Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/14.3GBGVA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: CONTUMÁCIA;
PRISÃO SUBSIDIÁRIA;
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ART. 97.º, N.º 2, DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE
Sumário:
I - A contumácia, com previsão no n.º 2 do artigo 47.º do CEPMPL, é (também) aplicável à prisão subsidiária decorrente do incumprimento voluntário da multa.
II - O tribunal funcional/materialmente competente para a declarar é o TEP.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
O Sr. Juiz do Juízo de Competência Genérica de Gouveia - Comarca da Guarda -, suscitou, no âmbito do processo n.º 31/14.3GBGVA, a resolução de conflito negativo de competência (material/funcional), determinada pela divergência surgida entre a decisão proferida pelo mesmo no dito processo e a decisão do Sr. Juiz do TEP de Coimbra, tendo por objecto a aplicação do instituto da contumácia quando em causa está o cumprimento de prisão subsidiária decorrente da conversão de pena de multa.

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, no sentido de a competência para o fim acima indicado pertencer ao segundo dos tribunais referidos.
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II. Fundamentação:
1. Elementos relevantes:
A) O arguido AA foi condenado, no âmbito do processo sumaríssimo com o n.º 31/14.3GBGVA, pela autoria de um crime de furto simples, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00;
B) Esgotadas que foram as vias voluntárias e coercivas para pagamento da multa, sem que tivesse sido requerida a substituição daquela por prestação de trabalho a favor da comunidade, a dita pena foi convertida em prisão subsidiária;
C) Por desconhecimento do paradeiro do arguido, surtiu infrutífera a emissão de mandados de detenção contra o mesmo;
D) Em consequência, por despacho de 28-03-2017, o tribunal da condenação emitiu comunicação ao Tribunal de Execução das Penas (doravante apenas designado de TEP) de Coimbra visando a declaração de contumácia do condenado.
E) Foi então proferido nesse Tribunal (TEP), em 18-04-2017, despacho, declinando, por inadmissibilidade legal, a declaração de contumácia, cujo teor, nas partes mais significativas, se passa a transcrever:
«(…) Seguindo de perto o decidido no Ac. da RC de 25/3/2015 (disponível em www.dgsi.pt) “A prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa ao abrigo do artigo 49.º do CP, tem natureza e regime diferente, ou seja, um regime próprio e específico de execução relativamente a uma verdadeira pena de prisão aplicada a título principal”.
(…).
Como se refere na decisão recorrida acolhida naquele aresto “compreende-se a solução legal: apenas quando se assome uma prática delitual com dimensionado índice de ofensividade se justifica e se tem por admissível a intrusão no direito (fundamental, de catálogo) do agente ao exercício de direitos (art. 26.º/1 da Constituição da República e art. 337.º/1 do CPP) no âmbito da execução da pena e nos termos caracterizados na lei do processo (…)”.
Ora, a prisão subsidiária não é uma pena substitutiva, mas antes uma mera sanção (penal) de constrangimento, que tem em conferir consistência e eficácia à pena de multa.
E apesar de posteriormente convertida em prisão subsidiária reduzida a dois terços, nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 1, do CP, tal pena conserva a sua natureza originária de pena de multa, mesmo que tendo sido executada, em conformidade com o estatuído no n.º 3 do mesmo normativo.
Acresce que, e tal como se refere no mencionado acórdão “quando se executa ou cumpre a pena de multa, em qualquer uma das modalidades possíveis e admissíveis (…), o que se declara extinta é a pena de multa e não – no presente caso – a prisão subsidiária aplicada”.
