto de 2004.

O preço da compra e venda da quota entre L (…) e o insolvente P (…), foi de 60.000,00, correspondente ao respectivo valor nominal.

O preço da compra e venda foi pago da seguinte forma: a) 10.000,00 (dez mil euros), na data da celebração do contrato-promessa de cedência de quota e assunção de divida; b) 50.000,00 na data da escritura de cessão de quota, mediante a assunção por L (…) da dívida que o sócio P (…) tinha perante a C (…)Lda.

L (…) pagou à sociedade C (…), Lda. a dívida de 50.000,00 do ex-sócio P (…) em 27 de Abril de 2006, através do cheque nº (...), sacado sobre a G(...).

A compra e venda pelo valor de 60.000,00 corresponde ao seu valor nominal que era sensivelmente o valor real dessa quota à data da transacção, no final do ano de 2005 e princípio de 2006.

Sucede que em 5 de Fevereiro de 2009, L (…)  e A (…) receberam da Administradora da Insolvência de P (…) e AM (…)uma carta a resolver o contrato de compra e venda da quota adquirida por L (…).

No entanto, as razões invocadas não têm base real. L (…) e A (…), bem como o terceiro sócio da W(...) não tinham conhecimento que o sócio P (…) se encontrava com dificuldades económicas e financeiras.

O P (…) transmitia a A (…) e ao terceiro sócio assim como aos empregados e colaboradores desta empresa que a E (…) Lda. era uma empresa sólida e em expansão e que não tinha tempo para se dedicar à gerência desta sociedade.

Naquela altura, anos de 2004, 2005 e 2006, nem L (…) e A (…) nem as pessoas ligadas à W(...) tinham conhecimento que o sócio P (…) se encontrava com dificuldades financeiras ou na iminência de insolvência, nem que havia contraído dívidas.

A compra e venda da quota não aproveitou a pessoas especialmente relacionadas com os insolventes porquanto nem L (…) é sócia da sociedade C (…)Lda. nem ela nem o marido têm qualquer relação de parentesco ou de amizade para com os insolventes P (…) e AM (…).

Efectuada a citação da ré, a mesma veio contestar, alegando que a escritura de cessão de quotas foi efectuada dois anos antes da data do início do processo de insolvência. A cessão de quotas foi efectuada ao cônjuge de um outro sócio e gerente da sociedade por quotas C (…), Lda., pessoa das relações da insolvente.

O insolvente nos finais de 2005 e inícios de 2006 efectuou pelo menos mais duas cessões de quotas de empresas das quais era sócio.

As referidas cessões foram efectuadas a familiares e amigos seus com a conivência dos cessionários a fim de proteger o património do insolvente, frustrando assim os créditos dos seus credores.

Tal comportamento por parte da impugnante tem como objectivo apenas simular uma cessão de quota para preservar o património do insolvente, lesando os direitos dos credores e frustrando o recebimento dos seus créditos.

Foi elaborado despacho saneador tabelar, condensando-se a factualidade relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes a integrarem a base instrutória.

Realizou-se a audiência de julgamento, após o que se respondeu à matéria da base instrutória.

Proferiu-se sentença a julgar-se a acção totalmente improcedente.

Inconformados com a sentença, L (…) e A (…) interpuseram recurso de apelação contra a mesma, oferecendo as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal julgou de forma errada os quesitos assinalados nas presentes alegações.

2. Deve, pois, a matéria de facto ser alterada e julgada de acordo com as correcções e propostas assinaladas que têm por base a prova documental e testemunhal.

3. Ao decidir de forma diversa, o Tribunal a quo violou o art. 668º, nº 1, aliena d) do CPC.

4. A sentença é também nula por violação do art. 668º, nº 1, aliena d) última parte, do CPC, porquanto não possui o Tribunal elementos de prova para tirar a conclusão ínsita no art. 10º da base instrutória.

5. A compra e venda da quota de P (…) pela recorrente L (…) ocorreu cerca de 2 anos e meio antes do inicio do processo de insolvência daquele sócio da C (…), Lda.

6. Em tal situação não se presume a má-fé dos AA., ora recorrentes, nem é lícito concluir que estes contribuíram conscientemente para a depreciação do património do P (…).

7. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, além de violar os preceitos do CPC acima indicados, violou ainda os arts. 120º e seguintes do CIRE.”

            Os recorrentes concluem pedindo a revogação da sentença recorrida.

            A recorrida contra-alegou sustentando que o recurso é extemporâneo, que a impugnação da decisão da matéria de facto deve ser rejeitada por não indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, nos termos do nº 2 do artigo 685º-B do Código de Processo Civil e que, de todo o modo, deve ser negado provimento ao recurso.

            Foi proferida decisão a conhecer da nulidade da sentença arguida pelos recorrentes, julgando-se a mesma improcedente, apreciou-se a tempestividade do recurso, decidindo-se pela sua tempestividade, sendo o recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

            Ordenou-se a baixa dos autos a fim de se proceder à fixação do valor da causa.

