Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1184/11.8TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA
VALOR
PRESTAÇÃO
Data do Acordão: 12/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 4º, Nº 3, DO DEC. LEI Nº 164/99
Sumário: I – No apuramento da capitação dos rendimentos para efeitos de concessão da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores e a efectuar de acordo com as regras instituídas pelo Dec. Lei nº 70/2010 de 16/06, cada um dos elementos do agregado familiar terá que ser ponderado de acordo com a escala de equivalência ali fixada, em que o requerente da prestação tem o peso de 1, cada indivíduo maior tem o peso de 0,7 e cada individuo menor tem o peso de 0,5.

II – Estando em causa uma prestação de alimentos devida a menor, é este o titular da prestação e, portanto, sendo ele o respectivo requerente, deve ser-lhe atribuído o peso de 1, na escala de equivalência a que se aludiu e para o efeito de apurar a capitação dos rendimentos.

III – Sem prejuízo das concretas circunstâncias do caso e das específicas necessidades do menor, na fixação do valor da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia deverá ainda ser ponderado o rendimento per capita a que tal prestação, somada ao rendimento do agregado familiar, irá conduzir, de acordo com as regras acima citadas, de forma a que, pelo menos em regra e sem prejuízo dos casos em que tal se justifique, tal rendimento não exceda o valor do salário mínimo nacional, de forma a evitar que, por via da prestação atribuída, se coloque o agregado familiar numa posição bem mais vantajosa do que aquela em que se encontram muitos outros agregados familiares que, por disporem de um rendimento per capita de valor superior ao salário mínimo nacional, não podem obter tal prestação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Mediante requerimento apresentado em 30/06/2011, A..., residente na Rua ..., Marinha Grande, veio deduzir incidente de incumprimento da regulação do exercício do poder paternal contra B..., residente na Rua ..., Marinha Grande, alegando, em suma, que o Requerido não cumpria – desde Janeiro de 2011 – as prestações de alimentos que haviam sido fixadas relativamente ao filho menor do casal, C... (150,00€ mensais e metade das despesas médicas e medicamentosas e das despesas de carácter excepcional).

Com estes fundamentos, pedia que, não sendo cumprida voluntariamente a prestação, fosse ordenado o desconto na retribuição mensal do Requerido ou que fosse accionado o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores para, em substituição do Requerido, proceder ao pagamento da pensão de alimentos.

Notificado o Requerido, veio o mesmo alegar que, na sequência da penhora de 1/3 do seu vencimento, está impossibilitado de pagar a pensão de alimentos, já que o seu rendimento disponível corresponde ao ordenado mínimo nacional e tem a seu cargo a esposa e dois filhos menores.

Reconhecida a situação de incumprimento e ordenada a notificação da entidade patronal do Requerido para proceder ao desconto das quantias devidas, esta veio informar que o mesmo tinha deixado de ser seu funcionário.

Na sequência desse facto, a Requerente veio solicitar a intervenção do Fundo de Garantia, pedindo que a prestação a cargo deste fosse fixada em 200,00€ mensais.

Foi solicitado o envio de informação social sobre as condições sociais e económicas do agregado familiar do menor e, na sequência desse facto, foi proferida a decisão que, a seguir, se reproduz:

Na senda da promoção de fls. 81, bem como da análise do relatório social de fls. 77, constata-se que o agregado familiar do menor, não reúne as condições de recurso à prestação de alimentos por banda do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

Destarte, ao abrigo do disposto no artigos 1.º, a contrario, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e uma vez que não se verificam as circunstâncias subjacentes à concessão das prestações pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, indefere-se o requerido a fls. 69 e 69.

Notifique”.

Discordando dessa decisão, a Requerente veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1. A douta decisão recorrida de 25 de Junho de 2012 indefere a prestação de alimentos por banda do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

2. Salvo o devido respeito, não pode a ora recorrente concordar com tal entendimento, porquanto o agregado familiar do menor preenche todos os pressupostos de que depende a prestação de alimentos por parte daquele Fundo.

