Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
566/15.0T8GRD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 12/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 531 CPC, 10 RCP
Sumário: I - A taxa de justiça excecional, prevista no artigo 531.º do Código de Processo Civil, depende de dois requisitos: (a) pretensão manifestamente improcedente (b) formulada omitindo a prudência ou diligência devidas.

II - Ocorre manifesta improcedência da pretensão processual quando o requerente insiste na prática de um ato processual antes rejeitado, com indicação clara das respetivas razões, face às quais era de esperar, como certo, um novo indeferimento.

Decisão Texto Integral:









I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da decisão que condenou o recorrente em 5 Ucs de taxa de justiça excecional.

O respetivo despacho tem o seguinte teor:

«PE c/ a ref.ª n.º 1340883 (fls.1945 a 1967).

Com relevo para a apreciação da questão decidenda, importa atentar no seguinte elenco fáctico-cronológico:

1. Em 10.05.2018, reiterado em 04.06.2018, requereu o Requerente que fosse ordenado à Conservatória dos Registos Centrais a prestação de informação sobre a existência de doações, testamentos, vendas ou outras alienações outorgadas pela Requerida, o que foi deferido por despacho de 05.07.2018 nos exatos termos nele constantes – vide fls.1877;

2. A fls.1885, a Conservatória dos Registos Centrais veio informar da existência de dois testamentos públicos outorgados pela Requerida, mas que não era detentora de tais atos notariais, devendo ser solicitada cópia certificada ao Cartório Notarial onde foram realizados tais atos;

3. A fls.1914, veio o Notário da (...) informar que não foram encontradas escrituras outorgadas pela Requerida, mais aludindo ao disposto no art.º164.º, n.º 1, alínea a), do Código do Notariado, concluindo que só é possível extrair certidões dos testamentos quando os testadores ou procuradores com poderes especiais as requeiram;

4. A fls.1915, veio o Requerente, alegando que o notário se recusa a juntar cópia do testamento, requerer que seja ordenado a este, sob pena de comissão de crime de desobediência, a junção;

5. A fls.1935, foi proferido despacho com o seguinte teor: «O Sr. Notário, ao contrário do que o Requerente alega no requerimento ora em apreço não se recusa per si a cumprir o que lhe foi ordenado, apenas dá nota dos circunstancialismos que comprometem o cumprimento cfr foi requerido.

Assim sendo, sem prejuízo de a parte requerer o que tiver por conveniente e que seja adequado ao reportado pelo Notário, indefere-se o requerido

6. Veio, consequentemente, o Requerente, nos termos em que extensamente alega de fls.1945 a 1967, para os quais se remete e que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia, requerer que seja declarada a nulidade do despacho transcrito em 5), por violação do disposto no art. 620.º, n.º 1 do CPC em conjugação com o art. 195.º, n.º 1 do mesmo diploma, devendo aquele ser revogado e substituído por outro que determine nova notificação ao Notário para fornecer cópia do testamento exarado pela Requerida;

Ora, se bem apreendemos a razão de ciência do extensíssimo requerimento do Requerente ora em análise, este concluiu que o Tribunal, ao exarar o despacho com o teor supra transcrito em 5) contradisse o que determinou no despacho de 14.03.2018 ex vi do de 05.07.2018, assim violando o caso julgado formal.

Mais ali continua a considerar – não obstante o teor do dito despacho e do teor do ofício de fls.1914 – que o Notário recusou o cumprimento de uma ordem judicial – vide artigo 17.º do requerimento em apreço.

Mais adiante, concretamente no artigo 33 do requerimento em apreço, o Requerente refere «não poder compreender nem concordar que, tendo-se conformado com a resposta do Notário, o Tribunal tenha proferido decisão no sentido do indeferimento do pedido anteriormente formulado».

E, mais, considera no artigo 34 daquele, que «se, efetivamente, o Tribunal entende que a documentação não influi para que se decida de forma a conhecer o mérito da causa – como anteriormente havia concluído – então teria de fundamentar criticamente a sua decisão e não limitar-se a concluir pela sua irrelevância».

Aqui chegados, e exposta a questão nos termos em que vimos de o fazer, cremos que o Requerente labora em erro na análise que faz quer da informação prestada pelo Notário, quer do despacho proferido e cuja nulidade invoca.

