Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1346/10.5TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: BENFEITORIA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
FACTO CONSTITUTIVO
Data do Acordão: 09/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 216.º, N.º 3; 479.º; 480.º;1252.º, N.º 2; 1253.º; 1273.º, 1 E 2 DO CC
Sumário: 1. Cabe ao possuidor, de boa ou má-fé, o direito ao levantamento das benfeitorias úteis ou, quando haja detrimento da coisa objecto da posse, ao seu valor, este apurado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
2. Perante o direito à restituição do valor de uma benfeitoria, são elementos tipicamente constitutivos do direito atribuído ao empobrecido a alegação e prova dos factos que consubstanciem o montante despendido ou perdido pelo autor da benfeitoria, ou seja, a medida do empobrecimento.
3. O recurso a presunções meramente judiciais, a juízos de equidade, nos termos do artigo 566.º, nº 3 do CC, ou ao incidente de liquidação, nos termos do artigo 661, nº 2, não permitem suprir a falta de alegação de tal matéria.
Decisão Texto Integral:

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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A.....propôs no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar uma acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra B.....pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 125.000,00 a título de benfeitorias levadas a cabo pela A. em determinado imóvel.
Para tanto, alega:
Casou com o R. em 23 de Novembro de 1978 e dele veio a divorciar-se, o que deu lugar à instauração de inventário para partilha das respectivas meações no 3º Juízo do mesmo Tribunal Judicial da Comarca de Tomar; nesse inventário foi proferido despacho a remeter os interessados para os meios comuns no que concerne ao crédito da A. por benfeitorias efectuadas em prédio que é bem próprio do R.; durante o casamento, A. e R. procederam à demolição de uma velha casa existente nesse prédio, tendo construído e implantado nesse local uma moderna moradia com piscina, para a qual foram habitar no ano de 1986; as obras de construção de tal moradia foram custeadas com os rendimentos do casal, que as realizaram por administração directa; uma vez que o valor actual da edificação é de € 250.000,00, tem a A. a haver do R., a título de benfeitorias, metade do valor total das obras.

Citado contestou o R. dizendo que só se tornou proprietário da casa em 1998 por doação de seus pais; que foram estes que exclusiva e integralmente custearam as obras de construção da moradia que A. e R. viriam a habitar a partir de 1986 até ao abandono do lar pela A. em 2007, que para aquelas obras em nada contribuiu; que o valor das mesmas deve ser sempre determinado pelas regras do enriquecimento sem causa, o que implica o conhecimento do valor acrescentado ao terreno e o que a A. gastou na construção. Termina com a improcedência da acção.

Replicou a A. aduzindo que A. e R. dispuseram do terreno onde construíram a nova casa como se possuidores dele fossem, tratando da documentação necessária. No mais, reitera factualidade já vertida na petição, rematando como no pedido inicial.

A final veio a acção a ser julgada procedente por provada e, em função disso, condenou-se o R. B.....a pagar à A. a importância de € 120.000,00.

Inconformado, desta decisão interpôs recurso o Réu, recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

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São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância, sem impugnação:

