Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
38/14.0TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
CHEQUE
IRREGULARIDADE
SISTEMA DE COMPENSAÇÃO BANCÁRIA
Data do Acordão: 10/06/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - CANTANHEDE - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 298/92 DE 31/12, ARTS.35 LUCH, 483, 570 CC
Sumário: 1- O Regulamento do Sistema de Compensação Bancária (SICOI) constante da Instrução nº 125/2003 do Banco de Portugal, sob a forma de instrução, foi concebido no exercício das competências do Banco de Portugal de regulação, fiscalização e promoção do bom funcionamento do sistema bancário, e tem como destinatários as instituições bancárias e outras especialmente autorizadas a participar do Sistema de Compensação Bancária.

2- Vincula, por isso, as instituições bancárias, destinatárias e participantes no Sistema de Compensação Interbancária – SICOI, sobrepondo-se ao regime de responsabilidade decorrente da violação das normas da LUCH.

3- De acordo com o Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária é do banco tomador a responsabilidade de verificação da regularidade de endossos.

4- Mas o banco sacado, ao receber a imagem do cheque em causa, viciado quanto ao beneficiário e, ao não detetar a irregularidade de preenchimento que permitiria promover a sua devolução, contribuiu também, com tal omissão para o pagamento do cheque a favor de uma das pessoas que no cheque figurava como beneficiária.

5- Deve, por isso, ser-lhe atribuída uma quota-parte do prejuízo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                        I

“BANCO (..) SA” com sede na Rua (...) , Porto intentou a presente ação declarativa de condenação contra “CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE (…), CRL”, com sede na Rua (...) Cantanhede, formulando o seguinte pedido:

- Ser a R. condenada a pagar ao Banco A. a quantia de € 12.050,61, acrescida de juros moratórios legais vincendos à taxa de 4% e imposto de selo sobre o capital de € 12.000,00, desde 16/01/2014 inclusive, até efetivo e integral pagamento.

Alegou como causa de pedir que:

A Ré aceitou, sem qualquer tipo de endosso, para depósito da conta nos seus balcões um cheque no montante de 12.000,00 € sacado sobre o Banco autor, e a favor de “(…) e E (…)”. De acordo com o Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária era do tomador a responsabilidade de verificação da regularidade de endossos. Ainda assim, a Ré recebeu para pagamento tal cheque o qual se apresentava com sinais evidentes de omissão parcial de endosso. O referido cheque foi pago, tendo a aludida quantia sido debitada na conta detida pela titular no banco autor e creditada na conta da co-beneficiária E (…). O Banco (…)r (anterior I(…)) reclamou ao Banco autor a devolução daquela quantia, tendo-lhe este pago os 12.000,00 €, do qual ainda hoje se encontra desembolsado.

A Ré contestou invocando, em suma, o seguinte:

A ré recebeu o cheque porque verificou que a portadora era a beneficiária daquele cheque e não havia qualquer endosso que exigisse a verificação da sua regularidade. Previamente ao pagamento do cheque a ré enviou ao banco autor a imagem do cheque para que verificasse a regularidade do título, pelo que teve este a oportunidade de detetar eventuais vícios que pudessem obstar ao pagamento do cheque. É ao sacado que cabe verificar a regularidade do endosso conforme art. 35º da Lei Uniforme Relativa ao cheque. O autor, na qualidade de banco sacado, estava assim legalmente obrigado a verificar a necessidade e regularidade do endosso, sendo sua obrigação invocar qualquer um dos motivos que pudesse obstar ao pagamento do cheque. Sem prescindir, uma vez que o cheque foi emitido à ordem de dois beneficiários, presumindo-se que a cada um deles corresponde 50% do seu valor, ao banco (...) apenas caberia metade. Ainda sem prescindir, caso se considere que a conduta da ré não se pautou pelos deveres de diligência exigíveis ao homem médio, a responsabilidade deverá ser repartida porquanto a autora também agiu com culpa e violou as suas obrigações de banco sacado, sendo que a responsabilidade da ré nunca poderá exceder o montante de 3.000,00 €.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de 6.000,00 € (seis mil euros) a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos desde 09.12.13, até efetivo e integral pagamento.

