Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3372/11.8T2AGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
DENÚNCIA
CADUCIDADE
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA, ÁGUEDA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQUENA INSTÂNCIA CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS 1220º, 1221º A 1224º DO CC
Sumário: 1. Na empreitada, a responsabilidade por cumprimento defeituoso depende da prévia denúncia do defeito e do exercício tempestivo dos direitos a que aludem os art. 1221.º a 1223.º do C.C.

2. Os direitos do dono da obra à eliminação dos defeitos, realização de obra nova, indemnização ou as declarações de redução de preço e de resolução podem ser exercidos extrajudicialmente.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A autora, “A..., S.A.” vem pedir, por meio da presente acção, a condenação da ré, “B... , Lda.” a pagar-lhe a quantia de € 8.432,46, acrescida de juros de mora vincendos a partir de 2/9/2011.

Como causa de pedir, alega a autora ter contratado a ré para efectuar o fornecimento e a montagem de um conjunto de aparelhos de ar condicionado, num restaurante de um cliente da autora. Diz a autora que a ré efectuou os trabalhos, em Outubro de 2007, e facturou o preço, que a autora pagou. Mais alega a autora que, em Janeiro de 2008, dois dos aparelhos montados pela ré começaram a apresentar anomalias, escorrendo água dos mesmos, e tendo aparecido uma rachadura numa laje de cimento, devido à incorrecta escolha feita pela ré do local da instalação dos motores numa das paredes. Alega a autora que recebeu reclamação escrita do seu cliente em 6/11/2008, e que, entre Maio de 2008 e Abril de 2009, solicitou várias vezes à ré a reparação dos defeitos, tendo-lhe enviado a interpelação escrita para o efeito em 15/5/2008. Por fim, diz que procedeu ela mesmo à reparação dos defeitos em Abril de 2009, dada a inércia da ré.

A ré invocou a caducidade do eventual direito da autora, na medida em que, mesmo na versão da autora, a presente acção só entrou em juízo 3 anos volvidos sobre a alegada denúncia dos ditos defeitos.

Respondeu a autora à excepção invocada, pugnando pela improcedência da mesma, uma vez que é inaplicável ao caso o regime jurídico da empreitada, dado tratar-se de um mero contrato de compra e venda. Mais refere que é inaplicável o disposto no nº 2 do artigo 1225º do Código Civil ao caso em apreço, por se tratar de uma norma relativa a imóveis de longa duração.

            Com dispensa da audiência preliminar, elaborou-se despacho saneador, no qual foi julgada procedente a invocada excepção de caducidade do direito da autora, por se ter entendido que a presente acção deu entrada em juízo para além do prazo de um ano após a denúncia dos defeitos, por cotejo entre as datas em que ocorreu a denúncia (Maio de 2008) e da propositura da acção (01 de Setembro de 2011).

            Inconformado com a mesma, interpôs recurso, a autora “ A...”, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 124), finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

I - A douta sentença classificou o negócio celebrado entre as partes como empreitada, sem que o estado do processo o permitisse, por não ter elementos suficientes para uma análise detalhada e aprofundada das questões de facto, que se encontram expostas nos articulados e documentos juntos;

II – Salvo o devido respeito, a meritíssima Juiz não dispunha de elementos para conhecer do mérito da questão no despacho saneador, nomeadamente no que diz respeito à classificação do negócio jurídico celebrado entre as partes, sem a produção de prova relativa à matéria de facto;

III – Com efeito, a lei, concretamente a alínea b) do nº 1, do artigo 510º do CPC, permite que o Tribunal conheça directamente do pedido no despacho saneador, mas se e só se “… o estado do processo permitir….. “;

IV – A doutrina mais representativa, mormente a do Prof. José Alberto dos Reis, defende que a “lei quer que certas questões se decidam no despacho saneador em obediência ao princípio da celeridade e da economia processual, mas não sacrificar a esse uma outra exigência, a da justiça da decisão”;

V – A doutrina referenciada no artigo anterior foi corroborada, por exemplo, pelo douto acórdão desse venerando Tribunal, de 24.11.92, relatado pelo excelentíssimo senhor desembargador Manuel da Silva Freitas, que, a propósito, consignou: “… Deve, pois, o Tribunal emitir uma decisão quando esteja de posse de todos os elementos necessários para se sentir habilitado a proferir um veredicto consciencioso e ponderado….”. “… Para tanto, haverá que averiguar a matéria de facto…”. (cf. autos de apelação nº 142/92, da secção cível, do Tribunal da Relação de Coimbra);

VI – Acresce que a vontade das partes é sempre relevante, como referem a doutrina e a jurisprudência identificados os nºs 16 e 17 do corpo destas alegações, vontade das partes que não foi averiguada, por ausência de prova a esse respeito;

VII – Assim e sem a menor quebra de respeito, não ajuizou bem a meritíssima Juiz a quo ao decidir, sem prova suficiente, no despacho saneador;

VIII – Todavia e sem prescindir, a prova já existente nos autos aponta em sentido contrário ao da douta sentença, porque:

IX – Por um lado, qualquer dos critérios enunciados nos precedentes pontos 25.1 a 25.3 – critério do valor, critério da especificação e critério do carácter acessório ou principal dos materiais e da actividade – indicam claramente que, na questão em discussão, estamos perante um contrato de compra e venda e não perante um contrato de empreitada;

X – Por outro lado, a vontade das partes indica como manifesta evidência que o contrato querido foi de compra e venda e não de empreitada, pois existe uma ordem de compra (cf. documento 1 junto com a petição) e não há qualquer indício de se estar perante uma empreitada, já que jamais a recorrente fez um pedido de planeamento, de desenho ou de elaboração de um projecto. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a pedir 4 unidades exteriores de ar condicionado e 12 unidades de ar condicionado de mural, de uma determinada marca;

XI – Deverão, pois, os presentes autos seguir os seus ulteriores termos legais, com vista à marcação de julgamento, para produção de prova, a fim de se “… proferir um veredicto consciencioso e ponderado…” (cf. douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.11.92), tanto mais quanto é certo que a prova já existente indicia claramente que o contrato em discussão é de compra e venda e não de empreitada;

XII – Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 874º e 1207º do CC e também na alínea b) do nº 1 do artigo 510º do CPC.

Termos em que V. Exas., dando provimento ao presente recurso, revogando a douta decisão recorrida, farão JUSTIÇA!

            Contra-alegando, a ré, pugna pela manutenção da decisão recorrida, com base nos argumentos nesta expendidos.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verifica ou não, a caducidade do direito a que se arroga a autora.

            São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:

A)

A autora dedica-se, nomeadamente, à venda, montagem e reparação de aparelhos de refrigeração e conservação a frio e estanteria de supermercados.

B)

A ré dedica-se, nomeadamente, à instalação de equipamento eléctrico e mecânico.

C)

Em Agosto de 2007, a autora adjudicou à ré o fornecimento e montagem de um conjunto de aparelhos de ar condicionado, descritos no orçamento nº 207-2007, de 18/10/2007 – cfr. doc. junto a fls. 9 e 10, que aqui se dá por reproduzido.

D)

A fim de serem montados esses aparelhos nas instalações do cliente da autora, restaurante “C..., Lda.”.

E)

Em Outubro de 2007, o fornecimento foi efectuado e facturado pela ré – cfr. doc. junto a fls. 11, que aqui se dá por reproduzido.

F)

A autora pagou integralmente o preço facturado.

G)

A autora intentou esta acção em juízo contra a ré em 1/9/2011.

H)

Alega a autora que, em Janeiro de 2008, dois dos aparelhos montados pela ré nas instalações interiores do restaurante começaram a apresentar anomalias no seu funcionamento.

I)

Nomeadamente, que havia água proveniente destes aparelhos de ar condicionado, que escorria pelas paredes e caía para o chão, abundantemente.

J)

Mais alega a autora que, além das anomalias no funcionamento dos aparelhos interiores de ar condicionado, apareceu uma rachadura numa laje de cimento.

K)

Resultante, segundo alega a autora, da escolha incorrecta, pela ré, do local de instalação dos motores das unidades exteriores de climatização numa das paredes dessa laje.

L)

Em 6 de Novembro de 2008, a autora recebeu uma reclamação escrita do seu cliente, restaurante “ C..., Lda.”, a referir problemas com os aparelhos de ar condicionado e com a rachadura na laje de cimento – cfr. doc. junto a fls. 12, que aqui se dá por reproduzido.

M)

Alega a autora que, entre Maio de 2008 e Abril de 2009, solicitou várias vezes à ré que esta procedesse à reparação dos aparelhos interiores de ar condicionado, bem como da rachadura na laje de cimento.

N)

E que, em Abril de 2009, uma vez que a ré ainda não tinha efectuado a reparação e as obras solicitadas, a autora procedeu a tal reparação, com recurso aos seus próprios meios e à mão-de-obra dos seus funcionários, no que despendeu o total de € 6.529,96.

O)

Alega a autora que, em 15/5/2008, interpelou a ré para proceder à reparação dos defeitos, conforme doc. junto a fls. 14, que aqui se dá por reproduzido.

           

 Se se encontra ou não, caduco o direito a que se arroga a autora.

            Na decisão recorrida considerou-se que o contrato celebrado entre as partes configura um contrato de empreitada, porquanto a autora incumbiu a ré de efectuar a obra que um cliente lhe adjudicou e em que a montagem dos aparelhos e acessórios era essencial.

            Em face do que se considerou aplicável o disposto nos artigos 1224.º e 1225.º do CC, de acordo com os quais os direitos de eliminação dos defeitos, resolução do preço, resolução do contrato e indemnização caducam, se não forem exercidos dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva, sem prejuízo do prazo de caducidade previsto para a denúncia dos defeitos, sendo que, em qualquer dos casos, a denúncia terá de ser feita no prazo de um ano, o que vale, também, para o caso da subempreitada (cf. artigo 1226.º CC).

            Como a autora denunciou a existência de tais defeitos entre Maio de 2008 e Abril de 2009 e a acção só veio a ser intentada em 01 de Setembro de 2011, já tinha decorrido o prazo de um ano, a que se fez referência, o que acarretou a procedência da invocada excepção de caducidade.

            A recorrente, por seu turno, alega que inexistem, por ora, elementos que permitam qualificar o contrato como de empreitada, propugnando que se trata de uma compra e venda e só depois se poderá decidir a questão da caducidade.

Em primeiro lugar, importa, pois, definir qual o contrato tido em vista pelas partes.

Ora, como resulta das alíneas C) a E), dos factos provados, a autora adjudicou à ré o fornecimento e montagem de um conjunto de aparelhos de ar condicionado, tendo-os a ré fornecido e montado no local acordado.

Assim, parece-nos claro que se trata de um contrato de empreitada (que consistiu no fornecimento e montagem dos aparelhos de ar condicionado e respectivos acessórios, como resulta do orçamento de fl.s 10, bem como da mão de obra referentes aos trabalhos efectuados) e não de compra e venda (tal como resulta do disposto no artigo 1207.º CC, o que não é afastado pelo facto de ter sido a ré a fornecer os materiais necessários, em face do que se acha estabelecido no artigo 1210.º do mesmo Código).

Como refere P. Romano Martinez, in Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos …, Almedina, Maio de 2000, a pág.s 310 e 311 “… no Direito português, o contrato pelo qual alguém se obriga a realizar certa obra é, em princípio, uma empreitada, e o fornecimento pelo empreiteiro das matérias necessárias à sua execução não vai, por via de regra, alterar a natureza do contrato. Deve, então, qualificar-se como de empreitada o contrato em que o subministro de material constitui um meio para a realização da obra. Em contrapartida, enquadra-se na noção de compra e venda o contrato mediante o qual alguém se obriga a fornecer um bem fabricado em série ou por encomenda com base em amostra ou catálogo, desde que não haja que proceder a adaptações consideráveis”.

Ora, no caso em apreço, uma vez que se tratou do fornecimento de aparelhos de ar condicionado e respectivos acessórios, com vista a instalá-los no local acordado, tem de se concluir, tratar-se de um contrato de empreitada, tal como se considerou na decisão em recurso.

Como se refere na ob. ora cit. a pág.s 309 e 310: “Na realidade, se do bem em causa só se pode retirar utilidade depois de ter sido montado, e se essa montagem carece de determinada preparação técnica, não se pode qualificar o contrato como de compra e venda.”

A autora não se limitou a adquirir os aparelhos de ar condicionado, mas, também, a respectiva montagem.

Assim, temos por certo que se trata de um contrato de empreitada.

Quando alguém se obriga a realizar uma obra, mediante um preço, fica obrigado, não só a efectuar os trabalhos e a fornecer os materiais necessários à execução da obra, como também e fundamentalmente a que o resultado final – obra – fique concluído em conformidade com o convencionado e sem vícios; é o que claramente resulta do art. 1208.º do CC.

Daí o dizer-se que, no contrato de empreitada, o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades ou vícios (1208.º CC); configurando “deformidades” as discordâncias relativamente ao plano convencionado e constituindo “vícios” as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

Deformidades e vícios que representam os vulgarmente designados “defeitos”, podendo ser aparentes ou ocultos; e revelando quer os existentes à data da entrega da obra quer os subsequentes a tal entrega.

Significa isto que, numa empreitada de montagem/instalação de aparelhos de ar condicionado e respectivos acessórios, num restaurante, faz parte do “resultado prometido” – uso dos mesmos no restaurante – que dos mesmos não escorra água pelas paredes para o chão nem que com a respectiva montagem/instalação se provoquem rachaduras na laje existente.

É que – é verdadeiramente ocioso referi-lo – escorrências de águas, fissuras, rachas e empenamentos constituem “deficiências” que reduzem o valor do restaurante; o mesmo é dizer, constituem vícios/defeitos, de gravidade suficiente a afectar o uso e/ou a coisa (restaurante), em que o aspecto exterior e sensação de conforto e bem estar são essenciais para o seu sucesso comercial.

Assim, apresentando a obra/restaurante tais deficiências, provados ficaram todos os factos constitutivos do direito – à eliminação dos defeitos (art. 1221.º, n.º 1, do CC) – invocado pela apelante.

Com efeito, para no âmbito dum contrato de empreitada se pedir a eliminação dum defeito, basta provar (342.º, n.º 1, do CC), por um lado, a existência do defeito e, por outro lado, que o mesmo, pela sua gravidade, é de molde a afectar o uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa.[1]

É que, provado o defeito e a sua gravidade, presume-se – uma vez que é contratual a responsabilidade do empreiteiro – que os mesmos são imputáveis ao empreiteiro (art. 799.º, n.º 1, do CC); isto é, presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao empreiteiro.

Poderá, porém, deixar de ser assim se os autos espelharem uma qualquer situação que haja conduzido à extinção do direito – à eliminação dos defeitos (art. 1221.º, n.º 1, do CC) – invocado pelo dono da obra.

É justamente – caducidade do direito invocado pela apelada – o que nos autos/recurso se discute.

Efectivamente, para haver responsabilidade por cumprimento defeituoso - isto é, para o dono da obra manter o direito à eliminação dos defeitos - é necessário que seja previamente feita a denúncia do defeito (1220º do C. C.) e tempestivamente exercidos os direitos a que aludem os art. 1221.º a 1223.º do C. C. (cfr. art. 1224.º do C. C.).

A tal propósito, estabelece mesmo a lei 3 tipos de prazo.

O prazo de denúncia dos defeitos, o prazo para o exercício dos direitos (de eliminação dos direitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização) e o limite máximo da garantia legal.

Quanto ao primeiro, vale para o caso, não o prazo geral de 30 dias estabelecido pelo art. 1220.º, n.º 1, do C. C., mas o prazo de 1 ano fixado para os imóveis (1225.º, n.º 2, do CC).

Quanto ao 2º, está estabelecido igualmente o prazo de 1 ano, mas a contar da denúncia atempada dos defeitos (art. 1224.º, n.º 1 e também 1225.º, n.º 2 e 3, do C. C.).

Quanto ao 3º, vale para o caso, não o prazo geral de 2 anos (cfr. 1224.º, n.º 2, do CC) – após a entrega da obra, independentemente da data do conhecimento dos defeitos e da sua denúncia – mas o prazo de 5 anos fixado para os imóveis (1225º, nº 1, do C. C.).

Entende a lei que este último prazo – que configura uma presunção iuris et de iure – de 5 anos é o tempo suficiente para todos os defeitos serem conhecidos, denunciados e exercidos os respectivos direitos.

Porém, “em nenhum lado a lei exige que o acto impeditivo da caducidade deva ser a propositura da acção judicial, nomeadamente o disposto no art. 1224.º do CC”[2]

Trata-se de ponto absolutamente decisivo para o desfecho do litígio.

Compete ao dono da obra, como já referimos, exercer atempadamente os seus direitos[3], porém, nada na lei impõe que tal exercício consista na propositura duma acção judicial.

Os direitos do dono da obra à eliminação dos defeitos, realização de obra nova, indemnização ou as declarações de redução de preço e de resolução podem ser exercidos extrajudicialmente.

“Daí que a invocação destes direitos, posteriormente às mencionadas declarações de exercício, em acção judicial, por via de acção, reconvenção ou excepção, já não está sujeita a qualquer prazo de caducidade, estando apenas o exercício dos direitos não potestativos (direito à eliminação, realização de nova obra ou pagamento de indemnização), ou dos direitos resultantes da alteração provocada pelo exercício dos direitos de natureza potestativa (v. g. o direito à resolução do preço pago, em consequência do exercício do direito de resolução ou de redução do preço), sujeitos ao prazo de prescrição geral”[4] e [5]

Significa isto – o que se acaba de expor – que o direito (à reparação dos defeitos) formulado pela apelante não se encontra, extinto por caducidade.

Em 1.º lugar, nada se provou que permita dizer que a denúncia dos defeitos foi feita 1 ano após o conhecimento dos mesmos[6] (ao invés, a autora teve conhecimento de tais defeitos em Janeiro de 2008 e interpelou a ré para os reparar em Maio de 2008, cf. alíneas H) a J) e M) a O).

Em 2.º lugar, provou-se que a apelante, comunicados os defeitos, solicitou a sua reparação decorridos cerca de 5 meses; é o que resulta da economia das alíneas que ora se referiram.

Em 3.º lugar e finalmente, não foi excedido, em tal exercício extrajudicial, o prazo máximo (5 anos) da garantia legal; como todos estão de acordo.

Estando-se, como é o caso, no que diz respeito à escorrência de água e rachadura da laje de cimento, perante “defeitos evolutivos”, impõe-se considerar que o exercício do direito à reparação foi logo efectuado quando, em Maio de 2008, a apelante solicitou a sua reparação.

Ora, em Maio de 2008 – admitindo que, em face da ausência de qualquer comunicação da A/apelante, a obra se deve considerar como tendo sido entregue e aceite (cfr. art. 1218.º, n.º 5, do CC) em Outubro de 2007, como consta da alínea E) – ainda estava longe o termo do decurso de 5 anos sobre a data da montagem/instalação dos aparelhos e acessórios de ar condicionado.

Significa tudo isto – o que se acaba de expor – que decisão sob recurso, sem prejuízo de reflectir a posição jurisprudencialmente maioritária, não merece a nossa concordância.

A nosso ver, em face do alegado pela A./apelante, não se pode julgar extinto o seu direito por caducidade.

Enfim, concluindo, impõe-se julgar procedente o recurso.

Nestes termos se decide:

Julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão que, na procedência da excepção de caducidade, absolveu a Ré do pedido; decisão que se substitui por outra a julgar não verificada e improcedente a excepção de caducidade e a ordenar que os autos sigam os seus termos (com a selecção da matéria de facto).

Custas da apelação pela Ré, apelada.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
António Beça Pereira


[1] Além, evidentemente, da pretensão eliminatória dever ser precedida de tempestiva denúncia, questão que, em boa verdade, só surge quando a excepção da “caducidade” é suscitada.
[2] Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 1.ª ed., pág. 122.
[3] Assim impedindo a caducidade dos mesmos (331.º, n.º 1, do CC); embora o ónus da prova do decurso do prazo de denúncia pertença ao empreiteiro (art. 343.º, n.º 2), não pode o tribunal conhecer oficiosamente do decurso de tal prazo, uma vez que nos encontramos perante direitos disponíveis (art. 303.º, aplicável ex vi do art. 333.º, nº 2, do C. C.).
[4] Cura Mariano, obra e local citados.

[5] O que não equivale a um qualquer alargamento dos prazos, de caducidade, previstos nos artigos 1224.º e 1225.º; efectivamente, sublinha-se, o dono da obra terá sempre – sob pena de caducidade – de exercer os seus direitos nos 5 anos do limite máximo da garantia legal. Se porventura não exercer, extrajudicialmente, os seus direitos nos prazos dos artigos 1224.º e 1225.º, verificar-se-á sem apelo nem agravo a caducidade de tais direitos; não podendo assim dizer-se que, no fundo, estamos a aplicar os prazos de prescrição geral aos direitos que a lei confere ao dono da obra com defeitos.

Aliás, em relação aos 2 primeiros prazos de caducidade de que vimos falando – de denúncia dos defeitos e de exercício dos direitos – não há quem sustente que se contam até à propositura da acção judicial (isto é, que só com a acção judicial a respectiva caducidade é impedida), pelo que, funcionando o terceiro prazo – do máximo da garantia legal – como um prazo em que os 2 primeiros prazos se devem mover e conter, não se percebe a razão por que tal prazo limite para o exercício dos 2 prazos anteriores se deve passar a contar de modo diverso – até à propositura da acção judicial.

O já referido art. 331.º, n.º 1, do CC diz que “impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”; aqui, o acto com efeito impeditivo consiste na “reclamação” que o dono da obra faz dos seus direitos, “reclamação” que nada há na lei a dizer ou a impor que seja a propositura duma acção judicial.
[6] Ónus que, relembra-se, pertence ao empreiteiro/apelado (art. 343.º, n.º 2, do CC).