A - A Autora, A.....e o Réu B.....contraíram casamento católico em 23 de Dezembro de 1978, sem convenção antenupcial (alínea A) da matéria assente);
B - O casamento celebrado entre autora e réu foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 3 de Dezembro de 2008, transitada em julgado em 15 de Janeiro de 2009 (alínea B) da matéria assente);
C - Encontrava-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 2611/240398, o prédio misto sito em “Casal das Aboboreiras”, Estrada das Aboboreiras, freguesia de Olalhas, Tomar, composto por casa de habitação de 64 m2 e logradouro de 736 m2 e terra de olival, citrinos e construção rural, com a área de 7.520 m2, a confrontar a Norte com Zulmira Ribeiro Ferreira Lopes, a Sul com Álvaro Teles, a Nascente com ribeiro, e a poente com estrada, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 1064 e na matriz predial rústica sob o artigo o n.º 97, Secção H, formado pelo n.º 37.619, B 95 e por prédio não descrito (alínea C) da matéria assente);
D - Pela Ap. 10/010698, Av. 1, o referido prédio passou a estar descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar nos seguintes termos: Casa de habitação com a área de 64 m2 e logradouro com a área de 736 m2, casa de habitação de r/chão e 1º andar com a área de 169 m2, e terra de Olival e citrinos, com a área de 7.351 m2, inscrito na matriz predial urbana sob os artigos nºs 1064 e 1644 e na matriz predial rústica sob o artigo n.º 97, Secção H (alínea D) da matéria assente);
E - Encontra-se inscrita pela Ap. 24/240398, a aquisição do referido prédio a favor de …., c. c. …., na Comunhão Geral, por partilha da Herança aberta por óbito de …., casada com …., e doação de ….. (alínea E) da matéria assente);
F - Por escritura pública lavrada a 28 de Abril de 1998, no 1.º Cartório Notarial de Tomar, Irene Nunes e seu marido, …., que também usa o nome de …., declararam doar, com reserva para si de usufruto simultâneo e sucessivo, ao seu filho, …., que declarou aceitar, o prédio misto sito em Casal das Aboboreiras, freguesia de Olalhas, concelho de Tomar, composto de casa de habitação com 64 m2 e logradouro com 736 m2, e terra de olival, citrinos e construção rural com 7520 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º 2611, registado a favor dos doadores pela inscrição G-1, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1064 e na matriz predial rústica sob o artigo 97, secção H (alínea F) da matéria assente);
G - Encontra-se inscrita pela Ap. 09/010698, a aquisição do referido prédio a favor de B.....c. c. A.....Reis, por doação (alínea G) da matéria assente);
H - Encontra-se inscrita pela Ap. 09/010698, a aquisição do usufruto, a extinguir no todo à morte do último que sobreviver, a favor de … e marido …., por reserva doação (alínea H) da matéria assente);
I - Encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº 2002, desde 1998, a casa de habitação referida em D), que proveio do antigo artigo matricial 1664, situado no lugar de Aboboreiras, freguesia de Olalhas, em Tomar (alínea I) da matéria assente); Porém, na Conservatória do Registo Predial mantém-se a referência ao artigo urbano 1644, que agora já não existe (alínea J) da matéria assente);
J - A casa tem a área coberta de 169 m2, e é composta por rés-do-chão, primeiro andar com varanda e sótão (alínea L) da matéria assente);
K - A moradia possui a nível do Rés-do-chão uma divisão, uma cozinha, marquise, uma casa de banho, um corredor e uma garagem (alínea M) da matéria assente);
L - A nível inferior à cozinha do rés-do-chão existe uma meia cave que serve de despensa e arrumos (alínea N) da matéria assente);
M - No primeiro andar, existem quatro divisões assoalhadas, uma casa de banho, um hall, uma cozinha, uma marquise e uma varanda com gradeamento em ferro (alínea O) da matéria assente);
N - O sótão, que está dividido, é composto por dois quartos, uma sala, casa de banho e arrumos (alínea P) da matéria assente);
O - A casa possui um acesso exterior ou escadaria que se desenvolve em curva, do rés-do-chão para o primeiro andar, possuindo também acesso ao interior da casa pela porta a nível do rés-do-chão e pela traseira do mesmo prédio (alínea Q) da matéria assente);
P - Como resulta da fotografia, a construção é em estrutura de betão armado, com paredes duplas de alvenaria de tijolo com caixa-de-ar, rebocado e pintado, com caixilharia de alumínio e estore de pvc, sendo a estrutura da cobertura em vigas de pré esforçado, cobertas a telha lusa (alínea R) da matéria assente);
Q - A casa está murada junto à estrada, com um muro de betão pintado a branco e onde existe um portão em ferro, de acesso ao quintal, de duas folhas, com uma largura de cerca de 3,50 metros e outro portão de correr, em ferro, de acesso à garagem (alínea S) da matéria assente);
R - Os réus construíram igualmente uma piscina rectangular, em betão armado, revestida no seu interior a azulejo com as dimensões de cerca de 10m por 6m (alínea T) da matéria assente);
T - Tal piscina, que é rampeada, desenvolve-se entre uma altura máxima de cerca de 1,80 até 1 metro (alínea U) da matéria assente);
U - Circundando a piscina, foi colocado um rebordo em pedra, branco, com cerca de 0,60m de largura (alínea V) da matéria assente);
V - A dita piscina está implantada num relvado também criado para embelezar o conjunto, e a proteger a privacidade daquele local e a delimitá-lo existe uma sebe também plantada (alínea X) da matéria assente);
X - Com o consentimento dos proprietários do prédio, seus pais e na perspectiva de ali instalarem a sua residência, o réu iniciou a demolição e a reconstrução do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1644, sito no lugar de Aboboreiras, freguesia de Olalhas, concelho de Tomar (resposta ao nº 1 da base instrutória);
Z - Após o seu casamento, a autora e o réu viveram durante um período não concretamente apurado, mas num período de cerca de 6 anos, na Barragem de Bouçã (resposta ao nº 2 da base instrutória);
AA - A autora e o réu mandaram proceder à demolição de uma casa velha existente no prédio urbano inscrito na matriz 1644 da freguesia de Olalhas e aí foram implantando a vivenda murada com piscina referida em I) e L) da matéria assente (resposta ao nº 3 da base instrutória);
AB - Autora e réu foram habitar aquela vivenda no ano de 1986 (resposta ao nº 4 da base instrutória);
AC - Mas as obras na referida vivenda prolongaram-se até 1998 (resposta ao nº 5 da base instrutória);
AD - A autora e réu viveram nessa casa até há cerca de quatro ou cinco anos (resposta ao nº 6 da base instrutória);
AE - A autora agia como se aquela fosse a casa do casal constituído por si e pelo réu (resposta ao nº 7 da base instrutória);
AF - As referidas obras foram custeadas com o dinheiro do casal (resposta ao nº 8 da base instrutória);
AG - A autora e o réu, ao realizarem tais obras, fizeram-nas na convicção de que não lesavam, direitos de terceiros (resposta ao nº 9 da base instrutória);
AH - O valor actual da referida moradia ascende a 240.000,00 euros (duzentos e quarenta mil euros).