            Recebidos os autos de novo neste tribunal após a fixação do valor da causa, colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre agora apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da nulidade da sentença em virtude do tribunal ter tomado conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento (artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil);

2.2 Da impugnação das respostas aos artigos 2º, 3º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º da base instrutória;

2.3 Do não preenchimento do requisito da má fé como pressuposto da resolução impugnada.

3. Fundamentos

3.1 Da nulidade da sentença em virtude do tribunal ter tomado conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento (artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil)

Os recorrentes suscitam nas suas alegações a nulidade da sentença sob censura por alegado preenchimento da previsão da alínea d), do nº 1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil.

Para tanto alegam que o tribunal ao responder à matéria do artigo 10º da base instrutória, matéria que é conclusiva, sem ter elementos para tanto, conheceu de matéria para a qual não tinha matéria para conhecer.

A nulidade da sentença prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil ocorre quando se verifica omissão de pronúncia ou quando o juiz conheça de questões de que não possa conhecer.

As questões a que esta previsão legal são as questões a resolver (artigo 660º, nº 2º, do Código de Processo Civil), ou seja, os problemas jurídicos a resolver em função da causa de pedir e do pedido da acção, da causa de pedir e do pedido reconvencional e ainda de toda a matéria integrante de defesa por excepção que eventualmente tenha sido deduzida.

A delimitação dos poderes de cognição do tribunal, no que respeita a factualidade integrante da causa de pedir e das excepções, afora os casos em que esteja em causa matéria de conhecimento oficioso (vejam-se por exemplo os artigos 495º e 496º, ambos do Código de Processo Civil), define-se nuclearmente com referência àquilo que é alegado pelas partes (artigo 264º, nº 1, do Código de Processo Civil), podendo, além disso, o tribunal ter em conta os factos notórios, os conhecidos no exercício das suas próprias funções, os factos reveladores da existência de uso anormal do processo e ainda os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa (artigos 514º, 665º e 264º, nº 2, todos do Código de Processo Civil). Finalmente, serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste a vontade de se aproveitar de tais factos e tenha sido facultado o exercício do contraditório à parte contrária (artigo 264º, nº 3, do Código de Processo Civil).

No caso dos autos, o tribunal a quo, ao responder ao artigo 10º da base instrutória não conheceu de qualquer questão no sentido pressuposto no citado artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil, nem tão pouco conheceu de matéria que não tenha sido alegada pelas partes.

Por isso, o vício que os recorrentes afirmam existir, a existir, como é bom de ver, não integra a nulidade da sentença prevista na alínea d), do nº 1, do artigo 668º do Código de Processo Civil, podendo, quando muito, a proceder, suscitar a questão da aplicação analógica do nº 4, do artigo 646º do Código de Processo Civil à resposta que os recorrentes afirmam ter incidido sobre matéria conclusiva, integrar um erro na apreciação da prova ou ainda, eventualmente, constituir falta de motivação da resposta em causa, suprível a requerimento da parte nos termos previstos no artigo 712º, nº 5, do Código de Processo Civil.

Pelo exposto, improcede a nulidade da sentença sob censura por alegado conhecimento de questão de que o tribunal não podia conhecer.

3.2 Da impugnação das respostas aos artigos 2º, 3º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º da base instrutória

 (…)

Assim, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pelos recorrentes, apenas no que respeita a resposta ao artigo 10º da base instrutória que passa a ser negativa em vez de positiva, como se julgou em primeira instância.

3.3 Fundamentos de facto resultantes da decisão desta matéria proferida pela primeira instância na parte que este tribunal decidiu manter e da decisão deste tribunal da impugnação da decisão da matéria de facto, na parte em que procedeu, pelas razões que precedem e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1, do Código de Processo Civil)


3.3.1

P (…), na qualidade de primeiro outorgante, L (…), na qualidade de segunda outorgante e C (…), Lda, na qualidade de terceira outorgante, A (…), na qualidade de quarto outorgante, F (…), na qualidade de quinto outorgante em 16 de Dezembro de 2005, outorgaram um escrito com a epígrafe “Contrato promessa de cessão de quotas com transmissão singular de dívida”, onde consta, para além do mais, que:

Considerando que:

a) O Promitente Cedente contraiu uma dívida de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), em 20 de Agosto de 2004 – cheque numero x(...), Banco(...)– para com a sociedade da qual é sócio, C (…), Lda, dívida esta que até à presente data não foi paga;

b) Se encontram aqui reunidos os únicos sócios da sociedade C (…)Lda, identificados aquando da identificação da terceira contraente, os quais compõem a totalidade do capital social da referida sociedade e deliberaram previamente, por unanimidade reunir-se em assembleia geral de sócios da referida sociedade com a ordem de trabalhos de autorizar a cessão de quota prometida, pelo seu valor nominal, e a transmissão de dívida do sócio P (…) para a não sócia L (…), e seguidamente por unanimidade votaram que a sociedade C (…), Lda não exercerá direito de preferência na cessão de quota que o sócio P (…) pretende realizar a L (…), pelo valor nominal da mesma e que a sociedade aceita a transmissão da dívida que o sócio P (…) tem para com a sociedade no valor de 50.000,00 (cinquenta mil euros) para com L (…), ficando esta responsável pelo pagamento na sociedade, nos termos em que L (…) e P (…) venham a acordar;

É mutuamente acordado e aceite o presente contrato-promessa de cessão de quota com transmissão singular de dívida, nos termos e cláusulas seguintes;


Cláusula 1ª

O Promitente Cedente é titular de uma quota no valor nominal de 60.000,00 euros (sessenta mil euros) como seu bem próprio na sociedade identificada como a terceira Contraente.