3. Nos termos do disposto no art.º 1.º da Lei n.º 75/98 “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”, e,

4. Nos termos do n.º 2 do art.º 3.º do DL n.º 164/99, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 70/2010, entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não for superior àquele salário, e nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, o conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, são calculados nos termos do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho.

5. O cálculo da capitação do rendimento do agregado familiar, efectuado nos termos do DL n.º 70/2010, apurou um rendimento per capita do agregado familiar do menor (439,77€) inferior ao salário mínimo nacional.

6. O valor do património mobiliário do agregado familiar da requerente situa-se também abaixo do limite de 240 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) imposto pelo n.º 4 do art.º 2.º do DL n.º 70/2010, desta forma,

7. O agregado familiar da requerente preenche os requisitos de que a Lei faz depender a prestação de alimentos por parte do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

8. Já que das alterações operadas pelo DL n.º 70/2010 nenhum outro requisito foi adicionado.

9. Por tudo o supra exposto, entende-se que a decisão recorrida violou o disposto nos arts.º 1.º da Lei n.º 75/98 e 3.º do DL n.º 164/99.

10. Porquanto deveria ter condenado o FGADM a prestar alimentos ao menor em causa nos autos, em substituição do devedor incumpridor.

Com estes fundamentos, conclui pedindo que, na procedência do recurso, seja revogada a decisão recorrida e proferida nova decisão que fixe o montante da prestação a cargo do Estado, por via do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, em substituição do devedor.

O Ministério Público respondeu, formulando as seguintes conclusões:

1) A decisão proferida versou em erro, atento o teor do relatório social junto aos autos, o qual concluiu pela não verificação dos pressupostos de que depende a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores;

2) No caso vertente, encontram-se reunidas as condições legais para que a prestação de alimentos devidos ao menor seja suportada pelo Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, pois não foi possível lançar mão do mecanismo previsto no artigo 189º da O.T.M. e a capitação do rendimento do seu agregado familiar é inferior ao salário mínimo nacional.

Assim, conclui, deve ser revogada a decisão proferida, determinando-se a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em substituição do progenitor devedor.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se estão ou não reunidas as condições necessárias para que o menor possa beneficiar da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores e, em caso afirmativo, fixar o valor dessa prestação.


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III.

Entrando na análise do objecto do recurso, importa referir, em primeiro lugar, que a decisão recorrida não está minimamente fundamentada, quer em termos de facto, quer em termos de direito, já que, além de não enunciar a matéria de facto relevante, limita-se a afirmar que o agregado familiar do menor não reúne as condições de recurso à prestação de alimentos por banda do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, sem que diga porquê e sem que explicite qual é a concreta condição que não se verifica.

Aparentemente, a decisão recorrida limitou-se a reproduzir a conclusão vertida no relatório da Segurança Social (também ela não fundamentada) sem que tenha analisado os factos e a verificação (ou não) dos pressupostos legais da atribuição da prestação aqui em causa.

E, como veremos, aquela conclusão não tem apoio nos factos que constam dos autos.

Mas, suprindo a omissão da decisão recorrida, comecemos por enunciar a matéria de facto que resulta dos autos e releva para a decisão.

Tais factos são, pois, os seguintes:

1. Por decisão proferida em 25/09/2009, no processo de divórcio por mútuo consentimento que, sob o nº 1364/2009, correu termos na Conservatória do Registo Civil da Marinha Grande, foi homologado o acordo celebrado por B... e A... relativamente ao poder paternal do filho do casal, C..., nascido em 13/01/2004, nos termos do qual o progenitor do menor ficou obrigado a pagar, a título de alimentos devidos ao filho menor, a quantia mensal de 150,00€, ficando ainda obrigado a comparticipar em 50% as despesas médicas e medicamentosas, as despesas de educação e as despesas de carácter excepcional, devidamente documentadas (certidão de fls. 7 a 11).

2. O progenitor do menor não procede ao pagamento das aludidas prestações desde o mês de Janeiro de 2011, conforme reconhecido no despacho de 23/01/2012, proferido nestes autos.