Tal como neste tivemos oportunidade de escrever e se encontra transcrito supra sob 5), a resposta do Notário não equivale a uma recusa frontal, direta e absoluta em obedecer a uma ordem judicial, pois, se assim fosse e sendo o Tribunal o garante da legalidade e entidade dotada de meios para persuadir as pessoas ao cumprimento, ainda que coercivo, das suas ordens, decididamente a eles teria recorrido.

O teor literal do despacho refere coisa diversa. E não se basta em dizer que aquela informação não equivale a recusa; vai mais longe, referindo que a informação «apenas dá nota dos circunstancialismos que comprometem o cumprimento cfr foi requerido», dando, no parágrafo final daquele, a possibilidade ao Requerente de requerer o que tivesse por conveniente e que fosse adequado a suprir as contingências reportadas pelo Notário.

Ademais, tal despacho não indefere a diligência propriamente – nem o poderia sob pena de contradição de posições dentro do mesmo processo e, aí sim, de violação do caso julgado formal – apenas indefere o requerido pelo Requerente no seu requerimento de fls.1915, ou seja, a notificação do Notário sob a cominação de comissão de crime de desobediência.

Ora, convenhamos que, perante a alegação por parte daquele da existência de impedimento legal – sem a intervenção de mecanismo de quebra do sigilo ou do impedimento alegado superiormente decidido – nunca poderia o mesmo ser cominado com a prática de crime de desobediência, sob pena de prática de um ato ilegal por parte do Tribunal e este não tem por hábito praticá-los.

Acrescenta-se que o Tribunal, inclusive, indicia ao Requerente o que ele poderá fazer para a concretização da sua pretensão e, ao invés de o fazer, o Requerente prefere arguir a nulidade do despacho em causa.

Por fim, também se dirá, embora tal decorra do que vem de se expender, que não procede o argumento exposto pelo Requerente no artigo 34 do seu requerimento em apreço pois, com o despacho ora posto em crise, o Tribunal não fez qualquer juízo de valor sobre a documentação, especialmente, no sentido de que aquela não influi no exame da causa.

Aliás, não o poderia fazer pois o poder jurisdicional sobre tal matéria encontra-se esgotado dado que o despacho que inicialmente deferiu a diligência correspondente já transitou em julgado e o juízo que presidiu ao seu subscritor foi precisamente o contrário, ou seja, o da sua relevância.

Assim sendo, resulta à saciedade que o despacho em causa não enferma de nulidade alguma, porquanto nenhuma inversão do juízo de valor que presidiu ao deferimento da diligência nele está contida e aquele não a indeferiu, limitando-se a indeferir a nova notificação sob a cominação de comissão de crime de desobediência pelo Notário sendo que, ademais, até deixou a possibilidade ao Requerente de requerer o que tivesse por conveniente quanto à sua efetiva concretização.

Pelo exposto, indefere-se a invocada nulidade.

Aqui chegados, importa fixar a responsabilidade pelas custas inerentes à análise deste requerimento.

Preceitua o art.º 531.º do CPC que “por decisão fundamentada do Juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.”

Da conjugação dos elementos constantes dos autos e supra elencados na cronologia fáctica e dos argumentos que vimos de expender resulta que o requerimento que ora apreciamos se afigurava, à partida, manifestamente improcedente, na medida em que não há nada no despacho posto em crise, bastando para concluir em conformidade a sua atenta leitura, que corresponda a violação do caso julgado ou à nulidade genérica do art.º195.º do CPC pois nenhum juízo posterior ao deferimento da diligência ali se encontra contido, sendo que ao agir como agiu, o Requerente não adotou a diligência devida.

Assim sendo, entendemos aplicar neste caso ao Requerente a taxa sancionatória excecional de 5UC – art.ºs 531.º do CPC e 10.º do RCP».

B) É, pois, desta decisão que vem interposto o recurso, sendo as respetivas conclusões as seguintes:

«1ª - Por douto despacho proferido pelo tribunal "a quo" foi o recorrente condenado em 05 UCs, a titulo de taxa sancionatória excepcional nos termos do art.531.º do CPC e 10.º do RCP.

Justifica tal, alegando em suma, que o requerimento do recorrente se afigurava, à partida, manifestamente improcedente.

2ª - Na sequência de requerimento do recorrente, de 10/05/2018, foi ordenado ao sr. notário, no dia 14/02/2019, que "Por ordem do Mmo. Juiz de Direito, solicito a V EX.a que se digne juntar aos autos cópia dos testamentos, doações, vendas ou outras alienações outorgadas por F (…).