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A apelação.

A nulidade da sentença por condenação em objecto diverso do pedido (art.º 668, nº 1, alínea e) do CPC);
A ausência de elementos para a determinação do valor das benfeitorias a que a A. teria direito, por falta de oportuna alegação, quer do montante em que as obras para ela importaram (custo para o empobrecido), quer do valor que o prédio teria sem o empreendimento das mesmas (patamar do enriquecimento).

A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção do sentenciado.


Sobre a nulidade da sentença.

Entende o apelante que a sentença é nula por ter condenado o R. a pagar metade do valor da casa quando o que se pedia era a condenação no valor de metade do valor das benfeitorias.
Mas não é isso que sucede.

Desde logo não é exacto dizer-se que a sentença haja condenado o R. a pagar “metade do valor da casa”. Condenou-o sim, no pagamento de uma quantia certa.
Ora a A. pediu a condenação do R. a pagar-lhe a importância de € 125.000,00 por considerar que lhe seria devida a título de benfeitorias. Para todos os efeitos, o único alcance útil do pedido é o de provocar a condenação do R. no pagamento de uma mera soma pecuniária, não relevando a qualificação do fundamento dessa condenação. Nesse sentido, a sentença limita-se condenar o R. a pagar à A. parte dessa soma pecuniária: “condeno o réu…a pagar à autora …a importância de 120.000,00”. Se condena o R. com fundamentação diversa isso é já problema que contende como o julgamento e o enquadramento da factualidade apurada nos institutos tidos por aplicáveis. Mas nada tem que ver com uma discrepância entre o objecto do pronunciamento e o objecto da pretensão.
Daí que se não verifique a condenação em objecto diverso, e, consequentemente, a nulidade invocada, improcedendo esta questão.


Sobre ausência de factos necessários ao balizamento do crédito de que a A. se arroga, baseado em benfeitorias operadas no prédio em causa.

