Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1150/11.3TBSCD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: PROCESSO DE INJUNÇÃO
OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO “VIA POSTAL SIMPLES COM PROVA DE DEPÓSITO”
NULIDADE DA CITAÇÃO
CASO JUGADO FORMAL
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 18.º, 2 E 20.º, 1 E 4 DA CRP
ARTIGO 3.º, A), DO DL 32/2003, DE 17/2
ARTIGO 12.º, 3 E 5, DO DL 269/98, DE 1/9
ARTIGOS 188.º; 189.º; 191.º, 1; 195.º, 2; 620.º E 857.º DO CPC
Sumário: I – A omissão de “notificação via postal simples” com “prova de depósito” para uma outra e diversa morada do Requerido em processo de injunção, que fora apurada nas consultas às bases de dados após a frustração da notificação por carta registada com aviso de receção para a residência/local de trabalho conhecidos ao mesmo, tudo no quadro do previsto nos nos 3 a 5 do art. 12º do regime do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro, na redação resultante do artigo 8º do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro, configura uma inobservância das “formalidades prescritas na lei”, determinante da correspondente nulidade da citação (cf. art. 191º, nº1 do n.C.P.Civil).

II – Assim, nos termos do art. 195º nº 2 do n.C.P.Civil deverão ser anulados todos os atos subsequentes à apresentação do requerimento de injunção, na medida em que todos eles dependem da aposição da fórmula executória, nos termos do art. 14º nº 1 do citado DL nº 269/98, e esta só se tornou possível devido a tal nulidade de notificação.

III – Tendo sido objeto de decisão transitada em julgado que a questão da nulidade da notificação no processo de injunção podia e devia ser matéria a discutir nos autos de embargos de executado, não pode ulteriormente nestes ser proferida, sob pena de ofensa do caso julgado formal, decisão de sinal contrário – como seria considerar sanada a nulidade em causa pela intempestividade da sua arguição nos embargos [por aplicação do art. 189º do n.C.P.Civil].

Decisão Texto Integral:

Apelações em processo comum e especial (2013)                                                                                                                          *

            Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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            1 – RELATÓRIO

AA executado nos autos principais, onde são exequentes BB, “E..., Lda.” e “N..., Lda., veio deduzir oposição à execução, alegando, em suma, o seguinte: nunca tinha tomado conhecimento do processo de injunção, por dele nunca ter sido notificado, apresentou um pedido de declaração de nulidade; desde finais de 2005, inicio de 2006 que emigrou para Espanha, local onde residiu e trabalhou até ao ano de 2015, sem ter regressado a Portugal; de Espanha emigrou para o Luxemburgo, onde se encontra a viver e trabalhar habitualmente desde março de 2015 e a residir atualmente, na morada aqui indicada, desde pelo menos 2018;morada que consta quer nos Serviços de identificação civil, quer no Serviço de Finanças; para que a falta de oposição tenha tal efeito executório, impõe-se que a notificação tenha sido efetuada, e com o formalismo legalmente previsto; como não existia domicílio convencionado, teria a notificação de cumprir o formalismo previsto no art.º12 do citado diploma legal, ou seja, carta registada com aviso de receção; frustrando-se a notificação, deveriam os autos ser apresentados a distribuição, cumprindo-se o demais formalismo legalmente fixado, o que não sucedeu; tão pouco se poderia lançar mão do mecanismo previsto no art.º 12 n.º 3 e 5, qual seja, frustrando-se tal notificação deveria o Balcão verificar as moradas que constam da base de dados do Serviços de identificação Civil e demais serviços públicos aí previstos, caso em que bastaria o envio de uma carta simples, atendendo a que tal procedimento foi considerado inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2019, publicado in DR 52/2019, de 14/03/2019, serie I; o embargante nunca foi citado ou notificado nem teve conhecimento de que contra si corria a injunção de que esta execução é dependente, razão pela qual, nenhuma oposição deduziu; e a casa para onde foi expedida a referida notificação, era a morada dos seus pais, sendo certo que atualmente por razões várias, não tem quaisquer contactos com os seus pais, nem com a restante família; que nunca lhe deram conhecimento do que quer que fosse, se porventura, alguma notificação receberam; desde o divórcio ocorrido em 2004, nenhum contacto mantem com a sua ex-mulher, também executada nos presentes, que também nada lhe transmitiu; a ausência da sua citação/notificação para o processo de injunção, constituem uma falta de citação, prevista no artigo 188 n.º1 a) e e), que determina a nulidade de todo o processado posterior ao requerimento injuntivo, atento o art.º 187º al. a) do CPC; cuja notificação é também nula, nos termos do art. 191 CPC; sendo nula a citação, tal significa que não existe declaração de reconhecimento do crédito; a requerente faz mera indicação de faturas que servem de base ao petitório, limitando-se a indicar o seu valor total, sem qualquer discriminação dos produtos alegadamente fornecidos, do valor de cada um deles, nem bem assim qual a data de vencimento de cada uma delas; não se encontrarem devidamente discriminados, não se percebe que quantidades e em que datas é que foram alegadamente fornecidos; o que torna o pedido ininteligível, o que se invoca para todos os efeitos legais; o executado nada deve aos exequentes; desconhece, nem tem obrigação de conhecer que os exequentes são os únicos sócios da extinta sociedade que alegam representar, pelo que se impugna; não se aceitam os juros peticionados, desde logo porque nunca o embargante foi notificado para proceder ao pagamento de qualquer quantia e bem assim porque nada foi convencionado entre as partes, nomeadamente qualquer clausula penal, sobretaxa de juros ou qualquer outra indemnização, seja a que título for; apenas seriam devidos os juros, à taxa legal, após a interpelação para pagamento de cada uma das faturas; sendo certo que, apenas seriam exigíveis os juros vencidos nos últimos cinco anos, e não os anteriores por prescrição, o que se invoca para todos os efeitos legais.