 

Inconformado, recorreu o Autor B (…), Autor, assim concluindo as suas alegações de recurso:

(…)

Também a Ré Caixa (…), CRL, recorreu na parte em que foi condenada a pagar à A. a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros), concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

(…)

Agora na qualidade de recorrido contra-alegou o Banco (…) reafirmando que:

(…)

Por sua vez a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…) CRL, simultaneamente recorrida e recorrente, agora na qualidade de recorrida veio responder de acordo com as seguintes conclusões ao recurso do B (…):

(…)

                                                                        II

É a seguinte a factualidade julgada provada pelo tribunal a quo:

A) O A., é uma Instituição de Crédito, do tipo BANCO, registada no Banco de Portugal que dedica a sua atividade, nos termos e ao abrigo do disposto no Regime Geral das Instituições de Crédito, aprovado pelo Dec. Lei nº 298/92 de 31/12, na sua atual redação ao diante abreviadamente designado por RGICSF -, e é participante no Sistema de Compensação Interbancária (SICOI).

B) A R. é, igualmente, uma Instituição de Crédito, do tipo CAIXA DE CRÉDITO AGRICOLA MUTUO, registada no Banco de Portugal que dedica a sua atividade, nos termos e ao abrigo do disposto no citado RGICSF. e é participante no Sistema de Compensação Interbancária (SICOI).

C) A COMPANHIA DE SEGUROS (…), SA, detém no Banco ora A. a conta de depósitos à ordem, com o nº 34804716.085.001.

D) A referida conta era movimentada, entre outras formas, pela sua titular por intermédio de cheques.

E) O BANCO (…) SA, NIPC (...) 3, ao diante abreviadamente designado por (...) CONSUMER é também uma Instituição de Crédito, do tipo BANCO, registada no Banco de Portugal que dedica a sua atividade, nos termos e ao abrigo do disposto no mesmo RGICSF, e sucedeu ao anteriormente designado I(…), SA.

F) Em 19/09/2005, a R. aceitou, sem qualquer tipo de endosso, para depósito da conta aberta nos seus Balcões com o nº 40150042503, o cheque nº 8205054681 que faz fls. 13, no montante de € 12.000,00, sacado sobre o Banco A., pela Companhia de Seguros (…), a favor de “I (…)e E (…)”.

G) Tendo, no dia seguinte, tal cheque sido apresentado à Compensação do BANCO DE PORTUGAL ao diante abreviadamente designado por BdP com a menção a RECEBIDO PARA CRÉDITO DE CONTA DO BENEFECIÁRIO NA CCAM.

H) O referido cheque foi pago, tendo a aludida quantia sido debitada na conta D.O.da sua titular.

I) Tendo sido creditada na conta supra referida com o nº 40150042503, da titularidade da co-beneficiária E (…).

J) O Banco A. dirigiu à Administração da R. a sua carta de 29/07/2013, com o seguinte teor:

“Sem conhecimento de resposta à nossa carta de 08/02/2013, cuja fotocópia anexamos, vimos, pela presente, informar que em sede de determinação de responsabilidades nas relações entre entidades bancárias, devem ser retirados pelas mesmas os devidos efeitos do Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária / SICOI cujo objeto é a regulamentação do Sistema de Compensação Interbancária, tendo como destinatário as entidades bancárias participantes no Sistema.

Importa averiguar se, no caso presente, não foi devidamente verificada a legitimidade formal do portador, merecendo censura a atuação ilícita dessa CCAM.

O Banco que se encarrega da cobrança de um cheque é garante da sua regularidade e, portanto, deve usar da diligência exigível ao profissional médio para averiguar se a legitimação do portador corresponde à situação jurídica do proprietário do título, devendo, em caso de dúvida, recusar o mandato para cobrança ou a aquisição do cheque.

Na situação em análise, ocorria irregularidade do endosso quanto à “assinatura” do cheque pelo beneficiário-endossante.

Relativamente ao mesmo cheque, uma pessoa, medianamente informada e diligente, teria notado a divergência em termos de, pelo menos, se lhe colocar dúvida determinante da suspensão do processo de pagamento, com a apresentação ao Banco sacado, sem previamente obter informação sobre a regularidade do título, objetivamente fora da normalidade.

Como emerge do exposto, a conduta da CCAM é censurável.

Efetivamente, os elementos disponíveis revelam claramente uma atuação que, em  termos comportamentais, fica aquém do exigível.

Tendo em conta o que antecede bem como o disposto no Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária (SICOI), o qual é suficientemente explícito quanto à  responsabilidade do Banco tomador (neste caso, a CCAM), na verificação da regular sucessão de endossos, designadamente conforme resulta de II.17.2 do Regulamento, em que é mencionado: “Com a adesão a este subsistema, o participante sacado delega automaticamente no participante tomador, e este aceita, a responsabilidade enunciada no artigo 35º da Lei Uniforme relativa ao Cheque, relativamente à verificação da regularidade dos endossos.”, vimos solicitar a V. Exas o pagamento ao Banco (...) S. A., do valor reclamado que, como já  indicado, ascende a um total de € 12.000,00, no prazo máximo de 10 dias, sob pena de considerarmos terem-se V. Exas desinteressado da resolução amigável deste assunto e nos vermos obrigados, embora o lamentemos, a enveredar pela via judicial para dirimir este litígio. Na expectativa de uma breve resposta de V. Exas., subscrevemo-nos apresentando os nossos melhores cumprimentos,”

K) Na sequência da citada carta, de 29/07/2013, o Banco A. dirigiu à Administração da R. a sua carta de 24/09/2013, comprovando a existência de direitos ressalvados da entidade proprietária do veículo.

L) Por carta de 11/10/2013, a ora R. transmitiu ao Banco A. a sua não concordância com o pagamento integral do cheque em questão.

M) Pelo que o Banco A. vendo impossibilitadas todas as suas diligências junto da R.  no sentido de ver a mesma assumir, diretamente, o encargo de reembolso do cheque em apreço, promoveu o ressarcimento em 09/12/2013, do valor reclamado de € 12.000,00.

N) O cheque foi apresentado a pagamento por E (…) que figura no cheque como beneficiária.

O) Previamente ao pagamento a imagem do cheque foi enviada pela ré à autora que nenhuma circunstância invocou com vista a obstar ao pagamento.

                                                                        III

Na consideração de que o objeto do recurso se delimita pelas conclusões das alegações (artigo 684º nº 3 do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 660º nº 2 in fine), são as seguintes as questões que importa decidir:

- Se se mostra ajustada a corresponsabilização de ambas as partes e na mesma medida, relativamente ao pagamento do cheque em causa nos autos.

- Se é devido imposto de selo.

I - Se se mostra ajustada a corresponsabilização de ambas as partes e na mesma medida, relativamente ao pagamento do cheque em causa nos autos.

Não está em causa que ocorreu um pagamento irregular, no montante de 12.000,00€.

Concordamos com a sentença recorrida quando fundamenta essa irregularidade num vício no respetivo preenchimento do cheque quanto ao beneficiário[i], por serem dois os beneficiários, o qual não deixa de ser simultaneamente um endosso irregular ou inexistente, como sustenta a apelante/autora, porque a presença de dois beneficiários cujos interesses não se confundem, só pode ser legitimada se um suceder ao outro, endossando-lhe o título de crédito.

Tal vício invalida a ordem que aparentemente o cheque, enquanto título de crédito, incorporava, não devendo por isso ser pago.

O referido cheque, tendo sido apresentado a pagamento por E (…) (uma das duas pessoas que figurava no cheque como beneficiária), foi recebido pela ré, que não detetou o vício e debitou a quantia nele aposta de 12.000,00 € na conta da sacadora, creditando o mesmo valor na conta daquela co-beneficiária.

A outra beneficiária, a Interbanco, atual Banco (…), terá vindo reclamar da autora o pagamento da totalidade do cheque em questão.

Invocou a autora/apelante para fundamentar a responsabilidade da Ré na responsabilidade exclusiva que lhe atribui o que consta do Regulamento do Sistema de Compensação Bancária (SICOI) constante da Instrução nº 125/2003 do Banco de Portugal.

Tal Regulamento, sob a forma de instrução, foi concebido no exercício das competências do Banco de Portugal de regulação, fiscalização e promoção do bom funcionamento do sistema bancário, e tem como destinatários as instituições bancárias e outras especialmente autorizadas a participar do Sistema de Compensação Bancária.

Bem andou o tribunal recorrido ao submeter o litígio à luz das regras regulamentares desse sistema, que vincula as partes, instituições bancárias, destinatárias e participantes no Sistema de Compensação Interbancária – SICOI, sobrepondo-se ao regime de responsabilidade decorrente da violação das normas da LUCH.

O Sistema de Compensação Interbancária (SICOI) é um sistema gerido pelo Banco de Portugal que efetua, de forma eletrónica, a compensação de pagamentos entre os participantes no sistema, expressos em euros, até um determinado valor, onde se inclui o cheque como instrumento de pagamento.

No subsistema de compensação de cheques, os cheques ficam retidos fisicamente no banco onde são depositados e a respetiva imagem é transmitida ao banco emissor, para verificação do preenchimento, quando se trate de cheques cujo valor seja superior ao do montante de truncagem acordado pelo sistema bancário.[ii]

Procedimento que, como veremos, não deixará de coresponsabilizar o banco emissor.

 No ponto 17.2 do Regulamento do SICOI estabelece-se que, com a adesão a este subsistema, o participante sacado delega automaticamente no participante tomador, e este aceita, a responsabilidade enunciada no artigo 35º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque, relativamente à verificação da regularidade dos endossos.

Nos termos do art. 35º da LUCH “o sacado que paga um cheque endossável é obrigado a verificar a regularidade da sucessão dos endossos, mas não a assinatura dos endossantes”.

No cheque em causa constam dois beneficiários distintos e individualizados, não integrando qualquer comunhão patrimonial, uma pessoa coletiva e uma pessoa singular, o que, configura uma irregularidade de preenchimento, uma ausência de endosso, tornando o cheque viciado.

Nos termos do ponto 18.3 do regulamento SICOI incumbia à ré a verificação da regularidade do preenchimento do cheque.

Ora, se o participante tomador aceita a responsabilidade que por força da lei Uniforme cabe ao participante sacado de verificar a regularidade dos endossos, cabia, em primeira linha,  à ré, essa responsabilidade.

O Banco tomador ao tomar contacto com o cheque através de um seu funcionário, seja por atendimento ao balcão, seja no seguimento de recolha em máquina que permita o depósito para crédito na conta do cliente, deve proceder à conferência cautelosa do título, para mais quando estão em causa montantes desta ordem de grandeza, exceção feita à conferência da assinatura do endossante que não possuirá.

Deverá, sim, proceder à conferência do título, pelo menos quanto ao valor e legitimidade do portador, imediato ou endossatário.

Concordamos, assim, com a seguinte ponderação da sentença recorrida:

“No caso concreto, a indicação de dois beneficiários, ainda para mais sendo um pessoa coletiva e outro pessoa singular, deveria, no mínimo, ter suscitado dúvidas ao profissional bancário que o recebeu relativamente ao legítimo beneficiário da quantia inscrita no cheque, sendo sua obrigação, enquanto empregado tecnicamente habilitado e diligente, não aceitar tal cheque ou, pelo menos, suspender o processo de pagamento até que tais dúvidas estivessem sanadas.

Ao não assumir nenhuma daquelas condutas, a ré, através do seu funcionário, não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz naquelas concretas circunstâncias, o que torna censurável o seu comportamento. Assim sendo, não pode deixar de se concluir que a ré, ao aceitar cheque em causa agiu, de forma ilícita e culposa (na modalidade negligente)”

Também nós concluímos que, de acordo com o Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária, era do tomador a responsabilidade de verificação da regularidade de endossos.

Não cumprida tal obrigação, por violação do dever de cuidado, é a instituição omitente, no caso a Ré, responsável pelos danos causados.

Nos termos do art. 483º do Código Civil (CC), “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Dispõe também o Código Civil no seu artigo 570.º - (Culpa do lesado) que:

«1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».

Ora, o banco autor, tendo recebido a imagem do cheque em causa, viciado quanto ao beneficiário, não detetou a irregularidade de preenchimento e não promoveu a sua devolução, contribuindo com tal omissão para o pagamento do cheque a favor de uma das pessoas que no cheque figurava como beneficiária.

E, poderia tê-lo feito, estabelecendo o ponto 20.1 e da Parte II do anexo do regulamento SICOI que os cheques podem ser devolvidos por iniciativa da instituição sacada aos apresentantes, quando, entre outros motivos (entre os quais, o endosso irregular), os elementos do cheque, designadamente a assinatura, a importância, a data de emissão ou o beneficiário estiverem viciados – “cheque viciado”.

O banco autor teve, assim, oportunidade de detetar o vício que o cheque exibia, e promover a devolução do cheque ao apresentante, vício esse que um profissional médio detetaria mediante simples observação.

Ao não detetar o vício nem promover a devolução do cheque, cometeu uma conduta igualmente negligente.

Assim, também a Autora é responsável pelo dano causado, devendo atribuir-se-lhe uma quota-parte do prejuízo.

A fixação de 50% no caso, afigura-se-nos criteriosa e ajustada.

Assim, o montante que a ré está obrigada a pagar à autora corresponde a metade do valor do cheque, ou seja, 6.000,00 €.

A tal valor acrescem os juros de mora desde 09.12.13 e à taxa legal de 4 % conforme peticionado (arts. 804º, 805º e 806º do CC).

II – Se é devido imposto de selo.

Negou a sentença recorrida a condenação no pagamento de imposto de selo “por falta de fundamento legal”.

Invoca a Autora apelante que a obrigação à qual a recorrida está adstrita perante o Banco Recorrente provêm de facto ilícito, pelo que, ao abrigo da alínea b), do nº 2 do artigo 805º do Código Civil, a Recorrida incorre em juros de mora, desde a prática do ato, independentemente da sua interpelação, acrescendo os juros de mora vencidos desde 09/12/2013, bem como os juros vincendos e imposto de selo até integral e efetivo pagamento.

E, invoca, para o efeito a Tabela Geral do imposto de Selo, contante do Código do Imposto do Selo, em vigor há data da decisão proferida que estatuía:

“…17.3 - Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

17.3.1 - Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação ......................4% …”

Não se entende tal pretensão.

Os juros de mora fixados advém do atraso na prestação indemnizatória, do atraso no ressarcimento dos danos, proveniente dum a situação de responsabilidade civil por facto ilícito, não resultam de qualquer operação bancária, pelo que não é devido imposto de selo, na situação em concreto.

Bem andou, assim, a decisão recorrida, ao não proceder à sua fixação.

Improcedem, assim, na totalidade ambos os recursos.

Em suma:

- O Regulamento do Sistema de Compensação Bancária (SICOI) constante da Instrução nº 125/2003 do Banco de Portugal, sob a forma de instrução, foi concebido no exercício das competências do Banco de Portugal de regulação, fiscalização e promoção do bom funcionamento do sistema bancário, e tem como destinatários as instituições bancárias e outras especialmente autorizadas a participar do Sistema de Compensação Bancária.

-  Vincula, por isso, as instituições bancárias, destinatárias e participantes no Sistema de Compensação Interbancária – SICOI, sobrepondo-se ao regime de responsabilidade decorrente da violação das normas da LUCH.

- De acordo com o Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária é do banco tomador a responsabilidade de verificação da regularidade de endossos.

- Mas o banco sacado, ao receber a imagem do cheque em causa, viciado quanto ao beneficiário e, ao não detetar a irregularidade de preenchimento que permitiria promover a sua devolução, contribuiu também, com tal omissão para o pagamento do cheque a favor de uma das pessoas que no cheque figurava como beneficiária.

- Deve, por isso, ser-lhe atribuída uma quota-parte do prejuízo.

                                                            IV

Termos em que, acorda-se em julgar improcedentes as apelações, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas por ambas as apelantes em partes iguais.

Coimbra,

 Anabela Luna de Carvalho ( Relatora )

 João Moreira do Carmo

José Fonte Ramos


[i] Nos termos do Art. 5º da Lei Uniforme quanto ao Cheque:
«Modalidades quanto ao beneficiário
O cheque pode ser feito pagável:
A uma determinada pessoa, com ou sem cláusula expressa "à ordem";
A uma determinada pessoa, com a cláusula "não à ordem", ou outra equivalente;
Ao portador.
O cheque passado a favor duma determinada pessoa, mas que contenha a menção "ou ao portador", ou outra equivalente, é considerado como cheque ao portador.
O cheque sem indicação do beneficiário é considerado como cheque ao portador».
[ii]   A truncagem consiste na retenção do cheque em papel pela instituição financeira que o acolheu em depósito (cfr. 14.1, al. a) do Regulamento SICOI aprovado pela Instrução nº 25/2003 do Banco de Portugal.