Dissente o recorrente da sentença por entender que esta não podia ter dado por preenchidos os requisitos do crédito de benfeitorias da A. e, em função disso, condená-lo no pagamento de metade do valor da casa que delas surgiu.
Há que desde já fazer notar que a decisão recorrida cai numa ambiguidade total quando trata de expor o enquadramento institucional do direito da A.
Com efeito, ao abordar a precisa fonte obrigacional que fundamentaria a procedência do pedido de condenação do R., elaborou a sentença nos seguintes moldes:
“Assim, não se podendo concluir pela acessão industrial, sempre como benfeitoria aquela casa de habitação teria de ser considerada, e como benfeitoria útil que, não podendo ser levantada, confere ao possuidor de boa fé o direito a uma indemnização.
Ora, face às respostas dadas aos nºs 4; 6 e 7 da base instrutória, não restam dúvidas acerca da posse da autora sobre a sua casa de morada de família e onde residiu durante cerca de vinte anos, enquanto se manteve casada com o réu, nem a sua boa fé, atento o teor da resposta ao nº 9 da base instrutória.
De qualquer modo, tendo a casa sido construída com dinheiro de ambos, mesmo que não seja por acessão industrial imobiliária, de acordo com as regras já mencionadas nos artigos 1723º, al. c) a contrário e 1724º do C. Civil, sempre a autora se teria tornado comproprietária desta moradia.
E, mesmo que assim não se entendesse, sempre restaria o instituto de enriquecimento ser causa para regular esta questão.
De qualquer forma, tendo esta obra sido levada a cabo com o dinheiro de ambos os cônjuges e não havendo qualquer documento assinado por ambos de que resulte coisa diferente, a autora terá a haver metade do valor da casa, ou seja, 120.000,00 euros (cento e vinte mil euros).”
Não se percebe, pois, o que, para a decisão, justifica a dívida do R. (ou o crédito da A.).
Ou seja, fica sem se saber se o que se quis significar foi que o direito da A. radicaria no direito a haver o valor da benfeitoria com base na qualidade de possuidora de boa (do terreno); ou se ela teria adquirido autonomamente um direito de compropriedade sobre a casa (prédio urbano com a configuração física decorrente das obras) por mero efeito das regras do regime comunhão; ou se o seu direito a metade do valor da casa emerge tão só do instituto do enriquecimento sem causa; ou, finalmente, se haveria mesmo qualquer outro instituto - agora não concretamente explicitado - a legitimar e alicerçar o direito de crédito em apreço.
Importa, assim, traçar com clareza o quadro legal em que o direito que vem exercitado na acção se deve movimentar.

Com relevo para a definição desse quadro, destaca-se a seguinte factualidade:

A. e R. foram casados no regime supletivo da comunhão de adquiridos entre 1978 e 2009, tendo o respectivo casamento sido dissolvido por divórcio;
B. Com o consentimento dos pais, então proprietários, na perspectiva de ali instalarem a sua residência, o R. iniciou a demolição do prédio urbano inscrito sob o artigo 1644 da freguesia de Olalhas, em Tomar.
C. A. R. mandaram proceder à demolição referida e ali foram implantando uma moradia murada com piscina, que passaram a habitar em 1986, apesar de as obras se terem prolongado até 1998, mantendo-se até 2005-2006 (4 anos antes da propositura da acção).
D. Agindo como se aquela fosse a casa do casal.
E. Sendo as obras custeadas por dinheiro do casal.
F. Em 1998 os pais do R. doaram-lhe o prédio misto composto de casa de habitação, logradouro e parte agrícola, inscrito sob os art.ºs 1064 urbana e 97 rústico, secção H.
G. A casa de habitação correspondente ao art.º 1664 urbano veio a dar lugar ao artigo 2002 urbano da dita freguesia de Olalhas, concelho de Tomar.