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Notificados da dedução de oposição por parte do executado, os exequentes deduziram contestação, pugnando pela improcedência dos embargos deduzidos, nos seguintes termos: a injunção é de 16-08-2011, “considerando o disposto nos arts. 11º e 15º da Lei nº 117/19, de 13-9, o regime deste art. 857º do CPC, bem assim do artigo 14º-A do Anexo ao DL nº 269/98, de 1-9, apenas tem aplicação relativamente a procedimentos de injunção iniciados após 1-1-2020”; uma vez que o requerimento de injunção é de 2011, importa atentar ao disposto no referido Acórdão do Tribunal Constitucional, porquanto “o CPC anterior à reforma consagrava a via postal simples, agora em análise, entre as modalidades de citação previstas. Foi introduzida como forma inovatória de citação para os casos em que existia contrato reduzido a escrito e domicílio convencionado, pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de agosto, mantendo-se, como regra, para os restantes casos, a citação por carta registada com aviso de receção; as formalidades inerentes ao procedimento de injunção foram, à data, legalmente cumpridas; sendo o caso em apreço referente precisamente a uma obrigação emergente de transação comercial (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 32/2003), nesse sentido, e para que não restem dúvidas, refere o douto Acórdão do Tribunal Constitucional que “é de notar que o mencionado Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, de cujo artigo 3.º, alínea a), constava (à data da desaplicação da norma que deu origem ao Acórdão n.º 222/2017) a definição de «transação comercial», foi entretanto revogado pelo artigo 13.º (e nos termos aí previstos) do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio (estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais, e transpõe a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011). Assim - e sem prejuízo da manutenção em vigor do preceito no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do novo diploma legal (artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio) -, a definição de «transação comercial» passou a constar da alínea b) do artigo 3.º do último diploma (segundo o qual se entende por transação comercial «uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração») - passando o disposto no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, de acordo com o qual «[o] atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.»; o domicílio fiscal do aqui Executado, à data do requerimento de injunção, corresponde à morada do mesmo requerido subjacente a esse mesmo requerimento, sendo, inclusive, o domicílio fiscal do aqui Executado, em 23-10-2014.

                                                           *

Realizou-se a audiência prévia, no decurso da qual se conheceu e julgou improcedente a invocação de ineptidão do requerimento executivo (pedido). Fixaram-se o objeto do litígio e os temas de prova.

*

Realizou-se a audiência final, com observância dos legais formalismos.

Na sequência, foi proferida sentença, a qual se iniciou com o Relatório, seguido da  enunciação da fundamentação de facto, prosseguindo-se com a fundamentação de Direito, no contexto da qual, em síntese, se considerou que existiu nulidade da notificação do executado no âmbito do procedimento onde se formou o título executivo, isto na medida em que «(…) não foram cumpridas as formalidades da notificação previstas na lei, pois que numa das bases de dados acedidas constava um morada diferente, situada em ..., Espanha, para a qual não consta o envio de qualquer carta de notificação», face ao que eram procedentes os embargos «(…) por serem nulos todos os atos posteriores à apresentação do requerimento de injunção, ficando, nessa medida, prejudicado o título executivo apresentado nos autos principais (…)», termos em que se concluiu com o seguinte concreto “dispositivo”:

«V- Decisão

Em face do exposto, julga o Tribunal totalmente procedentes os presentes embargos e, em consequência, a extinção da ação executiva por falta de título que a sustente.

Custas a cargo dos embargados.

Valor: o já fixado.

Registe e notifique. »

                                                           *

Inconformados com essa sentença, apresentaram os Exequentes/embargados recurso de apelação contra a mesma, terminando as alegações que apresentaram com as seguintes conclusões:

«I. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto (com reapreciação da prova gravada) e de direito da sentença proferida nos presentes autos que julgou procedentes os embargos, determinando a extinção da execução «por falta de título que a sustente».

II. Com efeito, o Recorrido veio deduzir oposição mediante embargos de executado alegando, em suma e além do mais, que «nunca foi citado ou notificado nem teve conhecimento de que contra si corria a injunção de que esta execução é dependente, razão pela qual, nenhuma oposição deduziu».

III. E o Tribunal a quo entendeu que «inexiste outra alternativa, que não seja a de considerar nula a notificação e procedentes os presentes embargos, por serem nulos todos os atos posteriores à apresentação do requerimento de injunção, ficando, nessa medida, prejudicado o título executivo apresentado nos autos principais e com ele a própria ação executiva, cuja extinção se declara, por falta de título executivo».

IV. Quanto à matéria de facto, a impugnação dos Recorrentes versa a que foi vazada nos pontos a) e b) do segmento da decisão designado por «B) Factos não Provados».

V. Ora, o endereço para onde foram expedidas as notificações da injunção (de que resultou o título executivo dos presentes autos) era (e continua a ser) o da residência de CC, testemunha ouvida e mãe do Recorrido (cf. minutos 04:10 a 05:57 do depoimento de 30/03/2022, em audiência de Julgamento, gravado entre as 15:13:48 e as 15:25:15).

VI. Essa testemunha confirmou, nessa sequência, que aquela havia sido também a morada do seu filho, apressando-se, contudo, sem qualquer contextualização, a afirmar que «na altura» ainda lá residiu, mas que mudou de morada, sem que, posteriormente, conseguisse precisar o ano em que ocorrera essa mudança.

VII. Tanto aí, como quando esclareceu que a sua morada, só a partir de determinada altura, é que passou a ter caixa de correio (cf. minutos 04:10 a 05:57 do depoimento de 30/03/2022, em audiência de Julgamento, gravado entre as 15:13:48 e as 15:25:15), a testemunha, desde logo, paradoxalmente, contextualizou temporalmente um evento que não sucedera (o da [não] recepção da notificação).

VIII. Acresce que a mesma testemunha, que confirmou a sua morada em Tribunal, confirmou, também, ter recebido outra correspondência destinada ao Recorrido (negando apenas ter recebido a notificação que interessa para os presentes autos) (cf. minutos 07:25 a 07:40 e 09:40 a 09:45 do depoimento de 30/03/2022, em audiência de Julgamento, gravado entre as 15:13:48 e as 15:25:15), tendo, ainda, segundo parece, recebido a notificação para comparecer em audiência de Julgamento nos presentes autos.

IX. Atentas todas as referidas perplexidades e, em face das regras da lógica e da experiência comum, crê-se que o Tribunal a quo não poderia ter dado como não provado que a notificação para o procedimento de injunção não tenha, efectivamente, sido recebida naquela morada e chegado ao conhecimento do filho da testemunha.

X. Em face do exposto, deveria o Tribunal a quo ter, ao invés, dado como provada a factualidade constante dos pontos a) e b).

XI. Quanto à impugnação da matéria de direito, importa, primeiramente, ter presente, que o Tribunal a quo, aparentemente, sustentou a decisão na previsão do artigo 191.º do CPC (i. e., nulidade de citação).

XII. Enquanto a nulidade de citação pressupõe que a citação tenha sido efectivada, porém, preterindo-se as formalidades prescritas na lei, a falta de citação, situação distinta, pressupõe a inexistência da citação ou a verificação de uma das circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 188.º do CPC, como a da alínea e), que se crê ser aplicável ao circunstancialismo invocado pelo Recorrido (e considerado pelo Tribunal a quo).