Cláusula 2ª

Pelo presente contrato-promessa, o Promitente Cedente promete vender à Promitente Cessionária, que por sua vez lhe promete comprar com todos os direitos e obrigações inerentes, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades para com terceiros, a referida quota por preço igual ao respectivo valor nominal de 60.000, 00 euros (sessenta mil euros).

Cláusula 3ª

O preço da cessão de 60.000,00 euros (sessenta mil euros), será pago da seguinte forma:

a) 10.000,00 euros (dez mil euros) na presente data, a título de sinal e princípio de pagamento, e do qual o Promitente Cedente dá quitação;

b) 50.000,00 euros (cinquenta mil euros) na data da assinatura da escritura publica de cessão de quotas, e corresponde à assunção da dívida do sócio P (…)à sociedade identificada como Terceira Contraente pela Promitente cessionária a partir da data da realização da identificada escritura.


Cláusula 4ª

A escritura pública de cessão de quotas será celebrada até ao dia 28 de Fevereiro de 2006, em data, hora e local a designar pela Promitente Cessionária.

(…)


Cláusula 7ª

1º- O promitente cedente transmite à promitente cessionária, que aceita, a dívida de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros) que contraiu perante a sociedade W (...), Lda.

2 – A sociedade referida no número anterior aceita a transmissão singular da dívida nos termos acima exarados.

3 – A presente transmissão de dívida apenas produzirá os seus efeitos a partir da data da celebração da escritura pública de cessão de quotas, não podendo antes dessa data ser exigido qualquer pagamento.


Cláusula 8ª

O Promitente Cedente assume desde já o compromisso de renunciar à gerência no prazo de 8[1] (oito) dias a contar da data da assinatura o presente contrato-promessa.

(…) (alínea A dos factos assentes).


3.3.2

Por escritura pública, celebrada no dia 16 de Fevereiro de 2006, no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de (...), P (…)e mulher AM (…) na qualidade de primeiros outorgantes, A (…) e mulher L (…), na qualidade de segundos outorgantes, F (…) casado com A (…), na qualidade de terceira outorgante (…) declararam os outorgantes varões:

Que conforme verifiquei por uma certidão de teor de registo comercial, que me apresentaram, são os únicos sócios da sociedade comercial por quotas, “C (…) Lda”, pessoa colectiva número (...), com sede na (...), matriculada na Conservatória do registo Comercial de (...), sob o número quinhentos e três milhões oitocentos e dezassete mil novecentos e vinte e nove, com o capital social de cento e cinquenta mil euros, no qual capital o primeiro outorgante marido é titular de uma quota, do valor nominal de sessenta mil euros, como seu bem próprio.

Que em nome da referida sociedade, autorizam a cessão de quota que a seguir vai ser feita e, por si e em nome daquela mesma sociedade, renunciam ao respectivo direito de preferência.

Declarou o primeiro outorgante marido:

Que, com todos os direitos e obrigações inerentes, por preço igual ao respectivo valor nominal, que já recebeu, cede à segunda outorgante mulher a sua referida quota. (…)” (alínea B dos factos assentes).


3.3.3

Em 5 de Fevereiro de 2009, a Sra. Administradora de Insolvência enviou a A (…) e mulher L (…)  uma carta com o seguinte conteúdo:

“Venho contactá-los na qualidade de Administradora dos Processos de Insolvência supra identificados, com a finalidade de resolver o contrato de cessão de quotas da sociedade C (…) Lda celebrada por escritura de cessão de quotas de 16.02.2006 em que foi cedente o Sr. P (…) e cessionária a Srª L (…)

Esta resolução é efectuada nos termos dos art. 120° e seguintes do CIRE, e pelos seguintes motivos:

-Tal compra e venda foi um acto prejudicial à massa insolvente por ter diminuído a possibilidade de satisfação dos credores da insolvente, sendo do conhecimento de todos os intervenientes as dívidas que os agora insolventes tinham contraído, e consequentemente a situação da eminência de insolvência.

-Tais actos aproveitaram a pessoas especialmente relacionadas com os insolventes, dadas as relações existentes entre os intervenientes.

-Os intervenientes tinham consciência que estavam a prejudicar os credores dos agora insolventes, não constituindo a referida escritura uma verdadeira cessão, mas visando apenas inscrever em nome de terceiros os bens dos insolventes.

- Os valores constantes na escritura, correspondentes ao valor nominal, são valores manifestamente inferiores ao valor real das quotas.

