Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
126848/17.2YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: OBRIGAÇÃO INSTANTÂNEA FRACCIONADA
VENCIMENTO DAS PRESTAÇÕES
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 11/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – J.L. CÍVEL DE PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 310º, AL. E), E 781º C. CIVIL.
Sumário: I - A obrigação resultante do contrato dos autos é uma obrigação instantânea fraccionada, porque corresponde a uma única obrigação, cujo objecto foi dividido em prestações, com vencimentos intervalados, em função de uma definição prévia do seu montante global, não interferindo o decurso do tempo na extensão da prestação, mas apenas no seu modo de realização, determinando o vencimento das diferentes prestações.

II – Deixando o devedor de pagar uma dessas prestações, vencem-se as demais, por efeito do disposto no art 781º CC.

III –Nessas circunstâncias, e contendo o contrato cláusula de vencimento antecipado, passam a correr em paralelo o prazo de prescrição de 20 anos para o credito global adveniente do vencimento das prestações não vencidas, e o prazo de 5 anos aplicável escalonada e sucessivamente a cada uma das prestações que se venceriam de acordo com o plano de pagamento inicial.

IV – Com efeito, sendo a razão essencial da prescrição constante da al e) do art 310º a de proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos», esta mesma razão exigirá que, não obstante se possa verificar o vencimento antecipado de todas as demais prestações, consoante disposto no art 781º CC, nem por isso o devedor deixe de beneficie da prescrição quinquenal, aplicável a cada uma das frações de amortização do capital pagáveis com os juros, de acordo com o ritmo estipulado inicialmente para o respectivo vencimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A..., Limited apresentou no Balcão Nacional de Injunções, em 21/12/2017, requerimento injuntivo contra N..., pedindo  a sua condenação a  pagar-lhe  a quantia de  €13.241,12, sendo de capital €5.895,55, de juros de mora €7.192,57 (desde 9/10/2007 até à data de entrada do requerimento injuntivo) e de  taxa de justiça €153,00.

Invoca que, por documento particular, foi celebrado pela C... com o Requerido um contrato de crédito, tendo-se o Requerido comprometido ao pagamento desse crédito em prestações, mensais e sucessivas, sem que nunca tivesse denunciado tal contrato. Deixou de efetuar o pagamento mensal das prestações em 9/10/2009, tendo ficado em dívida o montante de €5.895,55, quantia que venceu juros à taxa legal desde a data atrás referida até à data da propositura da injunção, os quais são, neste momento, no valor de €2.397,52 [1].

Mais refere que nos termos das cláusulas gerais do contrato é ainda devido, a título de cláusula penal, 8% sobre a totalidade do saldo em dívida, o que ascende a €4.795,05.

Alega ainda que por contrato de Cessão de Créditos, a C... lhe cedeu o crédito em causa.

O Requerido, notificado do requerimento injuntivo, opôs-se, entre o mais, aqui não relevante, invocando a exceção perentória de prescrição, em função do disposto no art 310º, alínea e) do CC.

A Requerente pronunciou-se a respeito desta exceção, pugnando pelo seu indeferimento.

Invocando o disposto no art 3º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, e a consequente possibilidade de se a ação não ter de prosseguir, por poder o juiz julgar logo de mérito, o Exmo Juiz a quo julgou procedente a exceção de prescrição e, em consequência, absolveu o Requerido do pedido.

II – Do assim decidido apelou a Requerente, que concluiu as respetivas alegações nos seguintes termos:

...

O R. apresentou contra alegações que concluiu nos seguintes termos:

...

III – Os factos a ter em consideração advêm do acima relatado, devendo complementarem-se com os que resultam do contrato que se mostra junto com o requerimento de resposta da A.

 De uns e outros resulta, com relevância para a decisão do recurso:

- O requerimento injuntivo deu entrada no Balcão Nacional de Injunções em 21/12/2017;  

- Foi notificado ao R. a 25/10/2018;

- Está em causa um contrato de crédito pessoal celebrado em de 29/4/2007, no valor de €5.000,00, valor este que o R. se comprometeu a pagar em prestações, mensais e sucessivas, no valor, cada qual, de €200,00, tendo sido convencionado o prazo de reembolso de 36 meses.

- Deixou de pagar tais prestações em 9/10/2007. 

IV – Do confronto das conclusões das alegações com a decisão recorrida resulta ter o presente recurso por objeto saber se os créditos reclamados pela A. se mostram ou não prescritos.