Para melhor esclarecimento junta-se cópia de fls. 1868 a 1870,1885 e 1912."

Face a tal notificação veio o sr. notário recusar o envio de cópia certificada do testamento da requerida, nos termos supra referidos.

Por tal, veio o recorrente por requerimento de 28/02/2019 requerer ao tribunal,

"Notificado do teor do ofício do sr. notário, pelo qual se recusa a juntar aos autos cópia do testamento. Vem requerer a VExa se digne ordenar ao sr. notário sob pena de cometer um crime de desobediência caso não junte aos autos a certidão do testamento pretendida e ordenada, atento o douto despacho de 05/07/2018, com ref. 26233497, transitado em julgado. "

Ao que respondeu o tribunal recorrido, em 24/04/2019, "O Sr. Notário, ao contrário do que o Requerente alega no requerimento ora em apreço não se recusa per si a cumprir o que lhe foi ordenado, apenas dá nota dos circunstancialismos que comprometem o cumprimento cfr foi requerido.

Assim sendo, sem prejuízo de a parte requerer o que tiver por conveniente e que seja adequado ao reportado pelo Notário, indefere-se o requerido. (nosso sublinhado)

Custas do incidente pelo Requerente, que se fixam em 1 UC. "

Face a tal posição tomado pelo tribunal recorrido, por requerimento de 13/05/2019, veio invocar a violação do caso julgado formal por tal despacho, consequentemente a nulidade do mesmo.

Sobre este último requerimento incidiu o despacho de 07/06/2019, ora recorrido.

3ª - Foi tendo por base o art.531° do CPC e o art.l0° do RCP que o tribunal "a quo" condenou o recorrente.

Disse o tribunal recorrido que "cremos que o Requerente labora em erro na análise que faz quer da informação prestada pelo Notário, quer do despacho proferido e cuja nulidade invoca."

Com interesse disse, ainda, a "resposta do Notário não equivale a uma recusa frontal, direta e absoluta em obedecer a uma ordem judicial, pois, se assim fosse e sendo o Tribunal o garante da legalidade e entidade dotada de meios para persuadir as pessoas ao cumprimento, ainda que coercivo, das suas ordens, decididamente a eles teria recorrido. "

O tribunal explicando o seu despacho de 24/04/2019, diz, E não se basta em dizer que aquela informação não equivale a recusa; vai mais longe, referindo que a informação «apenas dá nota dos circunstancialismos que comprometem o cumprimento cfr foi requerido», dando, no parágrafo final daquele, a possibilidade ao Requerente de requerer o que tivesse por conveniente e que fosse adequado a suprir as contingências reportadas pelo Notário.

4ª - O tribunal afirma face aos esclarecimento supra do seu despacho de 24/04/2019, que estava, efectivamente, o recorrente em erro, pois nunca entendeu tal como um convite a "lançar mão" ao incidente de quebra de sigilo e/ou de impedimento do sr. notário.

Ao ler o último trecho do despacho de 24/04/2019 o recorrente entendeu que teria de requerer ao tribunal, o que tivesse por conveniente, desde que não colidisse com o reportado pelo sr. notário. O tribunal manteria o ordenado, contudo em nada que estivesse em oposição ao referido pelo notário.

Foi face a esta interpretação do dito despacho que não é claro e passível de varias interpretações que o recorrente elaborou o requerimento de violação do caso julgado formal. Nunca tendo intenção de deduzir incidente entorpecedor da lei, anómalo e claramente despropositado.

Na verdade, o requerente tem é intenção que tudo se desenrole rapidamente, pois bem sabe o estado em que a sua mãe se encontra, tal como já várias vezes alegado, referido e provado nos autos.

5ª - Com a taxa sancionatória excepcional, prevista nos artigos 521.°, n.º 1, do CPP, 531.º do CPC, e 10.º do RCP, não se pretende responder/sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte.

A atitude do recorrente foi tudo menos abusiva, antes sim face à errada interpretação do despacho, face aos esclarecimentos posteriores constantes do despacho recorrido, poder-se-­á considerar, no limite, um erro de interpretação e/ou técnico e como tal não sendo passível de condenação em taxa sancionaria excepcional.

