Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
98/07.0JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PERDA DE EFICÁCIA DA PROVA PRODUZIDA
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - 2º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ART.º 328º, N.º 6, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Se o prazo de 30 dias a que se reporta o art.º 328º, n.º 6, do C. Proc. Penal, não é aplicável ao caso de uma sentença que sobe em recurso e no tribunal superior é anulada por falta de fundamentação, por exemplo, voltando depois ao tribunal recorrido para o suprimento do vício (a prova produzida anteriormente é válida independentemente do tempo que o tribunal levar para proferir nova sentença, mantendo-se intocado o juízo sobre os factos provados), então, também não é aplicável, e por maioria de razão, no caso em que um tribunal superior manda reenviar o processo para um novo julgamento.
Nem sequer faz sentido invocar que houve aqui perda de eficácia da prova produzida, sendo que há caso julgado parcial relativamente às questões que o tribunal superior não colocou para resolução pelo tribunal inferior, por força do reenvio.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
           
1. No processo comum singular n.º 98/07.0JALRA do 2º Juízo Criminal de Leiria, foram julgados os arguidos
A...,
B...
e C...
Na sentença datada de 8 de Fevereiro de 2012, decidiu-se:
«I – Condenar A... pela prática de um crime de abuso de poder p. e p. no art. 382 do C. P., ocorrido a 2-6-2006, na pena de cento e vinte dias de multa à taxa diária de oito euros;
II - Condenar B... e C... pela prática de um crime de abuso de poder p. e p. no art. 382 e art. 28 do C. P., ocorrido a 2-6-2006, na penas de cem dias de multa à taxa diária de doze euros;
III – Condenar A..., B... e C... a entregarem solidariamente o montante de três mil euros ao demandante, acrescida de juros moratórios à taxa legal desde 14-1-2009 até integral pagamento».
    
2. Inconformados, recorreram os 3 arguidos A..., B... e C....
RECURSO A ( A… )
São estas as suas conclusões (em transcrição):
«A- Por haver decorrido mais de 30 dias entre a data de 13.04.2010, na qual foi produzida prova na audiência de julgamento presidida pelo Mmo. Senhor Juiz do 1º Juízo Criminal, e a data de 15.12.2011, na qual se iniciou a produção de prova no julgamento presidido pelo Mmo. Senhor Juiz “a Quo”, tal vicissitude importa que a produção de prova já realizada perca eficácia, por violação do disposto no Art° 328°, n°6 do Cód. Proc. Penal.
B- Ainda e também porque o Mmo. Senhor Juiz “a Quo” não teve qualquer intervenção na produção da prova e sentença ou qualquer outro do processo presidido pelo Mmo. Senhor Juiz do 1° Juízo Criminal, importa que tais vícios consubstanciem a prática da nulidade p. e p. no Art° 120°, n°2, alínea d) do Cód. Proc. Penal.
C- Porque na “nova’ distribuição efectuada em obediência ao D. decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, foi excluído o 1° Juízo Criminal, tal constitui nulidade insanável por violação do disposto no Art° 426°-A, n° 2 do Cód. Proc. Penal e do princípio constitucional do “Juiz Natural” consagrado no Art° 32° da Constituição.
D- Ainda e também porque a realização de prova do “2° julgamento” estava relacionada directamente com matéria de facto já assente no 1° julgamento, versando apenas parte da matéria de facto desta, na qual não teve qualquer participação o Mmo. Senhor Juiz do 1° Juízo, ou seja, foi efectuada com inteira violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado nos Art° 654°, 730°, n° 1 e 731°, n° 2 todos do Cód. Proc. Civil, tal constitui nulidade insanável p. e p. pelo Art° 119°, alínea a) do Cód. Proc. Penal.
E- Porque o Mmo. Senhor Juiz “a Quo” tomou conhecimento de questões de que não podia conhecer e deixou de conhecer questões que devia decidir, como D. decidido ni identificado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, violou assim o disposto no Art° 379°, n° 1, alínea c) do Cód. Proc. Penal, o que determina também a nulidade da Sentença por indevida alteração da matéria de facto.
F- A fundamentação e análise criticas da matéria de facto da D. Sentença ora recorrida, mostra-se insuficiente e imperceptível por não fazer referência a quaisquer factos concretos ou mesmo a qualquer presunção que aponte para a conclusão da falsidade do parecer dado pelo arguido A..., o que constitui nulidade de falta de fundamentação da matéria de facto p. e p. pelo disposto no Art° 374°, n° 2 e 379°, n° 1, alínea a) ambos do Cód. Proc. Penal.
G- O Mmo. Senhor Juiz “a Quo” não fez uma correcta apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, considerando indevidamente como provados os Factos 11, 12, 13, 14. e 15, porquanto uma correcta e criteriosa apreciação da prova carreada importa que seja dada decisão oposta, ou seja, como não provados.
H- Dando-se os mesmos como provados (Factos 11 a 15), ao conjugá-los com os demais também dados como provados, verifica-se existir não só contradição insanável, quer perante a própria fundamentação, quer perante a decisão Art° 410°, n° 2, alínea b) do Cód. Proc. Penal, como também erro notório na apreciação da prova - Art° 410°, n° 2, alínea c) do mesmo diploma legal.
I- Tal contradição insanável e erro na apreciação da prova verifica-se ainda quando se conjuga o teor do documento de fls. 71/72 com o teor do testemunho dado pelo próprio assistente D... e das testemunhas Arquitecto E... e Dra. F....
J- Ora, devendo dar-se como não provados os Factos 11 a 15 e sendo assim conforme à realidade o parecer dado, não se vislumbra que o arguido A... tenha cometido qualquer ilícito criminal punível a título de dolo p. e p. no Art° 382° do Cód. Penal,
L- podendo apenas, quando muito dizer que, tal como se refere na 1ª D. Sentença “... se falta existe que possa ser assacada ao arguido A... pela condução do processo e do parecer dado e posterior revogação ou suspensão do mesmo, crê-se que tais circunstancias relevarão em sede disciplinar, enquanto erros de procedimento ou faltas de rigor ou atenção, que já não comportamentos com coloração dolosa criminal” (SIC),
M- razão porque deve em consequência ser absolvido não só da prática de abuso de poderes p. e p. pelo disposto no Art° 282° do Cód. Penal, como também da condenação cível D. decretada.
N. Foram violadas as disposições legais do Art° 23°, n.º 3, Art° 119°, alínea a), Artº 120º, nº 2, alínea d), Art° 328°, n° 3, Art° 374°, nº 2, Art° 379°, nº 1, Art° 410º, n° 2, alíneas b) e c), Art° 426° e 426°-A todos do Cód. Proc. Penal, Art° 654°, Art° 730°, n° 1 e Art° 731°, n° 2 estes do Cód.
Proc. Civil (“ex vi” Art° 4° do Cód. Proc. Penal), Art° 382° do Cód. Penal e Art° 29°, 32° e 208°,
n°1 da Constituição.

Termos em que não certamente pelo alegado, mas principalmente pelo alto critério de V.Exas, dando-se provimento ao recurso, deverá revogar-se a D. Sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva o arguido ora Recorrente da condenação criminal e cível, será feita como sempre a tão costumada JUSTIÇA».
 