Concorda o recorrente com a qualificação das obras levadas a cabo por A. e R. no local onde esteve implantada a casa de habitação que integrava o artigo urbano 1644 de Olalhas, Tomar, como benfeitorias.
Apesar da ambiguidade já realçada, também parece ter sido esta a orientação da sentença recorrida, na esteira da convergência que nesse particular já defluía das posições das partes nos articulados. Donde que, em não se podendo ver aqui uma verdadeira questão do recurso, não se justifique agora especial excurso doutrinal ou jurisprudencial, naturalmente vocacionado para a indagação ou confirmação da propriedade ou genuinidade da aplicação do conceito ao caso concreto, maxime no que concerne à nem sempre fácil distinção da figura da acessão imobiliária, cujos contornos, aliás, nunca chegaram a concitar sólida ou pacífica adesão Como é sabido, desde o Código de Seabra que se vem debatendo a marca decisivamente diferenciadora entre benfeitoria e acessão imobiliária, tendo sido triunfante, no domínio daquele diploma, a fileira dos que colocavam o acento tónico da acessão na natureza substantivamente inovatória das obras, no que se refere à identidade da coisa em que se produziam - a tendência objectivista, encabeçada por Manuel Rodrigues e, de certo modo, também por Manuel de Andrade, em boa parte sustentada no art.º 2306 daquele Código, que também requeria a prova da posse para a acessão. Com o Código de 1966 veio no entanto a ganhar força, com o novo desenho da acessão decorrente do respectivo art.º 1340, a tendência subjectivista, que punha agora em destaque a inexistência no instituto da acessão de uma relação ou vínculo jurídico entre o autor da intervenção e a coisa beneficiada. Disto nos dá justamente conta o Cons. Quirino Soares, no seu Estudo sobre Acessão e Benfeitorias, in CJ, Ano IV, T. I, p. 11 e seguintes, autor que embora aplauda os termos da dicotomia estabelecidos por P. Lima e Antunes Varela, defende, no entanto, que sempre que esteja em causa uma mera relação real de posse, não compreendendo um vínculo bilateral mas antes universal, “a acessão ocupará o regime das benfeitorias sempre que, por efeito daquela, se opere a aquisição pelo interventor do domínio da coisa incorporadora.”
No caso vertente, ainda se poderia dizer que também a A. teria de certa forma um vínculo jurídico, aqui de natureza não universal em relação ao prédio em que foram incorporadas as obras, se resultasse da factualidade provada ser casada com o proprietário desse prédio, uma vez que, por si só, esse estatuto lhe permitiria fruir plenamente todas as utilidades que aquele lhe podia proporcionar, ao ponto de, inclusivamente, até poder bloquear a respectiva alienação, porquanto esta careceria do seu consentimento (como resulta do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 1682.º-A do Código Civil). Porém, da conjugação da resposta ao nº 1 da b.i. e da alínea F da matéria assente nem sequer pode extrair-se a ilação de que a doação feita ao R. em 28/04/98 abrangeu o artigo urbano 1644, de que os donatários eram donos, correspondente à velha casa demolida, mas antes e só que nessa doação foi doado o urbano 1604.

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Indiscutida e assente a natureza das obras como benfeitorias - e dentro desta a sua catalogação como úteis, uma vez que não foi polemizado o acrescento de valor que foi conferido ao terreno incorporador, de acordo como o disposto no nº 3 do art.º 216 do CC - olhemos para a matéria apurada procurando descortinar os pressupostos de que a lei faz depender o ressarcimento do benfeitor.
Não havendo naquela factualidade a evidência de no momento da efectivação das obras ter existido uma relação ou vínculo obrigacional a ligar a A. (e o R.) aos proprietários da casa demolida e ao terreno que adveio dessa demolição, verifica-se no entanto a manifestação de um poder de facto por A. e R. - traduzido, primeiramente, na demolição da antiga casa e, posteriormente, na execução das obras e na instalação da residência na moradia entretanto construída - o qual, no demais contexto dos autos, que exclui situações como as que vêm identificadas nas várias alíneas do art.º 1253 do CC., nos vai conduzir à presunção de uma posse em nome próprio (art.º 1252, nº 2 do CC).
Cabe ao possuidor, de boa ou má fé, o direito ao levantamento das benfeitorias úteis ou, quando haja detrimento da coisa objecto da posse, ao seu valor, este apurado segundo as regras do enriquecimento sem causa, de harmonia como o estatuído nos nºs 1 e 2 do art.º 1273 do CC. É que estruturalmente as benfeitorias integram uma despesa - art.º 216, nº 1 do CC - e como tal terão de ser calculadas sempre que não possam ser reavidas em espécie.
Sendo incontroverso que as obras alegadas pela A. - e as que vieram a ser plasmadas no provado de K a V - não podem ser recuperadas sem destruição do prédio, somos por essa via remetidos para a disciplina específica do enriquecimento, especialmente constante dos art.ºs 479 e seguintes do CC.
Face ao que se mostra exigido pelos art.ºs 479 e 480 e ss. do C.C o objecto da restituição A expressão restituição afigura-se-nos, de resto, mais consentânea ou adequada à ideia de reposição de um desvio ou deslocação patrimonial injustificados, como é aquela que explica o direito do possuidor ao valor das benfeitorias. A expressão “direito a ser indemnizado” que aparece utilizada para as benfeitorias no nº 1 do art.º 1273 do CC surge-nos como incongruente porquanto a indemnização é um efeito reconstitutivo que a lei conexiona com a produção de um dano (cfr. o art.º 562 do CC). tem o seguinte conteúdo:
1. Deve ser determinado o que foi obtido à custa do empobrecido, isto é, a medida do empobrecimento, que equivale ao dispêndio ou perda patrimonial efectivamente sofrida pelo benfeitor;
2. A medida do empobrecimento do autor da benfeitoria tem como limite máximo a medida do locupletamento ou enriquecimento auferido pelo beneficiado.
3. A partir da citação judicial para a restituição ou do conhecimento da falta de causa do enriquecimento, o beneficiado responderá ainda pelo perecimento, deterioração ou falta de recebimento de frutos por sua culpa, além dos juros legais.