XIII. Acontece que, relativamente à falta de citação, para que o Recorrido pudesse, de modo eficaz, ilidir a presunção do conhecimento do acto, de forma que pudesse concluir-se pela efectiva falta de citação, seria ademais necessário que o Embargante tivesse alegado e demonstrado que a falta de conhecimento da notificação ocorrera por facto que não lhe era imputável, conforme ao que expressamente exige o segmento final da alínea eventualmente aplicável, ónus esse, aliás, que, por maioria de razão, se crê, em todo o caso, também ser aplicável às situações de nulidade de citação.

XIV. O domicílio indicado no requerimento injuntivo que constitui título executivo e para onde foi expedida a respectiva notificação correspondia ao domicílio fiscal do Recorrido (cf. pontos 4, 5, 6 e 7 dos factos considerados provados) e constava, ademais, das bases de dados da Segurança Social, da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos e da Direcção-Geral de Viação (cf. ponto 11 dos factos considerados provados).

XV. Tendo ficado provado que o Recorrido passou a residir noutro local sem ter procedido à alteração do seu domicílio em todos os documentos e bases de dados oficiais (mantendo aquele domicílio), tornar-se-ia necessário concluir que, a ser verdade que o Recorrido não foi notificado e/ou não tomou conhecimento da injunção, tal apenas terá sucedido por motivo que lhe é imputável, tudo valendo por dizer que não poderia ter-se por preenchido o requisito da referida parte final da alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º do CPC.

XVI. O Direito não pode dar acolhimento a situações, como a dos autos, em que a nulidade ou a falta de citação sejam, com êxito, invocadas quando o citando muda a sua residência sem alterar oficialmente o seu domicílio.

XVII. Em face do exposto, ao decidir como decidiu - i. e., que ocorre nulidade ou falta de citação ainda que a notificação para procedimento injuntivo expedida para o domicílio constante de bases de dados oficiais não chegue, segundo ao invocado, ao conhecimento do citando pelo facto de o mesmo ter passado a residir noutro local sem proceder à alteração do seu domicílio nos documentos oficiais - , o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 191.º, n.º 1, 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC e 12.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, preceitos estes que, isolada ou conjugadamente, deveriam ter sido interpretados no sentido de não ocorrer nulidade ou falta de citação (i. e., de notificação) na situação descrita.

XVIII. Considerando, ainda, que no dia 27 de Fevereiro de 2020 o Recorrido requereu a consulta electrónica do processo principal, o que constitui intervenção relevante, e que só no dia 4 de Junho de 2020 veio arguir a nulidade ou a falta da sua notificação, tal nulidade teria, assim, de se considerar sanada, nos termos do disposto no artigo 189.º do CPC.

XIX. Em face do exposto, ao decidir como decidiu - i. e., que ocorre nulidade ou falta de citação ainda que, salvo melhor entendimento, tal nulidade, atendendo à factualidade descrita, deva considerar-se sanada -, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 189.º do CPC, preceito este deveria ter sido interpretado no sentido de tal nulidade ou falta de citação (i. e., de notificação) se encontrar sanada na situação descrita.

Termos em que, e noutros que V. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando-se a sentença revidenda, substituindo-se por outra que julgue não procedentes os embargos de executado deduzidos pelo Recorrido, far-se-á JUSTIÇA.»

                                                                       *

Foram apresentadas contra-alegações pelo Executado/embargante, das quais extraiu as seguintes conclusões:

«I- Nenhum reparo merece a sentença proferida, quer de facto, quer de direito, no que respeita à matéria do recurso a que se responde;

II- Os factos não provados referidos em a) e b) dos factos não provados, foram assim julgados, no conjunto da prova produzida, quer testemunhal, quer declarações de parte, quer na abundante prova documental constante dos autos.

III- Pelo que, para impugnar tal factualidade não basta colocar em causa um dos meios de prova que foi considerado, mas apenas, com a impugnação de todos eles, se poderá colocar em causa esse concreto meio de prova.

IV- O recurso que assim não considera, não cumpre o ónus de impugnação especificada prevista no art..º 640 n.º 1 b) do CPC, devendo, por isso, ser rejeitado.

V- Ainda que assim se não considere, se para considerar provado determinado facto, o Tribunal considerou para além do depoimento de uma testemunha, CC, outros meios de prova, que não foram colocados em causa, designadamente os documentos e outros depoimentos, designadamente do embargante, o ataque a apenas um desses meios de prova, não permitirá alterar a decisão proferida.

VI- Desde logo porquanto os documentos supra referidos e as próprias declarações do embargante impunham a mesma decisão.

VII- Pelo que apenas a impugnação especificada de todos os meios de prova que foram determinantes naquela convicção, poderiam permitir alterar o decidido, o que não resulta do recurso a que se responde, pelo que nada deve ser alterado.

VIII- Acresce que para abalar a prova que permitiu formar a convicção firmada na sentença, não basta invocar perplexidades.

IX- Muito menos, ouvir ou transcrever um depoimento gravado, e deste, apenas determinadas passagens de transcrições, escolhidas de forma mais ou menos parcial e cirúrgica.

X- È ainda necessário, avaliar o depoimento no seu conjunto e ainda todos os demais meios de prova convocados para este facto, designadamente declarações do próprio embargante e os diversos documentos como sucedeu nos presentes autos.

XI- Pelo que as alegadas “.. perplexidades…” não são suficientes para abalar a decisão proferida.

XII- Já que, e mesmo em face das regras da lógica e da experiência comum, o tribunal a quo nunca poderia ter dado como provado que a notificação para procedimento de injunção tenha, efectivamente sido recebida naquela morada pelo embargante e para além disso que tenha chegado ao conhecimento embargante.

XIII- Já que ainda que tal notificação ali tenha sido depositada, era necessário provar-se que a mesma foi recebida pela testemunha e entregue ao embargante, que por isso teve conhecimento do processo de injunção, o que não ficou minimamente provado, nem resulta imediatamente da pretendida rejeição do depoimento da testemunha em causa.

XIV- Estando assente que, à data da notificação o embargante não residia naquela morada, tendo inclusive registada desde 2006 uma outra morada em Espanha, e tendo ficado assente que não foi enviada nenhuma notificação para esta morada que também constava das bases de dados dos SIC, tal prova documental associada ao depoimento do próprio embargante é suficiente para se manter como não provada a matéria referida em a) e b) dos factos não provados;

XV- Nenhum erro de direito existe na sentença proferida ao considerar a inexistência de título executivo, atenta a falta de citação para o requerimento injuntivo.

XVI- Já que a preterição do formalismo legalmente fixado no art.º 12 n.º 5 do DL 269/98, de 1/9, a determinar a notificação do executado para todas as moradas que constam na base de dados, equivale a uma verdadeira ausência de citação, nos termos previstos no art.º 187 a) e 188 n.º 1ª) do CPC, a determinar em sede de embargos a inexistência de título executivo.

