Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
386/12.4TBSRE-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: DIREITO DE REMIÇÃO
PRAZO
EXERCÍCIO
TEMPESTIVIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 827.ºCPC
Sumário: 1. Os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer na execução. Dependerão assim para o exercício do seu direito do conhecimento que lhes advirá da publicidade que rodear a venda ou da informação que lhe prestar o executado seu familiar, que é sempre notificado do despacho determinativo da venda.

2. Cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição.

3. Incumbe ao executado e seus familiares interessados no exercício do direito de remição agir de forma a saber quando terá lugar a abertura de propostas e logo que efectuada esta, exercer tal direito, bem sabendo, ou devendo saber, que o mesmo só poderá ser exercido até à emissão do título de transmissão.

Decisão Texto Integral:

            Comarca de Coimbra, Coimbra – Instância Central, Secção de Execução

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

No decurso da acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo comum que “A..., L.da”, move a B... , veio C... , através do seu requerimento, aqui junto a fls. 15v.º, que deu entrada em juízo, no dia 19 de Junho de 2014, pelas 16:21:16, por via electrónica, pretender exercer o direito de remição relativamente ao bem imóvel penhorado, constituído por casa de habitação, relativamente ao qual foi aceite uma proposta em carta fechada para venda judicial, alegando, em síntese, ser filho do executado, o que comprova, mediante a junção do respectivo assento de nascimento.

Comprovou a isenção de IMT, a liquidação do imposto de selo e tendo depositado, a título do preço devido pela remição, a quantia de 60.000,00 €, tudo, como melhor consta de fl.s 17 a 19.

O requerimento a que se vem de aludir, surge na sequência de, cf. fl.s 13 v.º e 14, se ter procedido ao auto de abertura de propostas em carta fechada, realizado no dia 17 de Junho de 2014, pelas 14 h e 30 m, tendo como objecto o prédio urbano nele melhor identificado, pertencente ao executado, relativamente ao qual foi apresentada uma única proposta, por D..., no valor de 60.000,00 €.

Ali se refere, no que aqui releva, que:

“Aberta a proposta, foi verificado pelo Meritíssimo Juiz de Direito que a mesma se encontrava dentro das condições legais exigidas, razão pela qual foi aceite.

A proposta capeava um cheque visado no valor de 3.500,00 €.

O ora arrematante foi, ainda, alertado para o facto de dispor do prazo de quinze dias, nos termos do disposto no art. 824º, n.º 2 CPC, para proceder ao depósito dos restantes 56.500,00 €, à ordem do Agente de Execução.”.

Cf. fl.s 23v.º e 24, a Agente de Execução, lavrou o Título de Transmissão que aí consta e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, datado de 19 de Junho de 2014, do qual consta que o bem nele identificado:

“Foi arrematado, em 17 de Junho de 2014, pelo Sr. D... , portador do NIF n.º (…) através de proposta em carta fechada pela quantia de 60.000,00 € e procedeu ao pagamento de IMT e Imposto de Selo, conforme guias de pagamento ora juntas, bem como ao pagamento do preço.”.

Como resulta de fl.s 87 e seg.s, o arrematante, no dia 18 de Junho de 2014, efectuou o pagamento do restante valor da proposta apresentada, no valor de 56.500,00 €, no seguimento do que foram emitidas as declarações para liquidação do IMT e Liquidação do Imposto de Selo, o que o arrematante fez e comprovou, em 19 de Junho de 2014.

Recebidos os comprovativos a que ora se aludiu a Agente de Execução, emitiu o título de transmissão e procedeu ao respectivo registo de aquisição, através do pedido de registo n.º 761762014, de 19 de Junho de 2014, pelas 15 h e 39 m, o que se mostra comprovado, cf. fl.s 92 v.º e 93 v.º.

Mais ali se refere pela Agente de Execução, ter sido contactada telefonicamente pela Mandatária do executado, Dr.ª E... , a questionar do estado do processo, após a venda, ao que lhe foi dito que no dia 18 de Junho de 2014 tinha sido liquidado o restante valor da proposta apresentada e tinham sido emitidas as declarações para liquidação de impostos e que mais informou que o proponente já tinha enviado para o escritório esses comprovativos, razão pela qual estava a ser emitido o respectivo título de transmissão.

Acrescentando-se que, não obstante tal informação, o requerimento para o exercício do direito de remição, por parte do filho do executado, o supra referido C... , só deu entrada no dia 19 de Junho de 2014, pelas 16 h e 13 m, acompanhado do comprovativo do pagamento dos impostos, tendo o imposto de selo sido liquidado pelas 15 h e 41 m, ou seja, já depois de emitido o título de transmissão ao proponente e efectuado o respectivo registo.

Conclui a Agente de Execução que o requerimento é extemporâneo, em virtude de o direito de remição ter sido exercido já depois da emissão do título de transmissão.

