Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1203/07.2TBTMR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE MÚTUO
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
Data do Acordão: 11/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.4, 45, 46 CPC, 289, 458, 1143 CC
Sumário: 1 -Existe exequibilidade extrínseca e intrínseca se o exequente dá à execução documentos de reconhecimento de dívida por parte dos executados, por virtude de empréstimos concedidos em datas, montantes e prazos neles constantes, sem que os executados/opoentes provem a extinção, vg, pelo pagamento, da sua obrigação de restituição.

2 - A nulidade do mútuo, por falta de forma legal, não retira a exequibilidade a tais documentos, pois que, ex vi do Assento nº4/95, a obrigação de restituição sempre existirá ao abrigo do artº 289º nº1 do CC, sendo avesso à celeridade e economia de meios obrigar o exequente a deitar mão da acção declarativa para obter a prestação.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

J (…) e M (…) deduziram,  oposição à execução contra si instaurada por  A (…) (posteriormente substituído pelo habilitado AC (…)).

Pediram:

A absolvição da instância ou a extinção da execução.

Alegaram:

- não existe título executivo contra o oponente J (…);

- os títulos executivos apresentados à execução são dois escritos que constituem os documentos n.º 3 e 4, intitulados “declaração s/ empréstimos financeiros” que se encontravam assinados pelo falecido J (…) e pela sua viúva, M (…), nos quais se declararam devedores ao exequente de: 1.º empréstimo de 15 de Maio de 1995 de 2.500.000$00; 2.º empréstimo de 30 de Dezembro de 1996 de 3.000.000$00; 3.º empréstimo de 20 de Junho de 1996, de 1.000.000$00 e outro empréstimo de 11.000.000$00 de 6 de Janeiro de 1997;

- assim, a aceitar-se tais títulos só vinculam os seus subscritores, ou seja, o falecido J (…) e o seu cônjuge supérstite, M (…);

- só a M (…), por si própria e, também a herança indivisa aberta por óbito de J (…), teriam legitimidade para serem executadas e não os parentes sucessíveis ou representantes de pré-falecidos, como é o caso de J (…);

- por outro lado, ainda que os escritos juntos com o requerimento executivo constituam verdadeiros empréstimos, alguns deles são nulos, em face das exigências de forma substancial do art. 1142.º do C.Civil, uma vez que: à data do 1.º empréstimo, de 15 de Maio de 1995, de 2.500.000$00, o mútuo superior a 200.000$00 só era válido se fosse celebrado por escritura pública; à data do 2.º empréstimo, 30 de Dezembro de 1996, de 3.000.000$00 e o 3.º empréstimo, de 20 de Junho de 1996, de 1.000.000$00, poderão ser eventualmente válidos, se provados; o empréstimo de 11.000.000$00, de 6 de Janeiro de 1997, é nulo por falta de forma;

- admitindo que a execução procede relativamente a todos ou alguns empréstimos, os juros de mora peticionados se encontram parcialmente prescritos face ao art. 310.º, al. d) do C.P.Civil;

Contestou o exequente.

Alegando:

A extemporaneidade da oposição à execução apresentada pela executada; a inexistência de qualquer ilegitimidade passiva, uma vez que a executada foi demandada por si e na qualidade de herdeira de J (…) e o executado ter sido demandado na qualidade de herdeiro, conforme é imposto pelo art. 2091.º, n.º 1 do Código Civil.

 Os documentos apresentados como títulos executivos são declarações dívida (e não contratos de mútuo, o qual pressupõe a entrega no acto da assinatura do mesmo, o que não sucedeu nos títulos apresentados à execução) e estes constituem títulos executivos, nos termos do art. 46.º, n.º 1, al. c) do C.P.Civil, sendo que os executados não negam nem impugnam as assinaturas neles apostas; ora, em relação ao documento junto como documento n.º 4 não se trata de um contrato de mútuo, pelo que não se verifica a nulidade invocada nem a prescrição dos juros que se encontrem dentro do prazo legal previsto no art. 310.º, al. a) do C.P.Civil.

 Admitindo que o requerimento junto com o n.º 3 no requerimento executivo se possa considerar um verdadeiro mútuo, apenas o mencionado como 1.º empréstimo seria nulo por falta de forma, pois face ao montante mutuado teria que ter sido celebrado por escritura pública, mas o mutuário sempre teria que restituir quantia igual à que o mutuante lhe facultou, constituindo-se em mora a partir da citação; já relativamente aos empréstimos n.ºs 2 e 3, na hipótese de serem considerados mútuos, os mesmos seriam formalmente válidos.

Foi proferido despacho saneador no qual se julgou extemporânea a oposição da executada M (…) e pela legitimidade dos executados.

2.

Seguiu o processo os seus legais termos tendo, a final, sido proferida sentença que:

Julgou procedente a oposição à execução deduzida pelo executado J (…) e, em consequência, julgou extinta a execução que corre contra os executados (…).

3.

Inconformado recorreu o exequente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A- No presente recurso impugna-se, para além do direito, a matéria de facto, uma vez que a audiencia foi objecto de gravação.

B- Com o devido respeito pela Mª Juiz a quo, que é muito, considera-se que a douta decisão recorrida incorreu num erro de valoração e apreciação da prova produzida o que deu azo a que fosse incorrectamente aplicado o direito.

C- designadamente no concreto ponto em que concluiu pela inexistencia de titulo executivo que sustentasse a execução, pois,

D- A douta sentença recorrida refere que para dar como provados os pontos 1 e 2 da factualidade provada teve em consideração o teor dos documentos juntos a Fls. 22 e 24 dos autos de execução, os quais não foram impugnados.

E- Com o devido respeito por mais douta opinião, mal andou o Tribunal a quo quando considera que no caso em apreço, poder-se-ia perante um titulo de reconhecimento de divida, mas por se desconhecer qual a data em que foi subscrito tal documento não é possível aferir da validade formal dos mesmos.

F- Referindo ainda que, face ao documento apresentado não é possível saber quais as concretas importâncias em divida nem as datas do seu vencimento, sendo certo que todos os mutuos de encontram devidamente identificados, quantificados e datados.

G- Salvo o devido respeito que é muito, existe uma contradição do douto tribunal a quo quando, por um lado diz não ter como aferir da validade formal dos documentos dados à execução e das respectivas importancias em divida por os mesmos não se encontrarem datados e, por outro lado, considera que os documentos dado à execução não  obedecem à forma legal, razão que no seu entendimento é suficiente para afastar a exequibilidade de tais documentos, excluindo-os da previsão da al.c) do art.º46º do C.P.Civil, concluindo pela inexistência de titulos,pois,

H-O certo é que, á data em que os segundo e terceiro mutuos constantes do titulo executivo apresentado sob o Doc. n.º3 do requerimento executivo foram celebrados, a lei aplicavel era o Dec- Lei n.º 163/95, de 13 de Junho, sendo que no mesmo se estatui que os mútuos de valor superior a 3.000.000$00 só são válidos se celebrados por escritura publica e os de valor superior a 200.000$00 se o documento for assinado pelo mutuário.

I- O referido Dec-Lei entrou em vigor em 15 de Setembro de 1995 e o segundo e terceiros mutuos foram celebrados em 30 de Dezembro de 1996 e 20 de Junho de 1996 respectivamente, estando os mesmos assinados pelos mutuários, (…), pelo que, são formalmente válidos e, portanto, titulos executivos e exequiveis à luz da lei.

J- Houve omissão de pronuncia do douto Tribunal a quo quando não teve em conta que os mutuos se encontravam individualizados pelas respectivas datas, e não se pronunciou sobre os mutuos que, efectivamente, são pela lei legalmente válidos, assim violando o disposto no artigo 1143º do Código Civil, com a redacção introduzida pelo Dec-Lei n.º 163/95 de 13 de Junho.

K-A Mª Juiz do tribunal a quo, sempre com todo o devido respeito, haveria que se ter pronunciado e mandar prosseguir a execução pelo menos nos que concerne ao segundo e terceiro mutuos, pois, efectivamente, eles não padecem de qualquer vicío de forma.

L- E relativamente aos juros, e uma vez que o primeiro e o quarto mutuos são nulos por vicio de forma, haveria de ter considerado serem devidos juros à taxa legal de 4% sobre os segundo e terceiros mutuos nos valores de 3.000.000$00 e 1.000.000$00 desde 17 de Outubro de 2002 por os restantes juros se encontrarem prescritos, nos termos do art.º 310º do CC, prescrição essa que foi invocada pelos oponentes, ora recorridos.

M- Quanto aos restantes mutuos, por serem nulos por falta de forma nos termos da lei aplicavel à data da celebração dos respectivos contratos, deverão ser considerados devidos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, nos termos do art.º 46, n.º2 do Código Processo Civil.

N-A acção executiva não impede que o executado tenha a possibilidade de se defender, de questionar a existencia da quantia exequenda, podendo fundamentar a sua oposição, quanto a títulos extrajudiciais, por qualquer meio de defesa admissível no processo declarativo, nos termos do disposto no art.º 814º, e 816º do C.P.Civil.

O- Os documentos particulares apresentados como titulos executivos, reconhecidos que estão pelos oponentes, ora recorridos, faz prova cabal quanto ás obrigaçoes dele decorrente, sem prejuizo da arguição e prova da falsidade do documento, nos termos do art.º376º, n.º1 do C.C., sendo os factos nele contidos considerados provados, nos termos do n.º2 do mesmo artigo.

P- E nos presentes autos, não foi arguida a falsidade do documento nem foi negada pelos oponentes a existencia da divida, pelo que, caberia ao tribunal a quo concluir pela verificaçao dos factos constitutivos do direito de que o exequente, ora recorrente, se arroga.

Q- Efectivamente, e sempre com o devido respeito, não restam duvidas que os documentos dados à execução (Confissão de dividas) pese embora o facto de consubstanciarem, alguns deles, mutuos nulos por vicio de forma, contem os requisitos enumerados na al.c) do n.º1 do art.º 46º do C.P.C., que ainda os fazem valer como títulos executivos bastantes para suportar a execução.

R- Estando a execução fundamentada numa declaração de divida, reconhecendo os executados terem celebrado aqueles contratos de mutuo, ao abrigo do disposto no art.º289º, n.º1 do Código Civil, o exequente tem o direito de reaver o montante mutuado.

S- Os requisitos formais que a lei exige para que o documento particular possa ser válido como titulo executivo, são apenas os que constam do preceito legal em causa, o art.º 46º, n.º1, al.c) do C.P.C. , e com o devido respeito por outro entendimento, esses estão indubitavelmente preenchidos.

T- Ao decidir pela não existencia de titulo executivo, violou o tribunal a quo a norma inserta no art.º 46º, n.º1, al.c) do C.P.C., até porque a inexiquibilidade do titulo executivo apenas se poderia,no caso concreto, basear em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar e nenhum destes factos foi alegado, muito menos provado, pelos oponentes ,ora recorridos.

U- Por ultimo, acresce referir que, não tendo sido admitida a oposição da executada (…), salvo o devido respeito por diferente opinião, sempre a execução haveria de prosseguir quanto a ela.(sic)

4.

Sendo que, por via de regra - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso: artº 685º-A do CPC, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

(Im)procedência da oposição.

5.

Decidindo.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

O recorrente parece por em causa a matéria de facto dada como provada.

Mas não é assim.

O recorrente confunde a oposição aos factos dados como provados, ou não provados, - naturalmente em função da convicção formada pela julgadora na sequencia da produção e ponderação das provas produzidas -, com a interpretação que é operada, e as conclusões, - que ainda podem ser factuais, mas que se fundamentam  nos e dimanam dos factos dados como apurados -, que destes são retiradas.

Na verdade ele não actua naquele campo, pois que,  como claramente dimana do teor das suas alegações e conclusões, não se insurge contra os factos tidos como provados, os quais aceita.

Antes se situando nesta última vertente, o que emerge de várias asserções conclusivas, vg. quando, afirma que existe um erro de valoração e apreciação da prova produzida, para, depois, e sem que, se tenha insurgido, através de uma análise  critica, contra essa prova, afirma, contraditoriamente, pois que o que vem a seguir se insere apenas e só em sede de matéria de direito, que tal   deu azo a que fosse incorrectamente aplicado o direito, designadamente no concreto ponto em que concluiu pela inexistencia de titulo executivo que sustentasse a execução...

E assim continuando quando afirma, vg. que existe uma contradição do tribunal quando, por um lado diz não ter como aferir da validade formal dos documentos dados à execução e das respectivas importancias em divida por os mesmos não se encontrarem datados e, por outro lado, considera que os documentos dado à execução não  obedecem à forma legal, razão que no seu entendimento é suficiente para afastar a exequibilidade de tais documentos.

Ou seja todo o recurso incide e "gira" em torno da interpretação e das conclusões, factuais e jurídicas, que o tribunal retirou dos factos dados como assentes e que, repete-se, o recorrente aceita e nos quais, aliás, sustenta a sua posição e pedido.

Assim, não são os factos, mas antes a interpretação que deles é deita e, em última análise, as normas jurídicas que podem ser convocadas e aplicadas que, no recurso,  é posto sub sursis.

Destarte a questão decidenda é apenas de direito.

5.1.2.

Consequentemente os factos a considerar são os apurados na 1ª instancia, a saber:

1. M (…) e J (…) assinaram o documento intitulado “Declaração s/ empréstimos Financeiros”, que não se encontra datado, junto a fls. 22 (e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) e que tem o seguinte conteúdo:

“ Declaração”

s/ Empréstimos Financeiros

Os abaixo assinados J (…) e sua esposa M (…), residentes em (...) -Tomar, declaram para devidos efeitos que são devedores das respectivas importâncias, como também abaixo mencionadas, ao Sr. (…), residente em (...) desta mesma freguesia, comprometendo-se no entanto ao pagamento semestral do respectivo juro, como se refere:

1.º empréstimo

Em 15 de Maio de 1995

2.500.000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos)

Vencimento dos juros (50%) – 15 de Maio -15 de Novembro


2.º empréstimo

Em 30 de Dezembro de 1996

3.000.000$00 (três milhões de escudos)

Vencimento dos juros (50%) - 30 de Dezembro – 30 de Junho


3.º empréstimo

Em Junho de 1996

1.000.000$00 (um milhão de escudos)

Vencimento dos juros (50%) 20 de Junho e 20 de Dezembro”

2. M (…) e A (…) assinaram o documento intitulado “Declaração s/ empréstimos Financeiros”, datado de 6 de Janeiro de 1997, junto a fls. 24 (e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) e que tem o seguinte conteúdo:

“ Declaração”

 s/ Empréstimo Financeiro

Os abaixo assinados J (…) e sua esposa M (…) residentes em (...) - 2300- Tomar, declaram para devidos efeitos que são devedores a partir da data abaixo referida, a importância de 11.000.000$00 (onze milhões de escudos) ao Sr. Sr. AC (…)residente em (...) , (...) , Tomar, comprometendo-se no entanto ao pagamento semestral do respectivo juro, como refere:

Em 6 de Janeiro de 1997 pagamentos de 50% do juro

Em 6 de Janeiro seguinte pagamentos de + 50% também de juros e deste modo os pagamentos do referido juro será desta mesma modalidade, assinando-nos de ambas as partes como prova de tal realidade.

Em 6 de Janeiro de 1997”

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

 Prescreve o artº4º nº3 do CPC:

«Dizem-se acções executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado».

Estabelece o artº 45º nº1 do CPC:

 «Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva»

O legislador, atenta a ratio da acção executiva - que, em regra, exclui a decisão sobre a existência e/ou a configuração do direito exequendo - condicionou a exequibilidade do direito à prestação à verificação de dois pressupostos:

a) por um lado, a existência de título executivo com as características formais legalmente exigíveis, vg. Constituição ou reconhecimento de obrigação, montante, prazo, assinatura, etc  (exequibilidade extrínseca);

b) por outro, a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação (exequibilidade intrínseca).

Na verdade a pretensão é intrinsecamente exequível quando, em si, reveste características de que depende a sua susceptibilidade de constituir o elemento substantivo do objecto da acção executiva, para o que basta ter como objecto uma prestação que seja certa, líquida e exigível – cfr. Lebre de Freitas in A Acção Executiva em Geral, 4ª ed.p. 29.

 E a exequibilidade da pretensão é autónoma em relação à existência do direito, referindo-se, pois, a exequibilidade intrínseca à obrigação exequenda e às suas características materiais -Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução,  p. 65 e segs.

Efectivamente, a acção executiva: «…não pode ter lugar perante a simples previsão da violação dum direito». Ela só pode ser instaurada: «…depois de consumada a violação ou de se ter tornado exigível a obrigação…pressupondo, logicamente, a prévia solução da dúvida que possa haver sobre a existência e a configuração do direito exequendo» – cfr. Lebre de Freitas – in A Acção Executiva, 2004, p. 13 e sgs, rectius, 29, 57, 71, 74 e 81.

Ou seja, a acção executiva pressupõe o incumprimento da obrigação que emerja do próprio título dado á execução, isto é, que o direito inscrito no título dado à execução está definido e acertado.

Temos assim que a relevância especial dos títulos executivos que resultam da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo o que permite dispensar a prévia indagação sobre se existe ou não o direito de crédito que consubstancia e faz presumir a existência da obrigação exequenda.

O título constitui condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito nas suas vertentes fáctico-jurídicas.

Porém, e como se viu, o fundamento substantivo da acção executiva é a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração.

Nesta conformidade o título executivo é condição necessária e suficiente da acção.

Necessária porque não há execução sem título.

Suficiente porque, repete-se, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere.

Efectivamente a obrigação exequenda tem de constar no título o qual, como documento que é, prova a existência de tal obrigação.

O título executivo é um pressuposto da acção executiva na medida em que confere ao direito á prestação invocada um grau de certeza e exigibilidade que a lei reputa de suficientes para a admissibilidade de tal acção.

Na verdade «…a relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança, tida por suficiente, da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efectivar por via da acção executiva.

O fundamento substantivo da acção executiva… é a própria obrigação exequenda, sendo que o título executivo é o seu instrumento documental legal de demonstração, ou seja, constitui a condição daquela acção e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas» - Ac. do STJ de 18.10.2007, dgsi.pt, p.07B3616.

5.2.2.

Estatui o artº46º, nº1 al. c) do mesmo diploma que constituem título executivo:

«Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto».

Entre os  títulos executivos figuram os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto.

Como requisito de fundo, exige-se, para que os documentos mencionados na al. c) constituam título executivo, que os mesmos formalizem a constituição de uma obrigação, isto é, sejam fonte de um direito de crédito, ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já constituída.

 No tocante à exigibilidade importa dizer que é exigível toda a obrigação que se encontra vencida, designadamente pelo decurso do prazo, ou cujo vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777º n.º 1 do Código Civil, de simples interpelação ao devedor. Ao invés, não é exigível a obrigação quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não esteja dependente de mera interpelação - cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., p. 82).

Importando ter presente que a evolução do Direito Português, tem sido, desde o CPC de 1876, no sentido de generalizar a exequibilidade dos documentos particulares, que outras legislações não admitem, caso da lei Alemã, ou restringem aos títulos de crédito, caso da lei Italiana, ou aos cheques, caso da lei Francesa.

Assim e até ao DL 533/77 de 30.12, os títulos de crédito (letras livranças e cheques) estavam sujeitos, tal como os outros documentos particulares, a reconhecimento simples ou presencial, consoante o valor da dívida, da assinatura do devedor.

Com este diploma o reconhecimento notarial da assinatura foi dispensado para valor inferior ao da alçada da Relação.

 Com a reforma de 1985 foi dispensado o reconhecimento notarial da assinatura do devedor nas letras, livranças e cheques de qualquer montante.

A revisão de 95/96 dispensou tal reconhecimento em relação a todos os documentos particulares (salvo o do documento assinado a rogo) e conferiu exequibilidade a documentos particulares que antes a não tinham dos quais conste a obrigação pecuniária a liquidar por simples cálculo aritmético, obrigação de entrega de coisa móvel infungível ou obrigação de prestação de facto.

Com a reforma de 2003 alargou-se a qualidade de título executivo a documentos que prevejam a entrega de coisa imóvel.

5.2.3.

In casu, a Sra.Juiza decidiu com o seguinte discurso argumentativo:

«Exige-se que os documentos mencionados nas alíneas b) e c) (do artº 46º) que os mesmos formalizem a constituição de uma obrigação, isto é, sejam fonte de um direito de crédito, ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída.

Encontram-se neste último caso a promessa de cumprimento ou o reconhecimento de dívida (art. 458.º do Código Civil) ou a confissão da realidade de factos constitutivos de obrigações (arts. 352.º e 358.º, n.º 2 do Código Civil).

...

No caso em apreço, estar-se-ia perante um título de reconhecimento de dívida.

Porém, desconhece-se qual a data em que foi subscrito tal documento (o provado sob o ponto 1), pelo que não é sequer possível aquilatar da validade formal da mesma. Na verdade, por se tratar de reconhecimento de dívidas resultante de empréstimos, este está sujeito às mesmas formalidades exigidas para a prova da relação fundamental. Ora, não é possível, face à sucessão de leis no tempo relativa à forma a observar no mútuo e à ausência de data aposta no documento, aferir da validade formal de tal reconhecimento de dívida.

Sempre se dirá, todavia, que o referido documento não define com exactidão o fim e os limites da acção executiva, pelo que é insusceptível de conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado por suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Na verdade, não é possível, em face do documento apresentado, saber quais as concretas importâncias em dívida nem as datas do seu vencimento, desconhecendo-se com rigor se o mesmo se reporta a dívidas de juros, se à dívida de capital e quais os seus termos e datas dos seus vencimentos.

Igual crítica se pode fazer relativamente ao documento a que se reporta o documento a que se refere o ponto 2 da factualidade provada, com uma ressalva: este documento tem nele aposta a data 6 de Janeiro de 1997. Ora, a dizer respeito ao reconhecimento da dívida de capital de 11.000.000$00 resultante de um contrato de mútuo, a mesma deveria constar de escritura pública, nos termos do art. 1143.º do C.P.Civil, na redacção em vigor a essa data, e por força da aplicação do n.º 2 do art. 458.º do C.P.Civil.

Assim, quanto a este segundo documento, além das críticas que se oferece dizer quanto ao primeiro documento (falta de um grau de certeza reputado por suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor), a circunstância de o documento apresentado à execução constituir um reconhecimento de dívida que não obedece à forma legal é, por si só, suficiente para afastar a exequibilidade de tal documento, o qual não poderia ser subsumido na previsão da alínea c) do art. 46.º do C.P.Civil.

Pelas razões expostas não poderá deixar de concluir-se pela inexistência de título executivo que sustente a presente execução, nos termos do art. 45.º e 46.º do C.P.Civil.»

5.2.4.

Mas, salvo o devido respeito, não se pode concordar com esta posição, procedendo, no essencial, as conclusões do recorrente.

Na verdade certo é que os factos apurados consubstanciam um reconhecimento de dívida por parte dos executados relativamente ao exequente.

Tal reconhecimento tem na sua génese um empréstimo financeiro, que, traduzido para uma linguagem jurídica mais concreta, se pode qualificar como um contrato de mútuo.

Estando invocado no título a causa do reconhecimento da dívida, ou seja, a obrigação exequenda, esta presume-se, competindo aos executados provar qualquer fundamento que contrariasse a sua existência - artº 458º nº1 do CC.

 Aliás, constituindo a oposição à execução uma contra-acção tendente a obstar aos efeitos da execução, sempre incumbiria aos embargantes o ónus de alegação e de prova dos factos susceptíveis de infirmar o relevo executivo dos documentos que o exequente deu à execução -artigo 342º n.º 2 do CC.

Ónus que, in casu, não foi cumprido, antes pelo contrario, pois que os próprios executados admitem a existência dos empréstimos.

Assim sendo é de dar como bom, face à presunção emergente dos títulos que não foi ilidida, que os executados receberam os montantes do exequente ficando adstritos á obrigação de os restituir, com juros, nos prazos e montantes anuídos.

Nem merecendo acolhimento o argumento da julgadora quando afirma que: «o referido documento não define com exactidão o fim e os limites da acção executiva, pelo que é insusceptível de conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado por suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Na verdade, não é possível, em face do documento apresentado, saber quais as concretas importâncias em dívida nem as datas do seu vencimento, desconhecendo-se com rigor se o mesmo se reporta a dívidas de juros, se à dívida de capital e quais os seus termos e datas dos seus vencimentos»

Perante o teor dos documentos estão suficientemente definidos os montantes, as datas em que foram entregues, a taxa de juro e respectivo vencimento, ou seja:

-1º empréstimo em Em 15 de Maio de 1995 2.500.000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos) Vencimento dos juros (50%), semestralmente, em 15 de Maio e 15 de Novembro;

- 2.º empréstimo, em 30 de Dezembro de 1996 de 3.000.000$00 (três milhões de escudos), com Vencimento dos juros (50%)  em 30 de Dezembro  e 30 de Junho;

-3.º empréstimo, em Junho de 1996, de 1.000.000$00 (um milhão de escudos), com vencimento dos juros (50%) 20 de Junho e 20 de Dezembro;

- 4º e último empréstimo, em 6 de Janeiro de 1997, de 11.000.000$00 (onze milhões de escudos), com pagamento semestral do respectivo juro de 50%.(havendo aqui, e não obstante o mais ali, algo confusamente escrito, que operar uma adequada e legal interpretação no sentido de que o juro vence em Junho de 1997 e Janeiro de 1998 e assim sucessivamente)

Ora os opoentes não provaram que, actualmente, os montantes não são exigíveis, quer porque  foram pagos, quer por qualquer outra causa, para além da invocada nulidade por falta de forma a qual infra se analisará.

O que, tudo, clama a conclusão que estamos perante um caso em que os títulos executivos são não apenas extrínseca como, outrossim, intrinsecamente exequíveis.

5.2.5.

Ademais a julgadora considerou que a possível nulidade, por falta de forma, dos mútuos provados no ponto 1 e a apurada nulidade do apurado no ponto 2 obviava à exequibilidade dos documentos: a circunstância de o documento apresentado à execução constituir um reconhecimento de dívida que não obedece à forma legal é, por si só, suficiente para afastar a exequibilidade de tal documento, o qual não poderia ser subsumido na previsão da alínea c) do art. 46.º do C.P.Civil.

Nesta particular as posições divergem.

Alguns entendem que  provada a invalidade formal  ou substancial da obrigação exequenda que o título consubstancia, a execução não pode continuar – cfr. Lebre de Freitas, ob. cit. p.72.

Outros consideram que «Pretendendo o exequente a restituição da quantia confessadamente mutuada, o reconhecimento da nulidade do mútuo não obsta, por força do assento n.º 4/95, de 28 de Março de 1995, à restituição da aludida quantia, visto que é ao reconhecimento da obrigação de restituir que se referencia a exequibilidade do título»- Ac. do STJ de 31.05.2011, dgsi.pt,p. 4716/10.5TBMTS-A.S1.com citação de outros, como sejam  o de 19-2-2009, p.07B4427; de 13-7-2010, p. 6357/04.7TBMTS-B.P1.S1; de 1-2-2011, p. 7273/07.6TBMAI-A.P1.S1 e Ac. Da Relação de Coimbra de 02/03/2010, p. 419/07.6TBCVL-A.C1.

Aderimos a esta posição, não apenas por ser a sufragada por larga percentagem, senão a maioria, da actual jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, como, determinantemente, por a considerar-mos mais adequada e consonante com os princípios da economia e celeridade processual e  consecutora efectiva da justiça material.

Na verdade e conforme foi pacificado pelo referido Assento 4/95  - hoje AUJ - quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil.

Assim: «muito embora, do ponto de vista substancial, tal restituição seja reclamada com base em contrato de mútuo pressupostamente válido, nada obsta, por força do aludido assento, à restituição da quantia mutuada, reconhecida a nulidade do contrato, pois, como se escreve no assento, “ com tal em nada se agrava a posição do demandado, já que, válido ou nulo o negócio […] não é um nada jurídico, mas algo de existente…considerando-se, precisamente porque está em causa o pedido de restituição da quantia mutuada, a inutilidade e inconveniência de se impor a via declarativa para se alcançar a restituição da importância mutuada; …Tudo se reconduz, pois, ao pedido de restituição da quantia mutuada que, não sendo devida com base no contrato de mútuo, é-o, porém, com base no artigo 289.º/1 do Código Civil, reconhecida que está a obrigação de restituição fundada em mútuo nulo» - Ac. do STJ de 31.05.2011, citado com sublinhado nosso.

Na verdade e se mais não houvesse, que há, como se viu, importa ter presente que a aplicação judiciária do direito não pode limitar-se à mera subsunção lógico-formal a conceitos legais. Mas partindo do facto, aplica a este a norma concretizadora do direito de que o facto é revelação, como sua emergência social. A decisão assumirá a função concretizadora e criativa do direito, realizando-o, no momento da sua aplicação –  Acórdão do STJ de 13.07.2004, in dgsi.pt, p.04B2176.

Procede o recurso.

6.

Sumariando:

I -Existe exequibilidade extrínseca e intrínseca se o exequente dá à execução documentos de reconhecimento de dívida por parte dos executados, por virtude de empréstimos concedidos em datas, montantes e prazos neles constantes, sem que os executados/opoentes provem a extinção, vg, pelo pagamento, da sua obrigação de restituição.

II- A nulidade do mutuo, por falta de forma legal, não retira a exequibilidade a tais documentos, pois que, ex vi do Assento nº4/95, a obrigação de restituição sempre existirá ao abrigo do artº 289º nº1 do CC, sendo avesso à celeridade e economia de meios obrigar o exequente a deitar mão da acção declarativa para obter a prestação.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, declarar a existência e validade dos títulos executivos e ordenar o prosseguimento da execução.

Custas  pelos opoentes.

Carlos Moreira (Relator)

Moreira do Carmo

Carlos Marinho