XVII- Sendo certo que o não cumprimento de tal formalismo legal, imputável a terceiro que não o embargante, seria sempre motivo suficiente para se considerar que o não conhecimento da injunção não resulta de facto que seja imputável ao embargante.

XVIII- Já que nenhuma obrigação legal impende sobre o embargante de alterar em todos os serviços a sua morada.

XIX- Aliás, se assim fosse, estaria esvaziada de conteúdo a norma prevista no art.º 12 e supra referida.

XX- Acresce que, não pode a sentença em apreciação alterar o que já constitui caso julgado, e já não pode ser objeto de reapreciação, sob pena de violação do julgado.

XXI- A questão da nulidade da citação no processo de injunção pode e deve ser matéria a discutir nos embargos, como foi no presente.

XXII- E a decisão sobre a tempestividade dos embargos e/ou sobre o prazo da arguição de nulidade em causa, já foi decidida, em 15/7/2021, não tendo sido objeto de recurso, que seria de 15 dias, nos termos do art.º 644 n.º 2 d) do CPC, pelo que já não pode ser alterada, o que se invoca.

XXIII- E ainda que agora se pretendesse considerar e apreciar de novo tal questão, já decidida e transitada, sempre então, haveria também de fazer ressuscitar a nulidade oportunamente invocada pelo executado em 4/6/2020, e sobre a qual o tribunal não se pronunciou.

XXIV- Pelo que nenhum reparo merece a sentença proferida, pelas razões já supra referidas, sendo certo que a matéria ora invocada se encontra definitivamente julgada.

XXV- Mas na remota eventualidade de tal não vir a ser assim considerado - o que jamais se considera, desde logo até por injusto - sempre as pretensões dos Recorrentes teriam de improceder, quer por via quer da arguida nulidade por requerimento em junho de 2020, quer ainda da sua já arguida ilegitimidade, que também não chegou a ser conhecida.

XXVI- Com efeito, na p.i. de embargos nos artigos 35 a 38.º da p.i,, - embora, admite-se de forma bastante imperfeita- melhor reiterado em sede de alegações na audiência de julgamento, o executado invocou que os Recorrentes nenhuma legitimidade demonstraram para a invocada qualidade.

XXVII- Atente-se que como resulta do requerimento de injunção, os ali Requerentes invocaram ser o aqui Recorrido, devedor de determinadas quantias, vertidas em determinadas faturas, que apenas juntaram em sede de contestação.

XXVIII- Sendo que, dessas faturas resulta que, o alegado credor é a sociedade por quotas A..., Lda, NIPC ..., com sede na Rua ..., ... ..., sendo por isso, este o alegado credor.

XXIX- Que nada têm que ver com os aqui Exequentes, a saber: BB, com residência na ..., n.º 1- A, 7.º B, ... ..., ..., NIF ...; E..., Lda com sede na Estrada ..., ..., , ... ..., NIPC ... N..., Lda, NIPC ..., com sede na Travessa ..., ... ...,

XXX- Ora, tendo os Recorrentes alegado, no requerimento de injunção que eram sócios da Sociedade A..., Lda, NIPC NIPC ..., que se dedicava ao comércio; e que essa sociedade foi dissolvida e liquidada em 8/7/2009; e ainda que encerrada a liquidação a extinta a sociedade, os bens que não tiverem sido partilhados pertencem aos sócios; deveriam apresentar a prova, de tal qualidade, designadamente, documental , já que todas estas invocadas qualidades apenas por documento se provam, o que não fizeram.

XXXI- Pelo que, e sendo até a ilegitimidade de conhecimento oficioso, sempre esta questão deveria ser apreciada e decidida, o que se requer e invoca.

Termos em que, e nos melhores de direito que V.ªs Ex.ª mui doutamente suprirão, deve o recurso ser rejeitado e/ou indeferido, nos termos supra alegados, assim se fazendo a tão acostumada e sã Justiça.»

                                                           *

            Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, as questões a decidir são:

            - impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos “a)” e “b)” do elenco dos «Factos não Provados», os quais devem ser considerados como “provados”?

- incorreto julgamento de direito, quer quando se concluiu pela nulidade da notificação do requerimento de injunção por “notificação via postal simples” com “prova de depósito” [violando o «disposto nos artigos 191.º, n.º 1, 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC e 12.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro»], quer porque a concluir-se pela nulidade ou falta de citação, devia considerar-se sanada tal situação [violação do «disposto nos artigos 189.º do CPC»]?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso também tem em vista a alteração dessa factualidade.   

 Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância:

« A) Factos Provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1- No dia 26.12.2011, BB, E..., Lda., N..., Lda. requereram a execução de AA, com vista ao pagamento da quantia de € 6.897,89 (seis mil oitocentos e noventa e sete euros e oitenta e nove cêntimos), o que constitui os autos principais;

2- No processo referido em 1, a exequente, ora embargada apresentou como título executivo um requerimento de injunção, entrado em juízo em 16.08.2011, com formula executória atribuída em 15.12.2011, com o seguinte teor: “1- Os aqui requerentes eram sócios da Sociedade A..., Lda., NIPC ..., que se dedicava ao comércio por grosso de fruta e de produtos hortícolas, excepto batata. 2- No âmbito da sua actividade, a referida sociedade vendeu ao requerido, artigos do seu comércio, melhor descritos nas faturas nºs ...11, ...24, ...54, ...78, ...00, ...24, ...43, ...61, ...68, ...95, ...11, ...37, ...59, e,NDC-A...05-00003 e NDC-A...06-00001, para o exercício do comércio deste último.3- Os bens foram vendidos e entregues ao requerido, não ocorrendo qualquer tipo dereclamação.4- O requerido não procedeu ao pagamento de qualquer quantia a título decontraprestação.5- Foram já utilizados todos os meios para que este proceda ao pagamento da quantia em questão sem que estes tivessem o efeito desejado. 6-As partes convencionaram, que na falta do pagamento do capital em dívida no prazo acordado, iria acrescer ao montante em dívida o pagamento da quantia de 25 % sobre o seu valor, com o valor mínimo de € 250,00, a título de cláusula penal, bem como, de juros de mora à taxa legal acrescido da sobretaxa de 3 %, também a título de cláusula penal. 7- Sucede que, a Sociedade A..., Lda., foi dissolvida e liquidada, a 08/07/2009. 8- Ora, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os bens que não tiverem sido partilhados pertencem aos sócios - cfr. artigo 164º, nº 1, do C.S.C.; 9- E bem assim, nos termos do nº 2, do artigo 164º, C.S.C., podem os antigos sócios da sociedade, aqui requerentes, propor as acções judiciais destinadas à cobrança de créditos. 10. Liquidam-se juros vencidos à taxa convencionada inter partes, desde a data de vencimento das facturas, supra referidas, até à presente data. 11- Sendo ainda devidos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento. 12 - A aqui Requerida é casada em comunhão de adquiridos com o requerido que como se disse adquiriu à Requerente diversos artigos sem que os tenha até à data pago. 13- A presente dívida é comunicável à cônjuge daquele, a ora Requerida, uma vez que a mesma foi contraída no exercício da actividade comercial do mesmo de venda fruta, e para proveito comum do casal, uma vez com os proveitos da sua actividade o citado requerido pagava as despesas do agregado familiar, nomeadamente vestuário, alimentação e habitação, pelo que por força das presunções legais do art. 15º Código Comercial e art. 1691º nº 1 alínea d) Código Civil, as presentes dívidas são da responsabilidade de ambos os cônjuges, por tal respondendo “os bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges” (cfr. art. 1695º CC). 14- Pelo que a Requerida é responsável pela presente dívida.”;

3- A exequente alegou em sede de requerimento executivo: “1. Por Injunção nº 217447/11...., à qual foi aposta fórmula executiva pelo Exmo. Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções, devido à falta de oposição, nos termos do artº 14º nº1 do DL nº 269/98, foram os ora Executados condenados a pagar à ora Exequente a quantia de € 6.702,64. 2. A dívida é certa, líquida e exigível. 3. Nos termos do art. 46º nº 1 alínea d) CPC e do artigo supracitado referente ao DL nº 269/98”;

4- No requerimento de injunção foi indicada como domicílio do executado/embargante a Rua ..., ..., ..., ..., mas com a indicação de não convencionado, sendo ainda indicado que o requerimento se reporta a obrigação emergente de transação comercial;

5- À data de entrada do requerimento de injunção, o domicílio indicado em 4 correspondia ao domicílio fiscal do executado/embargante;

6- No âmbito do processo de injunção, a notificação do executado/embargante ocorreu por via posta simples, depositada no recetáculo postal, no dia 17.11.2011, na morada referida em 4;

7- A morada referida em 4 corresponde à residência dos pais do executado/embargante, onde o mesmo também já residiu;

8- O executado/embargante requereu no registo central de estrangeiros em Espanha da Direção Geral da Polícia e da Guarda Civil, a qualidade de residente comunitário com carater permanente em Espanha, desde 12 de maio de 2006;

9- Há cerca de quatro a cinco anos o embargante/executado mudou-se para o Luxemburgo, onde atualmente tem domicílio fiscal;

10- A notificação referida em 6 ocorreu depois do envio de carta registada com aviso de receção para a mesma morada, que foi devolvida;

11- Efetuadas pesquisas prévias à notificação referida em 6, nas bases de dados da Segurança Social, da DGCI, da DGV e dos SIC, a morada apurada foi a mesma, com exceção do último dos serviços mencionados, onde a morada do embargante se situava, à data, em ..., Espanha.

*

B) Factos não Provados

Com relevo para a decisão da causa, ficou por provar o seguinte:

a) O embargante recebeu a notificação efetuada no âmbito do processo de injunção;

b) E teve conhecimento da pendência de tal processo;

c) O embargante desde a data referida em 8 veio a Portugal à morada referida em 4;

d) O embargante procedeu ao pagamento das quantias reclamadas na ação executiva.»

¨¨

            Para além destes pontos de facto, face à questão recursiva colocada em último lugar [intempestividade da discussão (nos embargos) da questão da nulidade da citação, por estar sanada], importa ainda considerar o que decorre da consulta dos autos [e apenso executivo], a saber:

- o Executado/embargado/recorrido, depois de ter pedido a consulta dos autos  em 27.2.2020 [em requerimento subscrito pela sua Exma. Mandatária], arguiu nos autos executivos apensos, em 4.6.2020, a nulidade de todo o processado (com base na falta ou nulidade da notificação para o procedimento de injunção, geradora da inexistência do título executivo), mas tal requerimento não foi objeto de decisão imediata, antes só por despacho de 25.01.2021, a Exma. Juíza de 1ª instância veio a considerar que apenas em sede de embargos se poderia conhecer de tal questão, pelo que, porque um “simples requerimento” não era meio adequado para suscitar tal questão, entendeu que quanto a esse particular nada era de apreciar ou decidir;

- este despacho não foi alvo de qualquer reclamação ou recurso.

- precedendo a designação da audiência prévia, foi proferido nos presentes autos o seguinte despacho em 1.07.2021: «Como o próprio exequente afirma, o executado/embargante foi citado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 856.º, do Código de Processo Civil, em 26.08.2020.

Veio deduzir os presentes embargos em 21.09.2020, pelo que, considerando o prazo de vinte dias que que dispunha, bem como o disposto no artigo 138.º, n.º 2, do referido diploma legal, os embargos mostram-se tempestivos.

Acresce que, tal como já apreciado no âmbito dos autos principais, as questões relativas à falta de citação no âmbito do processo de injunção – que não a falta de citação no âmbito da execução (essa sim, a ser invocado, seria suscetível de determinar a ponderação do momento do conhecimento e da intervenção nos autos, como eventual sanação de vício invocado – constituem, efetivamente, fundamento de oposição à execução, como decorre do disposto no artigo 857.º, do Código de Processo Civil, independentemente do momento em que o executado teve conhecimento da pendência dos autos de execução e da sua intervenção nos mesmos.

Nestes termos, considero improcedente a alegada extemporaneidade dos embargos deduzidos.

Notifique.»

- este despacho também não foi alvo de qualquer reclamação ou recurso.

*

            3.2 – Os Embargados/recorrentes sustentam o desacerto da decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos “a)” e “b)” do elenco dos «Factos não Provados», os quais devem ser considerados como “provados”.

Para tanto argumentam, em síntese, que a testemunha CC [que sabemos ser a mãe do Embargante/recorrido e do registo áudio de cujo depoimento  transcrevem alguns segmentos], tendo confirmado que a morada na qual teria sido depositada a ajuizada carta contendo a notificação do Embargante, era a morada da própria e também havia sido a morada do seu filho (aqui Recorrido), passou de seguida a sustentar que o mesmo dela se havia ausentado, e não logrou convencer quando não conseguiu precisar com rigor quando é que tal tinha sucedido, embora já se mostrasse convicta a sustentar que o mesmo não tinha recebido a carta em causa, nem dela tinha tido conhecimento, donde, se suscitavam “perplexidades” face às quais e às “regras da lógica e da experiência comum”, não se compreendia o entendimento do Tribunal a quo quanto a esta factualidade. 