Conforme requerimento aqui junto de fl.s 29 v.º a 31, datado de 14 de Julho de 2014, o executado veio pugnar pela tempestividade do exercício do direito de remição exercido por seu filho, alegando que este não podia saber que o título de transmissão estava para ser emitido, nem tinha meio de o saber, por nada constar dos autos, tendo o mesmo sido emitido decorridas 48 horas após a abertura das propostas.

Respondeu a exequente, defendendo a intempestividade do exercício do direito de remição, cf. seu requerimento de fl.s 32 v.º a 35.

Conclusos os autos à M.ma Juiz, por esta foi proferido o despacho aqui junto a fl.s 36 e v.º (aqui recorrido), que se passa a transcrever:

Nos presentes autos executivos foi efectuada a abertura de propostas no dia 17.6.2014, onde foi admitida a proposta apresentada por D... relativa à verba n.º 1 no valor de € 60.000,00.

Por requerimento datado de 19.6.2014 (16h13) veio C... , filho do executado, manifestar a sua intenção de remir a verba n.º 1 tendo depositado, para o efeito, a quantia de € 60.000,00 (cfr. fls. 52) e satisfeito as obrigações fiscais.

A sra. SE não admitiu a remição por a considerar extemporânea, uma vez que o proponente depositou o remanescente do preço no dia 18.6, liquidou os impostos no dia 19.6 e nesse mesmo dia, em hora anterior à da entrada do requerimento do remidor, já o título de transmissão havia sido emitido e registada a aquisição.

Veio o executado insurgir-se contra tal entendimento e o exequente pugnar pela sua correcção.

*

Cumpre apreciar e decidir:

Dispõe o artigo 843º, do nCPC que “1 – O direito de remição pode ser exercido: a) no caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título de transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825º”.

No caso em concreto temos que o título de transmissão foi emitido no dia 19.6.2014 e que o registo da aquisição foi efectuado àsn15h39 – cfr. documentação junta pela SE com o seu requerimento datado de 23.6.2014.

Contra tal insurge-se o executado alegando que do processo nada constava acerca da emissão do título de transmissão.

Mas, a bem da verdade, não tinha ainda que constar pois a emissão de tal título está agora na esfera de competências do agente de execução o qual vai actuando sem que tenha a obrigação processual de, a par e passo e em tempo real, informar os autos do estado do mesmo. Ou seja, depois da abertura de propostas, o proponente dispunha de 15 dias para depositar o remanescente do preço e documentar o cumprimento das obrigações fiscais (art. 824º, n.º 2) e, de seguida, o agente de execução emite o título de transmissão e comunica a venda ao serviço de registo competente (art. 827º, n.º 2), relatando nos autos, após, a conclusão da venda.

Por assim ser, e tendo o proponente sido lesto no pagamento do preço e no cumprimento das obrigações fiscais, verifica-se que o remidor, quando manifestou tal intenção dos autos, o fez já depois de emitido o respectivo título de transmissão do bem (porque após o respectivo registo da aquisição), pelo que o seu requerimento é extemporâneo.

Notifique.”.

Inconformado com tal decisão, interpôs recurso, o requerente C... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida em separado, imediatamente e com efeito suspensivo (cf. despacho de fl.s 57), finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. – O ora apelante recorre da decisão que julgou extemporâneo o exercício do direito de remição, que faz nos termos do art.853.º n.º2 alínea d) CPC.

2 - Na presente acção executiva é executado o pai do remidor e aqui apelante.

3 - No dia 18-6-2014, na plataforma Citius foi disponibilizado o Auto de Abertura de Propostas, sem que tenha sido notificado ás partes.

4 - Do auto não consta que o proponente tenha sido notificado do prazo para depósito, mas uma mera advertência.

5 - No dia 19-6-2014 da mesma plataforma o “Citius”, constava que o último acto processual praticado nos autos era a junção do Auto de Propostas, do dia 17.06.2014.

6 - A abertura de propostas foi realizada no dia 17.06.2014, pelas 15.10h.

7 – Trata-se de diligência processual que, nos temos do art. 820.º CPC, é presidida pelo juiz do processo e assistida pelo Agente de Execução, sendo dela, nos termos do art.826.ºCPC, lavrado auto pelo agente de execução.

8 - O auto é a transcrição, para os autos, do que ocorreu na diligência de abertura de propostas, pelo que, antes de emitir o título de transmissão deveria ser observado o prazo de 5 dias, contados da notificação da incorporação do mesmo nos autos, para que fossem arguidas quaisquer desconformidades, o que resulta do disposto no nº 6 do artigo 155º do C.P.C, por remissão do art.551.º do CPC.

9 – Porém, no dia 19.06.2014, pelas 16:13h, antes de decorridos os 5 dias previstos para arguir desconformidades do auto, foi exercido o direito de remição pelo filho do executado, o qual juntou certidão do assento de nascimento, para prova da qualidade de filho do executado, documento comprovativo do depósito do preço, bem como de ter satisfeito todas as obrigações fiscais.

10 – O apelante exerceu o direito de remição e desde tal momento, até à notificação do despacho de que se recorre, não mais foi notificado de qualquer ato processual.