3. Por despacho proferido nestes autos em 06/03/2012, foi ordenada a notificação da entidade patronal do progenitor do menor para proceder ao desconto no seu salário da quantia mensal de 150,00€ até perfazer o total de 2.100,00€ (prestações vencidas) e da quantia mensal de 150,00€ referente às prestações vincendas.

4. Tais descontos não foram efectuados, tendo a entidade patronal informado que o progenitor do menor tinha deixado de ser seu funcionário desde o dia 29/02/2012 (cfr. fls. 64).

5. O agregado familiar onde está inserido o menor é composto por ele próprio e pela mãe, A..., sendo que o rendimento do agregado familiar é composto pelo salário auferido pela mãe do menor, no valor mensal de 659,66€ (cfr. relatório social de fls. 77 a 80).

6. O agregado familiar tem como despesas fixas mais relevantes: a prestação referente à habitação (250,00€); electricidade, água e gás (72,00€) e passe social ou combustível (50,00€), a que acrescem as despesas referentes a alimentação, vestuário, calçado, saúde e educação (cfr. relatório social de fls. 77 a 80).

Analisemos agora esses factos à luz das normas jurídicas aplicáveis.

Dispõe o art. 1º da Lei nº 75/98 de 19/11, que “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.

Dispõe, por outro lado, o art. 6º nº 2 da citada lei que o pagamento das prestações fixadas nos termos desta lei é assegurado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

Tal lei veio a ser regulamentada pelo Dec. Lei nº 164/99 de 13/05, onde se reafirmou – no art. 3º, nº 1, - o disposto no art. 1º da citada Lei nº 75/98, dispondo ainda o nº 2 do citado art. 3º que:

Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário”.

Entretanto, surgiu o Dec. Lei nº 70/2010 de 16/06 – já em vigor à data em que foi proferida a decisão – que veio estabelecer novas regras de capitação dos rendimentos, alterando, por essa via, os requisitos de que depende aquela obrigação do Fundo.

O citado diploma, estabelecendo – segundo o disposto no seu art. 1º, nº 1 – as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos respectivos rendimentos para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito a diversas prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade, determinou, expressamente, no seu art. 1º, nº 2, alínea c), que tais regras são aplicáveis ao pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores e alterou o art. 3º do Dec. Lei nº 164/99, cujo nº 3 passou a ter a seguinte redacção: “O conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referidos no número anterior, são calculados nos termos do Dec. Lei nº 70/2010, de 16 de Junho”.

Em face das normas citadas, podemos concluir que a concessão da prestação aqui em causa pressupõe e exige que:

• Exista uma pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional;

• Que tal obrigação não seja cumprida, nem seja possível assegurar o seu cumprimento pelas formas previstas no art. 189º do Dec. Lei nº 314/78;

• Que o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, de acordo com as regras previstas no citado Dec. Lei nº 70/2010.

No caso sub júdice, mostram-se verificados os dois primeiros pressupostos, já que o progenitor estava judicialmente obrigado a prestar alimentos ao seu filho menor, residente em território nacional (sendo que, como decorre do art. 1776º, nº 3, do C.C., as decisões proferidas pelo conservador do registo civil no divórcio por mútuo consentimento produzem os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria) e tal obrigação não foi cumprida, nem foi possível assegurar o seu cumprimento pelas formas previstas no citado art. 189º.

Assim, e sendo certo que o menor não aufere qualquer rendimento, resta saber se beneficia ou não de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (no caso, a sua progenitora) em valor superior ao salário mínimo nacional, o que equivale a saber (como preceitua o art. 3º, nº 2, do citado Dec. Lei nº 164/99) se a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar é ou não superior ao salário mínimo nacional, que se encontra fixado em 485,00€.

Para esse efeito – e como já se referiu – importa atender às regras de capitação dos rendimentos que estão previstas no citado Dec. Lei 70/2010, onde se determina que, no apuramento da capitação dos rendimentos, a ponderação de cada um dos elementos do agregado é efectuada de acordo com a escala de equivalência fixada no art. 5º, em que o requerente da prestação tem o peso de 1, cada individuo maior tem o peso de 0,7 e cada individuo menor tem o peso de 0,5.

Ora, considerando que o agregado familiar é composto pelo menor e pela sua progenitora, considerando que ao menor deve ser atribuído o peso de 1 (por ser ele o titular da prestação e, portanto, o respectivo requerente) e que à progenitora deve ser atribuído o peso de 0,7 e que o rendimento do agregado familiar é de 659,66€, obtém-se o rendimento per capita de 388,03€ (659,66€:1,7) que é inferior ao salário mínimo nacional). Ainda que se considerasse (como se considerou no relatório social junto aos autos) que a requerente é a progenitora e que, como tal, é a esta que deve ser atribuído o peso de 1, atribuindo-se ao menor o peso de 0,5 (o que não se nos afigura correcto, já que o requerente da prestação é o menor, por ser ele o titular do direito), ainda assim o rendimento per capita seria de 439,77€ (659,66€:1,5) e, portanto, continuaria a ser inferior ao salário mínimo nacional.

Mostram-se, pois, verificados os pressupostos de que depende a concessão da prestação aqui em causa, a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

Resta-nos apurar o valor dessa prestação.

Em conformidade com o disposto no art. 2º da citada Lei 75/98 e art. 3º, nº 4, do citado Dec. Lei nº 164/99, tal prestação, não podendo exceder, mensalmente, o valor de 4 UC, deverá ser determinada atendendo à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.

Tal como supra mencionámos, o valor da prestação de alimentos que havia sido fixada – a cargo do progenitor do menor – era de 150,00€ mensais a que acresciam ainda 50% do valor das despesas médicas e medicamentosas, despesas de educação e despesas de carácter excepcional.

Mas, apesar de o valor dessa pensão ser um elemento a considerar na determinação do valor da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia, afigura-se-nos certo que esses valores não têm que coincidir.

Com efeito, e como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 18/06/2007, nº convencional JTRP00040499[1], “A prestação fixado ao abrigo dos mencionados diplomas legais é independente ou autónoma da anteriormente fixada ao devedor dos alimentos, em que o valor desta constitui apenas um dos elementos a ponderar na fixação daquela, podendo ser de montante inferior, fixada de acordo com as condições sociais e económicas actuais do menor e seu agregado familiar, e tem natureza subsidiária, pois que só é devida no caso de não ser possível cobrar a prestação alimentícia. A obrigação do Fundo de Garantia não é a nem tem de coincidir com a prestação alimentar anteriormente fixada; trata-se de uma prestação substitutiva, que pode ser inferior, por as condições mínimas de subsistência do menor não exigirem valor mais elevado, e pode ser superior, o que os citados normativos não obstaculizam”.

Apesar de a lei não exigir a coincidência de valor dessas prestações, não poderemos deixar de dizer que o valor da prestação que foi fixada ao devedor coincidirá – pelo menos, em regra – com o valor necessário ao sustento do menor e, nessa medida, a prestação a cargo do Fundo será, em regra, equivalente àquele valor, salvo se o mesmo se revelar manifestamente desadequado (por excesso ou por defeito) às necessidades do menor ou se tiver ocorrido alguma alteração dos pressupostos que determinaram a fixação daquela pensão, designadamente, a alteração das necessidades do menor ou dos rendimentos do agregado familiar em que está inserido.

No caso sub júdice, a prestação de alimentos havia sido fixada em 150,00€ (acrescida da comparticipação de 50% nas despesas acima mencionadas) e foi fixada nesse valor por acordo dos progenitores, impondo-se, por isso, presumir que esse era o valor que, à data, melhor se ajustava às necessidades do menor e aos rendimentos auferidos por cada um dos progenitores.

Como decorre da matéria de facto provada, o agregado familiar tem um rendimento de 659,66€ e tem como despesas fixas mais relevantes: a prestação referente à habitação (250,00€); electricidade, água e gás (72,00€) e passe social ou combustível (50,00€).