RECURSO – conjunto - B (B...e C…)
São estas as suas conclusões (em transcrição):
«A) Tendo a prova produzida e sujeita ao princípio da oralidade e da imediação diferido mais de 30 dias entre a mesma, mediante a realização de um segundo julgamento contido a parte da matéria de facto daquela versada no primeiro julgamento e em que o Mm.° Juiz de Direito que presidiu ao primeiro julgamento e que proferiu a primeira sentença é distinto daquele que agora presidiu a este julgamento e que proferiu a sentença sob recurso, é ineficaz toda a prova produzida nos termos do disposto no n.° 6 do artigo 328.° do Código de Processo Penal, o que consubstancia a prática da nulidade prevista nos termos da alínea d) do n.° 2 do artigo 120.° do CPP, o que acarreta a invalidade do julgamento e da própria sentença sob recurso.
B) Ao determinar-se a remessa dos autos à distribuição pelos demais juízos, com exclusão do 1 •0 Juízo Criminal, foi violado o disposto no n.° 2 do artigo 426.°-A do C.P.P..
C) Ainda que assim se não entendesse, então a exclusão do 1.0 Juízo Criminal ao sorteio da distribuição consubstancia a violação do princípio constitucional do Juiz Natural — cfr. n.° 9 do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa.
D) Tendo o julgamento sido realizado por Juiz distinto daquele que realizara o julgamento e proferira a decisão anterior, o Juiz que ora proferiu a decisão sob recurso carecia de jurisdição para proceder ao novo julgamento, donde a sentença está ferida de nulidade insanável, por violação das regras de composição do tribunal — cfr. alínea a) do artigo 119º do Código do Processo Penal.
E) A assim não se entender, a constituição de um novo tribunal, para a realização de novo julgamento versando apenas parte daquele já anteriormente realizado mas em que a matéria de facto já apurada e assente nos autos relaciona-se directamente com aquela que se mantém controvertida e que é o objecto do novo julgamento, consubstancia a violação do princípio da plenitude dos juízes do julgamento até à decisão final que tem consagração nos artigos 654.°, 730º, n.º 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 4.° do CPP, o que consubstancia uma nulidade insanável nos termos da alínea a) do artigo 119º do Cód. do Processo Penal.
F) Se o legislador impôs, sob pena de perda de eficácia da prova sujeita à imediação e à oralidade, não poderem diferir mais de 30 dias entre cada audiência, evidentemente que quando ditou as regras do reenvio também não pretendeu acometer a nova apreciação da matéria de facto em novo julgamento - mais a mais quando este respeita apenas a parte daquela matéria de facto -, a um novo tribunal composto por juiz(es) que não tenha(m) estado presente(s) no primeiro julgamento.
G) Ao invés, já se o legislador entendeu sacrificar o princípio da plenitude dos juízes, então recaímos numa situação de violação dos princípios da concentração e imediação da produção de prova quando, volvidos bem mais de 30 dias, se determina a realização de novo julgamento a um novo juiz, contido este julgamento apenas a uma parte da matéria de facto que integra um universo factual no qual este magistrado não acompanhou nem julgou a produção de prova anteriormente realizada.
H) Quer a exclusão de factos já anteriormente e definitivamente julgados como não provados, quer a omissão em absoluto de julgamento de factos que deveriam ter sido objecto do segundo julgamento, equivale a concluir que o tribunal a quo tomou conhecimento de questões que lhe estavam vedadas conhecer bem como, quanto a outras, que deixou de conhecer questão que deveria apreciar e decidir, respectivamente, o que acarreta a nulidade da sentença por violação do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 379.° do Código de Processo Penal.
I) Atento o disposto no artigo 208.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa e aos citados artigos 374.° n.° 2 e 379.° n.° 1 alínea a) do Código de Processo Penal, resulta evidente que a sentença ora recorrida é manifestamente insuficiente na sua fundamentação e na análise crítica das provas, bem como na omissão de elementos probatórios, tornando-se impossível compreender qual a linha de raciocínio percorrido de modo a possibilitar o controlo endoprocessual e extraprocessual da sentença.
J) A fundamentação dos factos descritos de 11) a 15) dos factos provados, e sobre os quais deveria recair a fundamentação da sentença recorrida, é manifestamente insuficiente ao ponto de não permitir, em absoluto, a apreensão por parte dos recorrentes dos fundamentos que determinaram o julgamento positivo de tais factos.
K) Fundamentar tal conclusão de falsidade é exactamente isso mesmo, indicar quais os concretos factos que se apuraram e que demonstrem uma real e efectiva desconformidade ante o narrado no referido parecer, o que equivale dizer que o Tribunal deveria enunciar de facto, quais as concretas obras em falta e/ou que não haviam sido realizadas, o que não fez.
L) Concluir pela falsidade da declaração vertida no parecer sem identificar qual a realidade fáctica em concreto desconforme com o parecer, equivale a absoluta falta de fundamentação.
M) A sentença recorrida não despende uma única linha no sentido de fundamentar assente em quaisquer factos concretos, ou sequer em presunções decorrentes de quaisquer factos (que sequer enuncia), dos quais tenha resultado demonstrado que a actuação do arguido A... decorreu de uma solicitação dos aqui recorrentes.
N) A sentença recorrida padece de ausência de fundamentação e de exame crítico das provas, o que acarreta a sua nulidade nos termos do n.° 2 do artigo 374.° e da alínea a) do n.° 1 do artigo 379.°, ambos do Código de Processo Penal.
O) Os factos tidos como provados de 11) a 15), ante os demais já tidos como tal, encerram uma contradição insanável da fundamentação e da decisão — cfr. alínea b) do n.° 2 do artigo 410.° do CPP — bem como um erro notório na apreciação da prova — cfr. alínea c) do n.° 2 do artigo 410.° do Código de Processo Penal.
P) Se o parecer é falso — facto 11) - como se concluiu na sentença sob recurso, necessário seria que os recorrentes não houvessem executado as sobreditas obras referidas nos pontos 7), 8) e 9) dos factos provados àquela data do parecer do arguido A.... Ora, resultou demonstrado exactamente o contrário, ou seja, resulta como não provado que os arguidos recorrentes não houvessem executado essas mesmas obras conforme decorre dos pontos 1), 2) 3) e 5) dos factos dados como não provados.
Q) O que encerra uma contradição insanável da própria decisão.
R) De igual modo, para que também se concluísse por tal falsidade, necessário seria que os arguidos estivessem obrigados a executar exactamente essas mesmas obras referidas nos pontos 7), 8) e 9) dos factos dados como provados, que o não estão.
S) Primeiramente, e como se referiu, porquanto tal resulta da factualidade dada como não provada e constante do respectivo rol sob os pontos 1), 2) 3) e 5) e, em segundo lugar, porque a própria motivação da sentença revela exactamente o contrário, ou seja, que tais obras constavam de um projecto de espaços verdes que nunca veio a ser aprovado e, consequentemente, a vincular os recorrentes à sua execução.
T) Assim, é manifesta a insanável contradição entre a própria fundamentação da matéria de facto em si - que claramente enuncia que os recorrentes não se encontravam obrigados à execução das obras previstas no segundo projecto (nunca aprovado) bem como de que os recorrentes haviam executado, à data do parecer do arguido A..., a totalidade das obras a que se encontravam vinculados por conta do projecto inicial, único aprovado e legalmente vinculativo -, bem como entre aquela e a decisão de julgamento que deu como provado o facto vertido no ponto 11) - ou seja, de o parecer do arguido A... era falso.
U) Fundamentar que as obras a que os arguidos estavam vinculados a executar se encontravam efectivamente edificadas à data do parecer, é manifestamente contraditório com a decisão de dar como provado “que o arguido A... proferiu o parecer acima indicado que sabia ser falso e que actuava em violação dos seus deveres funcionais enquanto Chefe da Divisão de Parques e Espaços Verdes”.
V) Tal contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quer tal erro notório na apreciação da prova, infirma e contamina igualmente, e exactamente pelas mesmas razões, qualquer pretensa solicitação de terceiros para a sua execução — facto provado sob o ponto 12) -, quer quaisquer razões de intencionalidade — factos 13), 14) e 15) -, para a prática de um facto que não é falso (emissão do parecer conforme a realidade existente, construída e vinculativa para os promotores).
W) Os factos dados como provados de 11) a 15) provados, conjugados com os demais já tidos como provados, encerram uma contradição insanável quer ante a própria fundamentação quer ante a respectiva decisão — cfr. alínea b) do n.° 2 do artigo 410.° do Código de Processo Penal — bem como um erro notório na apreciação da prova — cfr. alínea c) do n.° 2 do artigo 410.° do Código de Processo Penal.
X) Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.° 3 do artigo 412.° do Código de Processo Penal, os recorrentes entendem que foram incorrectamente julgados os factos dados como provados e constantes dos pontos 11) a 15) do respectivo rol, ante a prova testemunhal produzida, toda ela gravada, bem como à prova documental junta aos autos.
Y) Quanto ao facto 12) - Não existem quaisquer meios probatórios que possam ser renovados porquanto nenhuma testemunha respondeu quanto a tal facto; nem existe nos autos qualquer prova documental a tal respeito; nem resulta da fundamentação da sentença qualquer facto que motive o raciocínio que o Tribunal recorrido haja percorrido para alcançar tal conclusão; sequer o Tribunal a quo desenvolveu qualquer raciocínio, ainda que assente em presunções, para concluir da forma descrita.
Z) Quanto ao facto 11) - As obras vinculativas para os recorrentes são aquelas que resultam do projecto de espaços verdes aprovado que consta da Caixa 1, Pasta 2, fls. 262 do processo de camarário apenso aos presentes autos e, como do mesmo decorre, as únicas obras impostas aos recorrentes são a construção de um depósito de água bem como de um parque infantil que aí se anunciam de forma evidente.
AA) Quanto ao depósito de água, será de todo desnecessária a sua referência porquanto nunca foi colocado em crise que o mesmo não haja sido executado, sequer consta da acusação pública que o mesmo não houvesse sido construído à data do parece.
BB) Quanto à construção do parque infantil, resultou como não provado que “não estivessem construídos equipamentos de recreio e desportivo”, conforme ponto 6.° do rol dos factos não provados da primeira sentença de 1 a instância proferida e que a presente sentença, ora recorrida, inexplicavelmente omitiu em absoluto.
CC) Desta feita, realizando os aqui recorrentes a conferência da realidade de facto edificada à data de Junho de 2006 e existente no local, logo resulta demonstrado que o parecer favorável emitido pelo arguido A... era conforme à realidade - vide declarações da testemunha F… , depoimento registado de lhO5ml2s a 1h06m29s e lhO7mlOs a lhO7m4ls através do sistema integrado de gravação digital cfr. acta de audiência de julgamento de 10,03.2010; vide ainda declarações da testemunha E..., depoimento registado de l2mOOs a 13m03s e de 42m07 a 42m25s através do sistema integrado de gravação digital cfr. acta de audiência de julgamento de 13.04.2010.
DD) Confrontando as exigências de execução decorrentes do projecto de espaços verdes aprovado e que consta da Caixa 1, Pasta 2, a fls. 262 do processo de licenciamento camarário apenso aos presentes autos, com os factos provados e factos não provados, logo se extrai que não existe qualquer obra que àquela data do parecer do arguido A... os recorrentes não houvessem executado.
EE) Portanto, o parecer emitido não é falso, outrossim é fiel à realidade construída e exigível à data da sua emissão, donde os factos tidos como provados de 11) a 15) do respectivo rol, devem ser tidos como não provados.
FF) Sendo o crime de abuso de poderes um crime que depende das qualidades funcionais do seu agente, logo se extrai que os recorrentes, que não reúnem tais qualidades de funcionário, nunca poderiam ter praticado o tipo ilícito criminal pelo qual se mostram condenados.
GG) Não sendo os recorrentes funcionários também não lhe estavam confiados quaisquer poderes ou deveres funcionais dos quais os mesmos pudessem, aliás por impossibilidade natural, ter abusado, violado ou omitido.
HH) A tutela do bem jurídico salvaguardado pelo tipo legal de crime de abuso de poder é confiada a um funcionário, razão pela qual o sujeito activo do tipo de ilícito criminal terá de deter a qualidade de funcionário na sua definição constante do artigo 386.° do Código Penal.
II) Ainda que à luz do disposto no artigo 28.° n.° 1 do Código Penal, é impossível que um não funcionário seja co-autor deste tipo objectivo de ilícito na medida em que nunca lhe foram conferidos, confiados ou investidos quaisquer poderes ou deveres de funcionário dos quais possa ter abusado ou violado.
JJ) Sendo a culpa sempre uma vontade antijurídica individual e intransmissível, um não funcionário, tal como os aqui recorrentes, nunca poderiam ter actuado com dolo de violar os deveres ou de abusar dos poderes de funcionário quando os não detinham e nos quais não foram investidos.
KK) Também não se demonstra preenchido o tipo subjectivo de ilícito exigido pelo artigo 382.° do Código Penal, sendo certo que, e sem conceder quanto ao atrás referido, o artigo 28.° apenas poderá comunicar aos demais a ilicitude do facto e não a culpa específica e inerente à qualidade de funcionário.
LL) A conduta dos recorrentes não integra a prática de qualquer tipo legal de crime, nomeadamente o crime de abuso de poder, sendo certo que qualquer outro entendimento, tal como aquele plasmado na acusação, não encontra na lei penal qualquer descrição típica alternativa que permita enquadrar penalmente a posição dos arguidos sem violar o princípio da legalidade que o artigo 1.0 do Código Penal e artigo 29.° da Constituição da República Portuguesa.
MM) Sem nunca conceder, o valor da condenação do pedido cível, atenta a exiguidade dos factos provados a tal respeito — factos 16) a 19) -, bem com a diminuta relevância que os mesmos assumem — respeitam a um mero desgosto do assistente e, no mais, à realização de diligências próprias e inerentes a quem optou por assumir a posição processual de assistente -, revela-se manifestamente excessiva.
NN) Foram violadas, por incorrecta interpretação e aplicação, as normas constantes do artigo 29.°, 32.° e 208.° n.° 1, todas da Constituição da República Portuguesa; as normas constantes dos artigos 1º, 28.° e 382.° do Código Penal; e as normas constantes do artigo 4.°, da alínea a) do artigo 119°, da aliena d) do n.° 2 do artigo 120°, n.° 6 do artigo 328.°, n.° 2 do artigo 374°, n.° 1 do artigo 379°, alíneas b) e c) do n.° 2 do artigo 410.°, 426.°, 426.°-A, 654°, 730º n.° 1 e n.° 2 do artigo 731°, estes todos do Código de Processo Penal.
TERMOS EM QUE NESTES E NOS MELHORES DE DIREITO,
os quais V.as Ex.as doutamente suprirão, deve ao presente recurso ser concedido provimento nos termos propugnados nas conclusões deverá a sentença recorrida ser revogada nesses exactos termos, e a mesma substituída por acórdão que absolva os recorrentes quer da condenação criminal quer da condenação cível».