11 - Antes de ter sido tomada a decisão de que se recorre, deveria ao apelante ter sido dada a hipótese de aportar e debater os factos novos condizentes com a realidade jurídica prefigurada pela Sr.ª Agente de Execução e pelo Tribunal a quo.

12 – Apesar do remidor ser considerado um terceiro no processo, tem um interesse relevante na demanda, podendo praticar atos processuais e podendo vir a ser atingido pelas decisões proferidas, pelo que após intervir no processo, deverá ser equiparado às partes processuais, sendo-lhe assegurado um estatuto de igualdade substancial relativamente aos demais intervenientes processuais, nos termos do art.4 do CPC.

13 – O Tribunal a quo decidiu sem cumprir o princípio do contraditório, previsto no art.3/3 do CPC.

14 - Porque a questão em apreciação se prende com o direito de remição, sumariamente recusado, e o imóvel em venda é a casa de morada do executado e da família onde se inclui o apelante, a decisão proferida está ferida de nulidade, pois a omissão que se verifica é passível de influir no exame ou decisão da causa, nos termos do art.195.ºCPC, que se invoca para todos os efeitos legais.

15 - Pelo que se entende que a decisão de que se recorre é ilegal, por ter sido proferida sem estrita observância do princípio do contraditório, art. 3.º n.º3 CPC, tendo sido também violado o Princípio da Igualdade, previsto no art.4.º do CPC, ao não ter sido dispensado ao remidor tratamento igual ao das partes, como deveria ter sido, atendendo ao seu especial interesse na demanda.

16 – O título de transmissão emitido a 19.06.2014, é nulo, não tendo sido cumpridas as formalidades legalmente impostas na lei, nos termos do art.195.º CPC, já que é manifesto que a irregularidade cometida influiu, directamente, na decisão da causa, porque caso tivesse sido cumprida a lei e respeitado o prazo de 5 dias, que é concedido pelo legislador para arguição de desconformidades, o remidor, porque foi diligente e célere na sua actuação, teria exercido o seu direito bem antes da emissão do título.

17 – Por maioria de razão, o título de transmissão também foi emitido antes de decorrido o prazo de 10 dias, previsto no art. 149.ºCPC, para que sejam requeridos actos ou diligências, arguidas nulidades, deduzidos incidentes ou exercido qualquer poder processual e por este motivo está ferido de nulidade, nos termos do art.195.ºCPC.

18 - Dispõe o n.º1 do art.827.ºCPC que: “Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados”

19 – Ora a Sr.ª Agente de Execução emitiu o título de transmissão no dia 19.06.2014 e no dia 23.06.2014 mostrou nos autos o pagamento integral do preço e cumprimento das obrigações fiscais, ou seja, só depois da emissão do título de transmissão é que foi mostrado nos autos o pagamento do preço e a satisfação das obrigações fiscais.

20 – O facto do título de transmissão ser agora emitido pelo Agente de Execução, não afasta o dever de cumprimento das regras gerais de direito civil, nem o ónus que impende sobre o proponente de provar o pagamento antes de ser emitido o título, nos termos do art.343/3.ºCC.

21 – Entende o apelante que não compete ao Agente de Execução receber no seu escritório e directamente os documentos comprovativos do pagamento do preço e das obrigações fiscais, por se tratar de competência da Secretaria Judicial. Como, aliás, sempre resulta do disposto no art. 144.º/7CPC, que regula a forma de praticar actos processuais, caso não seja efectuada por via electrónica.

22 – E que o ónus de provar o pagamento do preço impende sobre o proponente e não sobre o Agente de Execução, que junta aos autos extrato bancário da sua própria conta, que só esta pode o pode conhecer.

23 - A comprovação do pagamento integral do preço é um acto processual relevante que produz efeitos jurídicos no processo, dele dependendo a emissão do título de transmissão e também o regular exercício de remição, por este só se admitir após tal pagamento se o remidor depositar o preço acrescido de 5%, para indemnização.

24 - Assim, se o proponente não provar o pagamento do preço, tudo se passa como se não tivesse sido efectuado, não podendo aproveitar-lhe acto que só por sua culpa não foi praticado.

25 - Como o proponente não mostrou nos autos, pelo contrário ocultou que o preço tivesse sido pago, não podia a Sr.ª Agente de Execução ter emitido o título de transmissão, já que tal comprovação é uma formalidade essencial e como tal é nulo e de nenhum efeito o título assim emitido.

26 – O Tribunal a quo ao reconhecer validade ao título de transmissão emitido a favor do proponente, fez errada aplicação da lei e do direito, uma vez que o título foi emitido sem que fossem repeitadas as formalidades previstas nos artigos 827.º/1, art.155 n.º6, 149.º, 144.º/7 todos do C.P.C.

27 – Entende-se que é contrária à lei a interpretação que o Tribunal a quo fez ao disposto no art.827.ºCPC na medida em que entende que não tem que constar do processo nenhum elemento relativo à emissão do título de transmissão, porque “tal título está agora na esfera de competências do agente de execução o qual vai actuando sem que tenha obrigação processual de, a par e passo e em tempo real, informar os autos do estado do mesmo”, mais afirmando que a agente de execução só teria que fazer qualquer relato aos autos, após a conclusão da venda.