Entende a A./apelante que o prazo de prescrição aplicável àqueles créditos é o mais geral de 20 anos, previsto no art 309º CC, e não o de 5 anos, a que se reporta o art 310º CC, máxime na sua al e), na medida em que, face ao não cumprimento atempado do contrato se socorreu do acordado na cláusula 10.2 das Condições Gerais do mesmo  e em conformidade com o disposto no artigo 781º do CC,  considerou  vencidas todas as restantes prestações, passando a ser devido o valor correspondente à soma das mesmas (acrescido do da cláusula penal), circunstância impeditiva de se considerar estarem em causa quaisquer «obrigações periódicas e renováveis», antes estando em causa «uma obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento com pagamento diferido no tempo, mas na qual este não tem qualquer interferência».

            Atenta esta consideração da apelante e, na medida em que permite um melhor enquadramento da questão objeto do recurso, importa lembrar a classificação das obrigações que as distingue em instantâneas e duradouras, e que, naquelas, distingue as integrais e as fraccionadas, e nestas, as continuadas e as periódicas.

            A respeito destas obrigações refere, por exemplo, Menezes Leitão [2]: «O essencial para a caracterização de uma prestação como duradoura é que a sua realização global dependa sempre do decurso de um período temporal, durante o qual a prestação deve ser continuada ou repetida. (…) Nas prestações duradouras continuadas a prestação não sofre qualquer interrupção», exemplificando com a prestação de locador prevista no art 1031º, b) do CC ou o fornecimento da eletricidade. Nas prestações duradouras periódicas «a prestação é sucessivamente repetida em certos períodos de tempo», exemplificando com o pagamento da renda pelo locatário.

 Fazendo notar que «em ambos os casos, porém, trata-se de uma prestação duradoura, atendendo a que ela aumenta em função do decurso do tempo».

Quanto às obrigações instantâneas refere, que, «pelo contrário, não têm o seu conteúdo e extensão delimitados pelo tempo.

As instantâneas integrais são as que são realizadas de uma só vez», exemplificando com a entrega da coisa pelo vendedor, art 882º, ou com a realização da obra pelo empreiteiro, art 1208º CC.

            No sentido de caracterizar as prestações instantâneas fraccionadas, distingue-as Menezes Leitão das duradouras periódicas nos seguintes termos: «Nas prestações fraccionadas está-se perante uma única obrigação cujo objecto é dividido em fracções, com vencimentos intervalados, pelo que há sempre uma definição prévia do seu montante global e o decurso do tempo não influi no conteúdo e extensão da prestação, mas apenas no seu modo de realização. Assim na compra e venda a prestações, o preço é previamente fixado em globo, servindo o decurso do tempo apenas para escalonar a sua divisão em partes. Nas prestações periódicas, verifica-se uma pluralidade de obrigações distintas, embora emergentes de um vínculo fundamental que sucessivamente as origina, pelo que, por definição, não pode haver qualquer fixação inicial do seu montante global, já que é o decurso do tempo que determina o número das prestações que é realizado. Assim o locatário só deve as rendas correspondentes ao tempo de duração do contrato de locação, sendo sempre em função do decurso do tempo que se determina o conteúdo da sua obrigação».

Refere ainda com relevância para a compreensão da situação em apreço: «O facto do decurso do tempo determinar o conteúdo da obrigação e não apenas o momento em que esta deve ser realizada, é assim o que distingue as prestações duradouras das instantâneas. Mesmo nas prestações fraccionadas, o decurso do tempo não influi no conteúdo da obrigação, mas apenas determina o seu vencimento (art 805º/2 al a)), o qual pode mesmo em certos casos ocorrer antecipadamente a esse momento (crf art 781º)».

Convergentemente, e utilizando a mesma terminologia, refere Ana Prata[3]: «A obrigação diz-se duradoura ou de execução duradoura, quando o seu objecto se consubstancia numa actividade que se prolonga no tempo, tendo esta duração temporal da execução da prestação uma confluência determinante na conformação global da própria prestação, correspondendo, em regra à satisfação do interesse do credor o prolongamento temporal da conduta debitória».Referindo ainda: «As obrigações duradouras distinguem-se em obrigações continuadas - aquelas em que o comportamento debitório é realizado ininterruptamente durante um lapso de tempo – e obrigações periódicas – aquelas em que o devedor está vinculado à realização de prestações singulares repetidas em determinados momentos temporais».