Assim, venho por este meio declarar resolvido o acto supra mencionado, nos termos do artigo 120 e ss. do CIRE. Nos termos do artigo 126° do CIRE deve reconstituir-se a situação que existia antes do referido acto, devendo os bens transmitidos serem devolvidos, a fim de serem apreendidos no processo de insolvência” (alínea C dos factos assentes).


3.3.4

Encontra-se matriculada com o NIPC 503817929, na Conservatória do Registo Comercial de (...) a sociedade com a firma C (…), Lda. (alínea D dos factos assentes).

3.3.5

Encontram-se registados sob a Ap. 30/19970210 como sócios da sociedade referida em D): A (…) com uma quota no valor nominal de 60.000,00€, P (…)com uma quota no valor de 60.000,00 € e F (…), com uma quota no valor de 30.000,00 € (alínea E dos factos assentes).

3.3.6

Encontra-se registada pela Ap. 13/20051227 a renúncia à gerência da sociedade referida em D) por P (…) (alínea F dos factos assentes).

3.3.7

A sociedade C (…), Lda entregou a P (…), em 20 de Agosto de 2004, a quantia de 50.000,00€, através do cheque nº 8790839 sacado sobre o Banco Espírito Santo (respostas aos artigos 1º e 2º da base instrutória).

3.3.8

Em 27/04/06, L (…) entregou à sociedade C (…)Lda a quantia de €50.000,00 através do cheque nº (...), sacado sobre a G(...) (resposta ao artigo 3º da base instrutória).

3.3.9

Aquando da outorga do escrito referido em A), L (…) entregou a P (…) a quantia de €10.000,00 (resposta ao artigo 4º da base instrutória)[2].

3.3.10

À data da outorga do escrito referido em B) a quota tinha um valor de €61.121,85[3] (resposta ao artigo 5º da base instrutória).

3.3.11

As insolvências do devedor P (…)  e AM (…) foram intentadas em 27 de Março de 2008 e decretadas em 27 de Agosto de 2008 e 8 de Maio de 2008, respectivamente (alínea G dos factos assentes e factos oficiosamente conhecidos pelo tribunal a quo ex vi artigo 11º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[4]).

4. Fundamentos de direito

4.1 Do não preenchimento do requisito da má fé como pressuposto da resolução impugnada

Os recorrentes pugnam pela revogação da sentença recorrida, ainda que não seja dado provimento à sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto, pela circunstância de não estarem provados factos que evidenciem má fé dos recorrentes na cessão da quota resolvida pela Sra. Administradora da Insolvência.

Nas contra-alegações, a recorrida sustenta que cabia aos recorrentes a prova da não verificação dos pressupostos da resolução.

No que respeita esta questão, na decisão sob censura escreveu-se que o que “Aqui está em causa é demonstrar que não existiram os pressupostos que permitiriam a resolução do negócio jurídico, nomeadamente por o mesmo não ser prejudicial à massa insolvente ou por inexistir má fé das pessoas que celebraram o negócio com o insolvente.

O autor é aqui a parte que pretende impugnar a resolução e obter, como consequência, a validade do acto jurídico e dos seus efeitos. Está pois em causa a demonstração de que não ocorreram os pressupostos exigíveis para a resolução (Ac. Da RL de 9/03/10 in www.dgsi.pt).

Assim, à parte que impugna a resolução é que cabe alegar e provar todos os factos extintivos do direito de resolução (Gravato Morais, in A Resolução em benefício da massa insolvente no CIRE, pág. 167).” Mais adiante escreveu-se ainda a este propósito que no “caso em apreço, em face do supra exposto, os AA tinham de alegar, além do mais, que a cessão de quota não foi prejudicial à massa insolvente e que não existiu má fé da sua parte.

E, além de o alegar, tinham também o encargo de o provar, nos termos do art. 342º, nº 2 do Código Civil.

A questão que assim se nos coloca singelamente é a da determinação do ónus da prova no âmbito da acção de impugnação da resolução de actos prejudiciais em benefício da massa insolvente.

Não sendo assunto virgem, é sem dúvida uma matéria ainda com muitas brenhas por desbravar e onde, com propriedade, ainda que figuradamente, nos temos que embrenhar.

A resolução em benefício da massa insolvente é um instituto especial do processo de insolvência que se destina à tutela da generalidade dos credores do insolvente na medida em que permite ao Administrador da Insolvência que a eficácia[5] de toda uma panóplia de actos seja destruída, verificados que sejam certos requisitos de ordem temporal, subjectiva e objectiva[6].

É um instituto cujos antecedentes se encontram nos artigos 1168º, 1170º e 1171º, do Código de Processo Civil de 1939, nos artigos 1200º, 1202º e 1203º, do Código de Processo Civil de 1961 e nos artigos 156º, 158º e 159º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.

No regime legal vigente, em primeiro lugar, a resolubilidade de actos prejudiciais à massa insolvente apenas é viável relativamente a actos praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência (artigo 120º, nº 1, do CIRE).

Significa isto que no caso em apreço, atenta a instauração do processo de insolvência contra o insolvente a 27 de Março de 2008 (veja-se o ponto 3.3.1.11 do fundamentos de facto), que apenas podem ser resolvidos em benefício da massa actos praticados ou omitidos a partir de 26 de Março de 2004, inclusive.

Na hipótese dos autos, o acto cuja resolução foi declarada pela Sra. Administradora da Insolvência foi praticado a 16 de Fevereiro de 2006, ou seja dentro dos quatro anos anteriores ao processo de insolvência.

Os actos prejudiciais à massa são os que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência (artigo 120º, nº 2, do CIRE).

Além disso, presumem-se juris et de jure prejudiciais à massa os actos tipificados no artigo 121º, do CIRE, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos[7] aí previstos (artigo 120º, nº 3, do CIRE).

Os actos em que para efeitos de resolução em benefício da massa falida a lei presume de forma inilidível a prejudicialidade à massa insolvente são:

a) a partilha celebrada antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;

b) os actos celebrados pelo devedor a título gratuito, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;

c) a constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam;

d) a fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele;

e) a constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas;

f) o pagamento ou outros actos de extinção de obrigações ocorridos antes do seu  vencimento e cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência;

g) o pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir;

h) os actos a título oneroso realizados pelo insolvente em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;

i) o reembolso de suprimentos.

Nos casos que se acabam de enumerar, a resolubilidade do acto prejudicial à massa insolvente não carece da demonstração da má fé do terceiro interveniente no acto objecto de resolução (artigo 120º, nº 4, 1ª parte, do CIRE).

Fora destes casos, além da prejudicialidade à massa insolvente demonstrada (artigo 120º, nº 2, do CIRE) ou presumida juris et de jure (artigo 120º, nº 3, do CIRE), a resolubilidade do actos prejudiciais à massa insolvente pressupõe a má fé do terceiro, sendo essa má fé presumida juris tantum quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente[8], ainda que a relação especial não existisse a essa data (artigo 120º, nº 4, do CIRE).

O acto cuja resolução é impugnada nestes autos é uma cessão de quotas ocorrida mais de dois anos antes do início do processo de insolvência do insolvente P (…), acto que não se enquadra em nenhuma das previsões do nº 1, do artigo 121º do CIRE pelo que não é presumido juris et de jure prejudicial à massa insolvente (artigo 120º, nº 3º, do CIRE), nem beneficia da dispensa da demonstração da má fé do terceiro interveniente no acto objecto de resolução (artigo 120º, nº 4, 1ª parte, do CIRE)[9].

Salvo melhor opinião, no caso dos autos, o terceiro no negócio objecto de resolução é a contraparte no negócio de cessão de quotas, ou seja a cessionária.

A má fé para efeitos de resolução de actos em benefício da massa insolvente consiste no conhecimento pelo terceiro, à data do acto objecto de resolução, de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) de que o devedor se encontrava em situação de insolvência;

b) do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

c) do início do processo de insolvência (artigo 120º, nº 5, do CIRE).

A resolução em benefício da massa insolvente efectiva-se por carta registada com aviso de recepção, dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento do acto objecto de resolução[10] e nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência (artigo 123º, nº 1, do CIRE). Porém, sempre que o negócio não esteja cumprido, a resolução pode ser declarada, sem dependência de prazo, por via de excepção (artigo 123º, nº 3, do CIRE)[11].

Finalmente, a resolução de actos prejudiciais à massa insolvente pode ser impugnada pela contraparte no negócio resolvido mediante acção a propor contra a massa insolvente, no prazo de seis meses, sob pena de caducidade, acção que correrá seus termos por apenso ao processo de insolvência (artigo 125º, do CIRE).

Rememorados os quadros legais essenciais à dilucidação da magna questão objecto do recurso em apreciação, avancemos um pouco mais, desta feita situando-nos no campo do ónus da prova.

No nosso direito positivo, em termos gerais, compete àquele que invoca um direito, a alegação e prova dos factos constitutivos desse direito (artigo 342º, nº 1, do Código Civil)[12], competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos àquele contra quem é invocado o direito (artigo 342º, nº 2, do Código Civil), sendo que em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (artigo 342º, nº 3, do Código Civil).

Porém, o nosso direito civil, além de algumas previsões avulsas sobre a repartição do ónus da prova (vejam-se por exemplo os artigos 487º, nº 1 e 799º, nº 1, ambos do Código Civil), tem também algumas regras especiais, nomeadamente no que respeita as acções de simples apreciação ou declaração negativa, caso em que compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (artigo 343º, nº 1, do Código Civil).

O direito de resolução é um direito potestativo de natureza extintiva e, tratando-se de resolução em benefício da massa insolvente, o seu nascimento depende do preenchimento dos requisitos legais que antes se expuseram. Dito de outro modo: a massa insolvente só tem o direito de resolver actos em seu benefício desde que se preencham os requisitos que antes se expuseram de forma sumária.