28 - Tal entendimento é contrário à letra da lei e colide com princípios fundamentais de direito, que não podem deixar de ser considerados numa interpretação de norma, nomeadamente, princípio do acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.20.º da Lei Fundamental, e o princípio da segurança jurídica e protecção da confiança comsagrado no art.2.º da Lei Fundamental.

29 – Apesar das alterações que o processo executivo tem vindo a sofrer, o legislador continua a manter a necessidade de “mostrar” o integral pagamento do preço e a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão.

30 – O “mostrar” o pagamento integral do preço e a satisfação das obrigações fiscais só pode continuar a significar o fazer demonstração da realidade do facto, que se concretiza pela respectiva comprovação nos autos, juntando-se aos mesmos os documentos idóneos a demonstrar o cumprimento de tais condições.

31 - A única mudança que se verifica na lei é que o título deixou de ser emitido pelo Juiz, passando a ser emitido pelo Agente de Execução, tendo porém que obedecer aos mesmos formalismos, isto é, devendo o proponente praticar ato processual nos autos, com a junção dos documentos comprovativos do pagamento do preço e do cumprimento das obrigações fiscais.

32 – Antes, como agora, tais atos têm que ser mostrados nos autos para que os intervenientes os possam conhecer, por exigências de segurança jurídica e protecção da confiança, que se concretizam através da transparência de todo o processo, que passa por se mostrar instruído por todos os actos praticados, art. 2.ºda CRP.

33 – Justifica-se agora uma maior necessidade da ordem jurídica reforçar as garantias de transparência e rigor de todo o processo, já que tramita parcialmente “fora” dos Tribunais.

34 – Se o legislador tivesse querido que estes concretos actos processuais deixassem de ter de ser comprovados no processo, e tudo se processasse, unicamente, sobre a alçada/conhecimento do Agente de Execução, tê-lo-ia dito expressamente e, com toda a certeza, abandonaria a fórmula legal “mostrando-se”, já que deixava de ser necessária qualquer prévia comprovação no processo.

35 - Certas diligências executivas, antes incumbidas ao Juiz, são agora diligências próprias da competência do agente de execução e, em certas situações podem ser exercidos por oficial de justiça, nos termos do art.722.º do CPC.

36 – Contudo, nunca foi competência do Juiz receber documentos juntos pelas partes e pelos interessados nos autos, para comprovarem alguma realidade, tal competência continuar a pertencer à Secretaria Judicial.

37 – Tal como continua a ser ao proponente que, nos termos do disposto no art.343/3.ºCC, compete demonstrar nos autos o pagamento do preço e a satisfação das obrigações fiscais, conforme dispõe o mencionado artigo “Se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva (…), cabe-lhe a prova de que a condição se verificou”.

38 - O pagamento do preço é um elemento constitutivo do direito do proponente, por isso deverá ele fazer prova nos autos que efectuou o pagamento, para que possa aproveitar os efeitos resultantes do pagamento. Se não o fizer, deve ser ele a sofrer as consequências da omissão, neste sentido vide Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 6/05/1997, publicado na Colectanea de Jurisprudência Ano V, Tomo II -1997.

39 – O proponente sendo interveniente com interesse relevante na demanda, tal como o remidor, ocupa posição jurídica análoga à das partes, pelo que a sua actuação no processo deve seguir os termos da actuação das partes quanto à pratica de actos processuais.

40 – Assim, nos termos do n.º1 e n.º 7 do art.144.ºCPC, subsidiariamente aplicável ao processo de execução, por remissão do art.551.ºdo CPC, os atos processuais, das partes, são apresentados em juízo por transmissão electrónica, prevendo-se que, caso de trate de causa que não importe a constituição de mandatário e a parte não esteja patrocinada, os atos processuais possam ser apresentados em juízo por entrega na secretaria judicial, por remessa pelo correio sob o registo ou por envio através de telecópia.

41 - Não competindo ao Agente de Execução receber documentos que configurem a prática de ato processual, que deva ser comprovado nos Autos pelo proponente, por se tratar de ato da competência da secretaria judicial e não do Agente de Execução.

42 – O Direito de Remição é um direito especial, que tem por base uma relação de carácter familiar e a razão da titularidade o vínculo familiar criado pelo casamento ou pelo parentesco, inspirando-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas, sendo este um objectivo reconhecido, ao direito de remição, unanimemente pela jurisprudência e pela doutrina.

43 - O legislador quis que o direito de remição, caso não fosse exercido no ato de abertura de propostas, ainda pudesse sê-lo até à emissão do título de transmissão dos bens para o proponente, nos termos do art.843.ºCPC, pelo que os mecanismos processuais de tramitação processual se têm que adequar à relevância do direito de remição, ou seja, também a tramitação própria do processo, com as suas formalidades próprias, deve garantir e permitir a concretização do direito.

44 – Resultando da norma do art.827.ºCPC, que o legislador pretende que sejam cumpridas todas as formalidades processuais de forma clara, respeitando formalidades e prazos processuais, só assim faz sentido o disposto no art.843/2 2.ª parte do CPC, em que fixa a obrigação de pagamento da indemnização, como condição ao exercício do direito de remição.

45 – Se assim não for ou o remidor exerce o direito no momento de abertura de propostas ou uma vez que, segundo o douto entendimento, não tem que haver informação nos autos, o vir exercer o direito de remição “será um tiro no escuro”. Correndo o remidor sério risco de pedir um empréstimo para adquirir bem da família e acabar por se endividar, já que só mais tarde terá qualquer certeza quanto à bondade da sua pretensão. Será assim frustrado, totalmente, o objectivo que a lei e a CRP visam de protecção do património da família, que poderá redondar, efectivamente, na sua diminuição, vendo-se o remidor confrontado com encargos inerentes ao empréstimo.

46 – A norma do art.827.º deverá ser interpretado no sentido de que só após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão é que pode ser emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão. Devendo a demonstração de que o preço foi integralmente pago ser feita, pelo proponente, comprovando nos autos, através da junção de documentos que o atestem, nos termos do art.144.º/7 CPC, ou seja, entregando-os na secretaria judicial, remetendo-os através de via postal registada ou por telecópia para a referida secretaria.

47 - Cabe ao proponente e não ao Agente de Execução comprovar nos autos o pagamento do preço, só dessa forma, poderá o proponente aproveitar os efeitos jurídicos produzidos pelo pagamento. Caso seja omitido o pagamento, o mesmo não poderá produzir qualquer efeito.

48 – Só os actos de mero expediente, do Agente de Execução ou do Tribunal, é que poderão não ser, “a par e passo e em tempo real” dados a conhecer aos autos. Não podendo o mesmo admitir-se quando se trata de actos processuais que visam a produção efeitos jurídicos para as partes ou intervenientes. Esses têm que constar dos autos, em tempo real, sob pena de não poderem produzirem os efeitos pretendidos.

49 - A interpretação feita pela Meretíssima Juiz a quo ao artigo 827.ºCPC, no sentido de que nenhum documento tem que ser junto aos autos, violou:

a) o disposto no referido artigo que, expressamente, exige de se “mostre” o pagamento da totalidade do preço e da satisfação das obrigações, no sentido de ser feita prova disso, não podendo tal demonstração deixar de ser observada nos autos.

b) as regras de processo executivo, na medida em que é reconhecido por razões de carácter familiar, um direito especial, que é o de remição, dependendo a sua concretização da possibilidade de serem conhecidos dos interessados todos os factos que, de alguma forma, o possam limitar.

c) os princípios básicos de direito democrático, tais como:

c.1) da segurança e da protecção da confiança; consagrado no art. 2.º da Lei Fundamental.

c.2) do acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.20.º da Lei Fundamental.

50 – A admitir-se tal interpretação poderão legalmente ser criados obstáculos injustificados ao remidor, ficando em crise também os princípios constitucionais do direito à habitação e à protecção da família, constitucionalmente consagrados nos arts. 35.º e 37.º do CRP.

51 - As circunstâncias anómalas do processo criam de facto, a convicção séria, de que todo o processo foi conduzido com o propósito único de vender ao proponente o bem, não sendo permitidas intromissões, por via do exercício do direito, de qualquer outro interessado na demanda e que não foi observado o dever de imparcialidade e de independência.

52 – Foi a própria agente de execução que no 23.06.2014, juntou aos autos documentos comprovativos de ter sido pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais pelo proponente, confessando já estar a emitir o título sem que se mostrassem reunidos os pressupostos de que depende.

53- A Sr.ª Agente de Execução não aguardou o decurso de qualquer prazo processual, tendo mesmo emitido o título de transmissão antes de ter sido demonstrado o pagamento da totalidade do preço, tendo mesmo o exequente manifestado, indirectamente, interesse em que o pagamento do seu crédito fosse efectuado pelo proponente e não pelo remidor.

54 – Transparecendo que foram privilegiadas as razões patrimoniais em detrimento das razões familiares que estão na origem do direito de remição, sendo certo que imparcialmente ao exequente apenas teria interesse na satisfação do seu crédito, sendo assim violado o artigo 67º,º2 alínea a) da CRP.

55 – Ao actuar como actuou a Sr.ª Agente de Execução afastou-se do dever de cooperação, colaboração e boa-fé que devem nortear a sua actuação (art. 7.ºe 8.º CPC), bem como do dever de imparcialidade e independência, a que deve obediência.

55 – O remidor foi manifestamente célere, mas incapaz de competir com quem tem o poder de decidir o momento concreto em que quer emitir o título de transmissão, sobretudo se se entender que é uma decisão arbitrária que parece não carecer de observar qualquer formalismo legal.

56 - Devendo a Sr.ª Agente ter observado, ainda, o principio da igualdade e, perante direitos diferentes, o do proponente e o do remidor, tomar todas as providencias para, sem prejuízo do credor, fosse possível a concretização do direito de remição já que em causa está o direito à habitação da família.