(…) conclui-se, no citado aresto, que “perante a diferença de natureza entre a pena de prisão aplicada a título principal e a prisão subsidiária aplicada por efeito de conversão da pena principal de multa”, não é “legítimo e constitucionalmente admissível a restrição de direitos do arguido, nesta concreta situação com a sua declaração de contumácia”, porquanto “…o mecanismo constante do art. 97.º/2 do CEPMS representa uma fórmula de intrusão em direitos, liberdades e garantias (direito à capacidade civil – art. 26.º/1 da Constituição da República) apenas consentida quando na presença de um interesse legitimador específico (art. 18.º, n.º 3 da Constituição da República) relativo ao exercício de acção penal e à pena com que se confronta o procedimento, aqui se achando a concordância prática de interesses (especiais) que normativamente se impunha ao legislador penal. De facto, nos termos do citado articulado legal, é necessário que se esteja perante a execução de pena de prisão ou medida (de segurança) de internamento para que mereça aplicabilidade a declaração do agente como contumaz, o que significa que apenas quando o julgador se confronta com a execução da extrema ratio do direito penal – simetricamente implicando, por implícito, se trate da reacção pública a uma lesão particularmente grave na ordem jurídica –, se autoriza se recorra, no âmbito da execução, ao mecanismo esculpido no art. 97.º/2 do CEPMS, que impacta na esfera individual do arguido condenado por via do estabelecido nos arts. 335.º, 336.º e 337.º, estes do CPP. Desta forma, observamos que apenas no âmbito da execução de reacções penais (baseadas em culpa ou inimputabilidade perigosa) cuja natureza importem encarceramento, se tem o regime de contumácia ao condenado evadido como normativamente comportado, estando o instituto afastado do campo da execução de penas de outra natureza”.
Tendo tal posição apoio na letra quer na ratio legislativa do artigo 97.º, n.º 2, do CEP, na medida em que tal norma é expressiva ao referir-se a pena de prisão ou medida de internamento, há que concluir que a prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa não cabe na previsão daquele preceito, para efeitos de declaração de contumácia.
(…).
Face a tudo o exposto, e por inadmissibilidade legal, não será proferida declaração de contumácia».
F) Por fim, o tribunal da condenação, em despacho datado de 27-02-2018, emitiu posição no sentido abaixo parcialmente reproduzido:
«(…).
Posto isto, considerando que a actuação do arguido era (e é) susceptível de se enquadrar no disposto no artigo 97.º, n.º 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, entendemos ser de declarar a contumácia (…).
Isto porque, sempre ressalvando melhor opinião, a prisão subsidiária enquadra-se, quanto a nós, no conceito de “pena de prisão”, previsto no artigo 97.º, n.º 2 (…).
O TEP recusou a declaração de contumácia (…) por entender não se enquadrar nas nomas acima citadas, isto é, por inadmissibilidade legal.
(…).
Volvido este tempo e melhor reflectindo sobre a questão, cremos ser de suscitar o conflito negativo de competência, já que actualmente a lei não atribui aquela competência ao tribunal da condenação, nem a exclui da competência do TEP.
A posição assumida pelo TEP gera um impasse processual, pondo em confronto duas decisões de igual valor processual, sem que se resolva/esclareça verdadeiramente a questão da competência.
(…).
Estamos verdadeiramente perante um conflito de competência.
Face ao exposto e nos termos dos artigos 34.º e 35.º do CPP, declaro este juízo local – secção de competência genérica – incompetente material e funcionalmente para a aplicação do instituto da contumácia da pena no caso de prisão subsidiária, sendo competente o TEP.
(…)».
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2. Apreciação:
1. Preliminarmente, importa verificar se estamos perante um conflito de competência, nos termos em que a figura é definida no artigo 34.º do Código de Processo Penal.
Dispõe este normativo, no seu n.º 1:
«Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido».
A lei é clara sobre os pressupostos legais do conflito referido. Consiste na divergência entre dois ou mais tribunais em relação ao conhecimento de um feito jurídico-criminal, e surge quando mais do que um tribunal da mesma espécie (v.g. tribunal judicial) ou de espécie diversa (v.g. tribunal judicial e tribunal não judicial) se reconhecem ou não se reconhecem competentes para investigar e apurar a existência de um crime cuja prática é atribuída ao mesmo arguido.
Se todos os tribunais em oposição se arrogam competentes, estamos perante conflito positivo; se declinam a competência, ocorre conflito negativo.
Assim, no vertente caso, é apodíctico não existir um conflito típico, porquanto, desde logo, um dos Srs. Juízes em conflito não emitiu autêntico juízo de incompetência; antes, com fundamento em inadmissibilidade legal da figura, recusou a prolação de declaração de contumácia.
Porém, não tendo sido interposto recurso desse despacho, sem intervenção deste tribunal, a situação exposta redundaria, no domínio dos actos em causa, numa paralisia da relação processual penal, impasse a determinar que se considere verificar-se um conflito de competência atípico, definidor de uma situação que urge solucionar.
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2. O dissídio fonte do conflito evidenciado nestes autos assenta, basicamente, na interpretação do artigo 97.º, n.º 2, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (de agora em diante apenas CEPMPL), em termos de saber se o instituto previsto na norma (contumácia) é também aplicável aos casos que envolvam o cumprimento de prisão subsidiária.
A jurisprudência dos nossos tribunais superiores não tem sido consensual neste domínio. Em perfeito alinhamento com o despacho do Sr. Juiz do TEP, destaco, sem a preocupação de completude, para além do Acórdão que àquele serviu de modelo orientador (de 25-03-2015, proferido no proc. 95/11.1GATBU-A.C1, de que foi relator Luís Teixeira), o Ac. da Relação do Porto de 11-11-2015, proc. n.º 1190/14.0TXPRT-A.P1, relatado por Artur Oliveira. Em sentido oposto, ou seja, preconizando a aplicabilidade da contumácia quando em causa está o cumprimento residual de uma pena de prisão subsidiária, ainda sem pretensão de exaustividade, enuncio os seguintes arestos, todos dos Tribunais da Relação, com publicação na página do “ITIJ”:
- Relação do Porto: de 16-09-2015, proc. n.º 395/15, relator Pedro Vaz Pato; de 16-12-2015, proc. n.º 69/15.3TXPRT-A.P1, relatora Élia São Pedro; de 03-02-2016, proc. n.º 291/15.2TXPRT-A.P1, relator Ernesto Nascimento; de 10-02-2016, proc. n.º 758/15.2TXPRT-A.P1, relator Nuno Ribeiro Coelho; de 16-03-2016, proc. n.º 1022/15.2TXPRT-A.P1, relator José Carreto; de 04-05-2016, proc. n.º 575/15.0TXPRT.P1, relator Cravo Roxo; de 11-05-2016, proc. n.º 1047/15.8TXPRT-A.P1, relator Vítor Morgado; de 14-09-2016, proc. n.º 1248/15.9TXPRT-A.P1, relatora Ana Bacelar; e de 26-10-2016, proc. n.º 1293/15.4TXPRT-A.P1, relator Jorge Landweg;
- Relação de Lisboa: de 26-01-2016, proc. n.º 36/09.PFVFX-A.L1-5, relatora Maria José Machado;
Para além dos ditos arestos, vejam-se ainda, com igual posicionamento, a decisão de Esteves Marques, ex-presidente de uma das secções criminais da Relação de Coimbra, de 21-03-2012, proc. n.º 56/04.7TAS-B.C1, e a decisão do actual presidente das secções criminais da Relação de Évora, Fernando Ribeiro Cardoso, prolatada no proc. n.º 176/16.5YREVR.


Os argumentos esgrimidos em abono da inaplicabilidade do artigo 97.º do CEPMPL ao vertente caso estão exaustivamente enunciados no despacho do Sr. Juiz do TEP, donde emergem a propalada exclusividade aplicativa daquele normativo às penas de prisão aplicadas a título principal, entretecida com imperativos de ordem constitucional, radicados na impossibilidade de restrição de direitos civis, a que a declaração de contumácia inexoravelmente conduz, uma vez que, só no cumprimento da dita pena de prisão ou da medida de internamento está presente o interesse legal específico (de extrema ratio), e não também na “satisfação” de “uma mera forma de constrangimento do pagamento de uma pena de multa aplicada”.
A meu ver, não é esta a correcta hermenêutica do preceito jurídico acima referenciado (artigo 97.º, n.º 2, do CEPMPL); antes me revejo, sem restrições de nenhuma ordem, na jurisprudência, largamente maioritária, já indicada.

Não existe a mínima dúvida sobre a diversa natureza que têm a pena de prisão imposta a título principal e a prisão subsidiária decorrente da conversão da pena de multa – a última como bem se refere no despacho do Sr. Juiz do TEP, constitui uma sanção de constrangimento, por visar, ipso facto, em último termo, forçar o condenado ao pagamento da multa (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, págs. 146-148, e Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Setembro 2013, pág. 94) –, diferença manifestamente dicotómica nos regimes legais de uma e outra das figuras, sobressaindo, no enquadramento jurídico da pena subsidiária, a sua extinção através do pagamento, a todo o tempo, da multa objecto da condenação.
Todavia, as dissemelhanças não se estendem ao regime da contumácia previsto no artigo 97.º, n.º 2, do CEPMPL.
Por não poder dizer melhor – outra forma de escrever seria, afinal, mero exercício semântico –, extractamos, neste contexto, os seguintes segmentos textuais do Ac. da Relação do Porto de 16-09-2015 (proc. n.º 395/15.1TXPRT), que ao presente caso “assentam como uma luva”:
«Considera o douto despacho recorrido, na esteira do acórdão da Relação de Coimbra citado, que essa diferença se impõe por a declaração de contumácia, com o que implica de restrição de direitos fundamentais, se justificar apenas quando está em causa a aplicação de uma pena de prisão como pena principal, enquanto extrema ratio do sistema penal, não quando está em causa a aplicação de uma pena de multa, mesmo que esta venha a ser convertida em pena de prisão subsidiária.
Há que considerar a este respeito, porém, o seguinte:
A declaração de contumácia não está, em termos gerais, reservada a situações que envolvam a aplicação de penas de prisão. Os artigos 335.º a 337.º do Código de Processo Penal são aplicáveis a qualquer processo penal, independentemente da gravidade do crime, ou da maior ou melhor probabilidade de aplicação de penas de prisão. E nunca se suscitou a dúvida sobre a conformidade constitucional dessa aplicação alargada a qualquer processo e a qualquer crime.
Mas, para além dessa questão genérica, importa saber, mais especificamente, se se justifica, ou não, a aplicação do artigo 97.º, n.º 2 (…) do CEPMPL, e da declaração de contumácia aí prevista, às situações de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa.
(…).
Afigura-se-nos que não se justifica essa diferença de regimes. Num e noutro caso, estamos perante uma “prisão” e é apenas à “prisão” que se refere o preceito em apreço. Num e noutro caso, estamos perante uma fortíssima privação da liberdade. Apesar de ao crime em causa ter sido aplicada uma pena de multa, o legislador admite e impõe essa privação da liberdade. Se admite esta tão grande restrição de um direito fundamental, não se vislumbra por que não há de admitir a privação de outros direitos fundamentais (não despiciendos, mas de relevo menor) que resulta da declaração de contumácia.
E é assim mesmo que a finalidade da prisão subsidiária seja a de constranger ao pagamento da multa. Se essa finalidade impõe a privação da liberdade, também impõe o recurso a mecanismos que assegurem efectivamente essa privação da liberdade. A intenção de evitar que condenados se subtraiam à execução da prisão, frustrando desse modo a condenação de que foram alvo e a eficácia do sistema judicial em geral, aplica-se, pois, quer as penas de prisão aplicadas a título principal, quer as penas de prisão subsidiárias resultantes da condenação em pena de multa».

Em recente voto de vencido lavrado no Ac. do TC n.º 618/2017, está escrito, a final: «Estando a declaração de contumácia expressamente prevista na lei apenas para a pena de prisão ou medida de internamento, o alargamento do texto da lei para abranger a prisão subsidiária significa uma extensão teológica que cria, à margem da lei, uma causa de suspensão da prescrição da pena, por tempo indeterminado, para penas de multa, violando-se, com esta interpretação, não só o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), mas também o princípio da legalidade (artigo 29.º, n.º 1, da CRP) que constitui um “princípio-garantia”, visando “instituir directa e imediatamente uma garantida dos cidadãos (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, p. 1167; Acórdão 183/2008)».
Procedendo a uma curtíssima recensão crítica, não vislumbro que a interpretação normativa que seguimos consubstancie analogia in malam partem, violadora, por conseguinte, do princípio (constitucional) da legalidade.
A expressão “pena de prisão”, contida no artigo 97.º, n.º 2, do CEPMPL, se refere a penas que, na sua origem ou em substituição, impliquem privação da liberdade. Efectivamente, como está referido no Ac. da Relação de Guimarães de 03-07-2012 (proc. n.º 449/98.7PCBRG.G1), “o despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada ao arguido que passa a ser uma pena detentiva”. Dito de outra forma, «A lei refere apenas o cumprimento de pena de prisão, sem se preocupar com a origem da mesma (desde que, obviamente, decretada pelos meios coercivos normais, como aqui ocorre) (…)» - Ac. da Relação do Porto de 04-05-2016 (proc. n.º 575/0TXPRT.P1); «(…) A lei não faz qualquer distinção entre prisão subsidiária e prisão primária. A lei refere-se tão só ao cumprimento de pena de prisão. Ora, cumprir uma pena de prisão subsidiária é exactamente o mesmo que cumprir uma pena de prisão primária. (…)» - Ac. da Relação do Porto de 16-12-2015 (proc. n.º 69/15.3TXPRT-A.P1).

Em recente acórdão (n.º 237/2017, de 09-05-2017), o TC não julgou inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 26.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, a interpretação extraída da conjugação dos artigos 97.º, n.ºs 2 e 138.º, n.º 4, alínea x), do CEPMPL, no sentido de ser aplicável a declaração de contumácia, nos casos de prisão subsidiária resultante da conversão de pena de multa não cumprida.
Aí ficou consignado (transcrição parcial):
«Tal mecanismo legal [declaração de contumácia quando em causa está pena de prisão subsidiária] é necessário para garantir a efectiva execução da pena, vencendo a resistência do condenado, correspondendo, assim, a um meio idóneo de concretização de tal finalidade. Por outro lado, não se traduz num instrumento excessivamente compressor do direito à capacidade civil, tanto mais que se destina a garantir o efectivo cumprimento de uma medida penal privativa da liberdade: uma pena de prisão, correspondendo, desta forma, a um minus relativamente ao efeito aflitivo de tal pena, na esfera jurídica pessoal do condenado.
Note-se, aliás, que a declaração de contumácia não se encontra legalmente reservada aos casos que envolvem o cumprimento de uma pena, sendo igualmente aplicável nas situações em que, independentemente da gravidade do crime indiciado, não se mostra possível a notificação do arguido do despacho que designa o dia para a audiência de julgamento, ou não se mostra possível executar a detenção ou prisão preventiva, isto é, em pleno domínio do princípio da presunção de inocência (artigo335.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
Por tudo quanto fica exposto, conclui-se que a norma que prevê a declaração de contumácia, como forma de garantir a execução prática da prisão subsidiária, resultante da conversão da pena de multa injustificadamente não cumprida, obedece ao princípio da proporcionalidade, sendo adequada e necessária para alcançar o objectivo que a justifica e, finalmente, proporcional, em sentido estrito, apresentando-se como equilibrada e correspondente à justa medida da restrição, tendo em conta a ponderação do peso relativo de cada um dos concretos bens jurídicos constitucionais em confronto, ou seja, o direito à capacidade civil, e do bem que justifica a lei restritiva: a eficácia das sanções criminais e a efectiva realização das suas finalidades de protecção de bens jurídicos».

Em jeito de síntese conclusiva, cabe dizer: a contumácia, com previsão no n.º 2 do artigo 47.º do CEPMPL, é (também) aplicável à prisão subsidiária decorrente do incumprimento voluntário da multa e, em consequência, o tribunal funcional/materialmente competente para a declarar é o TEP.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, decidindo o presente conflito negativo, atribuo ao Tribunal de Execução das Penas de Coimbra competência material/funcional para a declaração de contumácia.
Sem tributação.
Cumpra-se o disposto no art. 36.º, n.º 3, do CPP.
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Coimbra, 24 de Abril de 2018
(Documento elaborado e integralmente revisto pelo signatário, Presidente da 5ª Secção - Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra)



(Alberto Mira)