Que dizer?

Antes de mais importa rememorar o teor literal dos pontos de facto em questão, a saber:

«a) O embargante recebeu a notificação efetuada no âmbito do processo de injunção; »

«b) E teve conhecimento da pendência de tal processo;»

Estão em causa pontos de facto relativamente aos quais se entendeu que ficaram por provar.

Ora se assim é, para se poder concluir que os mesmos haviam resultado “provados”, necessário seria que se apurasse e evidenciasse que foi produzida prova consistente e concludente no sentido da sua verificação.

Sucede que os Embargados/recorrentes apenas convocam esse meio de prova e, salvo o devido respeito, não se vislumbra como e porque é que face ao mesmo, e argumentação deduzida, se podia e devia concluir pela positiva verificação dos pontos de facto em causa.

Então se a testemunha os nega, onde é que reside a certeza e segurança na verificação positiva de tal, isto é, do seu inverso?

Por a negação ou hesitação dela suscitar “perplexidades”?

Face às “regras da lógica e da experiência comum”?

Salvo o devido respeito, era preciso muito mais.

Atente-se que não se deteta ou aponta nenhum elemento indiciário – nem muito menos era de presumir! – que o Embargante ali morava ou se encontrava à data do depósito da carta.

E, por maioria de razão, nada se invoca sequer – em termos probatórios – no sentido de como e por que via o Embargante teve “conhecimento da pendência de tal processo”!

Antes pelo contrário, a globalidade da prova produzida suporta com maior acuidade o entendimento/convicção correspondente à tese do Embargante sustentada em sede dos embargos que deduziu, e que o próprio corroborou na audiência, mormente com a alegação de que se ausentou de Portugal desde finais de 2005, inicio do ano de 2006, emigrando para Espanha, local onde residiu e trabalhou até ao ano de 2015, sem nunca mais ter regressado a Portugal, isto também com apoio na prova documental que juntou, a saber, a solicitação da qualidade de residente comunitário com carater permanente em Espanha, desde 12 de maio de 2006…

Sendo certo que se encontra comprovado nestes autos [cf. ref.ª citius 90576416 de 9/5/2022] que da obtenção de informação de moradas constantes da base de dados dos serviços de identificação civil resultou que a morada do Embargante/recorrido era então em ..., Espanha [“...”], e que existe um conjunto de factos dados como “provados” – que não foram impugnados enquanto tais em sede recursiva! – no sentido de que efetivamente não se detetava qualquer ligação ou proximidade do Embargante/recorrido à morada para onde foi enviada/depositada a notificação ajuizada, como sejam:

- que a injunção foi apresentada em juízo em 16.08.2011 [cfr. facto “provado” sob “2-”];

- que a morada indicada no processo de injunção foi a “Rua ..., ..., ..., ...” [cfr. facto “provado” sob “4-”];

- que a notificação dirigida ao executado no âmbito do processo de injunção ocorreu em 17/11/2011 para a morada referida em 4 [cfr. facto “provado” sob “6-”];

- que a morada referida em 4 corresponde à residência dos pais do executado- [cfr. facto “provado” sob “7-”];

- que o executado requereu no registo central de estrangeiros em Espanha a qualidade de residente comunitário com caracter permanente em Espanha desde 12 de maio de 2006 [cfr. facto “provado” sob “8-”];

- que “Há cerca de 4/5 anos” ( 2016/2017) o embargante executado se mudou para o Luxemburgo, onde atualmente tem domicílio fiscal [cfr. facto “provado” sob “9-”];

- e que a notificação referida em 6 ocorreu depois do envio de carta registada com aviso de receção para a mesma morada, que foi devolvida [cfr. facto “provado” sob “10-”];

De referir que igual convicção foi a da Exma. Juíza a quo, como flui do que consignou em sede de “motivação” à decisão sobre a matéria de facto no seguinte segmento:  

«(…)

Mais se considerou o facto de as partes estarem de acordo (logo em sede de articulados) quanto à circunstância da morada onde ocorreu a notificação do executado/embargante em sede de processo de injunção corresponder à morada dos seus pais. Porém, atenta a prova documental junta aos presentes embargos com a contestação, ficou também demonstrado o facto de ser a morada deste na base de dados da DGCI à data e que ocorreu o depósito da carta referente à notificação.

Porém, da prova documental junta aos autos, decorre, ainda, que após a tentativa de notificação por carta registada com aviso de receção, foram efetuadas pesquisas às bases de dados da segurança social, Direção-Geral de Contribuições e Impostos, Direção-Geral de Viação e Serviços de Identificação Civil, apurando-se que, nestes últimos, o executado já possuía a indicação de morada sita em ..., Espanha, em conformidade com o documento que apresentou de solicitação da qualidade de residente comunitário com carater permanente em Espanha, desde 12 de maio de 2006.

Produzida a prova testemunha e tomadas declarações e depoimento ao embargante, o Tribunal apurou que, efetivamente – como o próprio confirmou e também sustentou a testemunha CC, sua mãe – o mesmo se ausentou para o estrangeiro.

Perante o teor destes depoimentos e perante a documentação junta e o resultado das pesquisas na base de dados do S.I.C. à data da notificação no processo de injunção, não pode o Tribunal considerar que ficou demonstrado o efetivo recebimento da notificação pelo embargante, bem como o conhecimento pelo mesmo da pendência do processo de injunção.»

O que tudo serve para dizer que os Embargados/recorrentes não conseguiram abalar minimamente a convicção probatória expressa na sentença recorrida – em termos de ela se traduzir num erro de julgamento – pois que, no limite, apenas se admite que se considere adquirido que aquela concreta carta foi depositada naquele domicílio onde apenas, a essa data, residia a mãe do Embargante…

Termos em que manifestamente improcede a impugnação.

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vejamos agora do incorreto julgamento de direito, quer quando se concluiu pela nulidade da notificação do requerimento de injunção por “notificação via postal simples” com “prova de depósito” [violando o «disposto nos artigos 191.º, n.º 1, 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC e 12.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro»], quer porque a concluir-se pela nulidade ou falta de citação, devia considerar-se sanada tal situação [violação do «disposto nos artigos 189.º do CPC»]:

Apreciemos em 1º lugar o aspeto do alegado desacerto de julgamento quando se concluiu na sentença recorrida pela verificação da nulidade da notificação.

Em nosso entender – e ressalve-se o juízo antecipatório! – essa nulidade afigura-se-nos como incontornável.

Senão vejamos.

Para tanto importa ter presente a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral relativamente ao disposto no nº 5 do art. 12º do Regime aprovado pelo DL 269/98, de 01/09.