No caso em apreço, o acto de cessão de quota, porque ocorrido dentro dos quatro anos anteriores ao início do processo de insolvência, é um acto resolúvel em benefício da massa insolvente desde que se demonstre a sua prejudicialidade, porquanto não beneficia da presunção prevista no nº 3, do artigo 120º do CIRE e a má fé da cessionária, desta feita porque não se trata de pessoa especialmente relacionada com o insolvente e, além disso, porque o acto em causa foi praticado mais de dois anos antes da instauração do processo de insolvência (artigo 120º, nº 4, do CIRE).

Se o nascimento do direito potestativo de resolução do acto em benefício da massa insolvente depende dos referidos pressupostos legais, dir-se-á, de forma expedita, que o ónus da prova dos mencionados requisitos legais necessários àquele nascimento compete à massa insolvente[13], pois é esta entidade que invoca o direito potestativo extintivo a seu favor e que o pretende fazer valer em face da contraparte no negócio resolvido.

A questão que se pode colocar é a de saber se a circunstância da resolução ser declarada por via extrajudicial e de ser atacada por via de impugnação judicial altera os dados da questão.

A resposta à questão que se acaba de enunciar implica, antes de mais, que se qualifique juridicamente a acção de impugnação da resolução de acto em benefício da massa insolvente.

No seu figurino geral[14], a impugnação, como até o próprio nome indica, visará a negação dos factos invocados pelo Administrador da Insolvência para fundamentar a resolução que extrajudicialmente declarou. Neste circunstancialismo, parece que a qualificação azada a esta acção é a de mera apreciação negativa, na medida em que no referido figurino geral visará tão-só a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência (artigo 4º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil).

Na acção de impugnação, o impugnante está apenas, de modo antecipado, a exercer o seu direito à contraprova (artigo 346º do Código Civil), alegando factos que constituem negação dos factos invocados como fundamento do direito de resolução exercido pelo administrador da insolvência ou, noutra vertente, articulando factos extintivos do mesmo direito de resolução.

Na decisão recorrida, na senda de alguma jurisprudência[15] e de um autor[16], sustenta-se que cabe aos impugnantes a demonstração da inexistência de prejuízo para a massa insolvente e de má fé da sua parte, olvidando-se quer a natureza da acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, quer ainda a natureza de simples contraprova das alegações de inexistência de prejudicialidade no acto resolvido[17] ou da má fé por parte do terceiro interveniente no acto objecto de resolução, neste último caso sempre que o autor da resolução não beneficie de uma presunção legal juris tantum de má fé[18].

Ora, a alegação de inexistência de prejuízo para a massa insolvente ou a inexistência de má fé da contraparte no negócio objecto de resolução não constituem factos extintivos do direito de resolução, mas antes a impugnação dos factos invocados para fundamentar o exercício do direito de resolução pelo administrador da massa insolvente.

Só se pode falar de um facto extintivo de um direito quando previamente existem um ou vários factos constitutivos que originaram esse direito.

É manifesto que a alegação da inexistência de prejudicialidade ou de má fé não constituem factos extintivos do direito de resolução, sendo antes a negação dos factos necessários ao nascimento do direito de resolução que por via extrajudicial foi exercido pelo administrador da insolvência.

A inexistência de prejudicialidade ou de má fé alegadas pelo impugnante, a provarem-se, não determinam a extinção de um direito potestativo, antes contendem com o nascimento desse direito, pois integram a negação dos factos constitutivos daquele direito.

Se o nascimento desse direito potestativo depende da prejudicialidade do acto e da má fé do terceiro, a alegação da inexistência de prejudicialidade ou de má fé não constitui qualquer facto impeditivo do nascimento do direito em apreço. É que em tal caso não se trata de defesa por excepção peremptória, mas antes e simplesmente de uma defesa por impugnação antecipada que pode ou não ser motivada[19].

Na verdade, tais alegações, ainda que envolvam a alegação de factos novos, o que sucede em regra na impugnação motivada, caso se provem, não obstam à produção ab initio dos efeitos jurídicos próprios do direito de resolução[20], antes contendem com o próprio nascimento do direito em apreço[21].

Assim, por tudo quanto precede, dissentimos em absoluto da posição assumida na decisão recorrida quanto à repartição do ónus da prova, porquanto sustentamos que compete ao administrador da insolvência a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de resolução que exerceu, sem prejuízo do que decorre do princípio da aquisição processual (artigo 515º do Código de Processo Civil).

Apreciemos agora a factualidade provada em ordem a determinar se estão demonstrados os factos necessários à constituição ou nascimento do direito de resolução que nestes autos se impugna.

O acto cuja resolução extrajudicial foi declarada pela Sra. Administradora da Insolvência foi praticado a 16 de Fevereiro de 2006, ou seja mais de dois anos antes do início do processo de insolvência do insolvente (27 de Março de 2008) e dentro dos quatro anos anteriores ao mesmo processo.

O acto é assim abstractamente resolúvel.

A cessão de quota objecto de resolução, como já analisámos anteriormente, não integra nenhum dos actos previstos no artigo 121º, nº 1, do CIRE, pelo que só assistirá o direito de resolução à massa insolvente se se demonstrar a prejudicialidade do acto (artigo 120º, nºs 1 e 2, do CIRE) e a má fé do terceiro interveniente no acto resolvido (artigo 120º, nºs 4 e 5, do CIRE). 

Se a matéria provada no ponto 3.3.10 dos fundamentos de facto será bastante para integrar o requisito da prejudicialidade, pois que se provou que a quota foi cedida por um preço inferior ao valor que tinha (o preço declarado da cessão foi de sessenta mil euros e a quota teria então o valor de sessenta e um mil e cento e vinte euros e oitenta e cinco cents), já não se divisa na factualidade provada matéria que permita concluir que a impugnante e cessionária agiu de má fé.

Este défice factual vem de longe, pois radica nos próprios articulados, já que na contestação foi omitida a alegação de factos integradores de má fé por parte da cessionária.

Ainda que não se tivesse alterado a decisão da matéria de facto e se mantivesse a resposta ao artigo 10º da base instrutória, sempre a acção estaria votada ao sucesso, na medida em que a massa não alegou factos integradores da má fé da cessionária, pois que os factos constantes daquela resposta apenas se prendiam com a intenção do insolvente, não resultando que a finalidade aí descrita fosse comum à cessionária.

Os impugnantes peticionaram a revogação da resolução da cessão da quota celebrada por escritura pública a 16 de Fevereiro de 2006, no primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de (...), em que foi cedente P (…)s e cessionária L (…).

Não está legalmente prevista a revogação do acto de resolução em benefício da massa insolvente. Significa isto que a pretensão dos impugnantes improcede?

Não o cremos. O que os impugnantes visivelmente pretendem com o pedido final que formularam é que a resolução que impugnaram deixe de produzir efeitos jurídicos. Este é o efeito prático visado pelos impugnantes e o tribunal deve declará-lo, não obstante a impropriedade da qualificação invocada (artigo 664º do Código de Processo Civil)[22].

Por tudo quanto ficou exposto, conclui-se que a presente acção de impugnação procede porquanto a massa insolvente não logrou demonstrar os factos constitutivos do direito de resolução que exerceu extrajudicialmente e, em consequência, fica sem efeito a resolução da cessão de quota celebrada por escritura pública a 16 de Fevereiro de 2006 e decretada extrajudicialmente por carta datada de 05 de Fevereiro de 2009, mantendo-se a eficácia do negócio resolvido.

5. Dispositivo

Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto por L(…)e A (…) nos seguintes termos:

a) julga-se parcialmente procedente por provada a impugnação da decisão da matéria de facto, julgando-se não provado o artigo 10º da base instrutória, mantendo-se, no mais, a decisão da matéria de factos nos segmentos impugnados;

b) julga-se procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença sob censura que se substitui por decisão que julga provada a impugnação da resolução da cessão da quota em benefício da Massa Insolvente de P (…)e de AM (…) realizada por escritura pública a 16 de Fevereiro de 2006, no primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de (...), em que foi cedente P (…)e cessionária L (…) e decretada extrajudicialmente por carta datada de 05 de Fevereiro de 2009, ficando assim sem efeito a referida resolução em benefício da massa insolvente;

c) custas da acção e do recurso a cargo da massa insolvente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


***

Carlos Gil ( Relator )