Abatendo essas despesas ao referido rendimento, obtém-se o valor de 287,66€, que é, manifestamente, insuficiente para prover ao sustento (alimentação, vestuário e calçado) de duas pessoas e para fazer às despesas de saúde e educação do menor.

Nada sabemos sobre as concretas e específicas necessidades deste menor (sendo certo que nada foi alegado a esse propósito) e, portanto, teremos que considerar e presumir que as suas necessidades não ultrapassam aquilo que é usual e normal para um menor dessa idade e que corresponderão, naturalmente, àquilo que, em termos de normalidade, é necessário para prover ao seu sustento com um mínimo de dignidade (alimentação, vestuário, calçado, saúde, educação).

E, nestas circunstâncias, parece-nos que o valor correspondente à prestação que se encontrava fixada (150,00€ mensais) será um valor ajustado à satisfação das necessidades essenciais do menor e que, somado ao rendimento auferido pela progenitora, permite obter (de acordo com as regras de capitação do rendimento acima mencionadas) um rendimento per capita de 476,27€, que se aproxima do valor do salário mínimo nacional. E é preciso não esquecer que um agregado familiar com um rendimento per capita de 486,00€ já não se encontraria em condições de beneficiar da referida prestação o que, de algum modo, também deverá ser ponderado – embora sem prejuízo das concretas circunstâncias e específicas necessidades do menor que possam justificar diverso procedimento – como limite da prestação a atribuir, sob pena de, por via da prestação atribuída, se colocar o agregado familiar numa posição bem mais vantajosa do que aquela em que se encontram muitos outros agregados familiares que, por disporem de um rendimento per capita de valor superior ao salário mínimo nacional, não podem obter tal prestação.

Fixamos, pois, nesse valor (150,00€) o valor da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia.   

Tais prestações são devidas a partir do mês seguinte ao da notificação do tribunal, conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 07/07/2009, proferido no processo 09A0682[2], que veio uniformizar jurisprudência nesse sentido, sendo certo que não encontramos nenhuma razão ou argumento que possa invalidar o que ali se decidiu e possa justificar a não aplicação da doutrina ali estabelecida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 713º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – No apuramento da capitação dos rendimentos para efeitos de concessão da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores e a efectuar de acordo com as regras instituídas pelo Dec. Lei nº 70/2010 de 16/06, cada um dos elementos do agregado familiar terá que ser ponderado de acordo com a escala de equivalência ali fixada, em que o requerente da prestação tem o peso de 1, cada indivíduo maior tem o peso de 0,7 e cada individuo menor tem o peso de 0,5.

II – Estando em causa uma prestação de alimentos devida a menor, é este o titular da prestação e, portanto, sendo ele o respectivo requerente, deve ser-lhe atribuído o peso de 1, na escala de equivalência a que se aludiu e para o efeito de apurar a capitação dos rendimentos.

III – Sem prejuízo das concretas circunstâncias do caso e das específicas necessidades do menor, na fixação do valor da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia deverá ainda ser ponderado o rendimento per capita a que tal prestação, somada ao rendimento do agregado familiar, irá conduzir, de acordo com as regras acima citadas, de forma a que, pelo menos em regra e sem prejuízo dos casos em que tal se justifique, tal rendimento não exceda o valor do salário mínimo nacional, de forma a evitar que, por via da prestação atribuída, se coloque o agregado familiar numa posição bem mais vantajosa do que aquela em que se encontram muitos outros agregados familiares que, por disporem de um rendimento per capita de valor superior ao salário mínimo nacional, não podem obter tal prestação.


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IV.
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, revogando-se a decisão recorrida, fixa-se em 150,00€ (cento e cinquenta euros) mensais a prestação de alimentos devida ao menor, C..., e a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão, procedendo-se às necessárias notificações, em conformidade com o disposto no art. 4º, nº 3, do Dec. Lei nº 164/99.
Sem custas.
Notifique.

Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Adjuntos: Dr.ª Maria Domingas Simões

                   Dr. Nunes Ribeiro


[1] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[2] Disponível em http://www.dgsi.pt.