O normativo em referência tem o seguinte teor literal completo:

«Artigo 12.º

Notificação do requerimento

1 - No prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.

2 - À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.ºs 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil.

3 - No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação.

4 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo seguinte.

5 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3, ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais.

6 - Se qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 236.º do Código de Processo Civil, diversa do notificando, recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver.

7 - Não sendo possível a notificação nos termos dos números anteriores, a secretaria procederá conforme considere mais conveniente, tentando, designadamente, a notificação noutro local conhecido ou aguardando o regresso do requerido.

8 - Não se aplica o disposto nos n.ºs 1 e 2 se o requerente indicar que pretende a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, caso em que se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil para a citação por solicitador de execução ou mandatário judicial.

9 - No caso de se frustrar a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, procede-se à notificação nos termos dos n.ºs 3 a 7.

10 - Por despacho conjunto do ministro com a tutela do serviço público de correios e do Ministro da Justiça, pode ser aprovado modelo próprio de carta registada com aviso de recepção para o efeito do n.º 1, nos casos em que o volume de serviço o justifique.» [sublinhados nossos]

Face a este regime, alguma jurisprudência começou a suscitar a questão da inconstitucionalidade, por violação do art. 20º da Constituição da República Portuguesa [mais concretamente com a alegação de que a modalidade de notificação prevista na norma sub juditio constitui uma restrição do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, mediante processo equitativo, contido nos nos 1 e 4 do art. 20º da Constituição, e mais especificamente os seus corolários do direito ao contraditório e da proibição da indefesa], o que veio a ser declarado, inter alia, pelo Acórdão do TC nº Acórdão 222/2017 de 3 Mai. 2017 (proferido no proc. nº 260/2016), e, mais recentemente, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do TC nº 99/2019, a saber:

Acórdão n.º 99/2019 (Série I) de 12 de fevereiro - Processo n.º 541/2018 / Tribunal Constitucional. Plenário. Maria José Rangel de Mesquita, juíza conselheira relatora: Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante dos n.ºs 3 e 5 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a EUR 15 000 - na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais, nos termos definidos no artigo 3.º, alínea a), do referido Decreto-Lei n.º 32/2003 -, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição. [Diário da República. - Série I - n.º 52 (14-03-2019), p. 1593 - 1601].[2]

Vejamos então o que conduziu a esta situação.

Decorria da interpretação da norma constante nos nos 3 e 5 do art. 12º do regime do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro, na redação resultante do artigo 8º do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro, que em caso de frustração da notificação do requerido, através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, fazia presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não residisse, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição.

Tendo em conta a referida presunção, veio o dito Acórdão nº 222/2017 afirmar que «não permite saber com segurança se a carta foi enviada para a residência do notificado como também não permite saber a data exata em que a carta chegou ao conhecimento do destinatário, sendo este facto essencial para a contagem do prazo de que dispõe para apresentar a sua defesa» e bem assim que «Sendo a notificação essencial para o exercício do contraditório e, constatando-se que esta modalidade não oferece as garantias suficientes para o efetivo conhecimento do respetivo conteúdo da notificação pelo requerido, algo que é pressuposto do contraditório, estamos perante uma clara restrição ao direito de defesa do mesmo.»

E foi nessa linha de entendimento que se concluiu no sentido de que a norma na sua versão originária não garantia o direito ao contraditório e restringia o direito de defesa.

Na sequência, o representante do Ministério Público veio requerer junto do Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade da norma.

O Tribunal Constitucional concordou com a respetiva fundamentação de inconstitucionalidade e declarou que a mesma é inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do art. 20º, nos 1 e 4, em conjugação com o art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

Sucede que no caso ajuizado nem é necessário aplicar/invocar esse entendimento de inconstitucionalidade.

 É que o caso vertente encerrou um vício precedente que inquina liminar e fatalmente a notificação que teve lugar.

Com efeito, constata-se que no caso vertente nem chegou a ser operada a notificação por via postal simples para a outra e diversa morada que se apurou na consulta nas Bases de Dados como sendo a do ora Embargante/recorrido, a saber, em em ..., Espanha [“...”].

Ora essa notificação era imposta pelo nº5 do citado art. 12º do regime do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro – é o que resultava expresso no mesmo quando nele se mandava proceder ao subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as moradas conhecidas.

Dito de outra forma: no caso vertente nem chegou a ter lugar a notificação por via postal simples para uma das moradas conhecidas, o que era condição/pressuposto de aplicação do procedimento de notificação determinado pelo regime constante do invocado nº5 do art. 12º em referência!

O que, sob outro prisma, configura uma inobservância das “formalidades prescritas na lei”, determinante da correspondente nulidade da citação (cf. art. 191º, nº1 do n.C.P.Civil).

Donde, não se mostrando que o Embargante/recorrido haja recebido a carta simples nem existindo qualquer presunção nesse sentido – presunção que só relevaria se a notificação nos termos do art. 12º, nº5 do DL nº 269/98 fosse a correta e, como vimos, não era – é óbvio que a irregularidade cometida influiu de modo decisivo no direito de defesa do executado/embargante.

Assim, nos termos do art. 195º nº 2 do n.C.P.Civil deverão ser anulados todos os atos subsequentes à apresentação do requerimento de injunção, na medida em que todos eles dependem da aposição da fórmula executória, nos termos do art. 14º nº 1 do citado DL nº 269/98, e esta só se tornou possível devido a tal nulidade de notificação.

De referir que este foi o sentido da decisão recorrida, onde muito claramente se aludiu a que «De acordo com o artigo 191.º, do Código de Processo Civil é nula a citação, quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei» e que «(…) no caso dos autos (…) não só não resultou provado o recebimento da carta, como, efetivamente, como alegado, não foram cumpridas as formalidades da notificação previstas na lei, pois que numa das bases de dados acedidas constava um morada diferente, situada em ..., Espanha, para a qual não consta o envio de qualquer carta de notificação».

Sendo certo que não tem qualquer sentido a argumentação recursiva assente na distinção entre “nulidade da citação” [prevista no art. 191º do n.C.P.Civil] e “falta de citação” [prevista no art. 188º do n.C.P.Civil], para nessa linha de raciocínio sustentar que houvera errada aplicação do direito, pois que no caso era aplicável a al. e) do nº1 do art. 188º citado, sendo que o Embargante/recorrido não havia alegado nem demonstrado que a falta de conhecimento da notificação ocorrera por facto que não lhe era imputável.

Ocorre que, como visto, é nosso entender – tal como sustentado na sentença recorrida! – que no caso vertente se verificava o vício da “nulidade da citação” [cf. art. 191º do n.C.P.Civil], assim soçobrando inapelavelmente a argumentação recursiva assente em diverso pressuposto.