3. O Ministério Público em 1ª instância RESPONDEU ao recurso, pedindo a sua improcedência, assim concluindo:
1º - Efectuado o julgamento foi proferida sentença que condenou os arguidos A..., B... e C... pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p., pelo art.382° (e 28°) do C.Penal, respectivamente em 125 dias de multa à taxa diária de 8,00 €, em 100 dias à taxa diária de 12,00€ e em 100 dias à taxa diária de 12,00€.
2° - Em nosso entender, da conjugação dos art.40°, 426°, n°1 e 426°-A, do C. P. Penal, resulta que quando o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, não podendo porém intervir o juiz que tiver intervindo em julgamento anterior, ou, no caso de tal não ser possível, compete ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida. E assim sendo, cremos que no caso “sub júdice” os presentes autos foram, e bem, remetidos à distribuição pelos restantes juízos deste Tribunal Judicial (2° e 3° Juízo Criminal), declarando-se o impedimento do juiz que participou no primeiro julgamento (Juiz Titular do 1° Juízo Criminal).
3° - No caso em apreço o julgamento ao decorrer no 1º Juízo Criminal e no 2° Juízo Criminal deste Tribunal Judicial verificou-se o cumprimento escrupuloso do n.°6 do artigo 328.° do Código de Processo Penal, não existindo pois a invocada nulidade prevista na alínea d) do n.° 2 do artigo 120.° do CPPenaI.
4° - Da leitura da sentença ora recorrida resulta que não se verificou a exclusão de factos já anteriormente e definitivamente julgados como não provados ou a omissão em absoluto de julgamento de factos que deveriam ter sido objecto do segundo julgamento, i. é, o tribunal “a quo” não tomou conhecimento sobre questões que lhe estavam vedadas conhecer, bem como conheceu de todas as questões que deveria apreciar e decidir, inexistindo pois nulidade da sentença por violação do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 379.° do Código de Processo Penal.
5º- Extrai-se ainda da leitura daquela o cumprimento do preceituado no n°2 do artigo
374° do C.P.Penal verificando-se a fundamentação com a enumeração dos factos provados, e não provados, bem como uma exposição suficiente, ainda que concisa, dos motivos de facto e direito que fundamentaram a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não se verificando portanto violação do disposto no n° 2 do art. 374° do C.P.Penal, e a apontada nulidade enunciada na al. a) do n°1 do art.379°, do C.P.Penal.

6° - Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410°, n°2, al. a), do C.P.P, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição. Cremos porém não restar qualquer dúvida que o enquadramento jurídico não merece a mínima censura, sendo certo que a sentença fornece a indicação de todo os elementos devidos, nomeadamente de todos os elementos objectivos e subjectivos constitutivos do crime em referência e dos necessários à determinação da medida da pena.
7°- Não se verifica também contradição insanável de fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, sendo certo que para que esta esteja presente têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso, o que de forma nítida não ocorre na sentença recorrida.
8° - Em nosso entender, o M mo Juiz apreciou correctamente a prova produzida em audiência, retirando as conclusões lógicas que a matéria dada como provada impunha, fazendo apelo ao principio consagrado no artigo 127° do CPP, sem olvidar que a audiência de julgamento obedece também ao princípio da imediação e encontra-se estreitamente ligado ao principio da oralidade, sendo certo que a convicção do julgador nesta primeira instância, em nosso entender, não se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
9° - Por conseguinte, com o devido respeito, conclui-se que, atentos as declarações e os depoimentos produzidos em audiência e examinada a restante prova constante dos autos, nomeadamente a documental, não resulta da sua análise crítica e conjugada, razão válida para que se altere o juízo valorativo expressamente formulado na decisão recorrida, não havendo nos autos — em nosso entender - provas que imponham decisão diversa da recorrida. E assim sendo, cremos que não se verifica incorrecção na apreciação da prova.
10° - Em harmonia com o art. 410°, n°2, al.c) do Código Processo Penal, o erro notório na apreciação da prova, tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, está vedada a possibilidade de consulta de outros elementos constantes do processo. Ora, no caso vertente, não se verifica a existência do erro notório da apreciação da prova, tendo os recorrentes apenas se manifestado contra o modo como o tribunal fixou a matéria de facto.
11°- Atento o disposto nos artigos 28° e 382.°, do Código Penal extrai-se que o crime se consuma através do abuso de poderes ou da violação dos deveres às funções do agente, estando este com intenção de obter para si ou para terceiro, beneficio ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, sendo certo que a qualidade de funcionário é comunicante. Face ao exposto, e atenta a prova produzida e a matéria de facto dada como provada, a conduta dos recorrentes integra a pratica do crime de abuso de poder.
12º- Assim sendo, em nosso entender, não podem proceder portanto os recursos, devendo fixar-se definitivamente a matéria de facto dada como assente na sentença ora recorrida, e assim subsumir esta ao crime em referência, bem como manter-se nos seus precisos termos as penas impostas aos arguidos, sendo certo que não foram violados quaisquer princípios ou preceitos legais, nomeadamente os indicados pelos recorrentes, e não se verifica qualquer irregularidade, nulidade ou inconstitucionalidade»

            4. Admitidos os recursos e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República deu o seu parecer, pedindo a improcedência dos mesmos.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. QUESTÕES A RESOLVER

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso[1], as questões a decidir consistem em saber:
            RECURSO A
· Foi violado o disposto no artigo 426º-A/2 do CPP?
· Foi violado o disposto no artigo 328º/6 do CPP?
· Existe a nulidade do artigo 379º/1 c) do CPP ao excluírem-se factos que antes haviam sido definitivamente dados como provados e ao omitir-se o julgamento de factos que deveriam ter sido objecto do 2º julgamento?
· Existe a nulidade do artigo 379º/1 a) do CPP por falta de fundamentação da matéria de facto?
· Houve erro de julgamento no que tange aos factos 11 a 15?
· Estão perfectibilizados os requisitos objectivos e subjectivos do crime de abuso de poder?

            RECURSO B
· Foi violado o disposto no artigo 426º-A/2 do CPP?
· Foi violado o disposto no artigo 328º/6 do CPP?
· Existe a nulidade do artigo 379º/1 c) do CPP ao excluírem-se factos que antes haviam sido definitivamente dados como provados e ao omitir-se o julgamento de factos que deveriam ter sido objecto do 2º julgamento?
· Existe a nulidade do artigo 379º/1 a) do CPP por falta de fundamentação da matéria de facto?
· Houve erro de julgamento no que tange aos factos 11 a 15?
· Há vícios do artigo 410º/2 do CPP?
· Estão perfectibilizados os requisitos objectivos e subjectivos do crime de abuso de poder?
· É excessiva a condenação cível?

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA

            2.1. O tribunal a quo considerou provados e não provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):
            FACTOS PROVADOS:
«1) No ano de 2006 e anteriores, o arguido A... exercia funções na Câmara Municipal de W..., com a categoria de Chefe de Divisão de Parques e Espaços Verdes;
2) Competia-lhe a coordenação funcional e gestão dos recursos humanos afectos à Divisão de Parques e Espaços Verdes, bem como a concepção, construção e manutenção dos Espaços Verdes pertencentes ao município e a emissão de pareceres nos projectos de loteamento promovidos por particulares, no tocante aos espaços verdes;
3) No âmbito do Projecto de Loteamento n.º ..., da Urbanização … , aprovado pela Câmara Municipal, na parte referente aos espaços exteriores, os promotores imobiliários apresentaram um projecto de enquadramento;
4) E nesses precisos termos foi aprovado, fazendo parte integrante do aludido projecto de loteamento;
5) Sabiam que qualquer alteração ao projecto aprovado carecia de apresentação de projecto de alteração ou proposta, a apresentar pelo loteador;
6) Que, uma vez admitido no projecto de loteamento, seria apresentado à Divisão dos Espaços Verdes para emissão de parecer;
7) O que seria presente ao Vereador do Pelouro da área dos loteamentos para despacho;
8) Em Junho de 2006 não se mostravam construídos nem semeados os relvados nem havia sido construído o furo artesiano, nem quaisquer infra-estruturas de rega;
9) Nem estavam instalados os equipamentos de recreio;
10) No dia 02.06.2006, A..., no âmbito das suas funções públicas, e por referência ao loteamento n.º ..., emitiu um parecer afirmando que «Após análise feita ao processo em epígrafe e vistoria do local concluo que o projecto foi executado conforme a proposta, pelo que proponho que seja feita a recepção definitiva do espaço em questão. Deste modo, poderá ser liberta a caução referente aos arranjos exteriores (espaços verdes)»;
11) O arguido A... proferiu o parecer acima indicado que sabia ser falso e que actuava em violação dos seus deveres funcionais enquanto Chefe da Divisão de Parques e Espaços Verdes;
12) O arguido o fazia a pedido dos outros dois arguidos com o intuito de a Câmara Municipal libertar a caução prestada pela sociedade « … Lda.», de que aqueles arguidos são sócios e gerentes e desse modo aquela sociedade deixasse de pagar mais juros bancários relativos à caução prestada e assim obter um benefício que sabiam ilegítimo e em prejuízo dos moradores na aludida urbanização que ao adquirirem os seus prédios pagaram o preço também em função das envolventes físicas e infra-estruturas do mesmo, constantes do projecto de loteamento;
13) Os arguidos bem sabiam que A... ao emitir aquele parecer estava a violar os deveres inerentes às suas funções, o que quiseram;
14) Os arguidos sabiam que aquele não tinha sequer poderes para autorizar nem acordar com os demais arguidos qualquer alteração ao projecto aprovado;
15) Os arguidos agiram sempre consciente, livre e deliberadamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas;
16) A não execução do projecto de espaços verdes projectado para a sua urbanização causou no assistente e restantes habitantes desgosto, por verem frustradas as suas expectativas;
17) O assistente encetou esforços junto das entidades competentes para conseguir que tudo o que havia sido projectado fosse concluído e solicitar junto da Câmara Municipal de W... que fosse atendido pelo vereador competente, o que efectivamente aconteceu, e foi a várias reuniões de Câmara para poder ver o seu problema discutido;
18) Despendeu muitas horas em que não trabalhou para poder fazer valer os seus direitos;
19) E teve de se deslocar à Polícia Judiciária e ao Tribunal;
20) O arguido A... é engenheiro e encontra-se actualmente aposentado, auferindo uma reforma mensal no montante de €1.607,00; suporta uma prestação bancária mensal, pela aquisição de habitação própria, no montante de €160,00 e uma outra, pela aquisição de automóvel, no montante de €300,00;
21) O arguido B...é construtor civil, administrador da firma …, Lda. e aufere o vencimento mensal de €2.500,00; a sua mulher é doméstica; tem dois filhos maiores a seu cargo, estudantes;
22) O arguido C... é construtor civil, administrador da firma …, Lda. e aufere o vencimento mensal de €2.500,00; tem dois filhos maiores a seu cargo;
23) O arguido A... foi anteriormente condenado no PS n.º 74/07.3PTLRA deste Tribunal e Juízo, por condução em estado de embriaguez, por factos praticados em 2007, na pena de 80 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir por seis meses, já extintas pelo cumprimento;
24) Os arguidos B...e C... não têm antecedentes criminais.
25) Hoje o projecto está executado em conformidade.

FACTOS NÃO PROVADOS:
1) Que os promotores do loteamento obrigaram-se, além do mais, a procederem aos trabalhos de regularização do terreno, construção de muretes, construção de áreas pavimentadas, instalação de rede de rega e drenagem, instalação de equipamento de recreio e desportivo, fornecimento de terra viva e fertilização, plantação de árvores e arbustos e sementeiras, tudo em conformidade com o Caderno Técnico de Encargos, parte integrante do projecto;
2) Que se obrigaram também a que «a dotação de água nos espaços verdes seria garantida através de um furo cuja localização surge representada na peça desenhada respeitante (Infra – estruturas – Rede de Rega), tendo sido considerado um caudal de 10m3/h e uma pressão de 4,5 Kg/cm2”;
3) Que a alimentação da rede de rega foi programada «para a funcionar com alimentação de água a 4,5 Kg, estando prevista a ligação a um furo localizado junto dos reservatórios. Do furo derivará a rede de tubagem principal do sistema de rega que percorrerá todos os espaços a regar e alimentando a tubagem secundária», como bem sabiam todos os arguidos;
4) Que nunca tenha sido apresentado qualquer projecto ou proposta de alteração ao projecto de loteamento inicialmente aprovado;
5) Que em Junho de 2006 não tinham sido plantadas quaisquer árvores ou arbustos em conformidade com o projecto;
6) Que de momento, apenas se encontra concluído, e parcialmente, o parque infantil e o circuito de manutenção;
7) Que todos os habitantes da urbanização convivem, há cerca de três anos com pousios e brita, não podendo o assistente e todos os habitantes da referida urbanização utilizar em lazer as zonas de jardim, nem utilizar o parque infantil para recreio das crianças e os espaços desportivos;
8) Que o assistente convivia com mato alto que atraía todo o tipo de bichos, e no verão com cobras na entrada dos prédios, cães vadios a correr no meio das ervas altas que deixavam junto dos prédios todo o tipo de parasitas, como pulgas;
9) Que os moradores não arriscavam em deixar as suas crianças brincar na rua;
10) Que o imóvel adquirido pelo demandante e restantes moradores da urbanização vale hoje muito menos do que o preço que foi pago, uma vez que o espaço envolvente tem grande peso neste valor e alguns dos moradores já equacionaram vender a fracção pois estão desgostosos por morarem numa urbanização cercada de mato sem qualquer espaço verde;
11) Que o demandante se sinta desgastado física e moralmente por todos os esforços por se ver privado do uso do espaço projectado para a sua urbanização.