Perante o direito à restituição do valor de uma benfeitoria, são elementos típicamente constitutivos do direito atribuído ao empobrecido a alegação e prova dos factos que consubstanciem, por um lado, o montante despendido ou perdido pelo autor da benfeitoria, ou seja, a medida do empobrecimento, medida que no caso implica inexoravelmente a demonstração de toda a despesa realizada com as obras para a construção da moradia; e, por outro lado, o incremento de valor do imóvel, ou seja a medida do enriquecimento - conferida à data da citação do enriquecido - medida que, no caso vertente, não pode dispensar a comprovação do valor actualizado do terreno em que foi edificada a moradia para habitação do casal então formado por A. e R., a par do valor da própria construção ali implantada Como lembram A. Varela e P. Lima, in C.C. anotado, V. I, p.412, as benfeitorias podem valer menos do que aquilo que o possuidor despendeu para as realizar e pode verificar-se também a hipótese inversa. O que se pretende é que nem o autor das benfeitorias colha vantagem da mais valia ocorrida, nem o enriquecido fique prejudicado, por ficar obrigado a restituir mais do que efectivamente auferiu com a incorporação..
Vejamos agora o que a A. alega na acção.

Depois de descrever nos art.ºs 18 a 27 da p.i. todas as obras que conduziram à construção pelo casal da moradia (em terreno que era exclusivamente do R.), mais alegou a A. nos art.ºs 28 e 29 da mesma peça:
“28 - A. e R. edificaram tal casa pró administração directa que se prolongou por vários anos, sendo o seu valor actual quantificado em importância não inferior a € 250.000,00.
29 - Em face do exposto, e considerando o valor total das obras, deve o R. indemnizar a A. pela metade desta quantia, isto é 125.000,00 €, sob pena de se falar de enriquecimento sem causa”.

A partir desta alegação foi elaborado o nº 10 da base instrutória com o seguinte teor:

O valor actual da referida moradia ascende a 250.000 € ?

Se é verdade que este ponto não retrata o alegado, pois o que a A. afirma em 29 da p.i é que o valor da casa - edificação, ou seja das obras da respectiva construção (não incluindo o solo), é de € 250.000,00, não se pode retirar da materialidade aludida - ou outra alegada - qual o custo ou a despesa que A. e R. tiveram com as obras que surgem enunciadas nos art.ºs 17 a 27 da p.i.
Sem essa factualidade não é viável saber se A. e R. despenderam menos do que o valor actual da construção, e assim, não há elementos para determinar a medida do exacto empobrecimento da A., empobrecimento que, como se viu, podendo ser inferior ao valor da construção, interfere com o valor a satisfazer pelo R..
Não é igualmente possível presumir - obviamente por meio de presunções meramente judiciais - o custo de tais obras. Como também nenhum outro mecanismo, nomeadamente o recurso a juízos de equidade, nos termos do art.º 566, nº 3 do CC, ou ao incidente de liquidação, nos termos do art.º 661, nº 2 do CC, permite suprir a falta de alegação de tal matéria.
É que nem sequer se pode assegurar - porque nada foi dito - que o custo actualizado das obras não seja inferior ao valor do edificado.
Donde que, na procedência desta questão, não reste outro caminho que não seja a absolvição do R. e, desse modo, a sentença não possa ser mantida.


Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam a sentença e absolvem o R. do pedido.
Custas pela A. e apelada.

Coimbra, 25 de Setembro de 2012