                                                           ¨¨

Vejamos, para finalizar, o aspeto do alegado erro na aplicação da norma prevista no art. 189º do n.C.P.Civil, mais concretamente, que a nulidade em referência tinha que se considerar sanada por não ter sido arguida tempestivamente pelo Embargante/recorrido.

A argumentação é, singelamente, do seguinte concreto teor:

«Ora, considerando que no dia 27 de Fevereiro de 2020 o Recorrido requereu a consulta electrónica do processo principal, o que constitui intervenção relevante, e que só no dia 4 de Junho de 2020 veio arguir a nulidade ou a falta da sua notificação, tal nulidade teria, assim, de se considerar sanada.»

Salvo o devido respeito, esta arguição só se compreende como fruto de qualquer lapso ou deficiência de compreensão da dogmática em causa.

O normativo em referência tem o seguinte teor literal:

«Artigo 189.º

Suprimento da nulidade de falta de citação

Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.»

Ora, a “intervenção” que primariamente está em causa seria a intervenção no processo declarativo/ “injunção” ao qual a notificação se reportava, sucedendo que a intervenção a que os Embargados/recorrentes se referem teve lugar nos autos executivos...

Sem embargo do vindo de dizer, a melhor interpretação do citado normativo é a que tem em consideração o modo como o ordenamento jurídico organiza a reação processual relativamente à nulidade da citação e aos pressupostos com base nos quais aceita a sanação daquele vício.

A este propósito, já foi sublinhado em douto aresto o seguinte:

«(…)

De facto, a lei estabelece vários mecanismos de reacção processual contra a nulidade da citação: reclamação através da arguição da nulidade, nos termos previstos nos artigos 201.º e seguintes do CPC; interposição de recurso ordinário se a mesma tiver sido explicita ou implicitamente objecto de decisão judicial,[7] e desde que verificados os pressupostos de recorribilidade previstos nos artigos 676.º e seguintes do CPC; interposição de recurso extraordinário de revisão se arguida após o trânsito em julgado e verificados os pressupostos mencionados nos artigos 771.º e seguintes do CPC; e, finalmente, através de oposição à execução, conforme estipula o artigo 814.º, alínea d) do CPC.

Daqui resulta que o que varia é o modo ou a forma processual de levar a cabo a sua invocação,[8] sendo que cada uma destes modos ou formas está sujeito a requisitos específicos.

No que concerne à reclamação por via da arguição da nulidade durante o processo declarativo, apesar da lei mencionar que pode ser arguida ou conhecida em qualquer estado do processo, o limite temporal para a sua invocação e conhecimento oficioso não pode deixar de ser o trânsito em julgado da sentença, uma vez que a partir desse momento se esgota o poder jurisdicional do juiz, nos termos do disposto no artigo 661.º, n.º 1 do CPC, tendo a nulidade ficado sancionada pela sentença, só podendo ser invocada, agora, em sede de recurso extraordinário de revisão ou em sede de oposição à execução.»[3]

Revertendo este entendimento ao caso vertente, importa concluir que, formado que fora o título executivo na injunção, e estando já a situação na fase executiva, o meio processual que assistia ao Embargante/recorrido era a invocação da dita nulidade da falta de citação nos embargos que deduziu.

E indo agora diretamente à invocação que consta das alegações recursivas no sentido de que constituiu “intervenção relevante” o aqui Embargante/recorrido ter requerido no dia 27 de Fevereiro de 2020 a “consulta electrónica do processo principal”, salvo o devido respeito, tal encerra um equívoco: é que ter requerido a “consulta electrónica do processo principal” não constitui “intervenção relevante” para efeitos do art. 189º do n.C.P.Civil.

Com efeito, «(…) essa intervenção, para assumir relevo para aquele efeito, envolve ou pressupõe o conhecimento pelo réu da pendência do processo declarativo, o conhecimento que lhe seria dado pela citação.

A intervenção deve mostrar que o interessado teve, do processo, aquele conhecimento que a citação lhe deveria dar, e revela que a falta o não impediu de vir a juízo pugnar pelo seu direito[8].

A intervenção relevante deve, como acima se referiu, preencher as finalidades da citação; pressupõe, portanto, o conhecimento do processo que esta propiciaria. Só assim seria legítimo presumir que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.»[4]

 A esta luz, não vislumbramos como é que o simples pedido de “consulta electrónica do processo principal” poderia ter conferido ao aqui Embargante/recorrido conhecimento sobre o direito que estava em causa na injunção, isto é, conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo (como decorreria da citação); no limite, esse conhecimento só lhe teria advindo com a consulta e por via dela!

Acresce, em todo o caso, que o Embargante/recorrido, já munido do conhecimento em causa [injunção/título executivo nela formado] interveio na execução arguindo a “falta ou nulidade da notificação para o procedimento de injunção”, relativamente ao que foi proferida decisão judicial no sentido de que «apenas em sede de embargos se poderia conhecer de tal questão», sendo certo que já nestes embargos de executado veio a ser subsequentemente decidido que «(…) as questões relativas à falta de citação no âmbito do processo de injunção (…) constituem, efetivamente, fundamento de oposição à execução, como decorre do disposto no artigo 857.º, do Código de Processo Civil, independentemente do momento em que o executado teve conhecimento da pendência dos autos de execução e da sua intervenção nos mesmos».

Ora se assim é, está formado caso julgado formal (cf. art. 620º do n.C.P.Civil)  quanto à oportunidade e viabilidade desta questão da “falta ou nulidade da notificação para o procedimento de injunção” enquanto fundamento de embargos, pelo que, correspondentemente, não pode ter lugar nestes autos decisão de sinal contrário – como seria considerar sanada a nulidade em causa pela intempestividade da sua arguição nos embargos [por aplicação do art. 189º do n.C.P.Civil].

Termos em que improcede, sem necessidade de maiores considerações, o recurso, por nada haver que censurar à decisão recorrida.

                                                           *                    

(…)

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final julgar improcedente o recurso, confirmando-se o sentido da decisão recorrida.

            Custas pelos Embargados/recorrentes.

Coimbra, 12 de Abril de 2023  

                                                     Luís Filipe Cravo

                                                    Fernando Monteiro

                                                      Carlos Moreira





[1] Relator: Des. Luís Cravo
   1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
   2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190099.html.

[3] Trata-se do acórdão do TRP de 3.05.2010, proferido no proc. nº 4501/08.4TBMAI-A.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[4] Citámos agora o acórdão do TRP de 17.12.2008, proferido no proc. nº 0835621, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrp.