Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
226/18.0GAPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: PENA DE PRISÃO
SUBSTITUIÇÃO
CORRESPONDÊNCIA
CONTROLABILIDADE
Data do Acordão: 02/16/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE PORTO DE MÓS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 40.º, N.º 2; 43.º, N.º 1; 47.º E 71.º, N.º 1, TODOS DO CP
Sumário: I – A pena de multa que resulte, nos termos dos atuais artigos 45, n.º 1, e 47.º do Código Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída.

Isto é, a pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão, não tem que ter, necessariamente, correspondência aritmética com os dias da prisão fixada, estando, porém, sujeita ao limite previsto no artigo 47º, nº 1, do Código Penal, face à remissão feita no artigo 45º, nº 1, do mesmo diploma legal.

II - Quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso deve prevalecer o entendimento doutrinal e jurisprudencial segundo o qual é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

       A – Relatório

1. Pela Comarca de Leiria (Juízo Local Criminal de Porto de Mós), sob acusação do Ministério Público, pelo crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido pelo artigo 324º, por referência ao artigo 323º, alínea c), do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 05 de março (lei em vigor à data dos factos), actualmente, previsto e punido pelos artigos 321º, por referência ao 320º, alíneas d) e f), ambos do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro (crime de venda ou ocultação de produtos), foi submetida a julgamento, em processo comum com intervenção de Tribunal Singular, a arguida

 MF, …

2. A ofendida “Levi Strauss & Co.” deduziu pedido de indemnização civil, peticionando a condenação da arguida no pagamento do montante de 300,00 euros.

3. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a 19.10.2021, decidindo-se:

“- Condenar a arguida MF pela prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos, previsto e punido pelo artigo 324.°, por referência ao artigo 323.º, alínea c), ambos do Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo Decreto-Lei n.°36/2003, de 5 de Março, em vigor à data dos factos), na pena de quatro meses de prisão substituída pela pena de cento e cinquenta dias de multa, à razão diária de cinco euros, assim perfazendo a multa global de setecentos e cinquenta euros;

- …

4. Inconformado com a douta sentença, veio a arguida interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“1. Foi a ora Recorrente condenada por sentença proferida nos presentes autos na pena de 150 dias de multa à razão diária de 5,00 €.

2. Não se conforma o Recorrente, nem se poderia de modo algum, conformar, com a Douta Decisão proferida, no que tange à pena concretamente aplicada.

3. Uma vez que, no entendimento da ora Recorrente a mesma ser manifestamente excessiva, tendo em conta as penas aplicadas em casos semelhantes e o seu grau de culpa.

4. A Recorrente não se conforma com a pena que lhe foi aplicada, considerando que a pena de 150 dias de multa, é manifestamente excessiva tendo em conta o seu grau de culpa. Considerando ainda, que a pena a que foi condenado é ainda manifestamente excessiva, quando comparada com as penas habitualmente aplicadas em situações semelhantes

5. A medida da pena, é construída nos termos do binómio culpa e prevenção. Refere o Douto Sentença ora em crise, que na medida concreta das penas a aplicar relevará, o principio contido no nº 1 do art.º 71 do Código Penal.

6. A exigência legal de que a medida de que a medida da pena seja encontrada pelo Juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável.

7. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena.

8. A Recorrente, não olvida os seus já antecedentes criminais, constantes do seu CRC.

9. Contudo, foram poucas as peças apreendidas, tratava-se de roupa interior a ser vendida em packs a baixo custo.

10. Quando se fala de prevenção como princípio regulativo da atividade judicial de medida da pena, não pode ter-se em vista o conceito de prevenção em sentido amplo, como finalidade global de toda a política criminal, ou seja, como conjunto dos meios e estratégias preventivos de luta contra o crime.

11. O que está aqui em causa, é na verdade, a aplicação de uma concreta consequência jurídico-penal, num momento em que o crime já foi cometido e não pode por isso, e não pode por isso, falar-se com sentido de prevenção na aceção referida.