N estes termos, requer a V.Exas se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, e em consequência revogar o douto despacho recorrido».

c) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o recurso coloca apenas a questão de saber se se verificam ou não os pressupostos da condenação em taxa de justiça excecional.

III. Fundamentação

A) Matéria de facto

A factualidade a considerar é de natureza processual e é a que consta já do relatório que antecede.

B) Apreciação da questão objeto do recurso

1 - Vejamos então se se verificam ou não os pressupostos da condenação em taxa de justiça excecional.

A taxa de justiça excecional está prevista no artigo 531.º do Código de Processo Civil, nestes termos:

«Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida».

No artigo 10.º do Regulamento das Custas Processuais prevê-se que a taxa sancionatória seja «fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC».

Como se sumariou no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9-10-2019, no processo n.º 3850/15.0T9AVR-H.P1 (William Themudo Gilman), «I - A finalidade desta taxa sancionatória excecional é a de contribuir para a economia processual e celeridade da justiça, instituindo um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, bloqueiam os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados;

II - Com este instituto visa-se sobretudo evitar a prática de atos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insuscetíveis de conduzir ao resultado pretendido;

III - São pressupostos de aplicação da taxa sancionatória excepcional:

- a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, revelando uma natureza meramente dilatória;

- a atuação imprudente, desprovida da diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula/apresenta;

IV - A utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização abusiva para dificultar a marcha do processo, integram a previsão do artigo 531º do CPC, pois constituem a prática de atos meramente dilatórios completamente infundados;

V - Para concluir pela utilização abusiva de meios processuais deve o Tribunal proceder a uma rigorosa distinção entre o que constitui uma defesa enérgica e exaustiva dos interesses das partes e um uso desviante e perverso dos meios processuais. Só neste último caso se justificando o sancionamento nos termos do citado artigo 531.º, do CPC» (acessível em www.dgsi.pt).

2 - Recapitulando e resumindo a situação.

(a) O requerente pediu que fosse ordenado à Conservatória dos Registos Centrais a prestação de informação sobre a existência de doações, testamentos, vendas ou outras alienações outorgadas pela requerida, o que foi deferido.

(b) A Conservatória dos Registos Centrais informou que sabia da existência de dois testamentos públicos outorgados pela requerida, mas não os possuía, devendo ser solicitada cópia ao respetivo cartório onde foram lavrados.

(c) Tal cópia foi solicitada ao Notário da (...) e este informou que não encontrou escrituras outorgadas pela requerida (entenda-se testamentos, pois é disso que se tratava) e alertou para o facto do disposto no art.º164.º, n.º 1, alínea a), do Código do Notariado, dispor que só é possível extrair certidões dos testamentos quando os testadores ou procuradores com poderes especiais as requeiram.

(d) De seguida o Requerente veio dizer que o notário se recusa a juntar cópia do testamento, requerer que seja ordenado a este, sob pena de comissão de crime de desobediência, a junção

(e) Foi então proferido despacho com o seguinte teor: «O Sr. Notário, ao contrário do que o Requerente alega no requerimento ora em apreço não se recusa per si a cumprir o que lhe foi ordenado, apenas dá nota dos circunstancialismos que comprometem o cumprimento cfr foi requerido.

Assim sendo, sem prejuízo de a parte requerer o que tiver por conveniente e que seja adequado ao reportado pelo Notário, indefere-se o requerido».

(f) E o requerente reagiu com o requerimento de fls.1945 a 1967, pedindo que fosse declarada a nulidade do despacho acabado de referir, por violação do disposto no art. 620.º, n.º 1 do CPC em conjugação com o art. 195.º, n.º 1 do mesmo diploma, devendo aquele ser revogado e substituído por outro que determine nova notificação ao Notário para fornecer cópia do testamento exarado pela Requerida.

3 - Deve manter-se a decisão sob recurso, pelas razões que vão ser indicadas.

Os requisitos para a aplicação da taxa de justiça excecional são dois:

- Manifesta improcedência do ato processual; e

- Exigibilidade de uma ação que tivesse evitado tal ato.

(I) Verifica-se o primeiro requisito.

A pretensão da requerente, no sentido de notificar o notário para que remetesse, sob pena de cometer um crime de desobediência, cópia dos testamentos que existissem no seu cartório notarial mostra-se excessiva, porquanto o notário disse que não encontrou «escrituras» outorgados pela requerida e além disso, o pedido não cumpria os requisitos legais a que ele está sujeito face ao disposto no artigo 164.º, n.º 1, al. a) do Código do Notariado, onde se dispõe que «1 - O conteúdo dos instrumentos, registos e documentos arquivados nos cartórios prova-se por meio de certidões, as quais podem ser requeridas por qualquer pessoa, com exceção das que se refiram aos seguintes atos:

a) Testamentos públicos, escrituras de revogação de testamentos, instrumentos de depósito de testamentos cerrados e internacionais e dos respetivos registos, dos quais só podem ser extraídas certidões, sendo vivos os testadores, quando estes ou procuradores com poderes especiais as requeiram e, depois de falecidos os testadores, quando esteja averbado o falecimento deles».

Como referiu o Sr. juiz, o notário não se recusou a facultar o que lhe era pedido, aliás até referiu que não existia registo no cartório de atos de tal natureza outorgados pela requerida.

O notário respondeu de modo adequado.

Por conseguinte, o pedido do requerente no sentido do tribunal ordenar ao notário, sob pena de comissão de crime de desobediência, a junção de cópia do testamento ou testamentos não era claramente apropriado à situação.

Verifica-se que o recorrente insistiu, de seguida, na mesma via processualmente inapropriada.

Com efeito, o tribunal alertou que o notário não se tinha recusado a cumprir o que o tribunal lhe tinha solicitado, apenas tinha alertado para os constrangimentos que a lei lhe impunha quanto ao pedido feito e, por isso, o tribunal indeferiu a notificação nos termos pretendidos, isto é, a cominação do crime de desobediência, deixando espaço ao requerente para outro tipo de solicitação com vista a promover os seus interesses processuais.

Mas o requerente insistiu na mesma via inapropriada, porquanto não atendeu à valoração da situação processual feita no despacho e insistiu na mesma pretensão, no sentido de ser declarada a nulidade do despacho anterior para permitir, uma vez anulado, a notificação do notário, sob cominação da prática de um crime de desobediência.

Verifica-se, por conseguinte, que os dois pedidos do requerente no sentido do tribunal ordenar ao notário, sob pena de comissão de crime de desobediência, que remetesse ao processo as pretendidas cópias de testamento, foram processualmente inapropriados.

É certo que que formular pedidos inapropriados até pode ser considerado um risco inerente à profissão de advogado, pois estatisticamente é previsível que em algum momento haja um erro.

Mas, no caso dos autos, isso foi levado em conta, porquanto não foi deferida a pretensão, com justificação da respetiva razão, mas sem qualquer consequência negativa para o requerente.

Ora, a «manifesta improcedência do ato processual» radica na insistência do requerente (justificada com 22 páginas de texto) no sentido de pretender a prática de um ato processual que já havia sido rejeitado, com indicação das respetivas razões, face às quais era de esperar como certo um novo indeferimento.

Por conseguinte, não procede o argumento de que no caso estamos apenas perante um «erro de interpretação e/ou técnico e como tal não sendo passível de condenação em taxa sancionaria excepcional».

 A existência de um «erro de interpretação e/ou técnico» é invocável face à pretensão inicial, que foi indeferida, mas não quanto à usa insistência, porque aqui, como se disse, era de esperar como certo um novo indeferimento e a previsível inutilidade daquilo que se pretendia obter.

(II) Verifica-se o segundo requisito.

Este consiste na exigibilidade de uma ação que tivesse evitado tal ato.

Como decorre do antes exposto, o requerente devia ter previsto como certo que seria indeferida a sua insistência quanto à notificação do notário com cominação da prática de um crime de desobediência.

Devia ter previsto, porque o tribunal já se tinha pronunciado de modo claro e perentório, pelo que ao requerer a nulidade de tal despacho, para assim poder insistir na mesma pretensão, sem que se tivessem alterado os pressupostos da decisão arguida de nula, era expetável, com grau próximo da certeza, que o novo pedido fosse indeferido.

Existiu aqui, face ao exposto, a omissão de um dever de cuidado por parte do requerente, dever este que, acaso tivesse sido observado, tinha conduzido o requerente a abster-se de formular o pedido de nulidade do despacho em causa e a insistir pelo pedido de notificação ao notário nos termos mencionados.

Concluir assim é concluir pela improcedência do recurso.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.


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Coimbra, 3 de dezembro de 2019

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luís Cravo