Fonte Ramos

Carlos Querido



[1] E não 3, como consta da matéria assente, por patente lapso.
[2] A audição de toda a prova produzida permitiu-nos detectar nítidas contradições nos depoimentos produzidos pelas testemunhas (…), contradições que retiram credibilidade a estes depoimentos confirmativos desta matéria dada como provada. Porém, esta resposta não foi impugnada e extravasa claramente do objecto do recurso, não estando sequer em relação de implicação com as respostas impugnadas pelos recorrentes, pelo que este tribunal não pode oficiosamente proceder à sua alteração.
[3] Esta resposta excede claramente a matéria quesitada, pois o que era perguntado era: “À data da outorga do escrito referido em A) a quota aí referida tinha um valor não superior a 60.000,00€?”. Por isso, provando-se que o valor da quota era aquele que o tribunal a quo relevou, a resposta a este artigo só podia ser negativa. Porém, esta resposta não foi impugnada pelos recorrentes e situa-se claramente fora do objecto do recurso, estando por isso vedado o controlo oficioso desta matéria por este tribunal da Relação.
[4] Doravante citado abreviadamente como CIRE.
[5] A resolução contende com a eficácia do acto e não com a sua validade como se sustenta no segundo parágrafo da decisão sob censura supra citado. Embora a resolução negocial seja equiparada nos seus efeitos à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (artigo 433º do Código Civil), do que se trata é da cessação, em regra retroactiva, dos efeitos do negócio resolvido e não da invalidação do mesmo negócio por força da verificação de factos impeditivos da produção dos efeitos do negócio objecto de resolução. Como ensinava Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, 4ª reimpressão, Almedina 1974, página 411, na terminologia do Código Civil de Seabra “a nulidade é apenas a ineficácia que procede da falta ou irregularidade de qualquer dos elementos internos ou essenciais do negócio.” Sobre a mesma questão veja-se ainda Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida Editora 1967, F. Santoro- Passarelli, páginas 150 a 152 e 220.
[6] Trata-se de uma solução especial para tutela da generalidade dos credores do insolvente, porquanto, não fora a previsão constante do CIRE, de acordo com as regras gerais, na generalidade dos casos, a resolução negocial não seria legalmente viável (vejam-se os artigos 432º, 437º e 801º, nº 2, do Código Civil). É que, como ensina Pedro Romano Martinez in Da Cessação do Contrato, 2ª edição, Almedina 2006, página 67, a “resolução do contrato é um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral e encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei ou depende de convenção das partes.”
[7] Em nossa opinião, este segmento da previsão não afasta o prazo geral de resolubilidade previsto no nº 1, do artigo 120º do CIRE, mas apenas os prazos que vêm previstos nas diversas alíneas do nº 1, do artigo 121º do CIRE.
[8] O CIRE define o que são pessoas especialmente relacionadas com o devedor no artigo 49º, do CIRE. Assim, são “havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoas singular: a) O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior; c) Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor; d) As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência” (artigo 49º, nº 1, do CIRE). Pelo que antecede, bem se vê que a cessionária não era uma pessoa especialmente relacionada com o devedor para efeitos do CIRE.
[9] Terceiro será aquele que é directamente afectado pela resolução do negócio em benefício da massa falida, por ser parte no negócio objecto de resolução.
[10] O conhecimento do acto não se basta, em nosso entender, com o simples conhecimento da realização do acto cuja eficácia se pretende atacar mediante a resolução, mas requer também o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do acto em causa em benefício da massa insolvente. A não se fazer esta interpretação, poderia caducar o direito de resolução do acto sem que ainda se tivesse conhecimento do preenchimento dos pressupostos legais necessários para a resolução em benefício da massa insolvente.
[11] Críticos quanto à solução legal da restrição à invocação por via de excepção da resolução do acto prejudicial à massa insolvente, quando se trate de negócio ainda não cumprido, veja-se, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris 2008, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, páginas 438 e 439, anotação 5.
[12] No entanto, quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que a presunção legal conduz, apenas tendo que alegar e provar os factos integradores da presunção. No caso em apreço, isto significa que nos casos de prejudicialidade presumida, apenas será necessário alegar e provar os factos que a lei considera fazerem presumir juris et de jure aquela prejudicialidade.
[13] Neste sentido, quanto à prejudicialidade e à má fé do terceiro veja-se, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina 2008, Fernando de Gravato Morais, páginas 54 e 69.
[14] De facto, a impugnação poderá não se cingir a este figurino geral, mas poderá também abarcar factos extintivos do direito de resolução exercido pelo administrador da insolvência, como seja, por exemplo, a caducidade desse direito potestativo por ter sido exercido para além dos seis meses em que foi conhecido o acto objecto da resolução, ou por terem decorrido mais de dois anos sobre a data da declaração da insolvência (artigo 123º, nº 1, do CIRE).
[15] Vejam-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 24 de Setembro de 2009, relatado pelo Sr. Desembargador António Valente, no processo nº 725/06.7TBTVD-I.L1-8 e de 09 de Março de 2010, relatado pelo Sr. Desembargador Pires Robalo, no processo nº 520/06.3TBLNH-F.L1-7, ambos acessíveis no site da DGSI.
[16] Veja-se, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina 2008, Fernando de Gravato Morais, página 167, que começa por referir, de forma correcta, a nosso ver, que cabe ao impugnante o encargo de provar todos os factos extintivos do direito de resolução invocado, para depois afirmar, inexplicavelmente e em contradição com o que anteriormente afirmara na página 54, que compete ao impugnante a demonstração de que o acto não foi prejudicial à massa insolvente.
[17] Esta qualificação pressupõe obviamente que a resolução impugnada não beneficia da presunção juris et de jure de prejudicialidade prevista no artigo 120º, nº 3, do CIRE.
[18] Nesta última hipótese, o impugnante não se poderá cingir a uma simples contraprova (artigo 346º do Código Civil), estando obrigado a produzir prova do contrário, em ordem a ilidir a presunção legal juris tantum de má fé (artigos 120º, nº 4, do CIRE e 350º, nº 2, do Código Civil).
[19] Sobre a distinção da defesa por impugnação da defesa por excepção, veja-se, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, Manuel A. Domingues de Andrade, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, páginas 127 a 132.
[20] Assim seria o caso se fosse invocada a falta de observância da forma legal na resolução declarada pelo administrador da insolvência.
[21] No sentido que nos parece correcto em termos de repartição do ónus da prova, veja-se, ainda que de forma assertiva, o acórdão do Tribunal de Guimarães de 05 de Novembro de 2009, relatado pela Sra. Desembargadora Conceição Bucho, no processo nº 5583/05.6TBBCL.G1, acessível no site da DGSI.
[22] A aferição do pedido em função do efeito prático visado serviu de base à solução sustentada no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 4/2001, publicado no Diário da República, I-A, nº 57, de 08 de Março de 2001.