Relativamente à obrigação instantânea refere ser aquela «cujo objecto se esgota num acto que deve ser realizado num único momento, correspondendo ao interesse do credor que essa realização da conduta debitória se concentre num único momento temporal». Mas acrescenta: «A obrigação instantânea, pode, por convenção das partes, ser fraccionada em vários actos a realizar durante um certo período, não afectando, porém, a divisão do comportamento debitório a natureza unitária deste, que está globalmente definido no momento da constituição da obrigação. Nestes casos de prestação fraccionada, a obrigação não deixa pois de ser instantânea, sendo apenas o seu cumprimento que é dividido em fracções». Quando assim seja está-se na presença de uma obrigação fraccionada- «aquela cujo objecto está fixado com independência da duração da relação contratual, mas cujo cumprimento, podendo ser realizado num único momento temporal, por convenção das partes se protela no tempo, através de prestações sucessivas».

Veja-se, por outro lado, o que do essencial do instituto da prescrição importará ter presente para a apreciação da situação dos autos.

A prescrição – a extintiva ou negativa - corresponde a uma forma de extinção de um direito em função do seu não exercício por um dado lapso de tempo previsto na lei e variável de caso para caso. Estando em causa o não exercício de um direito pelo seu titular, a ideia que lhe subjaz poderá não ser tanto a de sancionar quem assim procedeu - embora seja perfeitamente válida a ideia de que se o titular de um direito o não quiser exercer é justo que o perca (porque) haverá outras pessoas que dele careçam e que estejam mais interessadas no seu exercício[4] - mas, essencialmente assegurar a segurança e certeza da ordem jurídica, finalidades que atenta a negligência do credor, tenderão a ser perspectivadas em função do interesse do devedor.. A prescrição é efetivamente determinada no interesse do devedor, e é por isso que o mesmo pode renunciar a ela – quando, decorrido o respectivo prazo, se tiver constituído o direito potestativo de a invocar - visto que ela não é de conhecimento oficioso – art 303º CC- podendo dizer-se que o efeito da prescrição não é a extinção do direito, mas o poder do devedor recusar a prestação (exceção), tanto mais que se o seu beneficiário cumprir espontaneamente a obrigação prescrita, ainda que ignorando tal facto, não tem direito à repetição, sendo aplicáveis as regras respeitantes às obrigações naturais dos arts 402º a 404º CC .

            As tais razões de segurança e certeza vistas do ponto de vista do interesse do devedor ditam os diferentes prazos prescricionais.

O interesse do devedor mais presente nesta matéria será o de o relevar da prova, pois que à medida que o tempo passa aumenta a sua dificuldade em fazer prova do pagamento que haja feito, «visto que não é habitual conservar recibos, quitações e outros comprovativos anos e anos a fio», como o salienta Menezes Cordeiro [5]

Em regra, a prescrição inicia-se quando o direito possa ser exercido, como resulta do disposto no art 306º/1 CC. Quando a lei não fixe outro prazo, o prazo de prescrição é o de 20 anos – trata-se do prazo ordinário da prescrição do art 309º. Para além do mecanismo das prescrições presuntivas – que se fundam na presunção de cumprimento, podendo tal presunção ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele que tiver sucedido na dívida, só sendo relevante a confissão extrajudicial quando feita por forma escrita – relevam os prazos quinquenais de prescrição, a que se reporta o art 310º.

            É a al e) que diretamente nos importa, e dela resulta que «prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros».

             Está-se manifestamente no âmbito das acima referidas obrigações instantâneas fraccionadas - aquelas que correspondem a uma única obrigação cujo objeto é dividido em frações, com vencimentos intervalados, pelo que há sempre uma definição prévia do seu montante global e o decurso do tempo não influi no conteúdo e extensão da prestação, mas apenas no seu modo de realização, apenas determinando o vencimento das diferentes frações. A obrigação não deixa, assim, de ser instantânea, sendo apenas o seu cumprimento que é dividido em frações.

            A obrigação adveniente do contrato em causa nos autos é, pois, uma obrigação instantânea fraccionada – o R. ficou a dever à C... logo em 29/4/2007 a quantia mutuada; porém, convencionaram dividi-la em 36 prestações, fazendo acrescentar a cada uma dessa frações – que a referida al e) do art 310º designa por «quotas de amortização do capital» - os juros correspondentes à dilação no tempo implicada naquele modo de pagamento.

Fácil é perceber que atenta a al e) do art 310º CC, «por explicita opção legislativa», como o enfatiza Lopes do Rego[6], «prescrevem no prazo de 5 anos as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos».

A ideia do legislador ao estabelecer a prescrição em apreço - e que é comum à prescrição, igualmente quinquenal, dos juros, prevista na al d) dessa norma, bem como à de «quaisquer outras prestações periodicamente renováveis» a que se refere residualmente a al. g) da mesma norma - é a de proteger o devedor, «prevenindo que o credor, retardando a exigência dos créditos periodicamente renováveis, os deixe acumular tornando excessivamente oneroso o pagamento a cargo do devedor».

Assim, na base da al e) do art 310º do CC está o entendimento de que com os juros [7] devem prescrever as quotas de amortização se deverem ser pagas como adjunção aos juros, pois se assim não fosse poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor.

Não há, no entanto, que confundir a prescrição quinquenal das quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, com a prescrição do crédito que advém  da falta de pagamento de uma daquelas quotas de capital  (prestações) em função do disposto no art 781º CC (que dispõe que «se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas»). Com efeito, como adverte Menezes Cordeiro, quando suceda que «por força do contrato, o não pagamento de uma prestação provoque o vencimento das restantes», nessa situação «já não se trata de… quotas de amortização».

A questão colocada no objeto do recurso tem precisamente por objeto esta situação – o R. deixou de pagar as prestações acordadas em 9/10/2007, entendendo a Requerente/apelante (cessionária do crédito) que, por força do clausulado no contrato, ter-se-ia verificado nessa data o vencimento antecipado das restantes que estavam por se vencer, tendo consequentemente ficado a ser devido pelo R. a quantia de €5.895,55.   

Ora, se a razão essencial da prescrição constante da al e) do art 310º, como a de outras situações aí previstas [8], «é a de proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos», esta mesma razão exigirá que, não obstante se tenha verificado o vencimento antecipado de todas as demais prestações, consoante disposto no art 781º CC, para efeitos de prescrição o devedor  beneficie  da  prescrição quinquenal, a qual, no entanto, como o refere Menezes Cordeiro  - e é importante frisá-lo - se irá aplicar «escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência» [9]

Por isso, é comum na jurisprudência dizer-se, como é dito na decisão recorrida, que a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição[10].

Há, no entanto, que ter em consideração que ao mesmo tempo que o devedor continua a beneficiar da prescrição quinquenal por referência a cada uma das prestações a que se reportava o plano de pagamento inicial - e que por isso, corre, para cada qual, o prazo de 5 anos de prescrição - poderá correr em simultâneo o prazo ordinário de prescrição para o crédito global resultante da previsão do art 781º CC, quando o contrato contenha cláusula de vencimento antecipado.
Com efeito, e como é sabido, tem sido entendimento comum [11] que, no silêncio do contrato, o direito de exigir imediatamente do devedor a realização de todas as prestações em função do disposto no art 781º não prescinde da interpelação do devedor nos termos do art 805º/1, estando apenas em causa o que se designa por exigibilidade em sentido fraco .[12] Quer dizer, a falta de pagamento de uma prestação tem por efeito, efetivamente, a perda do benefício do prazo para o devedor, mas este só verá vencida a parte da obrigação ainda não paga, se o credor o interpelar para o cumprimento.
Na situação dos autos o contrato neles em causa não contém a dita cláusula do vencimento antecipado.
Vejam-se as suas cláusulas 10. 1 e 10.2, respetivamente do seguinte teor:
«Caso o Mutuário não faça o pagamento de uma prestação na data de vencimento ficará em mora, acrescendo à prestação uma penalidade mensal de 4% sobre cada uma das prestações em mora, sem prejuízo de a C... poder aplicar uma penalização adicional de valor correspondente às despesas determinadas pela constituição em mora de acordo com preçários em vigor.»
«Mantendo-se o incumprimento, a C... pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida (incluindo capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos), sem prejuízo da incidência de juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida. Caso a C... resolva o contrato e /ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidades devidas pela mora são substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal».”
Não vem alegado pela A. – cfr. respetivo articulado de resposta – que a C... tenha procedido à resolução do contrato e tenha exigido o pagamento imediato de toda a dívida, pelo que em rigor não se iniciou sequer a prescrição ordinária relativamente ao valor de toda a divida.

Do que se veio de dizer resulta que, pese embora se não concorde com o ponto de vista da apelante – não está em causa a aplicação do prazo ordinário da prescrição ao crédito que resultaria do disposto no art 781º -  também não se  está de acordo com o ponto de vista expresso na 1ª instância, pese embora o resultado final não difira do nela obtido.

Repare-se no que foi decidido na 1ª instância:

«Resulta do requerimento injuntivo (bem como do articulado em que a autora se pronuncia relativamente à excepção de prescrição) que o incumprimento definitivo ocorreu a 09/10/2007, data em que se consideram vencidas todas as prestações acordadas, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, e a partir da qual podia o credor exercer o seu direito, iniciando-se então o prazo de prescrição de cinco anos (cf. artigo 306.º, n.º 1 do Código Civil).

Não se identificando qualquer causa de interrupção ou suspensão do prazo de prescrição nesse período, o crédito considera-se prescrito desde o dia 09/10/2012, sendo que o requerimento injuntivo apenas foi apresentado no Balcão Nacional de Injunções a 21/12/2017 e notificado ao réu a 25/10/2018 (cf. ref. 5381500 e 2979203).»

Como resulta destas considerações, o crédito que a 1ª instância considerou prescrito foi o decorrente da aplicação do art 781º CC – que, segundo as acima referidas cláusulas, nem sequer se aplicaria ao presente contrato - aplicando-lhe, ao contrário do que atrás se defendeu, não o prazo ordinário de prescrição, mas  o de 5 anos, por força da dita al e) do art 310º.

Ora os créditos que se haverão de ter como prescritos ao abrigo desta alínea são, consoante exposto, sucessivamente, os correspondentes às diversas mensalidades em dívida.

 Para efeito da prescrição a que se reporta a al. e) do art 310º não releva o crédito que adviria da aplicação do disposto no art 781º CC, tão pouco o prazo de prescrição de 20 anos, que a esse seria o aplicável, mas o prazo quinquenal que é aplicável a cada um dos créditos correspondentes a cada quota de amortização do capital pagável com juros, de acordo com o plano de pagamento inicial. Quer dizer, conta-se o prazo quinquenal de prescrição desde a data de vencimento de cada uma das prestações  [13].

 Na situação dos autos em que apenas se sabe que o plano de reembolso convencionado no contrato correspondia a um pagamento do crédito mutuado em 36 meses, desde o momento em que o contrato data de 29/4/2007, e que o terminus daquele prazo ocorreria em 29/4/2010, poder-se-á concluir que se completou o prazo de prescrição de cinco anos relativamente a todas as prestações que se venceram depois da de 9/10/2007 e antes da interposição do requerimento injuntivo em 21/12/2011, concluindo-se, pois, como se concluiu na decisão recorrida, embora não com inteira correspondência de fundamentação.

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida, embora com fundamentação em parte não correspondente.

Custas pela apelante.

Coimbra, 13/11/2019

(Maria Teresa Albuquerque)

(Manuel Capelo)

(Falcão de Magalhães)


***


[1] Não há coincidência entre o montante de juros aqui referido e o indicado no cabeçalho do requerimento injuntivo

[2]  -«Direito das Obrigações», Vol I, 5ª ed, p 135/136

Almeida e Costa, distinguindo também as prestações instantâneas das duradouras, utiliza depois uma terminologia não coincidente com a de Menezes Leitão «Direito das Obrigações», p  644 a 647



[3]- «Dicionário Jurídico, 4ª ed, p 820
[4] - Pais Vasconcelos, «Teoria Geral do Direito Civil», p 326
[5] - «Tratado de Direito Civil Português», I , parte Geral, Tomo IV, 2005, p 159/ 160
[6] -Ac STJ 29/9/2016, acessível em www.dgsi.pt
[7] - Que, como se refere no Ac R C 19/12/2017 (Fonte Ramos) constituem a prestação que mais fortemente levou o legislador a criar a prescrição de cinco anos
[8] - BMJ nº. 107, «Prescrição e Caducidade»,-pág. 285
[9] - Obra e lugar citados, p 175

[10]-  Vg Ac STJ 4/5/1993 CJ (STJ), Ano I, T. 2, pág. 82.
[11] Galvão Telles mostra-se isolado no seu entendimento do vencimento automático antecipado, não dependente de interpelação, «Direito das Obrigações», 7ª ed, p 270
[12] Estará em causa uma obrigação pura em que fica nas mãos do credor fazê-la vencer assim que lhe aprouver mediante interpelação do devedor – Galvão Telles, obra referida, p 269

[13] - Neste sentido, cfr por ex, Ac R P 24/3/2014 (Correia Pinto), Ac R E 21/1/2016 (Conceição Ferreira), Ac R C  19/12/2017(Fonte Ramos) , Ac E R 2/10/2018 (Florbela Lança) e Ac STJ de 4/5/1993