12. “Prevenção” tem, no contexto que aqui releva, o preciso sentido que possui quando se discute o sentido e as finalidades de aplicação de uma pena, quando se discute, numa palavra, a questão das finalidades das penas. Dito por outras palavras, “prevenção” significa, por um lado prevenção geral, e, por outro lado, prevenção especial, com a conotação específica que estes termos assumem na discussão sobre as finalidades da punição.

13. Porém, a prevenção geral, no seu entendimento mais atual, como prevenção geral positiva ou de integração, é um momento irrenunciável – e na verdade, o mais essencial – de aplicação da pena, e não pode, por isso deixar de revelar decisivamente para a medida daquela.

14. Assim, a prevenção geral positiva traduz-se na confiança que a sociedade precisa de manter na vigência da norma, é o mínimo exigível da pena, ora no presente caso da ora Recorrente, ainda, que as necessidades de prevenção geral positiva, possam ser consideradas elevadas, tendo em conta que o grau de ilicitude dos factos.

15. A medida da pena, não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa. A verdadeira função desta última, na doutrina da medida da pena, reside, efetivamente, numa incondicional proibição de excesso.

16. A culpa constitui um limite inultrapassável, de todas e quaisquer considerações preventivas, sejam elas de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização.

17. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa. De qualquer modo, e qualquer que seja a solução encontrada, de uma ou de outra forma, a culpa é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado.

18. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, como é nos presentes autos, por razões Jurídico constitucionais, inadmissível.

19. Ora, no modesto entendimento do Recorrente, tal limite foi claramente e grosseiramente ultrapassado, na pena que concretamente foi aplicada ao ora Recorrente de 150 dias de multa à taxa de 5,00 €, que perfaz a quantia total de 750,00 €.

20. Sendo a arguida pessoa de baixa condição económica, beneficiando de RSI.

21. Mormente, quando comparada com as penas habitualmente aplicadas nestas situações.

22. Face ao supra exposto, a Arguida ora recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 90 dias de multa. Esta medida concreta da pena que a ora Recorrente pretende que agora lhe seja aplicada por este Alto.

23. Por outro lado, e em nome do princípio da Igualdade previsto no artigo 13º da CRP, reclama-se que a pena aplicada ao aqui recorrente seja reduzida se a mesma for comparada com a pena aplicada em casos semelhantes ao da Arguida”.

5. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pela arguida, pugnando pela sua improcedência e manutenção integral da sentença recorrida, concluindo que:

“- O Tribunal a quo na determinação das penas – principal e de substituição – e da medida das penas considerou todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor e contra o agente do ilícito, em respeito pelos artigos 40.º, 71.º, n.º 1 do Código Penal”.

6. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador da República emitiu Parecer no sentido da improcedência do mesmo, concordando com a resposta do M.P. junto da 1ª Instância.

 

7. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo a arguida respondido ao douto parecer.

8. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

9. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

               *

       
B - Fundamentação

 

1. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que dispõe que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

São, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº 2, e 410º, nº 3, do mesmo diploma legal).

O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28.12.1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11.7.2019, in www.dgsi.pt; de 25.06.1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28.04.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193.

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pela arguida, a questão a decidir é a seguinte:

- se a pena aplicada à arguida de 150 dias de multa é exagerada, devendo ser reduzida para uma pena não superior a 90 dias de multa.

3. Para decidir da questão supra enunciada, vejamos a factualidade da sentença recorrida.

“Da discussão da causa resultaram os seguintes factos provados:

1. No dia 6 de agosto de 2018, pelas 11:30 horas, no Largo …, a Arguida tinha expostos para venda ao público, pelo valor de € 10,00 (dez euros) por 3 peças, os seguintes artigos de roupa interior (cuecas/boxers): 27 peças da marca Levi`s; e 21 peças da marca ADIDAS.

2. Estas peças de vestuário encontravam-se na posse da Arguida e não foram fabricadas pelos detentores das marcas que ostentavam, sendo peças de características e material diferentes e de qualidade inferior aos produtos originais das marcas.

3. Os vinte e um boxers da marca ADIDAS não fazem parte de nenhuma coleção da marca, não respeitam as normas de etiquetagem, obrigatória em todos os produtos originais da marca, não apresentam as etiquetas estampadas com as instruções de lavagem e origem de fabrico, originais da marca ADIDAS, as etiquetas de tamanho não são originais, nem as de cartão, pois não apresentam todas as informações que obrigatoriamente estas devem ter, nomeadamente, referência do artigo, código do artigo, tamanho; o material com que foram fabricados e os acabamentos finais e bordados não respeitam os padrões de qualidade exigidos pela marca; os sacos de plástico onde as peças estavam embaladas não são originais da marca, porquanto o plástico é de matéria-prima diferente e a apresentação do logótipo incorreta.

4. Os vinte e sete boxers da marca Levi´s apresentam uma etiquetagem de cós que não corresponde às utilizadas nos artigos originais dessa marca, nem apresentam nenhuma das etiquetas interiores, obrigatórias e sempre presentes nos artigos originais da marca, nomeadamente, etiqueta e composição, fabrico e de códigos, não apresentam nenhuma etiqueta externa, sempre utilizada nos artigos originais da marca, com as informações que identificam o produto e os boxers encontram-se acondicionados em embalagens que não correspondem às utilizadas nos artigos originais da marca.

5. O fabrico dessas peças foi efetuado sem consentimento e o conhecimento dos legítimos detentores das marcas em questão, o que era do conhecimento da Arguida.

6. Não obstante as diferenças que tais peças de roupa interior possuem em relação aos artigos originais, são suscetíveis de induzir em erro o consumidor quanto à natureza e características, fazendo este crer que adquire um produto original quando, na realidade, adquire uma imitação do mesmo.

7. As marcas referidas encontram-se registadas em Portugal.

8. A Arguida adquiriu as referidas peças de vestuário a desconhecidos, que não os representantes das marcas em Portugal com a finalidade de as revender a terceiros, pelos preços acima indicados, e desta forma obter um benefício económico que sabia não ser devido, aproveitando-se do prestígio que tais marcas têm no mercado.

9. A Arguida não tinha qualquer documentação relativa aos artigos supra identificados.

10. A Arguida agiu livre e conscientemente ao pretender vender os produtos acima mencionados, bem sabendo que os mesmos não eram originais da marca registada que lhe estavam apostas e que eram reproduções infiéis e não autorizadas por quem de direito.

11. Não sendo provenientes de fabrico ou do comércio dos titulares das respetivas marcas, nem de outrem autorizado, sendo, no entanto, suscetíveis de induzirem em engano os consumidores, mormente em virtude de possuírem em relação ao original características semelhantes a nível de modelo.

12. A Arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.

(situação pessoal e profissional e económica da Arguida)

13. A Arguida reside com o Marido e o seu Filho de 18 anos de idade.

14. A Arguida toma conta do seu Filho.

15. A Arguida recebe o rendimento social de inserção, no montante mensal de €152.

16. O Marido da Arguida recebe o rendimento social de inserção.

17. A Arguida e o seu agregado familiar vivem em casa arrendada, no valor de renda de €250.

18. A Arguido foi condenada:

18.1. no processo comum.º961/11.4PBLRA, pelo 2.º Juízo Local Criminal de Leiria, por sentença transitada em julgado em 05.09.2013, pela prática, em 20.09.2011, de um crime de aproveitamento de obra contrafeita, na pena de sete meses de prisão suspensa na sua execução por um ano e na pena de 80 dias de multa à razão diária de €5,00, a primeira extinta pelo seu cumprimento em 05.09.2014 e a segunda em 02.09.2015;

18.2. no processo comum n.º273/09.3PBEVR, pelo 1.º Juízo Local Criminal de Évora, por sentença transitada em julgado em 13.12.2013, pela prática, em 12.03.2009, de quatro crimes de ameaça, dois crimes de ofensa à integridade física e dois crimes de injúria, na pena de 500 dias de multa à razão diária de €5,00, extinta pelo seu cumprimento em 20.06.2017;

18.3. no processo comum n.º202/12.7EACBR, pelo 3.º Juízo Local Criminal de Leiria, por sentença transitada em julgado em 18.12.2013, pela prática, em 13.10.2012, de um crime de usurpação (direitos de autor), na pena de dois meses de prisão substituída por sessenta dias de multa à razão diária de cinco euros, e na pena de 150 dias de multa à razão diária de €5,00, ambas extintas pelo seu cumprimento em 08.10.2016; e

18.4. no processo comum n.º124/17.5GTLRA, pelo Juízo Local Criminal de Alcobaça, por sentença transitada em julgado em 21.02.2019, pela prática, em 15.11.2017, de um crime de desobediência, na pena de cinco meses de prisão substituída por cento e vinte dias de multa à razão diária de cinco euros, extinta pelo seu cumprimento em 03.06.2019”.

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4. Cumpre agora apreciar e decidir.

A questão a apreciar é a de saber se a pena aplicada à arguida de 150 dias de multa é exagerada, devendo ser reduzida para uma pena não superior a 90 dias de multa.

Defende a arguida que a pena que lhe foi aplicada é exagerada tendo em conta as penas aplicadas em casos semelhantes e o seu grau de culpa. Abona a seu favor o facto de estar social e familiarmente integrada, ter postura cordata e educada, bem como sofrer de doença do foro psicológico. O limite da culpa foi clara e grosseiramente ultrapassado na pena que concretamente lhe foi aplicada.

Pois bem.

O crime sub judice de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos, é punido com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa até 120 dias – artigo 324º do Código da Propriedade Industrial, na redacção vigente à data da prática dos factos.

A arguida foi condenada na pena de 4 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à razão diária de cinco euros.

O Ac. do STJ nº 8/2013, de 14.3.2013, publicado na Série I do DR de 19.4.2013, fixou jurisprudência no sentido de que “a pena de multa que resulte, nos termos dos atuais artigos 43.º, n.º 1, e 47.º do Código Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída”.

Assim, a pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão, não tem que ter, necessariamente, correspondência aritmética com os dias da prisão fixada, estando, porém, sujeita ao limite previsto no artigo 47º, nº 1, do Código Penal, face à remissão feita no actual artigo 45º, nº 1, do mesmo diploma legal.

De qualquer forma, no referido Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência, pode ler-se que:

“Note-se, a propósito, que o «sacrifício» imposto pelo cumprimento de um dia de prisão não tem qualquer correspondência com o que resultaria de se impor um dia de multa, pelo que se pode concluir que a equivalência de 1 dia de prisão por 1 dia de multa só parece resultar de uma utilidade prática na operação de conversão. Na verdade, se tivesse de existir qualquer correspondência, seria a de que por cada dia de prisão corresponderiam muitos mais dias de multa, tudo dependendo da situação económica do condenado”.

Nesse mesmo Acórdão do STJ consta uma declaração de voto do Exmo. Conselheiro Santos Cabral nos seguintes termos:

“Sem embargo da incoerência normativa dum sistema que adopta um critério de correspondência aritmética para algumas penas de substituição (artigo 48-substituição da multa por trabalho e artigo 58-prestação de trabalho a favor da comunidade) e de correspondência normativa para outras, a única justificação teórica que pode fundamentar tal opção reside na circunstância de um dia de prisão implicar um sofrimento maior para o condenado que um dia de multa. Consequentemente, e na esteira de anotação crítica constante de Revista Portuguesa de Ciência Criminal Ano 20 Nº1 pag 157 que incidiu sobre o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Julho de 2009, entende-se que a concreta pena de prisão pode-se revelar suficiente para cumprir as exigências de prevenção que no caso se fizerem sentir, mas o número de dias de multa correspondente ser insuficiente para fazer face a tais exigências.

Significa o exposto que na sequência lógica dos pressupostos que informaram o presente acórdão, e em regra, os dias de multa de substituição devem ter uma maior dimensão do que os dias de prisão que substituem”.(sublinhado nosso).

Face a tal jurisprudência, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 3ª ed. actualizada, pág. 280-281, acaba por concluir que “a nova jurisprudência conduzirá, em termos práticos, a uma aplicação mais dura da pena de multa enquanto pena de substituição …”.

É à luz desta jurisprudência que o presente caso terá necessariamente que ser analisado, relembrando que a arguida foi condenada em 4 meses de prisão, a que correspondem 120 dias, e que apenas se insurge contra a medida da pena de multa.

Vejamos, então.

No que respeita à determinação da medida concreta da pena, há que ter em conta, desde logo, o que dispõe o artigo 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Nos termos do nº 1 deste artigo, a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Por um lado, visa-se a confirmação da validade e actualidade da norma incriminadora, e da consequente tutela da confiança da comunidade na sua vigência, restabelecendo-se a paz jurídica que fora abalada pelo crime. Fala-se a este respeito de prevenção geral positiva ou prevenção geral de integração.

Por outro lado, visa-se a socialização do condenado, que se cumpre, naturalmente, na fase de execução da pena. Fala-se então de prevenção especial positiva.

Assim, a escolha da pena e a determinação da respectiva medida concreta são questões que devem ser resolvidas à luz das referidas finalidades.

               No entanto, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, nos termos do nº 2 do artigo 40º do mesmo diploma legal.

A culpa surge, assim, como um limite inultrapassável da actuação punitiva do Estado, em nome da dignidade do indivíduo.

Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.

Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121) e é citado no Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt:

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.

Como se refere no mesmo aresto, “o ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal. As penas como instrumentos de prevenção geral são instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar”.

Por outro lado, como ensina igualmente Figueiredo Dias, “a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais” – cfr. obra supra citada, 118.

Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.

“A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (cfr. obra e aresto supra citados).

“O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

Ensina o mesmo Ilustre Professor, in As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’” – cfr. aresto supra citado.

Porém, “em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização” – cfr. Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt.

Também o artigo 71º, nº 1, do Código Penal estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que, na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) a intensidade do dolo ou da negligência;

c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime e

f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

“As circunstâncias e critérios do artigo 71º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente” – cfr. aresto supra citado.

             *

Voltando ao caso concreto, na apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, consta da sentença recorrida que:

- as necessidades preventivas gerais, que cada vez mais se afirmam, e confirmam, como sendo muito elevadas, associadas ao crime supra verificado, cada vez mais frequentes e com vítimas diversas;

- intensidade de culpa com que atuou – dolo na veste de direto;

- as consequências advindas, com destaque para os próprios Lesados (entre os quais a aqui demandante);

- a conduta anterior da Arguida, revelada pelos seus antecedentes criminais, ainda que, maioritariamente, por crimes diversos dos que ora se julgam, considerando, ademais, que as três primeiras condenações, no que respeita à censura que lhe foi dirigida, respeitam momento temporal anterior à prática dos factos que ora se julgam, donde se conclui que não tiveram, tais condenações/censuras, a virtualidade pretendia de afastar a Arguida da prática de mais/outros ilícitos criminais;

- concluindo-se serem, também elevadas, as exigências preventivas especiais, de prevenção/dissuasão da prática de mais crimes e de consciencialização e, neste seguimento, de ressocialização da Arguida, atenta, ainda, a sua precária, senão mesmo ausente, inserção profissional;

- em sentido contrário, isto é, esbatendo, ainda que em parca medida, as ditas necessidades preventivas especiais, anota-se, justamente, a diversidade dos seus antecedentes criminais, atento os bens jurídicos atingidos e a distância temporal de alguns desses antecedentes, assim como a sua inserção familiar.

Concorda-se com esta apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, tendo o julgador procedido a uma correcta individualização e ponderação dos factores que relevam para a determinação da medida concreta da pena.

Considera-se elevado o grau de culpa, face a um dolo directo e, por isso, intenso, conjugadamente com todas as demais circunstâncias da prática do crime.

Também o grau de ilicitude atinge um patamar considerável, face ao número de peças contrafeitas e de ofendidos.

É igualmente de ponderar o facto da arguida já ter sido condenada:

- no processo comum n.º …, pelo 2.º Juízo Local Criminal de Leiria, por sentença transitada em julgado em 05.09.2013, pela prática, em 20.09.2011, de um crime de aproveitamento de obra contrafeita, na pena de sete meses de prisão suspensa na sua execução por um ano e na pena de 80 dias de multa à razão diária de €5,00, a primeira extinta pelo seu cumprimento em 05.09.2014 e a segunda em 02.09.2015;

- no processo comum n.º… pelo 1.º Juízo Local Criminal de Évora, por sentença transitada em julgado em 13.12.2013, pela prática, em 12.03.2009, de quatro crimes de ameaça, dois crimes de ofensa à integridade física e dois crimes de injúria, na pena de 500 dias de multa à razão diária de €5,00, extinta pelo seu cumprimento em 20.06.2017;

- no processo comum n.º…, pelo 3.º Juízo Local Criminal de Leiria, por sentença transitada em julgado em 18.12.2013, pela prática, em 13.10.2012, de um crime de usurpação (direitos de autor), na pena de dois meses de prisão substituída por sessenta dias de multa à razão diária de cinco euros, e na pena de 150 dias de multa à razão diária de €5,00, ambas extintas pelo seu cumprimento em 08.10.2016; e

- no processo comum n.º …, pelo Juízo Local Criminal de Alcobaça, por sentença transitada em julgado em 21.02.2019, pela prática, em 15.11.2017, de um crime de desobediência, na pena de cinco meses de prisão substituída por cento e vinte dias de multa à razão diária de cinco euros, extinta pelo seu cumprimento em 03.06.2019”.

O que nos leva a concluir por elevadas necessidades de prevenção especial, já que as várias condenações anteriores e os contactos com o aparelho de justiça não impediram a arguida de voltar a praticar novo crime, não tendo, pois, servido de aviso suficiente para o cumprimento dos ditames legais.

As exigências de prevenção geral são, de facto, elevadas face à excessiva frequência, senão mesmo banalização, da prática de crimes desta natureza.

Face à violação da norma jurídica, impõe-se o reforço da consciência jurídica comunitária, a necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada; isto é, a estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida. Há que criar nos cidadãos a convicção que comportamentos desta natureza são punidos e, por isso, devem abster-se da sua prática.

Ponderando todos estes factores, conclui-se que a pena aplicada de 150 dias de multa não ultrapassa o limite da culpa da arguida, revelando-se justa, adequada e necessária. Uma pena inferior à aplicada, mormente inferior a 90 dias como pretendido pela arguida, revelar-se-ia manifestamente insuficiente face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

Acresce que “o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” – cfr. Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsi.pt.

Como se pode ler também no Ac. da RG de 5.3.2018, in www.dgsi.pt, “quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”.

Posição jurisprudencial que se acompanha.

Pelo que fica dito e em jeito de conclusão, a pena de 150 dias de multa é uma pena que não ultrapassa os limites da culpa da arguida, como se disse, revelando-se necessária face às referidas exigências de prevenção geral e especial. Na sua fixação não se verifica qualquer desproporção.

 A ser assim, não deve ser alterada.

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No que respeita ao montante diário da pena de multa nada há a dizer, tanto mais que foi fixado no mínimo legal de 5 euros.

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Improcedendo, assim, a questão suscitada pela arguida, deve ser negado provimento ao recurso.

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                        C – Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam as juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pela arguida … e, em consequência, decidem manter a sentença recorrida.

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            Custas pela recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

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 Notifique.

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         Coimbra, 16 de Fevereiro de 2022.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por ambas as signatárias – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

Rosa Pinto (relatora)

Alice Santos (adjunta)