2.2. Para formar a sua convicção, argumentou assim o tribunal «a quo» (transcrição):
a)Os arguidos esclareceram com credibilidade a sua situação económica e de vida, exercendo, contudo, validamente, quanto aos factos imputados, o seu direito legal ao silêncio.
b) F..., vereadora da CM no pelouro do desenvolvimento económico, ambiente e espaços verdes desde 2002 a 2009, esclareceu em síntese, que se realizou em 2004 uma reunião entre um morador da Urbanização … – o assistente D... – em que este se “queixou” que os espaços verdes da urbanização não condiziam com o previsto no projecto de loteamento (que este munícipe julgava que tinha “direito”); consultou o processo e constatou a existência de um projecto de espaços verdes pouco pormenorizado que efectivamente contemplava uma zona de espaços verdes e uma ligação á rede de águas públicas, ligação essa que veio a revelar-se inexequível em face da orientação seguida pelo SMAS (serviço de águas e saneamento da Câmara), o que implicava a redução da área de espaços verdes da urbanização em causa; esclareceu que o projecto de espaços verdes inicialmente aprovado e constante do processo de loteamento camarário n.º ... não foi o projecto de espaços verdes que o munícipe D... viu depois, mais tarde, já que aqueloutro inicial, efectivamente aprovado e legalmente em vigor, previa uma área de relva muito menor e era globalmente um projecto muito incipiente e rudimentar (pouco densificado ou pormenorizado, o qual, em rigor, como precisou, nem sequer tinha projecto de rega), sendo certo que o projecto que esse munícipe consultou era outro projecto que surgiu mais tarde e que “entrou” no processo de loteamento da Câmara, mas que nunca foi aprovado, não estando nem tendo de estar em vigor, nem vincular ninguém; referiu que os arguidos B...e  C… eram os promotores do loteamento e que ao arguido A... cabia acompanhar o projecto, bem como por uma equipa de técnicos da CM (espaços verdes, infra-estruturas, etc.) e que quando o arguido A... deu parecer, estava necessariamente a reportar-se ao projecto de espaços verdes inicial, primitivo e aprovado que o promotor realizou no local, sendo certo que, apesar desse parecer, a caução bancária não chegou a ser logo libertada, mais explicitando que os passeios e espaços verdes, tal como constava desse projecto, foram efectivamente feitos (já que se deslocou ao local e viu espécies arbóreas e brita; tudo cuja execução precede o recepcionamento da obra pela CM, como precisou), porque o promotor só é obrigado a entregar o espaço tal como decorre do projecto e não qualquer outro (sendo certo que o que acabou, mais tarde, por ser executado, decorre de outro projecto e que nada tem a ver com o projecto a que o parecer do arguido A... se reporta); mais tarde os promotores do loteamento acabaram por fazer o que o município quis e exigiu (e que acabou por ficar, contra o previsto no projecto inicialmente aprovado, muito mais oneroso e dispendioso para os arguidos B...e C... e a que estes não estavam obrigados a cumprir), na sequência de exigências feitas pelos moradores, embora sem correspondência com o projecto de espaços verdes legal e aprovado; esclareceu as suas afirmações com a análise dos sucessivos projectos de espaços verdes juntos aos autos e, em especial, esclareceu o primitivo projecto de espaços verdes aprovado constante do processo de loteamento constante na Pasta 2 a fls. 262 da Caixa 1 do Apenso, explicando que, à altura, eram muito menores as exigências urbanísticas quanto a espaços verdes, os quais não têm necessariamente de ser relva, podendo ser também brita decorativa, como hoje se vê pelo país; conferiu que o equipamento para parque infantil foi recepcionado no estaleiro da CM e não foi logo aplicado no respectivo espaço existente, previsto para o efeito, para não ser vandalizado, o que só é feito com a recepção da obra, sendo certo que é o empreiteiro e não o promotor que faz a manutenção dos espaços verdes e só após a recepção da obra é que essa manutenção passa a ser assegurada pelo Município, não podendo – precisou - confundir-se falta de manutenção (que admite ter existido) com falta de execução de espaços verdes (existentes e executados) .
c) O assistente D... esclareceu com credibilidade que enquanto morador na urbanização em causa desde 2005 se deslocou à CM para consultar o processo de loteamento e viu que “nada do que estava no projecto estava feito no local” quanto a relvados, espaço infantil, rega, circuito de manutenção, etc., tendo-lhe sido dito na Câmara que “houve um erro porque havia um despacho que não devia dado e um erro na apreciação do projecto”; esclareceu que sobre que, quanto a espaços verdes, existia um projecto inicial, menos completo e que depois surgiu outro projecto, mais completo, mas “disseram-lhe” que o segundo projecto é que estava em vigor, daí protestar por querer que o projecto fosse executado no local onde vive por se tratar de um direito que lhe assiste enquanto morador e daí constituiu uma comissão de moradores para exigir o cumprimento desse segundo projecto, esclarecendo que o arguido A... lhe chegou a verbalizar que não tinha de cumprir esse segundo projecto; referiu que, por consenso, foi elaborado um terceiro projecto de espaços verdes em 2007 e que nada tem a ver com o projecto a que se reporta o parecer de 2006 do arguido A...., anterior morador na urbanização em causa, referiu que chegou a deslocar-se à CM com o assistente onde lhe foi mostrado o projecto de espaços verdes e constatou que não coincidia com o que estava executado no local, referindo que chegou à fala com o arguido A... e que este lhe disse que o que estava feito era o possível por haver problemas de água e que “tinha de ser assim”, confirmando que no local existia um espaço verde com brita e o espaço destinado ao parque infantil (e que o material/equipamento para instalação estava disponível na Câmara), embora com algum mato; confirmou que o projecto de fls. 262 da Pasta 2 da Caixa 1 do Apenso não foi o projecto de espaços verdes que lhe foi mostrado na Câmara que desconhece, mas sim um outro, diferente; referiu que houve reuniões na CM para se chegar a um consenso sobre as “coisas” a fazer na urbanização e viu um projecto de alterações nesse sentido; esclareceu que na altura dos factos os espaços verdes tinham brita preta e branca com algum mato e pequenas árvores e que soube o que era para ser feito nos espaços verdes pelo empreiteiro que lhe disse “por alto” e teve conhecimento que houve dificuldades na execução de um furo por não haver água. … , morador na urbanização em causa referiu que em 2005 toda a envolvente era constituída por brita branca e preta e árvores, poucas, tendo-lhe sido dito pelo vendedor (que então lhe mostrou uma planta com previsão de relva, árvores e canteiros, não tendo sabido precisar, após exibidas plantas constantes dos autos, se a que lhe foi mostrada está ou não junta aos autos), quando comprou o seu apartamento que “ia haver espaço verde com relva e parque infantil”, vendo algumas ervas e mato na zona da brita em 2006 e o parque infantil não existia; referiu que o projecto de espaços verdes de 2007 foi executado no local e não existe hoje qualquer prejuízo para os moradores. … , morador, referiu ter ido morar para o telheiro em 2005 e, nessa altura, constatar que “não havia espaços verdes, só brita e árvores espalhadas e poucas e o espaço para p parque infantil”; chegou a ir a reunião à CM para fazer um acordo sobre o que lá iria ser feito, tendo-lhe sido dito que “o que lá estava era provisório”, precisando que nunca viu o projecto de espaços verdes inicial e aprovado, mas que também nunca lhe falaram da sua existência. … , morador, referiu ter ido viver para o local em Agosto/Setembro de 2004 e que viu lá “meia dúzia de pinheiros, brita e mato” e que “ficou tudo na mesma até 2006” e que o construtor lhe “disse que aquilo ia ter espaço verde”; na CM onde participou em reuniões discutiu-se sempre o mesmo projecto de espaços verdes e nunca soube que havia outro projecto e um erro, vendo o projecto na sua versão final em 2007, confirmando o depoimento de F... quanto à não permissão dos SMAS na ligação à rede pública de águas municipais. E..., arquitecto, referiu existir um projecto de loteamento de 1990 e um alvará emitido anos mais tarde, confirmando que o projecto aprovado para a urbanização quanto a espaços verdes era muito incipiente e, aquando da emissão do alvará de loteamento foi feito um projecto de espaços verdes por alturas de 2003/04, mais detalhado que nunca veio a ser aprovado, por se tratar de um projecto de mais difícil execução e com maiores consumos de água e, por isso, foi um projecto que “caiu” porque ia sofrer problemas futuros de consumos de água contrários à política do Município quanto a questões de água; mais referiu que o projecto de espaços verdes aprovado e que passou a constar do processo de loteamento era incipiente e que o projecto de 2000 era mais detalhado, com relvamento, arbustos e árvores e que não chegou, por e simplesmente, a ser aprovado, vindo a obra acabar por ser executada e recebida, pelo que quando o parecer do arguido A... foi dado não havia nenhum problema por o projecto inicial já estar executado; depois houve um acordo entre a Câmara e o promotor do loteamento para fazer melhoramentos ao projecto inicial, sendo certo que o novo projecto, nascido da proposta de 2000, que entretanto surgiu, acabou por não ser aprovado pelo Município por ser inviável; como se iniciaram conversações entre os moradores da urbanização e a Câmara, o arguido A... decidiu suspender o procedimento anterior, para que, como essa suspensão, se trouxesse um “valor acrescentado” ao local e por causa das reclamações e pressões dos moradores; mais referiu que, à altura do projecto inicial, “área verde” podia entender-se como uma área não construída ou zona de utilização colectiva e a existência de brita pode ser entendida como zona verde, tanto mais que o projecto inicial não pormenorizava e, pelo que viu no local, existia correspondência entre esse primeiro projecto aprovado e a realidade do local; como os serviços da Câmara entretanto foram desenvolvendo outro projecto de espaços verdes para a urbanização em causa – um terceiro projecto, portanto – tendo em conta as condicionantes do consumo de água, só este projecto é que veio a ser aprovado pelo que só muito mais tarde é que a garantia bancária veio a ser libertada e só o foi, frisou, aquando da execução do projecto novo; precisou que a “praxe” nestas situações é que a partir do momento em que a Câmara recepciona a obra pela mão do promotor do loteamento, a manutenção do espaço verde passa a ser da responsabilidade do Município, razão por que só no dia da entrega é que, em regra, os promotores se limitam a limpar a zona e não antes (a manutenção é feita, por assim dizer, “ao dia”). … , comercial da firma “ … , Lda.” referiu com credibilidade que a  …,Lda era cliente da firma onde trabalha, confirmando a entrega em 2005 de um equipamento para parque infantil para um loteamento (equipamento infantil, torres para escorregas, balouço, pavimento de borracha, equipamento desportivo para circuito de manutenção e mobiliário urbano) o que foi entregue nos estaleiros da CM e não foi logo instalado o que é habitual suceder para não se deteriorar enquanto as obras estão em curso, confirmando o teor dos documentos de fls. 228 a 240 abaixo indicados; precisou que antes do fornecimento esteve no local para aferir se o equipamento “cabia” no local e nas áreas de segurança, fazendo medições e outros cálculos, concluindo pela afirmativa. Considerou-se, ainda, em conjugação, o teor dos seguintes elementos constantes dos autos:
- fls. 5 e 24 (requerimento dos arguidos dirigido à CM para vistoria e recepção definitiva da obra e para cancelamento da garantia bancária);
- fls. 6 e 25 (informação do Departamento de Obras Municipais da CM subscrito pelo respectivo director e por técnico);
- fls. 7 e 26 (parecer favorável à recepção definitiva e libertação da caução por parte do arguido A..., então Chefe de Divisão de Parques e Espaços Verdes da CM);
- fls. 32 a 49 (cópia do projecto de loteamento do  … quanto a enquadramento de espaços exteriores e plano geral);
- fls. 50 (extracto da acta n.º 28 da CM);
- fls. 55 e 56 (teor da garantia bancária prestada pelos arguidos construtores);
- fls. 57 a 70 (teor da petição do assistente junto da CM);
- fls. 71e 72 (adenda do arguido A... de 27.11.2006, revogando o parecer de 02.06.2006);
- fls. 73 a 75 (planta de arranjos exteriores de Abril de 2007);
- fls. 97 a 113 (extracto de conta corrente do arguido A... no BPI);
- fls. 115 a 123 (extracto de conta corrente do arguido A... na CGD);
- fls. 156 a 159 (matrícula da sociedade …, Lda.);
- fls. 228 a 240 (orçamentos e guias de transporte de material adquirido pela firma … , Lda. à firma  … para entrega no estaleiro da CM);
- fls. 609 e 610 (CRC´s dos arguidos B...e C...);
- fls. 613 e 614 (CRC do arguido A...);
- Apenso (Processo Camarário de Projecto de Loteamento n.º ..., em particular a Pasta 2 da Caixa 1).
c) Importava apurar se, sabendo e conhecendo que havia um projecto de espaços verdes para cumprir em determinados e específicos termos, cujo cumprimento dependia a libertação de uma garantia bancária prestada pelos arguidos B...e C... após parecer favorável do arguido A..., esse projecto não foi executado tal como aprovado, levando à emissão de um parecer desconforme, com o intuito de favorecer patrimonialmente os arguidos promotores.
d) É no seguimento do acórdão proferido que há-de ser escalpelizado a prova documental produzida bem como os esclarecimentos dados por  F…e de D... na sequência da reabertura da audiência.
e) Importa antes de mais lembrar que julgar de facto não é uma actividade livre no sentido de arbitrária; a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Não significa a verdade absoluta, ontológica, própria de seres perfeitos. Antes, a verdade que seja resultado de uma logicidade que se torna apreensível a qualquer ser humano porque objectiva (isto é, que está para além do sujeito). Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será legítima se for comun-icada (posta em comum para ser compreensível), já que de outro modo não poderá ser objectiva. Mas mais, impõe-se ver o resultado de cada prova, o que é que cada prova nos traz e que é permitido concluir, barrando com os dados da experiência comum, isto é, o conhecimento repetido do quotidiano e acessível a qualquer pessoa. Assim, limitados estamos ao nível decidido e caso seja outra conclusão de Direito, prosseguir com o ulterior conhecimento (aspecto jurídico).
f) Ora, ninguém põe em dúvida que foram produzidos dois pareceres pelo arguido A.... Um, reportando-se ao processo do loteamento nº ..., com data de 2 de Junho de 2006 diz Após análise feita ao processo em epígrafe e vistoria do local concluo que o projecto foi executado conforme a proposta, pelo que proponho que seja feita a recepção definitiva do espaço em questão. Deste modo, poderá ser liberta a caução referente aos arranjos exteriores (espaços verdes) À consideração superior. O outro, com data de 27 de Novembro de 2006 diz Processo: Arrranjos exteriores-espaços verdes Loteamento nº 0... Local:  … Requerente:  … e outros Assunto: Esclarecimento-Adenda  Face aos vários pedidos de esclarecimentos por parte dos moradores no loteamento nº 0... sito em  … executado pela firma  … e outro e relativamente aos arranjos exteriores (zonas verdes) procedi à elaboração desta adenda, para que não fiquem dúvidas quanto á informação prestada, baseada na boa fé atendendo à garantia dada pelos proprietários de que tudo iria ser executado de acordo com o previsto, libertando assim o processo que estava em meu poder à cerca de dois anos. Assim:   1.Não foi à Divisão de Parques e Espaços Verdes pedido quaisquer pareceres relativos à análise prévia do projecto de arranjos exteriores (espaços verdes) do loteamento nº 0...; 2. Foi apresentado um projecto de alterações ao loteamento após a emissão do alvará; 3. Não foi pedida á Divisão de Parques e Espaços Verdes quaisquer pareceres sobre os arranjos exteriores (espaços verdes) do projecto de alterações; 4. É solicitado à divisão em 18 de Março de 2004 uma vistoria ao local para que fosse feita a recepção definitiva da obra relativamente aos arranjos exteriores; 5. É realizada a vistoria ao local na data mencionada tendo sido dado parecer negativo por não estarem devidamente executados todos os trabalhos relativos aos espaços verdes, conforme documento existente em processo; 6. Passados cerca de dois anos foi pedida nova vistoria; 7. Verificou-se que as obras não estavam completas, estando, no entanto a decorrer os trabalhos; 8. Há promessa dos promotores do loteamento que acabariam a obra e a deixariam nas devidas condições; 9. Faz-se a informação para que fosse a recepção definitiva baseada na garantia dada pelos promotores do loteamento; 10.Após as reclamações recebidas e aos pedidos de esclarecimentos, em deslocação ao local, verificou-se que os arranjos exteriores (espaços verdes) não foram executados de acordo com a promessa dada, apresentando várias não conformidade, quer no respeitante ao estado do coberto arbóreo e arbustivo. Face ao exposto e pela falta do cumprimento do compromisso assumido pelos promotores do loteamento, solicito a anulação da minha informação de 2 de Junho de 2006, mantendo-se em vigor a de 18 de Março de 2004.  À consideração superior. Destes dois pareceres ressalta um dado incontornável: há contradição. Logo, neste âmbito, em que estamos no domínio de uma actividade administrativa sujeita à objectividade, se percebe que algo de errado existe. Como é que em cinco meses se muda um parecer quando o procedimento já durava anos? Eis a questão objectiva e que salta aos olhos. Mais, os escritos em causa envolvem uma tecnicidade própria a que o arguido A... tem acesso e conhecimento para a sua emissão, e do mesmo ato surge um prejuízo ou um benefício consoante a sua decisão de avaliação. Ora, reinquirida, a testemunha F... foi clara em atribuir o resultado dos diferentes pareceres por haver falta de manutenção, sendo que o segundo parecer foi dado porque havia algo mais: as restantes obras, tendo em conta o projecto inicial. De outro modo, tudo estava executado, e daí o primeiro parecer, mas como não estava em devida manutenção nem foi a mesma realizada pelos promotores, há um segundo parecer. Reinquirido D..., o qual mostrou-se sério e espontâneo no seu depoimento e assim credível, veio dizer que a justificação que lhe deram para a emissão do parecer foi que tinha havido um acordo verbal entre o Município e os arguidos promotores no sentido de estes cumprirem o remanescente da execução dos espaços verdes. E que o segundo parecer é dado após a reclamação dos moradores, entre os quais se inclui a ora testemunha. De igual modo, reinquirido a testemunha  … foi clara: o primeiro parecer foi dado porque os promotores deram a garantias que iam cumprir na realização das infra-estruturas projectadas. Ora, estes dois depoimentos estão de acordo com o parecer dado em Novembro, em que o arguido é categórico em dar sem efeito o parecer anterior (corroboração…o que acentua a credibilidade), sendo o depoimento de F... pura e simplesmente vago. A confusão dos conceitos precisa da vaguidade; ora, tal é inexplicável em procedimentos em que a transparência é imposta. Ora, na Administração Pública a objetividade, clareza, congruência, visibilidade do discurso são dados essenciais. Faltando algo do projectado nunca existe manutenção, existe incumprimento. Ora, faz sentido que alguém mude um parecer só porque os moradores reclamam? Faz, no plano puramente fáctico, caso os moradores tivessem óbvia razão para reclamarem. Mais, do segundo parecer do arguido A..., e que cativa a caução, resulta claro que “7. Verificou-se que as obras não estavam completas, estando, no entanto a decorrer os trabalhos; 8. Há promessa dos promotores do loteamento que acabariam a obra e a deixariam nas devidas condições; 9. Faz-se a informação para que fosse a recepção definitiva baseada na garantia dada pelos promotores do loteamento; 10.Após as reclamações recebidas e aos pedidos de esclarecimentos, em deslocação ao local, verificou-se que os arranjos exteriores (espaços verdes) não foram executados de acordo com a promessa dada, apresentando várias não conformidade, quer no respeitante ao estado do coberto arbóreo e arbustivo.” Isto é, é a assunção que nada foi feito, nem cumprido, estando pois o depoimento de F... inquinado pelos dados acabados de assinalar, sendo os depoimentos de  … e D... aqueles que condizem com a assunção feita no segundo parecer. Mais, é o escrito de 27 de Novembro de 2006, e já assinalado e descrito que revela-se credível. Porquê? Porque mais concretizado, justificativo, congruente, e assim credível. Caso contrário, perguntar-se-ia: a que título alguém com o conhecimento técnico que tem se colocaria na posição de justificar, assinalando dados de facto concretos e conclusão contrária à que meses antes tomou? É da experiência comum que no domínio técnico do discurso tem de haver razões objectivas para alteração de posição. Retira-se pois que o arguido A... sabia da falsidade do primeiro parecer e que, atenta a posição que tinha, conhecia os seus deveres funcionais, algo que os restantes arguidos não podiam deixar de saber, atentos os seus papéis sociais e ligados à construção civil, logo experientes nas questões de licenciamento de obras. Mais nunca ignorariam que dependia o ato da concreta avaliação do arguido A.... De igual modo, como efeito necessário, não poderia o arguido A... deixar de saber que a liberação da caução trazia vantagens para os arguidos como é facto notório, bem como o assinalar estar em conformidade com a proposta trazia prejuízos para os adquirentes dos prédios uma vez que decorre da decisão tomada e que o arguido A... e demais arguidos não podiam deixar de conhecer e uma vez inseridos no meio negocial próprio da construção civil, conhecendo mutuamente os papeis sociais de cada um.
g) O facto de os arranjos estarem prontos adveio do depoimento claro e espontâneo, mostrando-se credível, de … .
h) Os demais factos acima assinalados que não se apuraram por nenhuma testemunha ou documento confirmar a sua ocorrência de forma segura e consistente».

            3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

            3.1. Existem 2 recursos da sentença condenatória, de facto e de direito.
Previamente, há que decidir sobre as arguidas nulidades de sentença, tidas por existentes nos dois recursos.

3.2. DAS NULIDADES
3.2.1. Houve ou não violação do artigo 426º-A, n.º 2 do CPP?
Sabemos que a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, tendo em conta as alterações introduzidas na estrutura dos recursos penais, acrescentou ao Código de Processo Penal o artigo 426.º-A, relativo à determinação do tribunal competente para o novo julgamento em caso de reenvio do processo, substituindo, desta forma, o disposto anteriormente nos artigos 436.º (reenvio determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça) e 431.º (reenvio determinado pelas Relações).
Tal artigo rezava assim:
«1. Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida, que se encontrar mais próximo.
2. Quando na mesma comarca existirem mais de dois tribunais da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição».
A polémica jurisprudencial instalou-se então, no próprio STJ.
A revisão do Código Penal, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, alterou, de forma profunda, tal normativo, definindo a competência do tribunal para a realização do novo julgamento, após reenvio do processo.
E assim, é esta a nova versão do artigo:
«1 - Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.
2 - Quando na mesma comarca existir mais de um juízo da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição».
Ou seja: o reenvio do processo, por verificação de um dos vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, determina necessariamente a repetição do julgamento por tribunal com composição pessoal diferente (cfr. a clara menção ao artigo 40º do CPP).
Por força do disposto na alínea c) daquele artigo, o Juiz que participou no primeiro julgamento fica impedido de participar no segundo.
Ora, os presentes autos iniciaram-se em Março de 2007, no âmbito da lei anterior á da revisão de 2007 do CP.
Contudo, e por força do artigo 5º do CPP, há que concluir que da aplicação da lei nova não resulta agravamento da posição processual dos arguidos, nem quebra da unidade dos vários actos do processo.
Como tal, vamos subsumir esta questão à letra do renovado (no pós-reforma de 2007) artigo 426º-A do CPP.
Como diria o nosso adjunto, em aresto por si relatado:
«Aliás, a aplicação da lei nova vem até reforçar os direitos de defesa dos arguidos. Efectivamente, para que haja um julgamento independente e imparcial, é necessário que o juiz que a ele proceda possa julgar com independência e imparcialidade. Quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de administrar justiça. Nesse caso não deve poder intervir no processo, antes dever ser pela lei impedido de funcionar - deve, numa palavra, ser declarado iudex inhabilis.
Importa, pois, que o juiz que julga o faça com independência e imparcialidade.
E importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos da comunidade como um julgamento objectivo e imparcial. É que a confiança das pessoas em geral nas decisões dos seus magistrados é essencial para que os tribunais, ao administrar justiça, actuem, de facto “em nome do povo” (cfr. artigo 205.º, n.º 1, da Constituição).
Foi com este objectivo de garantir a imparcialidade do(s) julgador(es) que o legislador alterou o artigo 426.º-A do CPP, impedindo a participação em novo julgamento, a efectuar por força do reenvio do processo, de juiz que haja participado no julgamento anterior».
No nosso caso, houve um reenvio parcial.
Logo, a competência para o NOVO julgamento resulta, claramente, da letra do artigo 426º-A do CPP – não pode o Juiz do 1º Juízo Criminal de Leiria fazer o julgamento mas pode continuar a ser um Juiz de Leiria (Juízos Criminais), exactamente aquele que resultar da distribuição que deve ser feita, com a óbvia exclusão do juiz do 1º Juízo Criminal [impedido, nos termos do artigo 40º c) do CPP].
É isto que resulta do n.º 2 do artigo 426º-A do CPP - os autos devem ir à distribuição no tribunal que tenha efectuado o julgamento anterior, ficando de fora a secção ou juízo composta pelo juiz ou pelos juízes que intervieram no 1º julgamento (neste sentido, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, p. 1152).
E foi o que foi, e bem, feito a fls 762 pelo Mº juiz do 1º Juízo Criminal de Leiria.
Isto não é violador de qualquer regra do «juiz natural», sendo antes uma garantia para as partes de que o julgamento vai ser efectuado por uma nova mente, não condicionada pelo eventual juízo já formado sobre a causa em discussão.
Como tal, o novo juiz resultante da distribuição – o do 2º Juízo Criminal - tem plena e legal jurisdição sobre os autos.
Não têm, pois, qualquer razão os recorrentes ao arguirem esta inexistente nulidade de sentença (já que não houve qualquer violação do n.º 2 do artigo 426º-A do CPP), a qual se declara improcedente.
 
3.2.2. E houve violação do artigo 328º/6 do CPP?
Totalmente sem razão argumentam os 3 recorrentes.
Nestes autos houve dois grandes momentos temporais.
1º- o do 1º julgamento, que teve as seguintes audiências de julgamento:
· 10/3/2010
· 24/3/2010
· 13/4/2010
· 29/4/2010
· 14/5/2010 (sentença).
2º- O do 2º julgamento resultante da decisão de reenvio parcial decretada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no aresto de 11 de Maio de 2011, que teve as seguintes audiências de julgamento:
· 15/12/2011
· 4/1/2010
· 12/1/2012
· 2/2/2012
· 8/2/2012 (sentença).
É relativamente a cada um desses momentos temporais distintos (por força de uma decisão jurisprudencial superior) que se deve aferir se foi ou não respeitado o prazo de 30 dias entre sessões previsto no dito artigo 328º/6 do CPP.
Ou seja, não houve qualquer adiamento entre o dia da leitura da 1ª sentença e o reinício da audiência em 15/12/2011, como qualquer pessoa de boa fé jurídica pode assegurar [note-se que tem sido até decidido que não há ineficácia da prova produzida se a audiência de julgamento decorrer em várias sessões, entre as quais medeiam sempre períodos inferiores a 30 dias, mesmo que entre a 1ª e a última sessão tenha decorrido um período mais alargado (cfr. Acórdão do STJ de 14/3/2001, in CJ-STJ, IX-I, 245)].
Se o prazo dos 30 dias não é aplicável ao caso de uma sentença que sobe em recurso e no tribunal superior é anulada por falta de fundamentação, por exemplo, voltando depois ao tribunal recorrido para o suprimento do vício (a prova produzida anteriormente é válida independentemente do tempo que o tribunal levar para proferir nova sentença, mantendo-se intocado o juízo sobre os factos provados), então também não é aplicável, e por maioria de razão, ao caso dos autos em que um tribunal superior manda reenviar o processo para um novo julgamento.
Nem sequer faz qualquer sentido invocar que houve aqui perda de eficácia da prova produzida – há caso julgado parcial relativamente às questões que o tribunal superior não colocou para resolução pelo tribunal inferior, por força do reenvio.
Note-se que o tribunal recorrido, na 2ª sentença em causa, não se refere senão aos depoimentos[2] por si – unicamente - ouvidos neste 2º momento processual, após reenvio, não podendo referir-se a meios de prova PESSOAL a que não lançou mão e a que não assistiu.
E é um absurdo jurídico defender-se que porque «o Mmº. Senhor Juiz “a Quo” não teve qualquer intervenção na produção da prova e sentença ou qualquer outro do processo presidido pelo Mmo. Senhor Juiz do 1° Juízo Criminal, importa que tais vícios consubstanciem a prática da nulidade p. e p. no Art° 120°, n°2, alínea d) do Cód. Proc. Penal» - isto é a negação do sistema do reenvio e das normas dos artigos 426º-A e 40º do CPP.
Improcede, pois, mais esta nulidade, invocada nos dois recursos.

3.2.3. Houve violação do disposto no artigo 379º/1 c) do CPP?
Vejamos.
No recurso da 1ª sentença, o MP recorrente apontou os seguintes como sendo os factos incorrectamente julgados não provados:
FACTO 1º - Que o arguido A... proferiu o parecer acima indicado (o parecer mencionado no ponto 10. da matéria de facto provada) que sabia ser falso e que actuava em violação dos seus deveres funcionais enquanto Chefe da Divisão de Parques e Espaços Verdes;
FACTO 2º - Que (o arguido A...) o fazia a pedido dos outros dois arguidos com o intuito de a Câmara Municipal libertar a caução prestada pela sociedade « … , Lda.», de que aqueles arguidos são sócios e gerentes e desse modo aquela sociedade deixasse de pagar mais juros bancários relativos à caução prestada e assim obter um beneficio que sabiam ilegítimo e em prejuízo dos moradores da aludida urbanização;
FACTO 3º - Que ao adquirirem os seus prédios pagaram o preço também em função das envolventes físicas e infra-estruturas do mesmo, constantes do projecto de loteamento;
FACTO 4º - Que todos os arguidos (B...e C...) bem sabiam que A... ao emitir aquele parecer estava a violar os deveres inerentes às suas funções, o que quiseram;
FACTO 5º - Que (os arguido B...e C...) sabiam que aquele (o arguido A...) não tinha sequer poderes para autorizar nem acordar com os demais arguidos qualquer alteração ao projecto aprovado; e
FACTO 6º - Que os arguidos agiram sempre consciente, livre e deliberadamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão datado de 11/5/2011, decidiu que:
«(…)
De todo o modo, o que resulta manifesto, seja pela mera análise do texto da sentença, seja sobretudo por força da sua compatibilização com as regras da experiência comum, é que ocorre um erro notório na apreciação da prova, vício com sede legal no art. 410º, nº 2, al. c) do CPP, que “existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente, por não passar despercebido ao comum dos observadores, uma conclusão sobre o significado da prova, contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito dos factos relevantes para a decisão de direito” [3] e que desencadeará o reenvio do processo para novo julgamento, limitado à reapreciação da matéria de facto indicada pelo recorrente como indevidamente julgada.
Acrescente-se, já agora, que se relativamente à conduta do arguido A... a análise conjunta da prova vier a apontar para a ilicitude da sua conduta, a exigir rectificação da matéria de facto nos termos preconizados pelo recorrente, no que concerne à responsabilidade dos demais arguidos haverá que procurar suporte na intenção subjacente àquela conduta e nas razões que a determinaram, lançando mão, se necessário, de presunções judiciais, nos termos em que estas são consentidas no âmbito da livre apreciação da prova, por recurso ao disposto nos arts. 125º do CPP e 351º do Código Civil».
E no DISPOSITIVO foi claro:
«Nos termos apontados, concede-se provimento ao recurso, ainda que com um alcance diverso do pretendido pelo recorrente, determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à matéria de facto indicada pelo recorrente como indevidamente julgada e que se transcreveu supra».

Assim, o tribunal do 2º julgamento só deveria restringir-se à matéria de facto indicada pelo MP recorrente e acima descrita (SEIS FACTOS), não podendo, sob pena de violação de caso julgado parcial, alterar a restante matéria dada como provada e não provada.
Esses 6 factos tiveram o seguinte encaminhamento no 2º julgamento:
- o 1º passou a facto provado n.º 11
- o 2º e o 3º passaram a facto provado n.º 12
- o 4º passou a facto provado n.º 13
- o 5º passou a facto provado n.º 14
- o 6º passou a facto provado n.º 15.
Se é verdade que ambos os recorrentes não atentaram que o facto 3 está agora incluído no facto 12 (o que foi articulado de forma autónoma, foi acoplado pelo tribunal do 2º julgamento num só facto), também o é que constatamos um lapso fatal na sentença recorrida que nos faz recorrer a uma nulidade de sentença, por força do disposto no artigo 379º/1 c) do CPP (o tribunal conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento).
Veja-se o facto provado n.º 9 aposto na 1ª sentença - «(Em Junho de 2006) nem estavam instalados os equipamentos de recreio».
Veja-se agora um dos factos não provados da 1ª sentença – não se provou que (em Junho de 2006) «não estivessem construídos equipamentos de recreio e desportivo».
Logo aqui havia uma contradição entre factos provados em não provados (na parte atinente aos equipamentos de recreio) – se se provou que não estavam à data em causa construídos os equipamentos de recreio, não se pode dar como não provado que não estivessem eles construídos.
Este vício reconduz-se à alínea b) do artigo 410º/2 do CPP, a justificar um reenvio para novo julgamento, a juntar à outra causa do efectivo reenvio decretado por este Tribunal em 11 de Maio de 2011 (aí apenas se entendeu haver um erro notório na apreciação da prova).
O juiz do 2º julgamento deparou-se, com toda a certeza, com essa flagrante contradição, tendo mantido o facto provado n.º 9.
Ou seja, fez o que devia, por um lado – desfez a contradição quanto aos equipamentos de recreio -, mas olvidou por completo a referência aos equipamentos desportivos (constantes do artigo 15º da acusação do MP).
No 1º julgamento, deu-se como não provado que esses equipamentos desportivos não estivessem construídos em Junho de 2006 – esse facto não integra o elenco dos factos tidos como incorrectamente julgados pelo MP então recorrente.
Já no 2º julgamento apenas se deu como provado que em Junho de 2006 não estavam instalados os equipamentos de recreio e nada se disse – ou no sentido da prova ou não prova – relativamente aos desportivos.
E só poderia ter colocado como não provado (na medida em que o 2º julgamento não abrangeu tal factualidade) que «não estivessem construídos equipamentos desportivos».
Note-se que é relevante saber o que estava ou não construído em Junho de 2006 para efeitos de concluir se o 1º parecer era, de facto, falso.
Excluindo do rol de factos não provados este segmento factual, conheceu uma questão de que não podia ter conhecimento (excluir um facto anteriormente dado como não provado, e estando proibido de lhe mexer, equivale a um «baralhar e dar de novo» de forma incompleta, acabando por, assim, se «conhecer» algo de novo), incorrendo, pois, em nulidade de sentença, legal e tempestivamente inovada pelas partes, a justificar a prolacção de nova sentença que colmate tal vício.

3.2.4. Mas a deficiência sentencial não se fica por aqui.
Ainda se dirá que o tribunal recorrido foi excessivamente parco na explicação da sua motivação factual quanto à imputação aos arguidos B...e C... do crime em causa.
Sabemos que o artigo 374º/2 do CPP exige que depois da enumeração dos factos provados e não provados, se faça na sentença uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do tribunal.
O dever de fundamentação[4] das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada povo.
Afirmando-se progressivamente como verdadeira conquista civilizacional a partir da Revolução Francesa, o dever de fundamentação das decisões judiciais constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” a que aludem o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ([5]), o artigo 7º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e, por exemplo, o artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
Dispõe a Constituição, no nº 1 do artigo 205º, que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei". Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o nº 1 do artigo 208º, que determinava que "as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei". A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei".
A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.
Como refere Rui Pereira[6], a fundamentação jurídica das decisões pode ser analisada em três níveis. “O primeiro respeita à própria escolha das normas aplicáveis, segundo a regra da conveniência, regra essa que constitui o primeiro passo no sentido de garantir que a decisão judicial será uma decisão justa. O segundo refere-se à demonstração da própria legalidade lógica (ou lógico-valorativa) do silogismo judicial (subsunção). O terceiro envolve a demonstração da justiça da solução encontrada, garantindo, nomeadamente, que é feita uma interpretação normativa de acordo com as normas e princípios constitucionais ou, no caso de tal não ser possível, recusando a aplicação de normas infra constitucionais que lograram passar pelo crivo da regra da conveniência”.
A sentença é, por definição, a decisão vocacionada para a solução definitiva do problema concreto que foi colocado ao Tribunal.
Como tal, porque representa a definição do direito do caso concreto deve ser, um “documento de fácil leitura, simples, claro, logicamente ordenado, enxuto e esgotante”.
A sentença penal começa por um relatório que mais não é do que, como ensinava o Prof. Alberto dos Reis relativamente à sentença cível, um “resumo simples e lúcido da questão, elaborado de modo a que, quem o leia, apreenda sem esforço os termos essenciais da controvérsia”.
Adaptando tal ensinamento ao processo penal importa então identificar o objecto do processo, a parte acusadora, o arguido e o crime que lhe é imputado e fazer um breve resumo da contestação contendo a posição do arguido sobre os factos.
Seguem-se já no contexto dos fundamentos, a descrição dos factos provados (e não provados), a qual, para ser facilmente compreensível, deve obedecer à lógica própria de quem descreve um episódio concreto da vida real.
Em apoio dos factos considerados provados deve então a sentença passar a expressar a justificação da respectiva decisão, isto é, fazer a análise crítica da prova produzida, esclarecer quais os meios de prova que conduziram à convicção anteriormente enunciada.
Sem pretender ser exaustivo, a motivação da convicção do juiz no âmbito da análise crítica da prova implica que o Tribunal indique expressamente:
· quais os factos provados que cada testemunha revelou conhecer;
· quais os elementos que dos mesmos depoimentos permitem inferir a interpretação e conclusão a que o tribunal chegou;
· quais as razões que o levam a valorar determinado meio de prova em detrimento de outro ou outros meios de prova com ele contraditório;
· quais as razões porque não foi dada relevância a determinada prova ou meio de prova;
· quais as razões porque julgou relevantes, ou irrelevantes, certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória a prova resultante de documentos particulares, ou retirou certas conclusões da inspecção ao local, etc.
Finalmente, segue-se o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto apurada na qual o juiz vai analisar todos os factos apurados em ordem a concluir se o arguido cometeu ou não o crime de que vem acusado, se existem causas de exclusão da ilicitude da conduta ou da culpa do mesmo.
E é este o momento que, por vezes, alguns juízes aproveitam para tecer largas considerações sobre os tipos legais de crime em análise, ou sobre os institutos regulamentados na parte geral do Código Penal, nem sempre, adiante-se, com muito a propósito.
Também aqui colhe o ensinamento do Prof. Alberto dos Reis: na sentença o juiz não deve dizer nem mais nem menos do que é preciso, em especial no que se refere à argumentação de carácter jurídico em que assenta a decisão, sob pena de, como escrevia o Prof. Alberto dos Reis a sentença se tornar num “estendal pretensioso de doutrina e opiniões alheias” e instrumento de “alarde pomposo e inteiramente desnecessário, de erudição fácil”.
Tendo concluído que o arguido praticou um facto punível seguir-se-á na sentença a escolha e a determinação da medida concreta da pena.
Analisado o caso concreto, constatamos que o Tribunal da Relação de Coimbra, no seu aresto de 11/5/2011, foi claro:
«Acrescente-se, já agora, que se relativamente à conduta do arguido A... Duarte a análise conjunta da prova vier a apontar para a ilicitude da sua conduta, a exigir rectificação da matéria de facto nos termos preconizados pelo recorrente, no que concerne à responsabilidade dos demais arguidos haverá que procurar suporte na intenção subjacente àquela conduta e nas razões que a determinaram, lançando mão, se necessário, de presunções judiciais, nos termos em que estas são consentidas no âmbito da livre apreciação da prova, por recurso ao disposto nos arts. 125º do CPP e 351º do Código Civil».
É verdade que no 2º julgamento se alterou a matéria factual à medida do pedido do MP recorrente, mas justificou-se, em termos de motivação probatória, desta forma assaz insuficiente e generalista (e quando se quer dizer tudo, por vezes, não se diz nada):
«(…) Retira-se pois que o arguido A... sabia da falsidade do primeiro parecer e que, atenta a posição que tinha, conhecia os seus deveres funcionais, algo que os restantes arguidos não podiam deixar de saber, atentos os seus papéis sociais e ligados à construção civil, logo experientes nas questões de licenciamento de obras. Mais nunca ignorariam que dependia o ato da concreta avaliação do arguido A.... De igual modo, como efeito necessário, não poderia o arguido A... deixar de saber que a liberação da caução trazia vantagens para os arguidos como é facto notório, bem como o assinalar estar em conformidade com a proposta trazia prejuízos para os adquirentes dos prédios uma vez que decorre da decisão tomada e que o arguido A... e demais arguidos não podiam deixar de conhecer e uma vez inseridos no meio negocial próprio da construção civil, conhecendo mutuamente os papeis sociais de cada um».
Ou seja, deixou-se pouco clara a decisão de imputar aos arguidos a prática do crime em causa – foram só as regras da experiência comum a tal justificar? Usaram-se presunções judiciais? Se sim, quais e de forma? Que motivos de facto levaram o julgador a concluir pela culpabilidade dos irmãos? Como é feita, em via probatória, a ligação do A... aos irmãos B.. e C…?
Peca, pois, a peça recorrida, também aqui, por insuficiência de motivação, que até deveria ser acrescida, na medida em que se passou de uma absolvição para uma condenação, a subsumir à nulidade de sentença prevista no artigo 379º/1 a), por referência ao artigo 374º/2 do CPP.
Não somos partidários de uma justiça excessivamente formal – mas não abdicamos, em nome da transparência das decisões judiciais, do rigor factual e da excelência da exposição dos motivos de facto que levaram um tribunal a decidir por um ou por outro caminho, a verdadeira forma de legitimação democrática do poder judicial.
Não duvidamos que a verdadeira justiça material é feita pelos tribunais de 1ª instância, onde a imediação directa é uma constante, onde os rostos pairam à frente dos julgadores, onde a prova corre mais viva do que nunca…
A nós, tribunais de recurso, não competirá um 2º julgamento, mas apenas remediar erros de facto e de direito constatados.
Portanto, compete aos tribunais de 1ª instância explicar, de forma assaz convincente, a razão pela decide por uma caminho ou por outro.
Que não se conte com os tribunais de recurso para suprir as deficiências de tais julgamentos - uma sentença, um acórdão recorrido deve valer por si só, sem esperar por uma validação complementar por parte de um foro de recurso.
Por isso, se justifica esta decisão.

3.2.5. Se assim é, conhecida esta nulidade e a declarando procedente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões sob recurso.

            III – DISPOSITIVO
           
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em:
- Anular a sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que colmate as lacunas apontadas, decidindo em conformidade.
            Sem custas.
Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado pelo 1º signatário e integralmente revisto pelos dois signatários – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)

_______________________________________
(Paulo Guerra)

                                ________________________________________
(Alberto Mira)


[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[2] Assinale-se que a sanção da perda de eficácia da prova só diz respeito à prova testemunhal, às declarações do arguido, do assistente, das partes civis, do perito ou do consultor técnico – logo, não perde eficácia a discussão e exame dos outros meios de prova (incluindo a discussão e o exame dos documentos na audiência) e dos meios de obtenção de prova (por exemplo, a discussão e o exame das escutas telefónicas na audiência) e a leitura dos autos e declarações relativos a actos processuais realizados antes do julgamento.
Diga-se ainda que o preceito não impõe a repetição da discussão e do exame destes meios de prova e de obtenção de prova e ainda a repetição das ditas leituras, porque eles não bulem com o princípio da imediação (também assim, MAIA GONÇALVES, 2005: 642, anotação 2 ao artigo 328.”). De igual modo, não perdem eficácia todos os direitos exercidos pelos sujeitos processuais na sessão da audiência antes do adiamento (acórdão do TRL, de 2.12.1997, in CJ, XXII, 5, 149), nem a decisão de quaisquer incidentes, incluindo a admissão de novos meios de prova e a alteração dos factos ou da qualificação dos factos.
[3] - Entre outros, conferir, no sentido apontado, o Ac. do STJ de 22 de Abril de 2004, in “Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, ano XII, tomo 2, págs. 166/167.
[4] Seguimos aqui muito de perto as sábias considerações de Manuel Aguiar Pereira no «Manual sobre Fundamentação dos actos judiciais», CEJ.
([5]) “1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;
b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;
c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;
d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;
e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.”
[6] “A fundamentação das sentenças em processo penal”