57 – Com o devido respeito, o Douto despacho proferido violou o disposto no art.3 n.º3, 4.º, 6.º, 144 n.º7, 149.º, 155.ºn.º6, 195.º, 722.º, 827.º todos do CPC, o art.343/3CC, bem como também o art. 2.º, 20.º, 65.º e 67.º/1a) da Lei Fundamental.

Termina, peticionando a procedência do seu recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue tempestivo o exercício do direito de remição.

            Contra-alegando, a exequente, pugna pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos nesta acolhidos.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

A. Tempestividade do exercício do direito de remição por parte do recorrente;

B. Se a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 2.º, 20.º, 35.º, 37.º e 67.º, n.º 2, al. a), todos da CRP.

A factualidade a ter em conta é a que consta do relatório que antecede.

            A. Tempestividade do exercício do direito de remição por parte do recorrente.

            Sustenta o recorrente que exerceu tempestivamente o direito de remição, porquanto nada nos autos constava que indicasse que o título de transmissão já estivesse emitido ou para o ser, para além de que sempre teria de se aguardar o prazo de 5 dias, para a arguição de nulidades do auto e o de 10 dias, a que se refere o artigo 149.º do NCPC, para ser requerido qualquer acto ou diligência, para além de que, mais alega, foi violado o princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º do NCPC, ao ser decidida tal questão, sem prévia notificação ao recorrente.

            De acordo com o despacho recorrido (que acima se transcreveu), pelos fundamentos que aí constam, decidiu-se pela intempestividade do exercício do direito de remição, por parte do ora recorrente.

            Começando a análise desta questão, no que toca à invocada nulidade do auto de arrematação, não tem razão, o recorrente.

            Efectivamente, para ser deduzida qualquer nulidade não impõe a lei que os autos para tal fiquem a aguardar.

            Ao invés, à parte lesada é que, nos prazos legais para o efeito estabelecidos, incumbe arguir a existência da mesma, o que não aconteceu, apenas o tendo feito nas alegações do presente recurso.

            Já há muito que o recorrente é sabedor da existência do auto de arrematação e só no presente recurso, que deu entrada em juízo em 19 de Janeiro de 2015, é que tal questão foi arguida, pelo que, ainda que alguma nulidade existisse, o que não se verifica, face ao já exposto, a mesma já estaria sanada, cf. artigo 199.º, n.º 1, do NCPC.

            De igual modo, não tinham os autos que aguardar pelo prazo de 10 dias, nos termos do artigo 149.º do NCPC, no qual se fixa a regra geral para a prática de actos ou diligências, o qual, no caso é afastado por regra especial – o prazo fixado no artigo 843.º, n.º 1, al. a), do NCPC.

            Por último, no que toca à alegada violação do princípio do contraditório, a mesma também não se verifica, porquanto cf. requerimento aqui junto de fl.s 29 v.º a 30 v.º, a Ex.ma Mandatária do recorrente, ainda que através do executado, veio pronunciar-se no sentido de que, contrariamente ao indicado pela Agente de Execução, se devia considerar que o recorrente exerceu tempestivamente o direito de remição que aqui se pretende exercer.

            Assim, resta apreciar, stricto sensu, a questão da tempestividade do exercício do direito de remição por parte do ora recorrente.

            Nos termos do disposto no artigo 842.º, do NCPC:

“Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”.

A faculdade que é concedida ao cônjuge do executado ou aos seus descendentes ou ascendentes, por esta ordem (cf. artigo 845.º, n.º 1, NCPC), tem em vista a protecção do património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados, configurando como que um direito especial de preferência, assente numa relação de carácter familiar, constituindo como que uma possibilidade de resgate dos bens penhorados, cf. entendimento uniforme na doutrina, designadamente Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, Depois Da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, a pág.s 334 e 335; Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, edição da INCM, pág.s 660 e 661; J.P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, À Face Do Código Revisto, SPB Editores, a pág. 357 e F. Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 2010. 13.ª Edição, Almedina, a pág. 392, acrescentando este autor que este direito “Reveste algumas semelhanças com o antigo direito de avoenga, que era um direito de preferência a favor dos irmãos e outros parentes, quanto aos bens herdados dos ascendentes.

Através da concessão deste direito pretende-se proteger o património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados.

É um benefício ou favor ao executado e seus familiares próximos, por razões de ordem económica e moral, sem que daí resulte qualquer prejuízo para a execução.”.

O recorrente é, comprovadamente, filho do executado e é o único que se apresentou a exercer o direito de remição, pelo que, prima facie, nada obsta a que o possa exercer, tudo se resumindo, assim, a averiguar da tempestividade do respectivo exercício.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 843.º, n.º 1, al. a), do NCPC:

“1. O direito de remição pode ser exercido:

a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º.”.

Assim, importa analisar a factualidade em causa, a fim de concluir se o recorrente exerceu o direito de remição antes de ter sido emitido o título de transmissão.

E, desde já antecipando a solução, tem de se concluir que quando o recorrente exerceu o referido direito já este tinha sido emitido.

Efectivamente, como consta de fl.s 88 a 93 v.º, o título de transmissão foi elaborado pela Agente de Execução, no dia 19 de Junho de 2014 e o pedido de registo a favor do adquirente foi pela mesma solicitado, nos termos do disposto no artigo 827.º, n.º 1, do NCPC, nesse mesmo dia, pelas 15:39:15.

Por outro lado, o recorrente só veio requerer que lhe fosse reconhecido o direito de remição, através de requerimento entrado em juízo no dia 19 de Junho de 2014, pelas 16:21:16, tendo pago o imposto de selo, nesse dia, pelas 15:41 e depositado a quantia de 60,000,00 €, nesse mesmo dia, pelas 15:42:16 (cf. fl.s 15 a 22 v.º).

Assim, tem de se concluir que quando o recorrente pretendeu exercer o direito de remição, já tinha sido emitido o título de transmissão dos bens para o proponente, pelo que, tal como se considerou na decisão recorrida, tem de se concluir que o fez extemporaneamente.

Mas será que a tal obsta o facto de nada constar dos autos acerca da iminência da emissão de tal título de transmissão, nem a Agente de Execução disso o informar?

A emissão do título de transmissão, bem como a prática de todos os actos que têm que ver com a venda, adjudicação de bens, pagamentos, liquidação e pagamentos dos créditos exequendos, é da competência do agente de execução, em conformidade com o disposto no artigo 719.º, do NCPC – neste sentido, veja-se Rui Pinto, Manual da Execução E Despejo, Coimbra Editora, Agosto de 2013, a pág. 121.

Mais lhe incumbindo, nos termos do artigo 827.º, n.º 1, do NCPC, que mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, a que se segue a comunicação da venda ao serviço de registo competente, para que se proceda ao registo do facto e cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado.

Cf. autor ora citado, in ob. cit., pág. 930, a adjudicação assim efectuada pelo agente de execução é constitutiva dos efeitos materiais da venda e não tem que ser precedida de despacho judicial.

Acrescentando-se, a pág. 939, que dada a supressão, com a reforma processual de 2003, do despacho de adjudicação, o direito de remição tem de ser exercido, no caso, como o presente, de abertura de propostas em carta fechada, até à adjudicação de bens, a fazer por requerimento dirigido ao agente de execução, cabendo a este informar o terceiro remidor de todas as condições da venda e no caso de proposta em carta fechada, só com a passagem do título de transmissão é que se dão, se verificam, os efeitos da venda executiva, cf. autor e ob. cit., a pág. 965.

Daqui resulta, pois, que, designadamente, todos os actos relacionados com a venda, pagamentos, emissão do título de transmissão e subsequentes comunicações ao registo, são da incumbência/competência do agente de execução, não sendo este obrigado a informar um terceiro remidor de que vai praticando qualquer destes actos.

Ao invés, é a este que terá de se rodear de todas as cautelas e diligência, no sentido de o exercer tempestivamente.

Como refere Amâncio Ferreira, ob. cit., a pág. 393 “Diversamente do que ocorre com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer na execução. Dependerão assim para o exercício do seu direito do conhecimento que lhes advirá da publicidade que rodear a venda ou da informação que lhe prestar o executado seu familiar, que é sempre notificado do despacho determinativo da venda.”.

No mesmo sentido propugnam Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in CPC, Anotado, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, a pág. 624 (em anotação ao artigo 913.º do CPC, equivalente ao artigo 843.º do NCPC), quando ali referem que “O titular do direito de remição não é notificado para o exercer. Não é por ele invocável o justo impedimento (…), que implicaria a necessidade de lhe dar conhecimento prévio, tal como ao preferente.”.

A nível jurisprudencial, neste sentido, se decidiu nos Acórdãos do STJ, de 10/12/2009, Processo n.º 321-B-1997.S1 e de 13/09/2012, Processo n.º 4595/10.2TBBRG.G1.S1, ambos disponíveis no respectivo sítio da dgsi, em que, no 1.º dos Arestos ora citados, se refere o seguinte:

“o remidor não é parte na acção executiva, detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução (…). Por outro lado, como titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal (…).

Deste estatuto processual decorre que o interessado na remição, como terceiro, não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar – executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito: a concordância de interesses entre os familiares atingidos patrimonialmente pela execução permite compreender a solução legal, particularmente no que se refere à dispensa de notificação pessoal dos possíveis remidores para exercerem, querendo, o seu direito visando a manutenção da integridade do património familiar.

(…)

Cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou.”.

Assim, no caso em apreço, incumbia ao executado e seus familiares interessados no exercício do direito de remição, agir de forma a saber quando teria lugar a abertura de propostas e logo que efectuada esta, exercer tal direito, bem sabendo, ou devendo saber, que o mesmo só poderia ser exercido até à emissão do título de transmissão.

Deviam, pois, usar de toda a diligência de forma a fazê-lo antes de este título ser emitido, o que não aconteceu.

Logo que terminado acto de abertura da proposta apresentada, devia o recorrente declarar que pretendia exercer o seu direito e não ficar a aguardar que lhe fosse dado conhecimento de que o proponente tinha pago o restante da quantia e cumprido as suas obrigações fiscais, pois que cumpridas estas condições, teria, nos termos legais, a agente de execução de emitir o respectivo título de aquisição e de efectuar as competentes comunicações ao registo para cancelamento dos direitos e ónus que incidiam sobre o bem vendido, como, efectivamente, assim ocorreu.

Assim, só de si se poderão queixar o recorrente e o executado, pelo exercício tardio do direito de remição, nada havendo a censurar à decisão recorrida, a qual, é de manter, assim improcedendo a presente questão do recurso.

B. Se a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 2.º, 20.º, 35.º, 37.º e 67.º, n.º 2, alínea a), da CRP.

No que a esta questão concerne, alega o recorrente que a considerar-se que a agente de execução não tem obrigação legal de, a par e passo, informar nos autos, o estado dos mesmos, designadamente, informar que o adquirente dos bens pagou o respectivo preço e cumpriu as obrigações fiscais, tal impede o terceiro remidor de exercer o seu direito, com isso, se violando os preceitos constitucionais supra referidos.

Nos artigos 2.º e 20.º da CRP, consagra-se, entre outros, o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático.

Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, a pág. 205, “o princípio do Estado de direito democrático, mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança” e em que cabem o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (consagrado no artigo 20.º), bem como, de um modo mais lato, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça.

Neste preceito e seguindo os mesmos autores, ob. cit., pág.s 409 e seg.s, está consagrado o princípio de que ninguém pode ser privado de levar a sua causa à apreciação de um tribunal e que o direito de acção ou de agir em juízo terá de efectivar-se através de um juízo equitativo, no sentido de se conformar de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva, baseada no direito de defesa e ao contraditório, a prazos razoáveis de acção ou de recurso e direito ao conhecimento dos dados processuais.

Ora, no caso em apreço, tais direitos não se mostram violados, apenas ocorrendo que a lei ordinária, como no geral acontece, estabelece os prazos e condições em que o direito de remição pode ser exercido, nos termos acima já referidos.

Como se refere no supra citado Acórdão do STJ, de 10/12/2009, e não obstante o remidor beneficiar da tutela do artigo 20.º da CRP, no caso do exercício do direito de remição “defrontamo-nos com dois valores ou interesses antagónicos, ambos susceptíveis de tutela constitucional: por um lado, o direito do remidor em não ser arbitrariamente privado da possibilidade de salvaguarda e manutenção do património familiar, através da criação de regimes procedimentais desproporcionadamente preclusivos ou limitativos – e como tal violadores do art. 20º da Constituição; por outro lado, a expectativa legítima do adquirente dos bens em não ver a estabilidade e a eficácia da venda executiva abalada, através de um exercício inadmissivelmente tardio e abusivo do direito do remidor, susceptível de ofender o princípio da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático.”.

Ora, in casu, não se vislumbra a existência de qualquer obstáculo ou dificuldade que, desproporcionadamente, tenha impedido o tempestivo exercício do direito de remição por parte do recorrente.

O que aconteceu foi que este, por causa que só a si próprio é imputável, não o exerceu nos prazos legalmente previstos para tal, o que acarreta que a decisão recorrida não viola o disposto nos artigos 2.º e 20.º da CRP.

A referência aos artigos 35.º e 37.º, como sendo a decisão recorrida violadora dos princípios constitucionais do direito à habitação e à protecção da família, deve enfermar de lapso, porquanto estes direitos se encontram consagrados nos artigos 65.º e 67.º da CRP.

Efectivamente, no artigo 65.º, n.º 1, consagra-se o direito, para si e para sua família, a uma habitação condigna e no artigo 67.º, a protecção da família, nas várias vertentes ali referidas no seu n.º 2.

Conforme autores e ob. cit., a pág. 834, no primeiro destes preceitos consagra-se o direito a que ninguém seja arbitrariamente privado da habitação ou de não ser impedido de conseguir uma e no segundo de tais preceitos, reconhece-se que a família, enquanto instituição, é titular directo do direito fundamental à realização pessoal dos seus membros (ob. cit., pág. 856).

Como é óbvio, a decisão recorrida em nada contende com tais direitos, limitando-se a apreciar se o direito de remição foi ou não tempestivamente exercido e não a uma medida arbitrária de “expropriação, apropriação ou confisco” do bem vendido.

Não se trata de qualquer medida ou forma de ilegítima e ilegalmente se desapossar o proprietário do bem vendido, mas apenas e tão só de, pelo meio legalmente previsto – processo de execução – se cobrar uma dívida de que é sujeito passivo o respectivo proprietário.

Assim, também, estes preceitos se não mostram violados, em função do que, igualmente, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

           

Nestes termos se decide:

Julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Coimbra, 27 de Maio de 2015.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves